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História A Quinta Dimensão - Seis


Escrita por: slay0x

Capítulo 6 - Seis



   A SOPA DE Nora parece mágica. Instantaneamente, sinto como se os sintomas do resfriado diminuíssem em noventa porcento. Eu sorrio enquanto devoro a servida, soltando muxoxos de aprovação vez ou outra. Alex também está comendo como um condenado ao meu lado, e Nora sorri para nós, balançando sua cabeça enquanto come também, mas de forma mais... Civilizada. Apesar da leveza no ar e o clima de descontração, eu ainda sinto o olhar do garoto sobre mim. Pergunto-me se não nos precipitamos, e tenho medo que nossa amizade vá por água abaixo devido ao beijo. E se ele pensar que foi um erro? E se não tiver gostado, ou algo assim? A insegurança me faz querer vomitar, e eu paro de comer a sopa quase que imediatamente. Nora repara na minha expressão enjoada e levanta uma sobrancelha na minha direção, mas eu apenas balanço a cabeça, dizendo que está tudo bem, que eu estou satisfeita. Sinto-me insegura, de uma hora para outra. E sabe quando você sente que há alguém te observando, chegando a ponto de tirar sarro de você pelas costas? Pois é, o sentimento é o que me possui no momento. Eu engulo em seco, fechando os olhos. Sinto como se alguém estivesse rindo de mim, embora apenas Alex e Nora estejam em minha casa, e ambos estão normais. Abro meus olhos, espalmando minhas mãos na mesa e me colocando em pé. Sinto meu estômago revirar, e faço uma careta ao sentir gosto de bile subindo por minha garganta. Nora e Alex param de conversar sobre um tal de festival de outono que ocorre em New Haven e me encaram, as expressões preocupadas. Eu apenas balanço a cabeça para eles e começo a andar até o banheiro mais próximo, tendo certeza de que eles entenderam o que está acontecendo comigo.
Eu corro pelos corredores, abrindo a porta do banheiro social com mais força do que o necessário. Antes da janta ser expulsa de meu estômago, a única coisa que consigo fazer é me abaixar na frente do vaso sanitário, e aí eu vomito. A sensação é horrível, como se a sopa tivesse tomado um rumo pelas minhas estranhas e se tornado ácido no seu caminho de volta. A única coisa que posso fazer é ficar agachada em frente ao vaso e expulsar tudo de meu estômago: seja desde meu café da manhã até a janta que Nora preparara. Quando eu termino de vomitar, me parece que se passaram séculos. Meu estômago dói, minha garganta lateja. Eu faço uma careta para mim mesma e evito olhar para o conteúdo dentro do vaso sanitário. Baixo a tampa do mesmo e dou descarga no vômito, me obrigando a ficar de pé com minhas pernas fracas e trêmulas. Acabo por me apoiar na pia respirando fundo e me forçando a pegar minha escova de dente. Meu maior desejo é tirar o terrível gosto de bile de minha boca, e então, eu escovo meus dentes.

   — Adrey? – a voz de Alex atrás de mim me faz levantar minha cabeça e o encarar no reflexo do espelho. Sua expressão é preocupada, e eu sorrio enquanto continuo a escovar meus dentes. – Tá tudo bem?
   Fungo baixo, assentindo enquanto faço uma concha com minhas mãos, juntando água nela e gargarejando minha boca. Assim que termino, solto um suspiro, estalando minha coluna. Droga. Porque tinha que dar ruim logo quando ele estava ali? Fecho os olhos, apoiando a cabeça em minhas mãos, cujos cotovelos estão sobre a cuba da pia. Então eu sinto uma mão em minhas costas, fazendo um carinho que desejo durar para sempre. Sinto, de novo, aqueles pequenos choques percorrendo meu corpo. É bom. É ótimo.
   — Tem certeza? – ele pergunta, depois de alguns segundos em silêncio. A preocupação é palpável em sua voz. Abro meus olhos, levantando minha cabeça e o encarando no reflexo do espelho.
   — Foi só um enjôo, acho que é virose. – eu falo, encolhendo os ombros e dando um sorriso fraco. Levanto-me totalmente, virando-me de frente para ele. – É sério, Alex. Não é nada demais.
   Ele dá um suspiro, bagunçando seus cabelos enquanto fecha os olhos brevemente, tornando a abri-los e então me encara com aquela imensidão verde. Sinto meu corpo esquentar quando meus olhos cruzam seus lábios avermelhados, e a única coisa que consigo fazer é piscar, para tentar me concentrar. Sinto a mão dele em meu ombro, fazendo círculos com seu polegar nele.
   — Adrey... Você sabe que pode contar comigo, não é? – por algum motivo, eu sei que sua pergunta não se refere apenas ao enjôo repentino, mas sim à tudo que ele ficou sabendo sobre mim mais cedo, sobre os e-mails, sobre Leah, sobre o Olhos Vermelhos e sobre meu passado. Claro que, há coisas sobre meu passado que nunca disse a ninguém. Nem eu mesma quero pensar sobre essas coisas. Talvez eu precise fazer terapia.
   Eu pisco, e assinto, apertando meus lábios numa linha fina.
   — Eu sei... Eu sei... – digo, assentindo, como que para convencer a mim mesma do que acabei de dizer. Posso ver nos olhos dele que está preocupado comigo, e isso me aperta o peito, apesar de que uma parte de mim se sinta acolhida por saber que ele se importa. Solto um suspiro. – É só muita coisa... Pra processar, pra aceitar. É muita coisa acontecendo de uma vez só, Alex.
   Ele assente, fechando os olhos brevemente. Por um momento, passa por minha cabeça o fato de que não, ele não entende, mas algo dentro de mim, algo que poderia ser chamado de “sexto sentido”, me diz que eu estou errada quanto a isso. Ele entende. E muito.
   — Eu não quero que você se sinta mal pelo o que aconteceu. – ele diz, seu tom de voz meio hesitante. Ergo meus olhos para fitá-lo, arqueando uma sobrancelha. O que aconteceu? O beijo, ou o vômito? Isso me deixa tonta. Alexander me aperta com mais força, se aproximando. – Quer dizer... Eu... Eu quis aquilo. Mas ainda assim não quero que nos afastemos.
   Respiro fundo. O beijo. É isso. Ele deveria ter medo de nós acabarmos parando de nos falar, assim como eu tive medo.
   — Não se preocupe com isso. – falo, abrindo um sorriso de canto. – Eu também quis.
   Ele retribui meu sorriso, e então se aproxima para selar nossos lábios mais uma vez.

 
   Mais tarde, é quase uma briga para que eu consiga convencer Nora de que não irei morrer caso passar aquela noite sozinha. Alex, por sua vez, não discute quando digo que preciso ficar sozinha. Isso me dá uma estranha vontade de chorar, por pensar que ele compreende meu lado. Após uma seção de beijos, abraços e piadinhas vindas de minha amiga sobre ela poder competir com a Estátua da Liberdade por quanto tempo alguém consegue segurar uma tocha, porque o conceito de “vela” havia sido ultrapassado há muito tempo, eu fecho a porta da frente e me vejo sozinha em casa. Um suspiro longo escapa por meus lábios, e me obrigo a andar em direção ao meu notebook, ligando-o e esperando a meia noite chegar.
Entretanto, dois minutos antes das zero horas, eu quase caio da cadeira quando a campainha toca. Meu coração parece querer saltar de minha garganta, e não sei quem em sã consciência viria me visitar tão tarde da noite assim. Alex teria voltado? Ele teria esquecido alguma coisa aqui? Nora tinha dado a louca e resolvido dormir aqui porque acha que não posso ficar sozinha quando gripada?
   Meus pés parecem se agarrar no chão de madeira sintética do corredor que dá para a porta da frente, mas ainda assim eu me obrigo a continuar. Quem quer que seja, deve ter um bom motivo para bater na casa de uma estudante normal, tarde assim da noite.
   E se for um estuprador?
   Ah, eu poderei dar um chute bem no meio das bolas do desgraçado, além, claro, de rir da cara dele.
   Preciso ficar na ponta dos pés para ver pelo olho mágico, e tudo que consigo observar é a varanda e as escadas vazias. Não há ninguém. Eu suspiro, dando as costas para a porta e começando a andar em direção ao computador. Porém, a campainha toca novamente. Um arrepio percorre minha espinha, e não tenho certeza como consegui reunir coragem para voltar até a porta e ver de novo pelo olho mágico. Nada. Suspiro, encostando minha testa na madeira da porta. A gripe deve estar mexendo com a minha cabeça. É isso. Respiro fundo, balançando minha cabeça. Não foi nada. Apenas um mau contato na campainha. É. Deve ser isso. Tem de ser isso.
   Desencosto-me da porta, voltando até a mesa do computador, fechando meus punhos com força quando olho para o relógio digital do notebook. 
00:02. Uma onda de ódio, decepção e aflição invadem meu peito, e eu fecho a tela do computador com força, me dirigindo até meu quarto enquanto piso duro. A única coisa que pude fazer antes de apagar devido a um sono repentino e arrebatador, foi deitar na cama.

   Quando eu abro os olhos, estou sentada em uma cadeira.
Tento mover minhas mãos, mas assim que meus olhos pousam em meus pulsos, eu noto que estão presos por correntes. Meus tornozelos se encontram no mesmo estado, e estão machucados onde as correntes entram em contato com a pele. Não sei onde estou, mas ao olhar ao redor percebo que é uma espécie de estacionamento subterrâneo. Não há luz, e eu tenho de forçar meus olhos para se acostumarem com o breu que me rodeia. Há algumas colunas espalhadas pelo local, e posso sentir que estou usando uma espécie de macacão de hospital. Tento gritar, mas não consigo, sinto como se minhas cordas vocais me fossem arrancadas. Nada sai, e minha respiração é a única coisa que se pode ouvir por alguns segundos.
   Depois disso, passos começam a ecoar, e tenho certeza de que meu coração vai saltar por minha boca. Um arrepio percorre meu corpo e não tenho mais vontade de descobrir o que está acontecendo. Na verdade, quero fechar os olhos e dizer a mim mesma que está tudo bem, que nada está acontecendo, mas não consigo nem sequer piscar.
   Está acontecendo novamente.
   Eu engulo em seco e tento controlar meus batimentos cardíacos, mas parece que quanto mais tento manter a calma, mais eu fico nervosa e apavorada.
Os passos se aproximam, e pela minha esquerda eu juro que vi um vulto passar correndo a alguns metros de mim. Sussurros começam a me perturbar, no entanto não consigo entender o que eles dizem. Os passos parecem mais suaves, mas ao mesmo tempo amedrontadores. Não sei o que está acontecendo, e não quero nem saber. Minha respiração começa a ficar mais pesada e eu forço meus pulsos contra as correntes, sentindo minha pele arder aonde elas tocam. Há um ruído de tecido em minha frente, e assim que olho para onde o barulho veio, consigo captar um vislumbre de uma espécie de capa se movendo, destapando um buraco em uma parede aonde uma fraca luz entra, iluminando um pouco o lugar. Sinto-me tremer. Que merda de lugar é esse?
   Quando eu olho para minha direita, uma porta se abre, e uma silhueta de um homem aparece, andando em minha direção. Eu tento gritar, mas meus lábios estão tão rachados que não consigo movê-los. Eu olho para o lado oposto da porta e o barulho dela se fechando me faz pular na cadeira. Não consigo me conter, olho para os lados, e não há nada de suspeito, mas ainda sim sei que não sou a única naquele lugar. O homem sumiu no escuro, mas além dele há mais alguém, eu o vi.
   Está acontecendo novamente.
   Os sussurros voltam, circundando-me e me fazendo assustar ainda mais.
Viro para os lados, tentando ouvi-los melhor, mas eles se dissipam no ar. O som de pingos começa a ecoar pelo local e eu não sei o que sentir ou pensar. Quero só sair dali, correr até não ouvir mais nada, ou gritar até que meus pulmões doam. E então, luzes começam a picar. Eu consigo ter uma visão breve do lugar, do chão de concreto, e vejo que não é um estacionamento, é como se fosse um porão velho. Há fios elétricos no teto, e algumas lâmpadas espalhadas pelo lugar. A iluminação oscila, e eu pulo outra vez na cadeira, assustada. Um barulho de ferro sendo arrastado no chão ecoa pela sala, e quando eu viro minha cabeça, vejo uma mulher parada de camisola branca virada para uma parede. Dou mais um pulo na cadeira, forçando meus pulsos e canelas contra as correntes, mas nada acontece. Uma lágrima de pavor desce por minha bochecha assim que as luzes oscilam novamente, e a mulher ainda está naquela posição. Uma espécie de rosnado ecoa pela direção contrária a qual estou olhando, mas não ouso desviar o olhar da mulher. E então, eu mordo minha língua quando as luzes acendem e se apagam novamente. A mulher está virada para mim.
   Está acontecendo novamente.
   Estou mordendo meu lábio inferior com tanta força que sinto o gosto de sangue em minha boca. Não consigo gritar, e essa é a única maneira que encontro de descontar meu pavor. Minhas mãos estão fechadas em punho, e os dedos de meus pés encolhidos. Os sussurros voltam a todo o vapor, agora tão altos que quase fico surda. As luzes se apagam novamente e eu quero morrer.
   Quando olho para o lado que a mulher estava, as luzes começam a piscar de novo, e cada vez que elas piscam, a mulher se aproxima mais e mais, com seu rosto pálido e os olhos sem cor. Eu reconheço-a mesmo assim. É Nora.
   Mas não fico feliz ao ver ela, eu quero sair correndo. Ela me parece tão... Demoníaca. Tão... Assustadora.
Abro minha boca para gritar, mas de lá nada sai, nem um ruído sequer. E então, as luzes se apagam por alguns segundos, e quando retornam, não são as luzes que estão ligadas, mas sim um holofote no chão, ao meu lado, e o rosto de Nora está refletido nele. Ela berra, um grito pavoroso, que me dói na alma, e então as luzes se apagam novamente.
   Meu coração está preste a explodir, e ainda não consigo gritar. Quando as luzes oscilam de novo, Nora some. E um homem mascarado com uma faca está parado a alguns metros de mim. Eu engulo em seco novamente, querendo morrer mais do que nunca. A escuridão e o silêncio retornam de novo, e por um momento, me permito suspirar, aliviada. E então, os pingos retornam, gradativamente mais altos, me deixando mais e mais apavorada. Nunca senti tanto medo quanto agora. Sinto-me em choque, catatônica. As luzes piscam, e minha visão se torna embaçada. Posso notar, mais à frente, um homem andando, não em minha direção, mas ainda sim está andando. Não... Ele está dançando. E eu não entendo o porque diabos ele está dançando.
As luzes se acendem por um segundo, e dessa vez, Nora está sentada em minha frente no chão. Ela me encara fixamente com seus olhos vazios, sem vida, e eu arregalo os meus, úmidos de lágrimas.
E quando, finalmente, ela fala, meu coração parece parar:
   — Ele está vindo.
 



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