História A Nova Ordem (Após Boo) - Iniciação

Jack –

Jack acordou se sentindo quase tão dolorido como no dia de sua quase morte. Suas costas haviam voltado a doer intensamente, e o chão duro da caverna não ajudava em nada. Na realidade, só havia provocado a dor. Por um segundo, pensou em onde estava e como seria difícil sair dali. Exigiria muito trabalho árduo de sua parte. Isso fazia com que não tivesse disposição ou vontade de levantar. O fato de estar vivo já era bom, considerando que aceitara ajuda de um completo estranho.

O rapaz se sentou vagarosamente. Olhou em volta. Se encontrava sozinho na caverna, mas a luz do sol aquecia a ponta de seus pés. Sentiu um aroma maravilhoso, parecia frango. Sua barriga roncou, e só então foi perceber como estava faminto. Jack se pôs de pé. Ao chegar do lado de fora, a primeira coisa que viu foi Ajax sentado em uma pedra, segurando uma carne suculenta nas mãos. Havia um único pedaço suspenso por alguns galhos, acima do fogo. Jack estendeu as mãos sem ao menos perceber, pronto para sentir o sabor delicioso da comida.

Mas não foi bem o que sentiu. Em um segundo, sua mão já estava ardendo. Ajax havia lhe dado um tapa. Jack soltou um grito, surpreso pelo gesto repentino. Franziu as sobrancelhas:

- Eu queria somente pegar aquele pedaço!                             

- Ah, por favor, não comece a reclamar como um garotinho! Essa é a MINHA comida – respondeu friamente, o rosto não demonstrava pena alguma – Se quiser sair daqui moleque, acho melhor começar a se esforçar de verdade. Eu mesmo cacei essa aqui – ele apontou para carne, satisfeito – E você vai caçar a sua.

Jack observou tristemente enquanto o homem engolia o último pedaço que sobrara da comida. Parecia estar delicioso. Ou pelo menos, estava.

- Não quero ter que matar animais – resmungou em voz baixa

Ajax revirou os olhos demoradamente:

- Divirta-se com a fome. As frutas e castanhas aqui são muito limitadas. Além do mais, são do outro lado dessa floresta. Quando realmente estiver levando isto aqui a sério, me peça para te ensinar alguns truques.

O garoto por um momento considerou a primeira opção. Mas lá dentro, sabia que poucas castanhas e frutinhas não o manteriam vivo por muito mais de uma semana. Precisava da ajuda do grandalhão que se encontrava à sua direita. Muito contrariado, Jack cedeu.

- Certo, podemos começar? O que quer que eu faça primeiro?

- Antes, vamos ver você em ação – disse Ajax, com uma voz de puro tédio

Colocou agressivamente uma enorme lança nas mãos de Jack, que se desequilibrou com o peso. O homem não falou nada, apenas fez um movimento com a mão, que indicava que o outro deveria segui-lo. Foram andando até chegarem em uma parte da floresta que podiam-se ouvir pássaros cantarem suavemente.

Era um ambiente tranquilo, bom para relaxar, talvez deitar-se na grama verde e ficar observando as nuvens e o céu azul. Porém, não era bem para isso que estavam ali. Ajax lhe deu um cutucão e depois apontou para uma pequena criatura.

- Um coelho?! – interrogou Jack, pasmo – Você quer que eu mate um pobre e inocente coelho?

- Mire e acerte garoto, mire e acerte. Está na hora de provar seu valor. Ande logo com isso.

Ajax não lhe dava espaço para questionamentos. As mãos de Jack estavam ligeiramente trêmulas, ele realmente não queria fazer aquilo. Fechou um dos olhos, para ver se conseguia mirar melhor. Por fim, arremessou a lança. Ela caiu uns dois metros longe do alvo, que se assustou e saiu pulando na mesma hora.

- Olhe, eu acho que não sou bom nisso enten...

O menino parou no meio da frase, pois um grito de dor saiu pela garganta quando menos esperava. Ajax tinha lhe feito um talho no braço. Sentiu a manga da camisa ensopar. Levou a mão esquerda ao ombro, tentando não cair no chão de dor.

- O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO? – virou-se para o homem, que tinha uma expressão neutra

- Lhe treinando – ele deu um sorriso – Vai aprender, por bem ou por mal. Sabe, dizem que quando você aprende a lidar com a dor, se torna praticamente invencível.

- Você é louco! – gritou afastando-se do homem – Acha mesmo que vou me manter ao seu lado depois disso?!

- Ah, você vai – Ajax o encarou com um sorriso sarcástico – Deixe eu lhe dar o bom motivo, garoto. Eu posso lhe treinar, fazer de você um guerreiro incrível, temido por qualquer outro. Vai ser admirado. Quer mesmo continuar sentindo que é um fraco perto dos amigos e da mulher que você ama? Vá em frente, fique à vontade para passar vergonha.

O homem havia mostrado uma parte de sua personalidade que Jack ainda não tinha tido a  oportunidade de ver, e agora tudo o que deseja era que tivesse continuado sem ver. Era quase como se Ajax soubesse o ponto fraco do mortal.

- Ou o quê? Vai me fazer um grande herói e eu vou voltar para casa vitorioso e blá blá blá? – perguntou, cético

- Certo, vejo que vou ter que apelar.

Jack se afastou um passo, pronto para correr, pensando que talvez o homem fosse feri-lo novamente. Felizmente ou infelizmente, ele não fez isto. Estalou o pescoço, como estivesse se alongando. De repente, algo extremamente bizarro aconteceu. O rosto dele foi mudando, as feições foram alargando em certos pontos e diminuindo em outros, até que a roupa também mudou e quando Jack piscou, estava diante de um homem completamente diferente.

- Quem... O quê? – gaguejou o menino

- Bem melhor. Espero que agora tenha o bom senso de fazer exatamente o que eu disser – grunhiu o outro

- Quem é você, realmente?!

- Oh, desculpe, vamos nos apresentar devidamente. Sou Ares, o deus grego da guerra.

Jack estava com o coração disparado. O rosto do deus era coberto de cicatrizes, e ele usava óculos escuros. Aquela raiva, sede de sangue que parecia emanar, agora tinha se multiplicado. A ideia de ser um herói agora não parecia tão ruim.

- Por que você está tentando me “ajudar”? – Jack pôs um pouco de sarcasmo na palavra ajudar

Mesmo tentando não aparentar, estava com medo. Nunca tinha visto nenhum deus, e agora descobrira que havia um que passara uma noite inteira ao seu lado.

- É uma longa história. Afrodite está muito obcecada ultimamente. Ela me pediu para ajudar você. O que eu ganho com isso é poder ver você tentando aprender, e eu corrigindo. – Ares deu um sorriso perverso – Isso vai ser bem divertido.

Agora Jack não estava em condições de dizer não. Seria uma burrice tentar. Dois deuses estavam envolvidos naquela história, e ele era somente um mortal destreinado. Talvez, com a ajuda brutal de Ares, realmente conseguisse evoluir. Por bem, ou por mal. Não que tivesse muita escolha.

- Quem era o homem por quem estava se passando? – perguntou o rapaz

- Só um herói que já está bem morto – respondeu com descaso

- Não tenho tempo para ficar com esses jogos – falou Jack furiosamente – Preciso encontrar meus amigos e Reyna. Preciso que saibam que estou vivo. Há coisas mais importantes para serem feitas.

- Isto se você não fosse um fardo – disse Ares com desgosto – Não pode ajudá-los em praticamente nada. Eu poderia até dizer que está facilitando a vida de muitos deles parecendo que está morto.

O menino sentiu uma pontada no peito. Sabia que parte daquilo era verdade.

- Porém, se fazer o que eu mandar, vou ajudá-lo a sair daqui, e então poderá realmente conseguir agir de forma útil. Eu poderia simplesmente deixá-lo aqui, moleque, não reclame da sua sorte. Por mim, você estaria morto. Afrodite insistiu em salvá-lo. Estou realizando o desejo dela, mas não vou garantir que isso vá durar por muito tempo se você não cooperar.

A ameaça estava aparente na frase.

- Certo... – Jack cruzou os braços, se dando por vencido – Me treine.

Ares jogou-lhe novamente a lança afiada, também um arco com flechas, e mandou achar outro alvo. Eles passaram o que pareceram ser horas nisto. Jack sempre errava, por querer ou sem querer. Já deveria estar com uma dúzia de cortes, e não aguentaria ficar assim por muito tempo. Teria que conseguir fazer aquilo. Por Reyna. Para sair dali.

Já se encontrava exausto quando ergueu o braço mais uma vez para tentar acertar um coelho branco. Desta vez havia escolhido o arco. Lanças eram para animais maiores.

- Segure o arco com firmeza – ele ouviu a voz de Ares – Não tenha medo, ele quem tem que ter medo de você, moleque.

Jack sentiu raiva, lembrou de seu irmão, lembrou de como seus pais ficaram decepcionados ao saber que ele fazia coisas terríveis. Que não amava a própria família. Ele havia estragado sua vida. Tentado tomar sua namorada. O coelho continuava distraído, sem ter noção de que estava na mira de alguém.

- Mate – a voz parecia distante agora

Jack tinha uma boa mira, mas os medos e inseguranças o faziam errar. Puxou a flecha lenta e silenciosamente. Era como se os desejos de Ares estivessem o controlando. A flecha cortou o ar furiosamente, e finalmente acertou o alvo, que caiu, morto, imediatamente.

- Já era hora. Agora vamos para algo maior.

O deus sorriu novamente, com crueldade, enquanto Jack olhava para as próprias mãos, incrédulo. Até onde isto iria?