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História Angel After Death - Black Jack


Escrita por: pedropaes86

Capítulo 16 - Black Jack


Ambos se deparavam com rostos que se erguiam para encará-los, de cada ângulo e sombra. Mulheres e homens, velhos e moços. Era quase surreal a facilidade com que atraíam a atenção para si mesmos, mesmo que não fosse essa a intenção. Os rostos dos habitantes se intercalavam entre pavor, curiosidade e ferocidade. Mesmo com tudo acontecendo tão rápido, Angeline conseguia distinguir e separar os jovens trêmulos, pouco familiarizados com suas armas, dos pistoleiros, ousados e experientes, que atirariam sem hesitação se fosse preciso. Castiel levantou as mãos em um gesto pacificador, enquanto os homens comandavam e faziam papéis de sentinelas. O que chegou mais perto, quando todos os outros pararam, não parecia estar armado. Caminhava devagar e usava um longo casaco preto, sobre uma camisa preta com gola abotoada. Aparentava ter quarenta e poucos anos, seus cabelos eram brancos e compridos, de uma forma desalinhada. Trazia no rosto um tapa-olho e uma cicatriz em forma de risco, na mesma região. Ergueu a mão direita, indicando a seus homens que se calassem. Sua postura e a forma como os outros o obedeceram não deixavam dúvidas de que o homem era alguma espécie de líder. Fumava um cigarro e após uma tragada, falou, sem olhar diretamente para os forasteiros.

-Como podem ver, vocês estão cercados. Sugiro que não se movam.

-Opa, perai meus amigos, não precisa disso. Abaixem essas armas, viemos em paz.

Castiel deu um pequeno passo à frente, um gesto que teria evitado se pensasse melhor. Mal terminou de falar e um disparo aconteceu. Em uma fração de segundo ficou branco como um queijo cottage. A marca do tiro apareceu a pouco centímetros de seus pés, na forma de um buraco intimidador.

-Estão vendo naquela direção? - disse apontando para o noroeste - Aquele é Peter, o pistoleiro mais rápido desta cidade. E este tiro foi apenas um aviso. Da próxima vez não haverá clemência. Vocês só abrem a boca para responder as nossas perguntas. Fui bem claro?

Castiel respondeu apenas com um gesto afirmativo, mas Angeline teve a certeza de que ouviu ele murmurar um “mau dia”. Aquela cidade, desde que entraram, lhe causava uma impressão ruim. Não má, no sentido de ter pessoas más, de índole perversa. Era mais como má, de má sorte, más escolhas, maus presságios. E como se já não bastasse, o único olho do homem que estava à frente, a garota o descreveria como o olho de um assassino. Nunca havia conhecido pessoalmente alguém assim. Ainda assim, isso não a impediu de ignorar que provavelmente o mais inteligente seria responder cautelosamente o que fosse questionado, tentando eliminar todas as suspeitas apontadas em suas direções e só depois pensar em como conseguir a informação que precisavam.

-Digam seus nomes, de onde vêm e o motivo de virem até aqui. Se estiverem mentindo, eu saberei.

-Digo o meu nome, se me disser o seu. Viemos de muito longe para sermos recebidos com tanta falta de respeito e hospitalidade.

Era unânime a reação de perplexidade da pequena população inquieta. Castiel a cutucava com os cotovelos como uma espécie de advertência, mas Angeline não era do tipo que se deixava intimidar e aquela não seria a primeira vez. O homem se aproximou ainda mais, como um predador que anda calmamente em direção à uma presa já capturada.

- O que tem de jovem, tem de atrevida, senhorita. Eu poderia desfigurar esse seu lindo rosto agora mesmo por isso.

-Por que não tenta?

Antes que fizesse qualquer coisa, Castiel interveio, não hesitando em fazer as devidas apresentações.

-Eu me chamo Castiel, esta é Angeline. Viemos de New Rock. Somos viajantes e viemos até aqui apenas por curiosidade.

Castiel falou da forma mais convincente que podia, embora a última parte pudesse elevar consideravelmente as suspeitas. Esperava francamente que o homem não percebesse. Mesmo que fosse arriscado, não podia simplesmente dizer que alguém estava prestes a bater as botas e estavam ali porque eram responsáveis por suas almas. Em essência, o ceifeiro foi sensato em tentar não aborrecê-lo, mas a expressão daquele que o recebia transbordava uma justificável desconfiança.

-E por que escolheram este lugar como alvo de sua – fez uma pausa intimidadora, se aproximando ainda mais - curiosidade?

Castiel manteve-se firme, porém sem se reprimir em gesticular.

-Pelas histórias que ouvimos falar deste lugar, senhor. Ficamos interessados em conhecer. E pelos vinhos, claro. Soube que os de Monnock são os melhores da região.

O líder os encarou por mais alguns segundos, como se não pudesse deixar nenhum detalhe passar despercebido, analisando suas feições e comportamentos. Angeline precisou de um grande esforço para segurar a língua e permitir que Castiel fizesse as coisas do seu modo desta vez. O homem deu uma breve risada rouca e fez um gesto para seus homens abaixarem suas armas. Sua atenção novamente se voltou à garota.

-Você é corajosa. Ou talvez só seja muito estúpida. De qualquer forma se o que dizem é verdade, vocês são tolos de virem até este lugar. Vão embora, não há nada aqui para forasteiros.

Tragou o cigarro uma última vez e o apagou com uma pisada. Logo que desinteressadamente virou de costas, uma voz protestante se salientou. A mesma voz feminina da mulher de rosto pálido e cabelos negros com mechas brancas que protegia as duas crianças.

-Jack, vai permitir que eles saiam? E se não forem o que dizem ser? E se forem...aqueles que nós tememos? Isso é loucura!

Jack. Era o nome daquele homem. Os outros o chamavam de Black Jack, em referência a um famoso jogo de azar praticado com cartas em cassinos. O passado daquele homem era um mistério e quase ninguém sabia o que se passava em sua cabeça a maior parte do tempo. Mas fosse por temor ou respeito, Monnock o escolhera como seu líder, sem contestações. Destinos como exílio ou morte, dependia apenas da sua vontade, sem mais nem menos. Black Jack reagiu àquela objeção como uma perfeita máquina receptora, sem reflexões em sua mente. Se aproximou morosamente da mulher que ainda mantinha as duas crianças em sua retaguarda, que ao contrário dela, não estavam assustadas, mas mantinham olhos vivos e curiosos, como se gostassem de ver que algo mais emocionante se desenvolvia ali, como em filmes de ação e velho oeste.

-Nós? Acha que eu deveria ter medo desses moleques que recém largaram as fraudas? Você me ofende assim, minha cara Janet.

-Ele se surpreenderia, principalmente quanto a você. – Angeline murmurou para Castiel, que apenas respondeu com um shhh, posicionando o dedo indicador em seus lábios.

A mulher de repente parecia ainda mais pálida.

-M-me desculpe, Jack. Não foi a minha intenção. Mas...

-Eu sei. Mas ouça, minha querida – ele se inclinou e sussurrou palavras com um efeito paralisante, diretamente em seu ouvido. – Eu vou deixar passar dessa vez, mas se me desmoralizar mais um vez na frente dos meus homens, terei que castigá-la. E haverá dor. Não queremos que isso aconteça, certo?

Com os olhos azuis mais arregalados do que de um gato assustado e um suor frio que brilhava em sua pele leitosa, ela assentiu. Os ceifeiros sentiram a tensão no ar e Castiel usou suas artimanhas para poderem prolongar o seu tempo ali o máximo que poderiam, ou pelo menos até cumprirem seus objetivos.

-Olha, Sr. Jack. Não viemos causar problemas e nem vamos ficar muito tempo. Será que a gente pode ao menos conhecer a taverna?

Antes que Jack tivesse a chance de dizer que provavelmente não voltaria atrás em suas palavras, algo surpreendente aconteceu.

-Deixa, tio Jack, por favor. Eles são legais.

Castiel e Angeline ouviram pela segunda vez a voz de Sarah, a garotinha que encontraram assim que pisaram em Monnock. O irmão mudo parecia concordar, com um rosto inocente e suplicante. Apesar da forma intimidadora que tratara a mulher que as protegia, Jack as olhou, deu um suspiro e levou em consideração a opinião daquelas crianças.

-Muito bem. Apreciem o vinho desta cidade, pra não dizerem que Black Jack é um porco intransigente. Mas depois quero que partam. Como eu disse, não é a melhor hora nem o melhor lugar para forasteiros virem até aqui.

-Agradecemos a hospitalidade, senhor Jack. – o ceifeiro tentou não soar sarcástico, embora isso requeresse muito esforço.

Jack deu a ordem e a população começou a dispersar. Castiel acenou com a cabeça para a pequena Sarah, em sincero agradecimento. A mulher chamada Janet, ao perceber, segurou a mão das crianças e as levou embora apressadamente dali. O ceifeiro esperou a tensão generalizada se dissipar e antes que a repreendesse, Angeline se antecipou.

-Não comece. Já sei o que vai dizer.

-O que, acha que vou dizer algo como “Não ponha tudo a perder criando inimizade com as pessoas daqui”? bem, acertou.

-Eu sei. Mas esse Jack, não gostei nem um pouco desse cara. Faltou muito pouco pra dar um jeito naquela cara de porco fumante.

-Que bom para nós dois que você não fez isso. Vamos, precisamos investigar e não temos tanto tempo assim.

                                                           ***

Há alguns metros de distância, Jack deixava uma instrução simples e direta para o pistoleiro Peter.

-Fique de olho.

                                                           ***

A aparência de Castiel adquiriu um ar mais soturno. O aviso que dera era esteja preparada para tudo. Ainda que julgasse que o mais provável era que se tratava de uma coincidência, a possibilidade de não ser existia e precisava falar mais uma vez sobre ela.

-Aquela garotinha, Sarah, a essa altura você já deve saber que precisamos tentar descobrir qual o sobrenome dela.

S. Jones. O nome do post it. Não é como se Angeline tivesse deixado isso passar despercebido. A verdade era que pensava nisso desde quando ficou ciente de que essa probabilidade existia. Mas não havia necessidade de ter pressa. Ainda não. Eles ainda tinham algo para descobrir. Angeline apenas respirou fundo, fechando os olhos.

-Eu sei.

Uma presença ainda não havia se dispersado junto com a multidão. Alguém que não haviam notado ou dado muita relevância. Castiel sentiu o toque firme daquela mão em seu ombro. Quando virou-se viu a figura de um homem magricela de chapéu e uma barba extravagante que lembrava uma moita. Sua fala era como a dos outros monnoquianos, porém não havia medo ou hostilidade.

 -Meus caros forasteiros. Permitam-me acompanhá-los. Angeline e Castiel, certo?

 -Ahn é claro, er...

 -Podem me chamar de Bard. Vamos, a bebida é por minha conta.

 -Obrigado senhor Bard, é muita gentileza, mas realmente não precisa.

-Senhor não, apenas Bard. Vamos, eu insisto. É o mínimo por terem sidos tão mal recebidos em nossa cidade.

Os dois ceifeiros se entreolharam. Embora com o pé atrás, Castiel falava por ambos. Lembrara de seu próprio conselho não queremos criar inimizade com as pessoas daqui. Aquele homem poderia ajudar.

-Ok Bard. Obrigado mais uma vez.

Na entrada da taverna, havia uma acentuada placa rústica, sustentada apenas por duas correntes presas em um suporte de ferro estilizado. Os dizeres identificavam o local como Covil dos Famintos. Os antigos lampiões no centro das mesas de madeira e as cabeças de dragões de ferro como adorno para as paredes eram um identificador interessante e davam um belo toque medieval. Não obstante o que mais fez os olhos de Castiel crescerem à primeira vista foram os três notáveis barris de carvalho, às costas do atendente.

Apesar da grande concentração de pessoas do lado de fora, nem todos tinham se dado o trabalho de ver o que acontecia momentos antes. Os poucos que se encontravam ali mal chegavam a dez, a contar com o balconista e as garçonetes. Angeline reparou que alguns conversavam, mas ninguém ria e o lugar ainda pareceu ficar mais silencioso quando entraram. Em cidades minúsculas como Monnock, era impossível novas faces passarem despercebidas. No entanto, não despertaram uma atenção muito exagerada desta vez, os homens pareciam mais preocupados em se entreter com a própria embriaguez. Bard levou os ceifeiros diretamente ao balcão.

-Ted, sirva três canecas de vinho do barril para mim e os meus novos amigos.

-Desculpe – disse Angeline – Mas pareço ter mais de dezoito anos pra vocês?

-Oh, perdão mocinha, que distração a minha. O que vai querer?

-Uma caneca de vinho.

A garota foi a primeira a sentar no balcão enquanto os dois a olharam com uma expressão confusa e engraçada. Castiel a estranhou, encarando com uma sobrancelha erguida.

-Tem certeza?

-Ah vá, eu preciso. Sinto que vai ser um longo dia.

 Castiel não quis esperar muito para se livrar da pergunta sobre algo que o intrigava já há algum tempo.

-E então Bard. Quer nos dizer o que está acontecendo nessa cidade?

-Direto ao ponto. Eu gosto disso.

As três canecas de vinho foram servidas. Angeline olhava as opções de alimentos do cardápio, mas sem deixar de manter as suas orelhas afiadas. O rumo que aquela conversa tomaria era imprevisível. A única coisa que parecia óbvia era que havia uma séria razão para Monnock estar tão tomada pelo medo e desconfiança de qualquer ser vivo que ousasse aparecer sem prévio aviso. Embora não era fosse nada que os impedisse de desfrutar do melhor que a cidadela tinha a oferecer. Levantaram ambos suas canecas antes de perceberem que Angeline já dava o seu primeiro gole, como um bárbaro sedento que acabara de voltar de uma caçada.

-Isso sim é bebida. Diferente daquela coisa horrível que você me deu pra beber naquele dia.

 O ceifeiro bebeu e foi obrigado a concordar que nunca havia bebido um vinho como aquele. Bard quase como se tivesse se aproveitando de uma deixa, achou que valia a pena compartilhar seus conhecimentos alcoólicos.

  -Sabem o segredo para o vinho daqui ser tão bom?

  -Não sei, sinceramente. O armazenamento em barris de carvalho, talvez?

  -Sim e não. Vocês devem ter reparado no tamanho das árvores de carvalho da entrada da cidade, certo? Quanto mais velho e mais lento o crescimento, melhor a qualidade dos compostos fenólicos que influenciam no sabor do vinho.

  -Não brinca?

  -Falo sério. Mas não é só isso. Muita gente acha que depois basta serrar, derrubar a árvore e voilá, está pronto o barril. Sabiam que precisa de uns dois ou três anos, pra tirar a umidade do tronco e permitir as modificações químicas na celulose?

   -E qual a razão disso?

    Angeline resolveu participar da conversa, sem tirar os olhos do cardápio.

    -Quer dizer que esse é o tempo para a mudança dos componentes deixar o vinho menos ácido e mais aromático. Estou certa?

    -Sim! Você já estudou sobre fabricação de vinhos?

    -Digamos apenas que eu já tive uma professora de química que gostava de entornar todas. – dirigiu-se ao responsável do bar – Uma porção de bolinhos de queijo, por favor.

   Ted era um homem corpulento e tinha o rosto intimidador, para um balconista de bar. Não transparecia muita simpatia e cordialidade. Tinha a voz bastante grave e a forma que falava aquele dia carregava um mal-humor quase palpável. Enquanto secava os copos, mostrou que também mantivera os ouvidos bem afiados.

    -Não liguem pra esse ¨professor¨ de meia tigela, só está repetindo tudo o que eu disse a ele. Só quer aparecer, como se fosse o dono daqui.

  Castiel apenas riu educadamente e virou a sua caneca mais uma vez, com cara de paisagem enquanto Angeline ansiava pelos seus bolinhos de queijo. Bard até mudou suavemente de cor, mas não se deixou desconcertar. Apesar de suas palavras serem dirigidas aos outros dois, era para Ted que olhava diretamente.

 -É verdade, Ted me ensinou muita coisa. Sabem, acho que ele devia se sentir orgulhoso por seus conhecimentos serem transmitidos por um velho amigo.

 -Conhecimentos transmitidos? Quanta baboseira. Vai assumir a culpa se os outros descobrirem os segredos do meu bar e eu começar a perder meus clientes?

-Ora e pra onde iriam? Monnoquianos não saem de Monnock.

Angeline interveio, impacientemente, erguendo o cardápio.

-Bolinhos de queijo. Alou?

-Sim, Ted. – reforçou Bard, ainda em um tom divertido. – Os bolinhos de queijo. Eu sei que você não quer passar uma má impressão do bar aos meus novos amigos.

O grandalhão fez uma cara de poucos amigos, mas não disse mais nada. O vinho descia agradavelmente doce e a conversa já fora o suficiente para quebrar em partes aquele estranhamento inicial, mas embora aquela aula grátis de fabricação de vinhos monnoquianos tenha prendido a atenção, era um desvio de atenção que Castiel não gostaria de prolongar por muito tempo. Tomou mais um gole e novamente foi direto ao assunto.

-Então, Bard. Sobre o que falávamos antes. A cidade. O que está havendo aqui?

Entre educadas apresentações, risadas e descontrações, embora disfarçasse até o momento, suas sobrancelhas franzidas acusavam que o homem não conseguia mais segurar a própria preocupação. Olhou para a sua caneca por alguns segundos e em seguida para os dois ceifeiros.

-Monnock está em perigo. Em sério perigo.



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