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História A Quinta Porta - O Chaveiro


Escrita por: Dexterfarias

Capítulo 3 - O Chaveiro


O dia seguinte passou bem devagar. Alan não podia negar que estava ansioso por finalmente poder sair com Marjorie depois de tanto tempo, mas também estava apreensivo. Afinal, era meio que loucura ir a um local que desconhecia, seguindo a dica de um bilhete cujo autor era representado apenas pelas iniciais N.W. e nada mais. Além disso, levar Marjorie poderia ser perigoso. E se fossem sequestradores? Estaria levando-a para uma armadilha? Um local perigoso?

 Mas no fundo ele sentia que não podia ser isso. O modo como o autor se referira à rua... “Rua Perfeita” era como sua mãe costumava chamar o local. Disso ele se lembrava. Como o autor poderia saber disso? Seria alguém conhecido? Ou uma incrível coincidência? E o modo como o autor parecia conhecê-lo... Prometera aventuras. Como era possível? Havia muitas perguntas e poucas respostas. Novamente deitado em sua cama, Alan tentava inutilmente desvendar o enigma. Lia e relia o bilhete, mas nenhuma pista lhe vinha à cabeça. Decidiu, por fim, seguir em frente com o combinado. Iria até lá com Marjorie, e lá encontraria as respostas que procurava.

  A manhã passou vagarosamente, e o almoço foi como de costume. Sua avó não falava muito, mas fazia uma comida impecável. Alan e o avô tentavam ajudá-la o máximo que conseguiam, mas ela sempre insistia em fazer tudo sozinha. Por fim eles desistiam, preparavam a mesa e ficavam jogando cartas enquanto esperavam. Quando tudo estava pronto, eles sentavam-se e faziam um pequeno agradecimento silencioso pela refeição. Alan adorava estes costumes antigos; A solenidade e a beleza destes gestos simples dava um sabor sem igual à refeição. Comiam em silêncio, este quebrado apenas pelo canto dos pássaros nas árvores lá fora. Tudo era paz naquele momento; Um dos poucos de quietude que Alan gostava.

  Após o almoço Alan e o avô lavavam as louças. A avó ia para o quarto, balançar-se em sua rede pelas próximas horas. Os dois ficavam a sós, e conversavam bastante. Eram mais do que avô e neto, eram amigos de verdade. Em uma conversa os dois eram ótimos ouvintes, mas o avô naturalmente se dignava a escutar mais o neto, talvez pela óbvia experiência, talvez porque o Alan ainda estivesse descobrindo as voltas da vida, voltas que Seu José já completara. Quando acabavam, sentavam-se um momento ao lado da janela para aproveitar o vento fresco que vinha da rua.

- Um chá cairia bem agora, não é seu José? – disse Alan.

- Ah, com certeza cairia. – Seu José respondeu, risonho.

- Se todos gostam tanto de seu chá, porque não faz todos os dias? – Alan perguntou.

  O avô suspirou.

- Se quiser dar algo a alguém Alan, dê aos poucos. Se entregar tudo de uma vez, as pessoas podem não aceitar bem.

 Alan calou-se, pensativo. Lembrou-se do papelão que fizera com Marjorie. Tentara entregar-se por inteiro e de uma vez só, rápido demais, intenso demais. E descobriu que o avô estava certo.

  Uma e meia da tarde o garoto subiu para o quarto, com uma ideia na cabeça. O bilhete dizia que uma aventura o aguardava. E se fosse verdade? Não poderia simplesmente ir até lá sem se preparar. Poderia levar algumas coisas úteis... mas o que levar para uma aventura desconhecida? Era uma incógnita.

  Abriu o armário dos brinquedos antigos, mas não viu nada que pudesse ser útil, pelo menos à primeira vista. Procurou em algumas caixas velhas, e a nostalgia tomou conta de seus pensamentos: várias coisas de quando ainda era bebê, encaixotadas e cheias de lembranças. O rosto do pai veio à memória imediatamente, com os cabelos ruivos e sorriso contagiante. Cada brinquedo que pegava lhe trazia à memória um pedacinho do seu passado. Apesar das boas lembranças, a tristeza começou a tomar conta de seu coração. Era duro não ter pais; pior ainda era lembrar-se deles, de como era amado, de um jeito que nunca mais poderia ser. O avô o amava, tanto quanto a um pai, disso tinha certeza; mas a lacuna em seu coração não pudera ser preenchida por ele.

  Resolveu guardar os objetos onde os encontrara. Colocou-os de volta na caixa e empurrou-a para o fundo do armário. Nesse momento algo chamou sua atenção: um objeto pequeno, guardado no cantinho poeirento, como que escondido. Pegou-o; era uma pequena bússola-chaveiro, com uma pequena chave, toda cinza. Olhando mais de perto, percebeu que era linda. O cinza-tempestade era trabalhado, com detalhes que lembravam raios. A bússola parecia antiga, e não tinha ponteiro. Alan limpou-a e guardou no bolso.

  Procurou mais coisas, mas tudo de útil que conseguiu foi um antigo canivete de seu pai. Se fosse mesmo uma armadilha, ele seria útil. Só não tinha certeza se conseguiria usá-lo contra alguém; nunca lutara antes, só briguinhas de colégio quando era criança, e mesmo nessas perdia quase sempre. Mas o canivete talvez fosse útil para cortar alguma coisa.

  Aproveitou para limpar o armário, que estava bastante empoeirado àquela altura. Em seguida foi tomar um banho, e às duas e meia em ponto desceu para encontrar-se com Marjorie. Ela também saía de casa na hora; era bastante pontual.

- Pronto pra ir? - Perguntou ela, oferecendo a ele outro chiclete, que ele dessa vez aceitou.

- Claro. Vamos. – ele disse, tentando disfarçar sua preocupação.

  Os dois resolveram ir a pé; a rua doze não era longe dali senão por algumas quadras. Em vinte minutos estariam lá. Foram conversando sobre coisas diversas, que há muito não falavam; era bom tê-la como amiga novamente. Era muito inteligente, culta, e ainda por cima era esgrimista. O esporte estava em seu sangue; já praticara artes marciais, boxe, até surfe. As provas estavam ali, em seu corpo atlético e bronzeado. Todos os garotos que Alan conhecia sonhavam em namorá-la, mas ela nunca tivera um namorado, pelo menos que ele soubesse. Isso o dera esperanças por um tempo, mas aos poucos ele percebera que ela não iria querer algo sério tão cedo. Resolveu esperar e torcer.

  Após andarem algumas quadras jogando conversa fora ele lembrou-se aonde iam e ficou em silêncio. Havia mágoa presa em sua garganta. Não era justo que ele a enganasse assim. Estavam tentando ser amigos como nos velhos tempos, e nestes Alan não mentia para ela. Marjorie notou seu desconforto.

- O que foi, Alan? – perguntou ela, preocupada. – ficou mudo de repente. Falei alguma coisa errada?

- Não, não foi isso – ele disse rapidamente. – é que eu preciso te contar uma coisa. Eu.. na verdade, menti para você.

   Ela parou. Olhou fundo nos olhos dele.

- Mentiu para mim? Como assim? Quando?

  Ele respirou fundo, e desabafou. Contou como encontrara o bilhete na soleira da porta e o que ele dizia. Mostrou-o para ela, pois ainda o trazia no bolso. Ela leu o bilhete, e quando terminou ficou em silêncio por um momento. Por fim, disse:

- Alan, você sabe que isso pode ser uma armadilha para nós, não sabe?

- Sei, é claro que sei – ele justificou-se. – eu até me preparei para isso – e mostrou o canivete que trazia no bolso.

   Marjorie afastou-se um passo dele, perplexa.

- Você por acaso ficou maluco? – ela aumentou o tom de voz. – o que pensa em fazer com isso?

- Isso é só por precaução – ele disse. – Olha Marjorie, na verdade eu não acredito que estejamos indo para uma armadilha.

- E como você pode saber disso? – ela perguntou, atônita.

- Eu não sei! – ele também aumentou o tom de voz. – olha, sei que parece loucura, mas eu tenho uma intuição. Algo está me chamando, me dizendo para ir. O modo como a carta foi escrita – ele abriu-a novamente – é como se a pessoa que escreveu isso me conhecesse profundamente!

- E se essa pessoa que te “conhece profundamente” – ela respondeu, em tom de ironia – na verdade te observa há muito tempo, e sabe essas coisas sobre você?

- É uma possibilidade – ele admitiu – mas é por isso mesmo que tenho que ir. Entenda – ele disse, desculpando-se – que eu não quero colocar você em perigo. É por isso que estou te contando tudo. Não posso mentir para você. Nem sei onde estava com a cabeça quando te convidei. Quero que você volte para casa, agora.

  Ela calou-se, olhando-o fundo nos olhos. Viu a determinação neles... ou seria teimosia?

- Então vamos – ela respondeu, enfim. – venha comigo pra casa.

- Não Marjorie, eu não vou – ele decidiu-se. – preciso descobrir, não vou conseguir dormir enquanto não encontrar a resposta sobre quem me mandou isso. Preciso saber.

  Ela calou-se e olhou-o atentamente, como se fosse a primeira vez que o visse. Mas já esperava essa resposta.

- Muito bem – ela decidiu-se.  – então eu vou com você.

- Não, Marjorie, eu... – Ele começou a protestar, mas ela fez sinal para que ele se calasse.

- Você acha mesmo que eu ia deixá-lo ir sozinho? Ficou maluco? – ela repreendeu-o. – Se você vai, eu vou. Se for mesmo uma armadilha, um de nós pode ter a chance de buscar ajuda.

  Alan teve que conformar-se. Sabia que quando ela colocava algo na cabeça, ninguém a fazia mudar de ideia.

- Muito bem. – ele disse. – mas ao primeiro sinal de perigo, corremos. Certo?

- Nem precisava perguntar. – ela riu.

  Os dois continuaram a caminhada em silêncio, um pouco mais aliviados, mas decididos.

- Sabe Alan, você poderia me chamar como antes – ela disse.

- Chamar? – ele perguntou. – pelo seu apelido? Jo?

- Sim, este mesmo.

- Achei que você não gostasse dele.

- Achou errado.

- Ok, Senhorita Jo.

  Os dois riram, mais leves. Após alguns minutos de caminhada e conversas soltas, enfim chegaram à rua doze. A tensão tomou conta deles novamente.

- Preparado, Alan? – ela perguntou.

- Sim. – ele respondeu, trêmulo de excitação.

 Caminharam pela rua doze em silêncio, um pouco tensos. Não se via ninguém àquela hora. Deviam estar provavelmente dormindo após o almoço. Era uma rua comum, com algumas árvores aqui e ali, e as casas em maioria eram brancas. Procuraram pela casa número 8, mas chegaram ao fim da rua e não encontraram. Na verdade, já estavam no número 32.

- Você viu a casa oito? – perguntou Alan.

- Não – Marjorie respondeu – será que é algum tipo de pegadinha?

 Poderia ser, pensou Alan. Ele não havia pensado nessa possibilidade. Será que poderia ser uma pegadinha de alguém? Resolveram voltar e procurar com mais cuidado. A rua era longa, então refizeram o trajeto olhando atentamente os números das casas.

- Veja, é o número seis... – ia contando Marjorie. – Número sete agora... então a próxima deve ser..

  Ela engoliu as palavras. O número oito não era uma casa. Na verdade, eles nem sabiam dizer por que imaginaram que fosse uma casa. Talvez o medo de uma possível armadilha os tivesse levado a pensar assim. Na verdade, o número oito era...

- Um chaveiro? – Alan estava confuso. Aquilo não fazia sentido.

  O número oito da rua doze era uma lojinha pequena com um letreiro bem gasto em cima, onde estava escrito o nome “Chaveiro” em letras garrafais. Havia várias chaves bonitas em exposição na vidraça, mas elas atrapalhavam a visão do que havia por dentro da loja. Uma plaquinha por dentro da porta também de vidro dizia “Fechado”.

- E agora? - Perguntou Marjorie.

- Acho que foi mesmo uma pegadinha – disse Alan, um pouco aliviado, um pouco decepcionado. – de alguém bem idiota. E eu caí nessa.

  Neste momento seu celular vibrou no bolso. Era o alarme; ele o programara para as três da tarde, horário marcado no bilhete que recebera. No mesmo instante alguém veio até a porta da loja e virou a placa, que passou a exibir “aberto”. Alan desligou o alarme. Olhou para Marjorie, e viu a mesma pergunta no seu rosto. Deveriam entrar?

- Não custa tentar – ele falou.

Marjorie deu de ombros, e os dois entraram.



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