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História Algo a Temer - O Natal


Escrita por: LFAL

Notas do Autor


O mistério foi revelado.
Algo mudou para sempre a vida dos sobreviventes.

Capítulo 10 - O Natal


Capítulo Dez

 

“O Natal”

 

 

 

       

O dia começou triste.

O que seria normalmente uma data festiva e de alegria para milhões de famílias tinha se tornado outro dia qualquer, dentro de um apocalipse interminável.

Ninguém lembrava direito que o natal havia chegado, pois todos estavam preocupados com o sumiço de Milena.

— Bom dia... Se é que você conseguiu dormir... — cumprimentou Luiz, enchendo dois copos de achocolatado, que estava dentro da despensa.

Isaac aceitou de bom grado, tomou um gole, e sentou-se ao redor da mesa da sala de estar, cruzando os braços logo após.

— Já amanheceu, temos que fazer alguma coisa, procurar por ela ou sei lá... Pensar em uma medida urgente... — disse o militar, bocejando e passando as mãos nos olhos.

— Eu sei. Ainda não estou cem por cento. Mas foda-se! Vamos atrás de Milena, só preciso de cinco minutos para organizar as coisas. Vou distribuir afazeres para o pessoal, pois não adianta ficar parado! — falou Luiz Araújo, pegando algumas torradas que estavam dentro de uma cesta, feitas na noite anterior.

Eles terminaram de comer e foram se preparar para sair.

Amanda e Carla tinham adormecido no sofá da sala. Uma deitou a cabeça em um dos braços e a outra cochilava profundamente encostada nas almofadas.

Maria, Carlos, Daniel, Luíza, Júlia, Gilberto, Sarah e Alana estavam dormindo nos quartos do primeiro andar, enquanto que Paulo e Cláudio ainda estavam desacordados.

— Carla? — chamou Luiz, cutucando seu ombro de leve.

A mulher abriu os olhos lentamente e, ao ver o rapaz, rapidamente despertou e enxugou um pouco de baba que descia do canto da boca.

— Hm? Ah, sim... Está tudo bem? — perguntou ela, ainda fora de si.

— Eu vou sair com Isaac para procurar Milena. Antes preciso conversar com você umas coisas. Não vou esperar todos acordarem, então você ficará responsável junto com Amanda por distribuir as tarefas, ok?

Carla era atraente até desajeitada.

Era o tipo de mulher que nunca conseguia ficar feia.

Mesmo acabando de acordar.

— Espere eu escovar os dentes que conversaremos, não vai demorar, certo?

Luiz acenou com a cabeça e sentou onde antes ela estava dormindo.

Carla entrou no banheiro do térreo e trancou a porta.

-— Amanda? Ei, acorde!

A médica levantou a cabeça devagar e tirou os cabelos pretos da frente do rosto.

— Quanto tempo eu dormi? – Indagou, bocejando.

— Não sei ao certo. Poucas horas. São quase cinco da manhã.

Isaac levantou da mesa e arrastou uma cadeira para perto dos dois, para participar da conversa.

Os olhos asiáticos da mulher eram muito bonitos também, e Luiz sabia que ela sentia algum tipo de atração por Isaac.

O modo como ela o olhava, tímida e cautelosa... Não era comum. Toda vez que ela encarava o militar, deixava escapar um leve sorrisinho.

Mas ele parecia não ligar.

Ou era idiota o suficiente para não perceber, ou então fingia não se tocar.

— Amanda, preciso que você, Carla e Luíza vão buscar o resto das armas. Isso é urgente! Precisamos de força bélica imediatamente! Vocês duas estão encarregadas de trazer TUDO pra cá, e depois disso, fazer um inventário completo de toda munição e arma que tivermos. Consegue fazer isso até meio dia? — perguntou Luiz, passando a mão nos cabelos pretos.

— Sim. Vou levar o Golf e trazer tudo. Mas antes tenho uma pergunta... Aquela SW4 na garagem não funciona? Aquela caminhonete é imensa e segura! Seria muito útil pra transporte e busca de suprimentos! — respondeu ela, levantando outra questão útil.

— Ainda não achamos as chaves dela. Por isso não conseguimos abri-la! Mas tenho quase certeza que está dentro da casa, só basta procurar! Mande Daniel e Alana fazer isso logo ao acordar, foi uma boa ideia sua! E outra coisa... Maria vai ficar aqui junto com Júlia para preparar o almoço e cuidar da nossa casa. Elas não sairiam tão bem assim lá fora, pois Júlia é uma mulher inteligente, mas bem agoniada, e Maria... bem... Maria é muito gorda, e não conseguiria correr de nada, então é melhor ela ficar aqui, em segurança! Por fim, mande Gilberto ficar na calçada em frente à residência da gente, pois quero que ele veja quem entra e sai e lembre de tudo, e também fique de vigia! Sarah vai ficar olhando os feridos. Não quero que ela saia do primeiro andar sem necessidade, beleza?

Amanda acenou e levantou-se, caminhando em direção às escadas.

— Só mais uma coisa... — continuou Luiz.

— Diga...

— Quero que você mesma procure saber quem foi que esteve na casa durante o desaparecimento de Milena. Faça isso o mais discretamente possível. Acha que consegue? — indagou, sério.

— Eu tenho certeza que foi alguém daqui que levou a garotinha... Então vou fazer amizade com os mais recentes membros aos poucos e bater um papo com eles. Seria suspeito você ou Isaac fazendo isso. Os dois metem medo em qualquer um daqui. Mas uma “simples médica” deve conseguir arrumar amizades facilmente, então conte comigo! — respondeu ela, também preocupada.

— Exatamente... Boa sorte, Nakamura!

— Boa sorte pra vocês dois também! — disse a moça, sorrindo e olhando diretamente para o militar.

— Obrigado... Espero que tudo dê certo hoje, e feliz natal pra você... Se é que isso ainda importa! — falou Isaac, retribuindo o sorriso para a médica, que aparentemente gostou.

— É isso aí... Feliz natal! E se Deus quiser vamos encontrar Milena!

Os dois rapazes pegaram suas mochilas, foram até o terraço para escolher algumas armas brancas e saíram da casa.

...

 

— “Feliz natal”... Isso é sério, cara? Aquela mulher sorri toda vez que te vê, e sua melhor tentativa de se aproximar é dando feliz natal? — zombou Luiz, ainda mancando e segurando um pé de cabra cinza escuro.

— Foi tão ruim assim? Eu já tinha percebido que ela se atraiu por mim, mas... Não imaginei uma forma legal de me chegar nela... Só que isso não importa agora! — disse Isaac, tentando mudar de assunto.

— Sério? Você provavelmente acabou de estragar o que ela tinha por você. Sei lá, mas... “Feliz Natal” não é uma coisa tão... Boa pra se dizer quando se quer chamar a atenção de alguém! Porra, cara... A médica te dá vários sorrisos e o melhor que você pode fazer é falar isso? — os dois tentaram segurar a risada por alguns segundos, mas não aguentaram.

Isaac e Luiz riram como se fossem dois adolescentes que se conheciam há muito tempo.

Como dois amigos de faculdade.

Mas tinham se conhecido a pouco mais de uma semana somente.

E sob circunstâncias terríveis.

Os ânimos voltaram a ficar entristecidos e toda a felicidade passou ao perceber que eles não tinham motivos para rir daquela maneira.

Precisavam encontrar a menina desaparecida, que poderia estar morta ou, na melhor das hipóteses, escondida e com medo.

Um silêncio constrangedor se instalou entre os dois, e decidiram continuar o trajeto.

— Bem... eu acho que deveríamos começar procurando dentro das casas vizinhas à nossa. Seria mais provável que se ela tivesse fugido ou... Sequestrada... Ela teria sido levada para o mais perto possível. Passamos aproximadamente umas doze horas pra perceber que ela sumiu. A garota só tem dez anos, morre de medo de infectados e não teria coragem de sair sozinha. Além disso, a única saída do condomínio estava bem movimentada na hora em que ela sumiu... — falou o militar, relembrando da invasão dos monstros.

— Você tem razão. Pelo que sei as dez primeiras casas à direita e à esquerda do nosso “acampamento”, foram bem exploradas e não tem mais nada que nos sirva lá. Seria bom recomeçarmos procurando por coisas fora do normal, tipo pistas, vestígios etc. Vamos pelo sentido horário. O condomínio é muito grande, e não podemos perder muito tempo batendo papo! Venha! — chamou Luiz, entrando na primeira casa à direita da residência em que todos estavam.

Era um local simples, mas moderno.

Praticamente toda a pequena casa contava com janelas de vidro e móveis luxuosos.

Alguns colchões tinham sido “furtados” dessa residência, por serem de boa qualidade e estar perto o suficiente para levar a pé para onde o grupo estava.

A casa tinha um muro pequeno, mais ou menos na altura do abdômen dos rapazes, pintado de cor vinho que chamava atenção por sua beleza um tanto “exótica”.

O pequeno portão que separava a rua do terraço era de ferro, com um design simples, mas arranjado.

Luiz e Isaac pularam o muro e começaram a vasculhar a entrada.

O gramado estava verde claro.

No terraço tinha um pé de manga bem nutrido e chamativo, com um balanço para crianças.

— Um balanço... Será que ela não veio pra cá? — indagou Isaac, preocupado.

O militar estava segurando um facão e levava consigo na parte de trás da calça sua Glock com um pente totalmente carregado. Eles sabiam que não teriam problemas naquela área, porém é sempre bom ser cauteloso.

Luiz estava agachado na entrada da casa, conferindo se tinham vestígios de sangue ou algo do tipo na porta.

“Isso vai demorar muito... e talvez não tenhamos as respostas que queremos...” pensou Isaac, coçando o queixo enquanto via que não tinha nada demais naquele velho balanço colorido.

Enquanto que o militar continuava vasculhando o terraço, Luiz entrou na casa à procura de alguma coisa fora do normal.

Ali tinham dois pequenos quartos (sem as camas e com muitas coisas faltando), um banheiro escuro, uma sala de estar bem projetada, uma cozinha apertada e, por fim, a despensa vazia.

O pessoal tinha pegado até o último item do local.

— Isaac? Tudo certo?

— Sim... Acho que devemos sair daqui e passar pra próxima...

Os dois homens levaram meia hora para analisar a casa, e depois partiram para a do lado.

— Fala sério... Quem você acha que dali poderia ter levado Milena? — indagou Isaac, encostando-se no muro da segunda casa que eles iriam vasculhar.

— Não faço ideia... Mas tenho minhas suspeitas. Gilberto, Alana, Sarah, Daniel e Maria. Não podemos excluir ninguém. Os outros estavam ocupados com seus afazeres, mas também não podemos negar que não nos conhecemos bem o suficiente para tirar conclusões. Pra ser sincero eu só confio em três pessoas: você, Amanda e Carla. Até mesmo Paulo eu não sei se devo confiar por completo. Mas tanto ele, como Cláudio, estão descartados dessa. Os dois estão muito fodidos para sequestrar alguém, acho bem improvável... — e Luiz tinha razão, Cláudio poderia ser um grande filho da puta, porém depois daquela pancada que levou na cabeça (a ponto de arrancar um pedaço da orelha), não tinha condições dele se recuperar em tão pouco tempo.

— Já que você falou em Cláudio... O que acha que devemos fazer com ele? Todos sabem que ele já matou pessoas antes de tudo, e isso não é bom. Também tentou matar Paulo por causa de um motivo bem besta... Precisamos fazer alguma coisa! — alfinetou o militar, com os braços cruzados e as sobrancelhas franzidas.

— Verdade. Ele é uma ameaça para o grupo, porém não podemos chegar e atirar na cabeça dele à sangue frio! — ao terminar de ouvir aquilo, os olhos de Isaac se esbugalharam.

— Mas... Não foi isso que eu estava dizendo... Eu só...

— Calma! Eu entendi! Só disse por dizer! O que eu quis falar é que não podemos eliminar ele como se tira uma erva daninha! Precisamos de um pretexto bom para excluí-lo da vida entre nós! Essa punição deve ser bem severa, por que só de estar perto dele já se torna uma ameaça! Além de assassino, ele batia na antiga esposa! Porra... Como eu odeio homem que bate em mulher... — afirmou Luiz, irritado.

— Eu também. É uma covardia tremenda. Só pra sua informação eu também odeio bandido. Hoje em dia o conceito “bandido” mudou muito, porém na nossa “época”, o tal do bandido era um grande filho da puta protegido pelos direitos humanos... Isso me dava ódio só de ver! Pelo menos agora sabemos que se alguém nos roubar, não tem pra onde ir e provavelmente vai se foder! Então dá pra ficar mais tranquilo... — comentou Isaac, suspirando.

— Porra, cara. Pra mim bandido bom é bandido morto. E também estuprador, assassino, serial killer e etc, etc, etc... O cidadão de bem deve ter o direito de se armar e se proteger. Pena que o estado de merda em que vivíamos não nos permitia isso. Olha só a bosta em que estamos agora, imagine se não tivéssemos um colecionador de armas aqui no condomínio? Será mesmo que estaríamos vivos ainda? — indagou Luiz, meio que já sabendo da resposta.

— Você tem razão. Eu não sou totalmente a favor disso que você falou, mas os tempos são outros, e agora não temos mais ninguém para nos julgar, e isso se torna um grande perigo, pois voltamos ao estado de natureza das coisas: o mais forte subjuga o mais fraco, e assim por diante. A justiça não existe mais, a dignidade não existe mais, o respeito não existe mais. A insanidade está impregnada no ar. Precisamos ter muito cuidado sempre para não passarmos dos limites, entende? — o militar estava preocupado com o destino deles dali pra frente, pois temia que as coisas saíssem do controle.

— Entendo perfeitamente. Nós vamos reorganizar tudo direitinho, trazer mais pessoas, aumentar nossas defesas, criar um conselho no futuro, quem sabe... Se Deus quiser e permitir! Agora chega de papo furado e vamos entrar nessa porra! – falou Luiz Araújo, abrindo o portão da segunda casa (que já tinha sido aberto anteriormente) para ver se encontrava a pobre Milena ali.

...

— Porra... Eu pedi pra ele esperar e... Ele foi embora. Nem “tchau” deu. O que deu nele? — perguntou Carla para Amanda, enquanto as duas estavam sentadas no sofá da sala.

— Releva isso... Ele só está muito preocupado. Luiz Araújo está sobrecarregado demais com todos esses problemas. Além disso, ele ainda tá machucado, com ferimentos no rosto, pelo corpo e mancando! Dá um desconto para o coitado! — pediu Nakamura, esboçando um sorriso.

— Tem razão... Eu só queria conversar com ele por alguns minutos e... Saber o que tem em mente, entende? — falou Carla, chateada.

Uma mulher reconhece na hora quando outra está começando a gostar de um homem, e esse foi o caso.

— Eu não tinha percebido antes, mas... Vocês estão...

— Mais ou menos... — respondeu a mulher de longos cabelos pretos, com um pequeno brilho nos olhos, que demonstrava o apreço que ela tinha pelo rapaz.

Amanda ficou boquiaberta e surpreendeu-se.

— Luiz Araújo, hein? Um cara legal, bonito, que gosta de tomar as rédeas de situações apertadas e que só vive se machucando... Não imaginava que ele fazia o seu tipo! — afirmou Amanda, sorrindo.

— Bem... No começo eu não achava nada incrível nele. Mas com o tempo... Desde que ele me trouxe pra cá, quando me encontrou na frente do meu antigo consultório... Eu acho que criei um respeito por ele. Que se desenvolveu e se tornou uma certa atração. Mas quando mal percebi, estava caidinha por aquele cara... Eu não sei se isso é bom ou ruim... Numa situação dessas e eu falando disso! Me desculpa! — disse Carla, sentindo-se culpada por estar falando de seus sentimentos enquanto que um dos membros do grupo estava desaparecido.

— Não se sinta assim! Vamos encontrá-la o quanto antes se Deus quiser!  Você vai ver! Mas voltando ao assunto... Luiz é um cara super legal! É decidido no que faz, inteligente e dá pra ver que é um líder nato! Ele sempre sabe como agir... E saiba que eu aprovo vocês dois! Gosto muito de você, Carla. Considero você a melhor amiga que tenho aqui! Saiba que sempre pode contar comigo! — ouvir aquilo foi como um calmante para o coração de Carla.

Ela estava precisando de alguém assim, e vinha há algum tempo se aproximando de Amanda, quem ela começou a gostar como se fosse uma irmã.

— É incrível como tão pouco tempo em uma situação difícil como a nossa faz os laços ficarem mais fortes... Você poderá contar comigo sempre também, amiga! Eu aprecio muito nossa amizade e retribuirei quando você precisar!

As duas se abraçaram por alguns segundos, e todo o nervosismo e estresse pareceu passar por um breve momento.

Finalmente o grupo estava começando a se unir.

Mesmo que aos poucos.

— Eu também sinto atração por um homem daqui... — começou a falar Amanda, sorrindo timidamente.

— Já suspeitava faz tempo! Eu observo tudo, minha filha! — as duas deram uma breve risada juntas. — Isaac, não é? Saiba que também aprovo vocês dois. Ele é do tipo fortão que luta bem e chama atenção por onde passa. Além de ser um homem bom! Tenho certeza que ele também se atraiu por você... Veja o jeito dele! Isaac é tímido! Eu percebi isso naquele rapaz... Quer dizer que você tem que partir pra cima e não ficar esperando tanto, sabe?

As duas pareciam amigas de longa data.

Conversavam como se estivessem paquerando os rapazes do colegial.

— Hoje ele me desejou um feliz natal bem desajeitado, eu percebi que Luiz até ia rir, mas segurou para não fazer o amigo passar vergonha. Mesmo assim eu gostei muito... Mesmo sem jeito, ele mostrou que se importa comigo, só não sabe como se chegar, entende? — falou ela, passando a mão na franja do cabelo.

— Eu não vi isso, mas se ele o fez, é porquê está interessado também. Se eu fosse você eu tentava beijá-lo em um momento oportuno como fiz com... Ops... dessa você não sabia!

Ao ouvir aquilo Amanda ficou boquiaberta novamente e as duas deram uma gargalhada.

— Você beijou Luiz? Quando e onde? Como eu não vi isso? Tem alguém mais sabendo? — perguntou Nakamura, sorrindo.

— Eu acho que ninguém mais sabe! Luiz foi bem discreto quanto a isso, e até me evitou um pouco depois do beijo. Quando ele voltar vamos ter uma conversa. Sou muito perceptiva, sabe? Se ele estiver a fim ou não, vou perceber só de ver o jeito com que fala. Estou ansiosa para que volte logo... — comentou Carla, levantando do sofá. — Mas agora chega de conversa! Vamos ao que interessa. Temos muito pra fazer. Luiz disse alguma coisa pra você?

— Ele mandou que luíza e nós duas fossemos trazer as armas para cá, e depois fazer um inventário de tudo que tem! Ainda são cinco e vinte da manhã! Temos muito tempo, mas é melhor irmos logo, concorda?

Carla acenou positivamente com a cabeça e as duas mulheres foram para o primeiro andar, definir o que cada membro do grupo deveria fazer.

Ainda era cedo, porém não podiam descansar.

Não com uma criança desaparecida nesse mundo extremamente perigoso.

...

 

O céu estava cinza.

A qualquer minuto iria chegar um temporal intenso.

Desde a noite anterior que o vento estava parado, e isso significava que iria chover muito no dia seguinte.

Gilberto estava sentado em uma cadeira de plástico na calçada da casa, tomando um copo de café quente e vestindo um casaco azul de lã que tinha.

A ventania começou a aumentar e, junto com ela, o frio.

— Bom dia, senhor Gilberto! — cumprimentou Sarah, amarrando seus cabelos ruivos pouco ondulados para trás.

— Bom dia também! Como você dormiu?

Sarah se aproximou dele, sentou no chão ao lado da cadeira, e abraçou as próprias pernas.

— Não tão bem. Estou preocupada com a menininha que sumiu. E você? O que está fazendo aqui fora nesse frio? Já, já vai chover! — afirmou a ruiva, tentando ser gentil.

— Também me preocupo muito com a menininha. Não consigo acreditar que foi alguém que a sequestrou. Pra quê iriam pegar ela? E pra onde a levariam? Essa história tá sem pé nem cabeça! — por um lado ele tinha razão, a situação era bem complicada de se compreender.

— Não tem outra alternativa. Com certeza alguém a levou embora. A questão é pra onde e porquê! E com a chuva que está por vir, os rastros deixados vão desaparecer... Vai ficar tudo mais difícil! — comentou a mulher, vestindo um casaco da Nike preto com o símbolo estampado na frente e uma calça jeans marrom escuro.

Gilberto respirou fundo e passou alguns segundos olhando para o nada, pensativo.

— Estou aqui fora porque Luiz pediu. Ele distribuiu as tarefas de todo mundo e foi atrás do paradeiro da menina... Espero que tenha sorte!

— Aquele cara é um palhaço mesmo! Acha que é o chefe, manda e desmanda, e ninguém pode achar ruim! — resmungou ela.

— Não vejo por esse lado. Eu já tenho mais de quarenta anos, e quando era mais novo gostava muito de ser radical e explosivo, porém aprendi com a vida que isso não leva a canto nenhum. Precisamos pensar mil vezes antes de agir ou falar alguma besteira... Entenda: eu gosto de ter por perto homens como Isaac e Luiz. Os dois são os tipos de pessoa que gostam de ajudar os outros, e ás vezes, para isso, é preciso cada um do grupo ter suas funções! Todo mundo precisa ajudar! E ele está fazendo isso da maneira correta. Luiz pediu a Amanda para que ela repassasse as funções, e eu até achei bem justo como ele dividiu tudo. Maria ficou na cozinha por causa de suas dificuldades em desempenhar certas tarefas mais físicas, Amanda, Carla e Luíza ficaram responsáveis por trazer as armas e inventariar tudo e eu, por fim, fiquei com a obrigação de cuidar da entrada da casa. Ninguém entra ou sai sem eu ver, e isso foi bem inteligente, tendo em vista que temos algum psicopata entre nós... — disse Gilberto, de maneira calma e bem explicativa, como se fosse um ancião.

— Eu entendo seu ponto de vista, Gilberto. E gosto muito de ouvir você, te acho uma pessoa bem vivida e que merece opinar sobre tudo! Eu acho que estou pegando pesado com eles mesmo... Além disso, Isaac não deixou que na noite de ontem o pessoal nos acusasse injustamente. Eles são boas pessoas. Vamos esperar pra ver no que isso vai dar... Falando em funções, eu acho que estou descumprindo a minha! Se bem que eu queria estar na cozinha fazendo o que sei de melhor, mas é besteira! Fiquei responsável para cuidar de Paulo e do filho da puta do Cláudio. Só de lembrar que aquele traste quase matou alguém me dá ódio! Só quero ver o que vai acontecer quando ele acordar... Vai dar merda!

Os dois sorriram por um breve momento e Sarah voltou para dentro da casa, caminhando lentamente.

E finalmente a chuva começara a cair.

...

 

Já eram sete horas da manhã e Amanda, Carla e Luíza tinham trazido todas as armas para a casa principal.

Enquanto as três mulheres conversavam e debatiam ideias de como melhorar a situação dos sobreviventes dali e ao mesmo tempo anotavam as quantidades de munição, os dois rapazes que tinham saído já estavam verificando a quarta casa.

E até agora nenhum sinal de Milena.

Gilberto tinha saído da calçada e foi para o terraço coberto, mas ainda estava atento ao movimento das pessoas.

Sarah continuava monitorando Paulo e Cláudio e, por fim, Daniel e Alana procuravam pela casa inteira atrás da chave da SW4.

— ACHEI! — gritou Alana, sorridente ao encontrar um chaveiro com várias chaves comuns e a chave de um veículo.

— Porra... Perdi a aposta então! — resmungou Daniel, ajeitando os cabelos grandes para trás da cabeça.

— Eu avisei que iria perder! Agora você vai ter que me arrumar um maço de cigarros! Não sei como nem onde! — disse ela, ainda feliz.

— Eu ainda tenho uns sete ou oito cigarros sobrando, você só não pode contar para minha tia Júlia... Ela é chata pra caralho e acha que ainda tenho doze anos! — falou ele, tirando um cigarro do bolso da bermuda avermelhada que vestia.

Daniel, apesar de ter pouco mais de 21 anos, fumava muito e já tinha tido alguns problemas com drogas e repetido diversas vezes de ano na escola.

Seus pais o salvaram uma vez, quando foi pego fumando maconha no banheiro do colégio e quase que a confusão foi parar na delegacia.

— Se gostar, eu também posso te arrumar umas paradas mais legais... Encontrei um dia desses um pó maneiro! Parece que essa galera rica que morava aqui antes curtia umas coisas bem boas! — comentou o rapaz, mantendo a voz baixa.

Os dois estavam na parte externa da residência, mais precisamente em frente à uma pequena estante ao lado da churrasqueira da área gourmet.

— Eu não... nunca provei algo assim antes e não vai ser agora! Eu só gosto de fumar e beber! E não posso exagerar, senão fico meio... vadia! — disse Alana, sorrindo maliciosamente para o adolescente.

— Isso foi uma cantada? – indagou o rapaz, surpreso.

— Não sei. Diga-me você!

Daniel começou a corar e a ficar nervoso.

— Eu só... sei lá. Tanto faz.

— Eu vou ser bem direta! Se quiser perder essa sua “donzelice” me procure. Odeio enrolações... — alfinetou ela, se espreguiçando e mostrando as costelas magras por debaixo da camisa verde claro com estampa.

— Eu não quero... Prefiro não falar de nada do tipo, tá? — o garoto aparentou ter se magoado com a proposta e saiu do local, chateado.

— Mas que porra... Bem típico desses homens modernos! Fumam maconha, se acham os desenrolados, mas na hora “h”... Fogem! Que viadinho... — xingou a moça, revirando os olhos de irritação.

Maria desceu as escadas e veio até Amanda, Carla e Luíza.

— Amanda? Desculpe te incomodar, mas eu preciso falar com você! — chamou a senhora, esboçando um sorriso fingido.

Amanda seguiu Maria até o primeiro andar, e ao chegar na varanda, Maria começou a chorar.

— Porquê está chorando? O que houve? — perguntou a médica, procurando encarar a outra mulher diretamente os olhos.

— É o Carlos... ele não está bem... começou com uma pequena febre ontem e hoje acordou pior... eu pensei que era uma virose passageira, por conta da mudança de clima, mas... ele começou a vomitar...

A chuva tinha aumentado com força e as gotas molhavam as duas mulheres enquanto conversavam.

— Não chore assim! Vamos vê-lo! — disse Nakamura, caminhando juntamente com Maria até a entrada da segunda suíte.

Carlos estava deitado em um beliche no chão do quarto, com o travesseiro entre a cabeça e o colchão e coberto por um lençol branco fino.

Estava relativamente frio ali dentro, o que era incrível, por que em Palmares, em meados de dezembro fazia um calor imenso, pois é verão.

— Bom dia, Carlos! O que está sentindo? — perguntou a jovem mulher, agachando ao lado do homem.

— Eu... Etou mal... Sinto dores em todas as juntas... Dor de cabeça... Vontade de cagar e vomitar direto e para piorar, febre! Puta que pariu... — resmungou ele.

Amanda encostou a palma da mão na testa do velho e viu que ele estava queimando.

— Meu Deus... Tem algo errado! Ele está muito quente, isso não é normal! — afirmou ela, olhando para Maria.

— Eu não sei mais o que fazer... já dei dois comprimidos de Ibuprofeno para ver se diminuia, mas... Só piora! — falou ela, enxugando as lágrimas na camiseta sem mangas de cor rosa que vestia.

— Nesse caso... Banho frio!

— Nem fodendo... Eu não entrarei numa porra de chuveiro gelado... Por favor... Não! — resmungou Carlos, batendo o queixo enquanto falava.

A única coisa que estava de fora do lençol era a cabeça do homem, e ele tremia descontroladamente.

— Você precisa baixar essa temperatura, ou pode ter uma convulsão e até mesmo ficar estéril. Eu sei que você não têm mais planos de ter filhos, mas... você quer ainda assim ficar estéril? — perguntou Amanda, que sabia que se tocasse na masculinidade de pacientes como Carlos, eles iriam ceder por medo.

— Não porra! Não quero ser um “ovo goro”! Melhor encarar a merda do banho frio! — respondeu o velho, irritado como sempre.

Ao levantar, Carlos não tirou os lençóis da frente do corpo e foi guiado pela esposa até dentro do banheiro.

Ele estava sem camisa, mas de bermuda.

Não tinha porquê estar se escondendo atrás daquele lençol.

— Tire os lençóis, homem. Ou vai tomar banho com eles?

— Não quero tirar, está frio aqui e... Eu só não quero! — disse ele, com raiva.

Maria foi teimosa e puxou o lençol branco das mãos dele, derrubando o pano no chão.

— PORRA, MARIA! NÃO! — praguejou o velho, tentando pegar novamente o mais rápido possível.

Mas já era tarde demais.

Amanda viu o que ele estava escondendo.

— MEU... MEU DEUS... ISSO É...?

Carlos sabia que não poderia fazer mais nada.

As duas mulheres finalmente descobriram o porquê da febre.

— Sim... E fui mordido... Eu vou morrer, né? Eu vou morrer...

Amanda ficou paralisada em choque.

Ela tinha visto que no antebraço de Carlos tinha uma mordida violenta, que arrancara um bom pedaço, só que com um detalhe: as veias ao redor estavam pretas e inchadas.

Provavelmente ele estava condenado à morte.

— Então é assim... É assim que ocorre a transmissão da doença! O Lyssadyceps... Ele é violento! É como foi dito na televisão antes de tudo sucumbir... Veja só: as veias estão pretas como carvão, e inchadas... a parte da ferida está suja com um tipo de gosma... Talvez seja o fungo agindo... Meu Deus... Você foi infectado! — exclamou a médica, afastando-se do velho.

— É... Foi durante a briga do idiota do Cláudio com o babaca do Paulo! Eu tinha avisado que os infectados estavam chegando, mas eles preferiram brigar e me condenaram à morte... Eu estou fodido, não estou? — pela primeira vez Amanda pôde ver tristeza e não fúria nos olhos daquele homem.

Desde o primeiro dia Carlos Nogueira tinha sido agressivo com todo mundo, até mesmo com sua esposa.

Nunca antes tinha demonstrado uma emoção a não ser raiva.

Mas dessa vez ele não aguentou segurar.

— Eu vou... Morrer... Quanto tempo a senhora me dá, doutora? — indagou ele, com os olhos vermelhos e as lágrimas escorrendo aos poucos.

— Não... Não sei... Não sabemos de nada disso. É a primeira vez que tive contato com alguém infectado... Se acalme! Ninguém sabe se você vai morrer... Vá para o banho frio! Depois disso eu vou te examinar...

Maria não conseguia parar de chorar, mas guiou o marido até o chuveiro.

Amanda continuou paralisada em pé.

Ela tinha tido contato pela primeira vez com o agente causador de toda aquela desgraça.

O Lyssadyceps.

...

 

— Chuva do caralho! Essa merda só tá atrapalhando! — reclamou Isaac, entrando na oitava casa.

Luiz vinha logo atrás, completamente ensopado.

“RUMBLEE!!!”

As trovoadas eram ensurdecedoras. Os raios estavam cada vez mais fortes e dava a impressão de que a qualquer momento cairiam em cima deles.

A casa em que estavam não tinha muro.

Era de primeiro andar e bem arquitetada.

A pintura era quase totalmente bege claro, com algumas colunas de concreto de cor cinza.

As portas e janelas eram de madeira jatobá, bem bonitas e envernizadas.

— Caralho... Tá parecendo que os raios vão cair nas nossas cabeças! — exclamou Luiz Araújo, com a cabeça baixa e entrando no local.

O terraço da casa era bem simples e aconchegante.

Duas cadeiras artesanais de cor madeira, uma rede de balanço verde escuro, cerâmica branca e algumas lajotas que formavam um breve caminho da calçada, passando pelo jardim, até alcançar a entrada da residência.

A água tinha acumulado no jardim, fazendo com que surgissem grandes poças.

Os relâmpagos não cessavam, e os dois homens decidiram sentar e descansar um pouco perto da rede, pois o terraço era coberto por telhado.

— O que está acontecendo com o planeta? Uma tempestade dessas em pleno Dezembro? Nesse mês sempre todos do interior iam para as praias com a família, e o sol estava queimando mais que brasa. E pra piorar isso foi de repente... — comentou Isaac, sentado na fria cerâmica e com água da chuva pingando do queixo.

— Essa porra toda está errada. Eu não sei o que aconteceu com o planeta, mas tudo está uma bagunça... Eu creio que uma doença dessas de nível mundial tenha mexido com o ecossistema. Talvez seja um jeito da natureza se reorganizar, ou... Até mesmo pode ser culpa do aquecimento global... Na verdade: foda-se! O que importa é que estamos na merda aqui... E precisamos encontrar vestígios de Milena urgente! Já estamos na oitava casa e até agora nada... Acho que devemos voltar e vasculhar as casas da esquerda agora... — disse Luiz, espremendo a camisa.

— Tem duas cadeiras aqui e a gente está sentado no chão... Que inteligência!

Os dois rapazes abriram um sorriso descontraído e logo se levantaram.

— Não temos tempo para descansar, vamos vasculhar logo essa merda e voltar para as outras casas! Já são oito e meia da manhã e até agora nada!

A chuva continuava mais forte do que antes.

Agora a ventania estava absurda: uma das cadeiras de madeira (que era bem leve por sinal) foi arrastada sozinha e caiu dentro de uma das poças do jardim.

— Puta merda! — exclamou Luiz, antes de entrar na casa.

O militar achava o ambiente bem familiar, pois já tinha ajudado a levar os suprimentos dali anteriormente, junto com Amanda.

— Eu lembro daqui, Amanda quebrou um jarro quando viemos buscar comida... se bem que essa casa estava bem vazia. Tinha quase nada de bom! — falou ele, dirigindo-se até a estante da sala de estar onde a médica tinha quebrado o jarro de vidro.

— Está percebendo alguma coisa de anormal?

— Não... A mesma coisa. Os cacos de vidro ainda estão espalhados pelo chão.

Os dois homens foram até o quarto menor (pois só tinha dois, e um deles era uma suíte) e encontraram mais um punhado de nada.

— Porra... Esse dia cinzento não está ajudando! Tá muito escuro aqui... — reclamou Luiz, sentando na cama de casal, ainda todo ensopado.

— Eu trouxe uma lanterna, deve ajudar!

A casa estava bem escurecida.

A única coisa que tinha em excesso ali era o barulho da chuva martelando as janelas e as portas com violência.

Isaac acendeu a sua pequena lanterna e apontou para o rosto de Luiz.

— Ei... Na minha cara é foda! — resmungou ele, colocando uma das mãos na frente do rosto.

— Só estava testando! — zombou o amigo, sorrindo.

E logo aquele sorriso descontraído transformou-se em uma expressão de preocupação.

— O que foi? Viu algo? — indagou Luiz, olhando para trás de si mesmo.

Ao virar, ele percebeu o porquê daquela expressão do amigo.

Eles tinham encontrado a primeira pista.

E talvez a mais importante.

— O que é isso? — perguntou o militar, aproximando-se do colchão.

Isaac tocou em uma mancha vermelha que estava na fronha da cama e levou os dedos até o nariz.

— Sangue... E não é antigo...

Os dois ficaram paralisados de terror.

Sangue ali?

De quem seria?

Parece que já imaginavam a resposta, mas não queriam acreditar.

— Coloque a luz em cima! — pediu Luiz, ficando de pé e se aproximando da pista.

Eles estavam certos.

Definitivamente era sangue.

— Alguém tentou limpar isso... E não é somente aqui que tem sangue não... Tem mais manchas em cima e no meio! — concluiu Isaac.

Luiz passou alguns segundos olhando para as manchas e desforrou a cama.

— Vamos levar isso para a casa principal, quero ver a reação de todo mundo ao mos...

— Olhe! — interrompeu Isaac, apontando para um rodo que tinha ao lado do pequeno guarda-roupas.

Luiz andou até lá e agachou-se.

Ele tirou o pano que cobria a paleta do rodo e viu que tinha mais sangue.

— Provavelmente aqui estavam duas pessoas. A vítima e o agressor... Vamos fazer uma reconstituição da cena! — falou o rapaz, olhando para o militar.

— Não sei se você percebeu, mas... O quarto é todo rosa! É feminino... A cama está suja de sangue... Temos uma menina desaparecida... Não tem como ser só coincidência! Puta merda... – xingou Isaac, começando a ligar os pontos.

O coração de ambos estava batendo mais forte agora.

O medo de descobrir a verdade começou a afetar a mente deles.

Mas tudo precisava vir à tona.

Eles tinham que descobrir o que aconteceu com Milena.

— Isaac... Nós dois já temos uma ideia do que aconteceu aqui... Você me compreende, não é?

O militar engoliu em seco e começou a ficar nervoso.

— Precisamos... Nós... Temos que ver se achamos mais rastros de sangue... O psicopata não limpou a cama com um rodo! O sangue deve ter pingado no chão para ele precisar usar isso! — afirmou Isaac, sentindo a mão tremer.

— Venha!

Luiz pegou a lanterna da mão do amigo e apontou para o chão.

Mais uma vez eles tinham razão: alguns pequenos pingos de sangue não tinham sido limpos direito.

— Vamos descobrir o que aconteceu agora...

O rastro levava até a porta dos fundos da casa, onde tinha um quintal vasto com uma pequena casinha de bonecas, uma máquina de lavar roupas e vários fios de varal.

— Aqui acaba o rastro...  — afirmou Luiz, vendo que o quintal estava muito molhado pela água da chuva e que aquilo provavelmente tinha limpado o sangue.

— E agora? — indagou o militar, preocupado.

A chuva torrencial continuava molhando os dois.

Várias poças de água se formaram também no terreno desregular do quintal.

— Não... Não pode... Não pode ser... Meu Deus! Que eu esteja errado! — implorou Luiz, caminhando até os fundos do vasto quintal alagado.

Não tinha telhado ali, e o céu ficava à mostra.

Isaac desligou a lanterna e seguiu o parceiro.

E logo após pararem, o militar entendeu o porquê do desespero do amigo.

Tinha uma pá enfiada no chão alagado.

Aquilo não poderia ser bom sinal.

— Não... Não... Não... — dizia freneticamente Isaac, começando a lacrimejar.

Luiz agarrou a pá com as duas mãos e começou a cavar a terra enlameada.

“CLUNCH! CLUNCH! CLUNCH!”

Cada vez que a pá descia para retirar mais terra ensopada parecia demorar uma eternidade.

Isaac não conseguiu segurar suas emoções e desabou no choro, prevendo o que tinha acontecido.

O militar sentou-se no chão, com as mãos sob a cabeça e fechou os olhos.

“CLUNG!”

A pá bateu em algo mais sólido.

— Meu senhor... Meu Deus... Por favor... Isso não... Isso não... — implorava Luiz, com as lágrimas começando a encher os olhos.

Ele arremessou a pá para longe e ajoelhou-se perante o buraco encharcado.

Enfiou a mão na pequena poça que começara a se formar e confirmou seus medos: a garotinha que ele tinha retirado da cova estava morta e com sinais de espancamento.

Os cabelos sujos de terra e loiros, os olhos sem vida, marcas de ferimentos e peças de roupa faltando.

Quem tinha feito isso era um monstro.

Como que alguém teria coragem de machucar uma criança tão meiga e gentil?

Como que um ser humano, se é que pudesse ser chamado disso, teria coragem de tirar a vida de uma criatura tão pura?

Disso nem Luiz e nem Isaac sabiam a resposta.

O militar estava jogado no chão cheio de lama, desconsolado, enquanto que Luiz abraçava a criança já sem vida e chorava com o rosto ao lado do dela.

Aquele choque emocional foi muito forte para ambos.

Talvez nunca conseguissem se recuperar.

E de uma coisa teriam certeza para o resto de suas vidas: eles não seriam mais os mesmos de antes.

Tudo mudou.

  

 


Notas Finais


Sei que foi chocante, mas...
Se gostou deixe seu favorito e comente o que achou deste capítulo!
Os próximos virão com mais situações dramáticas e sempre terá... Algo a Temer!!!


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