Mesmo no andar de cima, com uma percepção praticamente nula do que acontecia no térreo de sua casa, Ellie conseguia entender o que significava quando a porta da frente se abria nos fins de semana e uma série vozes ininteligíveis começavam a se sobrepor umas às outras, indicando uma conversa animada lá embaixo. Era automático.
Sem pensar muito, a garota de 13 anos, agora com o cabelo mais curto e sem franja, largava imediatamente o que quer que estivesse fazendo na oportunidade e saía do quarto, andando apressada pelo corredor em direção às escadas, onde pulava dois degraus por vez na esperança de encurtar o caminho até o andar de baixo.
Havia se tornado rotina. Tanto que Max e Chloe nem reclamavam mais da pressa que poderia se transformar em acidente. Principalmente por saberem que era inútil tentar conter a reação empolgada da filha, a qual, por mais que reafirmasse que tomaria mais cuidado, sempre repetia o mesmo padrão.
Entretanto, ao atingir os últimos degraus da escada e escanear o hall de entrada numa busca infrutífera, Ellie não enxergou a figura com quem esperava dar de cara ao descer. Além de suas mães, só havia a presença de Victoria e Kate no cômodo, travando uma conversa animada com as duas, sem darem nenhuma atenção à sua chegada.
Andando lentamente até onde as quatro estavam, a garota esticou o braço, tocando o ombro de Chloe e a fazendo se virar em sua direção por reflexo, lhe permitindo solucionar a dúvida que pairava por sua cabeça.
- Cadê a Angie? - Ellie perguntou confusa, quando teve a atenção da punk para si.
O olhar de Chloe se tornou sério pouco depois de ouvir a pergunta. No momento seguinte, ela ergueu uma das mãos até alcançar o ombro da filha e afagá-lo numa tentativa sutil de confortá-la, já antecipando a reação da garota às palavras que estava para dizer.
- Eu sinto muito, Ellie…
A garota não precisou que Chloe dissesse mais nada e logo seu olhar empolgado de antes se desfez em segundos, se convertendo num que misturava frustração e decepção.
Então, Ellie apenas assentiu, virando de costas para Chloe e se afastando para tomar o caminho de volta às escadas, sem se preocupar com a bronca que receberia por não cumprimentar as visitas antes de subir. Ela estava muito desapontada para ligar para qualquer outra coisa naquele momento.
Por isso, a confusão de Ellie foi completa quando, já no terceiro degrau da escada, notou a porta da frente ser aberta e a ouviu ser acompanhada de uma voz que ela aprendera a distinguir muito bem nos últimos anos, em razão das várias horas gastas em ligações e até em vídeo chamadas, nas incontáveis conversas que teve com sua dona.
- Angie…? - Ela falou ainda confusa, assim que recuou em seu trajeto, voltando ao ambiente do hall de entrada e evidenciando sua presença para a garota loira.
- Lis!!! - Angie respondeu de imediato, se apressando em se lançar na direção de uma Ellie surpresa para abraçá-la animadamente.
A filha de Max e Chloe não precisou pensar muito para entender o que havia acontecido. Principalmente depois de voltar sua atenção para a mãe, que observava toda a cena com um sorriso debochado no rosto.
- Você mentiu pra mim! - De braços cruzados e com um olhar desconfiado, ela acusou Chloe, ao se reaproximar dela, logo que o abraço com Angie foi desfeito.
- Eu não menti… você nem me deixou completar a frase. - Chloe se defendeu, mas sem disfarçar o sorriso, que só servia para denunciá-la.
- Chloe, pare de infernizar nossa filha. - Max fez sua primeira participação na conversa da qual só tinha acompanhado o final.
- Ela já tem idade suficiente pra ser zoada, Maxaroni. Foi uma brincadeira inofensiva. - Chloe rebateu ao se aproximar da fotógrafa - Assim foi melhor porque ela ficou até mais feliz com a chegada da Angie. No fim, eu fiz um favor. - Ela concluiu, contornando o ombro de Max e beijando o lado da cabeça dela.
- Sim, claro. Como sempre.
A nerd devolveu num tom irônico quando as duas voltaram a conversar com Kate e Victoria e as duas meninas impacientes passaram a apenas observar a cena de longe, sem dizer nenhuma palavra.
Chloe logo notou o comportamento das duas e, dessa vez, foi bem mais bondosa com a filha do que em sua primeira interação com ela.
- Vocês não precisam ficar aí fingindo interesse na nossa conversa não. Podem subir! - Ela falou olhando de uma para a outra e as notando assentir com um sorriso indisfarçável em seus rostos - A gente chama na hora do almoço.
Depois disso, as duas se despediram rapidamente de Kate, Max e Victoria para, em seguida, praticamente correrem rumo ao andar de cima da casa, Ellie mais à frente, puxando pela mão uma Angie, que buscava acompanhar seu ritmo.
As quatro mulheres apenas observaram toda a cena acontecer em silêncio até as duas garotas sumirem de vista. Só no fim, Max emitiu seu ponto de vista a respeito do fato.
- Elas lembram muito nós duas nessa idade.
O comentário feito em tom inocente foi recebido como uma revelação bombástica pelas outras três mulheres, que observam Max boquiabertas, quando Chloe decidiu externar um pensamento que, com certeza, também passava pela cabeça de Victoria e Kate naquele instante.
- Você acha que elas estão…?
Chloe nem precisou completar a frase para que Max a negasse, parecendo muito segura de sua resposta e deixando a punk ainda mais curiosa.
- A gente não namorava nessa idade, Chlo. - Max acrescentou, refrescando a memória da punk, mas sem conseguir convencê-la.
- Mas nos beijávamos bastante.
- É. Só não acho que seja o caso delas. - A nerd contra argumentou calmamente, se dirigindo ao sofá e sentando nele.
- Por acaso, tem algum motivo pra você ter tanta certeza? - Chloe insistiu, se aproximando dela, mas se sentindo muito inquieta para conseguir sentar.
- No dia que você teve folga e eu tive que ir buscá-la na escola, eu a vi sentada na entrada de mãos dadas com um menino. - Max começou a explicar, enquanto Chloe ficava mais pálida ao ouvir cada palavra. - Quando ela viu o carro, soltou a mão dele, se despediu meio constrangida e veio na minha direção, mas não disse nada.
- E você não pensou em, sei lá, contar isso pra mim em algum momento? - Chloe perguntou, em choque com a informação que acabar de descobrir - No único dia em que eu não vou naquela escola, esse tipo de coisa acontece. No único dia.
- Chlo, você tá exagerando. Eles só estavam de mãos dadas, nada demais. - Max tentou acalmá-la, ao mesmo tempo em que se controlava para não rir do descontrole dela - E, óbvio que eu ia te contar, mas era algo tão bobo, que acabei esquecendo.
- Claro. Você só ia achar sério quando esse moleque aparecesse aqui pedindo a mão dela, né?
Foi impossível para Max não rir após ouvir a última frase de Chloe, o que deixou a punk ligeiramente ofendida com o fato, o que era fácil de notar pelas feições sisudas que acompanhavam seu braços cruzados e o olhar impaciente.
- Chlo, eu não acho que nossa filha de 13 anos esteja pensando em se casar tão cedo. Relaxa! - A nerd falou, ao se levantar e ir ao encontro dela para tentar tranquilizá-la - E outra: se você quiser, a gente pode conversar com ela sobre o assunto depois. Embora eu ache exagero.
- Mas é evidente que vou querer falar com ela sobre isso. - Chloe afirmou, com o olhar passeando pela mobília e o pensamento fixo na informação que acabara de descobrir.
- Relaxa, Price. Deve ser só um namorico de pré adolescente. - Victoria ironizou, sem perder a oportunidade de tripudiar em cima da preocupação de Chloe.
- Eu vou lembrar disso quando você estiver na mesma situação, Vic.
- Rancorosa e vingativa. Eu esperava mais de você. - Victoria devolveu com um sorriso, decidindo mudar de assunto em seguida. - De qualquer jeito, esse debate vai ter que ficar pra depois porque eu preciso ir pra galeria agora.
A loira falou, dando a mão a Kate e a conduzindo em direção à porta da frente para que pudessem seguir caminho.
- A Kate não vai ficar hoje? - Max perguntou confusa, enquanto as acompanhava até a saída.
- Ela quer ver como estão ficando as coisas por lá, mas vai voltar à tarde.
- Boa, Kate! É melhor ficar de olho pra saber se a Vic não está jogando charme pra outra senhorinha por lá. Nunca se sabe.
Kate fechou os olhos em meio a um suspiro envergonhado, enquanto Victoria e Max riam da brincadeira de Chloe.
- Eu odeio vocês todas.
- Odeia nada. - Chloe rebateu, quando se juntou às três - E não precisa se envergonhar. Ataques de ciúme são minha especialidade. Depois eu te conto os mais constrangedores pra você dar umas risadas e esquecer esse seu.
- Eu posso ajudar nisso. - Max fez coro à ideia.
- Como se você fosse perder a oportunidade, né? - Chloe ironizou, arrancando risos e uma confirmação imediata da fotógrafa.
Depois que as quatro terminaram de se despedir, Max e Chloe ficaram novamente sozinhas no andar de baixo, a primeira observando a segunda ainda perdida em pensamentos que supunha corresponderem ao mesmo assunto que debateram mais cedo.
Max então se aproximou da punk por trás, contornando a cintura dela com os braços e se mantendo naquela posição colada nela, enquanto esta suspirava pensativa com uma das mãos no queixo.
- Ela tá crescendo muito rápido. - Chloe disse finalmente após um momento de silêncio quase absoluto.
- É só impressão. Você que tá saudosista. - Max devolveu, enterrando o nariz nas costas dela. - E também exagerando na reação.
- Ou talvez eu esteja envelhecendo muito rápido. - Chloe insistiu ao finalmente se virar de frente para a nerd e corresponder ao abraço.
- Pode ser, mas você é como vinho. - Max declarou, fazendo-a sorrir, mas causando o efeito contrário no momento em que completou a frase. - Dá muita dor de cabeça, quando vem a ressaca.
Após dizer isso, a fotógrafa foi repelida pela punk em represália às suas palavras. Entretanto, esta logo se deixou envolver em um novo abraço, quando Max arriscou uma reaproximação.
- E também só melhora com o tempo, a ponto de me deixar dependente física e psicologicamente e de nem lembrar como era a vida antes de você.
- Melhorou. - Chloe falou sorridente, antes de se inclinar para beijar Max rapidamente. - Fiquei mais aliviada em saber. Me instigou a pensar até em ter outro bebê.
- Acho que você está se deixando levar pela emoção, mas podemos conversar sobre o que você quiser, depois que me ajudar com o almoço. - Max fez pouco caso da ideia impensada da punk, já se dirigindo para a cozinha e esperando que ela a seguisse sem ser chamada.
- Só se você continuar me elogiando durante a preparação dos pratos.
- Acho que posso providenciar isso.
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Enquanto começavam a preparar a comida no andar de baixo, no de cima, deitada de bruços e apoiada nos cotovelos, ao lado de Angie, Ellie repassava para a garota uma sequência de desenhos, que ela observava atentamente, enquanto dava vida, em sua cabeça, à história que tomava forma à medida em que as páginas se sucediam em suas mãos.
- Isso tá muito legal. - Angie declarou ao analisar a última sequência de desenhos - Nem acredito que nossa primeira história tá quase terminada. Você fez muita coisa em pouco tempo.
- E você vai ter muito trabalho pra colorir tudo quando voltar pra casa. - Ellie respondeu, esbarrando na garota loira com o próprio ombro, enquanto ignorava pela segunda vez o barulho da vibração silenciosa do próprio celular, posicionado a alguns metros das duas.
Angie assentiu, mas ficou claro para Ellie que algo a incomodava quando a garota loira se ajeitou na cama e sentou, observando os desenhos, antes de completar.
- É… só espero que minha mãe me deixe usar as aquarelas dela. Não quero pegar escondido como da última vez.
Ellie esboçou um sorriso ao ouvir aquilo e logo se levantou da cama, sem dar maiores explicações à Angie, indo até o próprio armário e ignorando uma nova advertência do celular, enquanto revirava uma das gavetas em busca de um pacote, que só encontrou após vários minutos.
- Eu tenho uma coisa pra te dar. - Ellie começou a explicar, voltando à cama com o pacote misterioso em mãos e sentando - Comprei pro seu aniversário, mas como não nos vimos antes, só pude entregar agora. - Ela concluiu entregando o objeto nas mãos da garota curiosa - Espero que você goste.
Sem fazer perguntas, a garota começou a desembrulhar o pacote e rapidamente entendeu o que ele continha, antes mesmo de terminar: um kit de pintura que, de um lado continha uma variedade grande de lápis de cores e, de outro, um conjunto de pincéis de diferentes tamanhos e espessuras, acompanhado por algumas amostras de tinta e outros materiais de pintura.
- Lis, isso é…
- Sim. Aquele kit que você me mostrou há um tempo. - Ellie completou a frase da garota que se mantinha boquiaberta - Agora você não vai mais precisar usar as coisas da tia Kate.
- Como você conseguiu comprar isso? - Angie perguntou, com os olhos fixos no presente.
- Isso não importa. Eu só economizei por um tempo e tá aí. - Ellie disse, omitindo as inúmeras vezes em que deixou de lanchar na escola, ou de comprar coisas para si mesma e outras em que convenceu Chloe a lhe recompensar por atividades extras feitas na casa. - Você gostou ou não?
Por alguma razão misteriosa, Ellie demonstrava insegurança à espera da resposta de Angie, por mais que esta parecesse bem óbvia. Até que a garota loira, balançou a cabeça com uma expressão crítica, colocando o estojo de lado na cama e se lançando na direção dela, a envolvendo num abraço apertado.
- Claro que eu gostei, sua idiota! - Angie respondeu, fazendo Ellie rir, e depois a beijou no rosto antes de desfazer o abraço.
- Obrigada pelas palavras amáveis de sempre. Nunca espero menos de você.
- Disponha.
Angie respondeu com um sorriso, se encostando na cabeceira da cama e esticando as pernas até ocupar boa parte do colchão. Ellie, por outro lado, se manteve do lado esquerdo, sentada de pernas cruzadas até ter sua atenção captada novamente pelos toques insistentes do celular.
Ellie suspirou longamente, irritada com a interrupção repetitiva que a fez desistir de ignorar os alertas do aparelho e se esticar para pegá-lo e checar as notificações.
E ela não ficou surpresa ao visualizar no display que as várias mensagens correspondiam ao mesmo contato. Então escaneou o conteúdo sem muito interesse, deu uma resposta curta e largou o aparelho de novo sobre a mesinha.
Angie, que observava toda a cena atentamente, também viu quando o celular voltou a vibrar pouco depois da resposta de Ellie, deixando a garota visivelmente irritada, a ponto de silenciá-lo completamente e guardá-lo na gaveta após dar uma nova resposta rápida.
- Quem é seu fã? - Angie brincou logo que Ellie voltou sua atenção para ela.
- Ahn? - A garota deixou escapar, ainda distraída por sua ação anterior.
- A pessoa que está desesperada para falar com você. - Angie esclareceu, olhando na direção do móvel onde o celular havia sido guardado.
- Ah… é só um garoto da escola. - Ellie respondeu evasivamente, deitando numa posição da cama aposta à dela e mirando teto.
- “Só um garoto da escola” não bombardearia seu telefone tão incansavelmente… o que você não está me contando, hein? - Angie insistiu, encarando a garota, que evitava o olhar dela e, assim, deixando claro que havia mais naquela história, que ela ainda não tinha deixado transparecer.
- Ok, ok… nós nos beijamos uma vez e agora ele não me deixa em paz. - A garota confessou, de olhos fechados, após um suspiro.
- Meu deus! - Angie deixou escapar, levando as mãos à boca, pega de surpresa por aquela informação tão inesperada e se sentindo ofendida por ela ser segredo para si até aquele momento. - Minha melhor amiga deu o primeiro beijo, está de namoro com um garoto sem nome e nem teve a boa vontade me contar. Valeu, Elizabeth!
Os protestos de Angie foram suficientes para fazer Ellie se erguer de sua postura relaxada para se sentar ereta e se defender das acusações direcionadas a si.
- Primeiro: eu não tô de namoro coisa nenhuma. Foi só um beijo sem importância e eu ia te contar. Só estava esperando o momento certo.
- Então, seu primeiro beijo foi com uma pessoa de quem você não gosta? - Angie questionou, ainda duvidando das palavras de Ellie.
- Foi. Eu só queria saber como era e, se você quer saber, não foi muito bom. - Ellie contou, enquanto lembrava do momento, de como ficou nervosa e deslocada quando seu colega de sala se aproximou dela na saída do colégio e a beijou timidamente, deixando nada mais que o gosto do lanche, que ele tinha feito no intervalo, em sua boca e uma sensação de arrependimento em seu interior. - A beijo teve gosto de cachorro quente. E eu não tenho nada contra cachorro quente, mas não queria sentir isso num beijo.
Angie riu abertamente ao ouvir a descrição da amiga e observar a expressão enojada dela ao enunciá-la.
- Por que você beijou alguém de quem nem ao menos gosta?
- Gostar é para idiotas. Só serve pra decepcionar as pessoas.
- Como você pode dizer algo assim, sendo filha de quem é? - Angie insistiu, chocada com as palavras da amiga - Suas mães namoram desde a adolescência, esqueceu?
- Minhas mães são exceção. - Ellie respondeu despreocupada e alheia à reação de sua amiga.
- Quanta amargura pra uma pessoa tão nova! - Angie comentou, enquanto Ellie dava de ombros, fazendo pouco caso da acusação - Quem partiu seu coração e te deixou assim tão descrente?
- Controle sua imaginação, cabeça de vento. Ninguém partiu, nem vai partir meu coração. - Ellie garantiu com um sorriso debochado que não convenceu Angie.
- Você está mentindo pra si mesma. Eu vejo nos seus olhos, Lis. - Angie acusou, tendo êxito apenas em conquistar novas risadas da amiga.
- Então, talvez você devesse usar óculos, já que enxergou algo que não existe.
Angie desistiu de responder à provocação e apenas jogou um travesseiro na direção de Ellie, que, por reflexo, desviou bem a tempo de ver o objeto voar ao lado de sua cabeça e atingir a parede atrás de si.
- Eu disse que você não estava enxergando direito. Taí a prova.
Ellie provocou, mas Angie não estava mais disposta a contra argumentar. Por isso, apenas reprovou a ironia em silêncio, sem reagir a ela, voltando de novo a atenção para as inúmeras páginas da história que as duas tinham criado juntas e pensando sobre como iria colori-las com seu novo material de pintura.
- E quanto a você?
A pergunta repentina resgatou a mente de Angie do mundo de possibilidades que estava imaginando para cores e sombras, transportando suas reflexões para uma questão sobre a qual não havia pensado até aquele momento. Por isso mesmo, a garota decidiu ganhar tempo para elaborar uma resposta.
- O que tem eu?
Ellie revirou os olhos impacientemente, considerando a própria reação o suficiente para esclarecer a pergunta de Angie.
- Hum… eu não beijei ninguém e, ao contrário de você, só pretendo fazer isso com alguém de quem goste pra não arriscar só sentir gosto de comida durante o beijo.
- Quanta agressividade! - Ellie debochou da frase dita em tom crítico, recebendo um dedo em riste em resposta, mas, mesmo assim, decidindo prosseguir com seus questionamentos - Algum candidato ou candidata?
- Não. - Angie respondeu, sem se incomodar em levantar seu olhar das páginas que observava ou dar qualquer atenção a Ellie - Mas também não pretendo te contar quando acontecer.
- Por que não? - Ellie perguntou confusa com a irritação repentina de Angie.
- Porque você está mentindo sobre não gostar de ninguém.
Ellie suspirou, sabendo que a amiga tinha um pouco de razão em sua descrença, embora nem ela mesma soubesse qual seria a resposta mais correta para aquela pergunta. Mesmo assim, ela decidiu tentar.
- Ok. A verdade é que eu não sei se gosto de alguém, mas, se pudesse escolher, iria preferir não gostar porque raramente termina bem. Satisfeita? - Ellie tentou explicar o mais honestamente que foi capaz e isso pareceu aplacar o ânimo de Angie, que mesmo repleta de dúvidas, se mostrou mais inclinada a acreditar nas palavras da amiga.
- Como você pode não saber se gosta de alguém? - Ela questionou a declaração que, para ela, não fazia muito sentido.
- Eu sei que gosto de você, das minhas mães, das suas, do resto da minha família, dos meus outros amigos. Só não sei como é exatamente “gostar gostar”. Talvez eu “goste goste” e não descobri ainda. - Ellie continuou a explicar pacientemente - Eu sei que é complicado entender. Às vezes, nem eu entendo.
- Complicado pra caramba, mas parece sincero pelo menos.
Ellie assentiu, refletindo alguns minutos antes de fazer uma nova confissão.
- Talvez tivesse sido melhor ter beijado você. Pelo menos, teria algum significado.
Ellie disse, de repente, ao se levantar da cama para pegar o travesseiro, que permanecia abandonado no chão. Enquanto isso, Angie apenas a observava, sem acreditar no que acabara de ouvir e sem saber como reagir àquela declaração.
- Como assim? - Angie perguntou, quando finalmente recuperou a capacidade de formular frases.
Então, Ellie se reaproximou da cama, sentando ao lado dela e brincando com o travesseiro, enquanto pensava sobre como responder aquilo.
- Você sempre vai ser minha melhor amiga, enquanto, do menino que eu beijei, possivelmente não lembrarei nem o rosto em alguns anos. - Ela começou a dizer para uma Angie ainda chocada - Seria uma memória bem mais significativa e duradoura, se o beijo fosse em você.
- Oh… - Foi tudo o que Angie conseguiu dizer no final. Fato que Ellie ignorou, por estar perdida em suas próprias reflexões, mas nenhum pouco arrependida ou constrangida pelo que acabara de confessar.
- Talvez você seja o meu então.
- Ahn?
- Meu primeiro beijo. - Angie falou, sem conseguir encarar a amiga para saber a reação dela ao seu comentário - Quer dizer, se eu demorar pra achar alguém melhor, pode rolar com você.
A garota loira acrescentou, tentando soar o mais distante e impessoal em sua declaração, por temer uma resposta debochada da amiga. Algo muito recorrente nas conversas das duas.
- Então vou ser eu. - Foi a resposta direta e sorridente de Ellie, que fez Angie encará-la automaticamente, chocada com a certeza demonstrada pela garota ao proferi-la.
- Pouco convencida você!
- Não é convencimento, são fatos. - Ellie reafirmou com segurança, contornando o ombro de Angie com um dos braços antes de completar - Não tem a mínima chance de você conseguir encontrar alguém melhor que eu dentre seus amigos esnobes de Seattle.
A última parte da frase fez Angie rir, já que era sempre óbvio como a amiga fazia o possível para desmoralizar seus outros amigos, que ela nem sequer chegara a conhecer pessoalmente, mas sobre os quais já tinha opinião formada só pelas histórias que ouvia.
- Acho que vamos ter que esperar pra ver.
- Tudo bem. Mas você só estará atrasando o inevitável. - Ellie devolveu, repousando a cabeça de lado na dela e causando em Angie uma sensação completamente nova, que esta tentou disfarçar em sua frase final.
- Você não vai conseguir um beijo tão facilmente, Ellie Price.
- Não vai ser fácil, mas, como eu já disse, será inevitável.
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