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História As Cores de Urano - Belinda


Escrita por: harmonysaur

Notas do Autor


Eu sei que eu demorei muito, sério, desculpa mesmo, gente!
Espero que gostem apesar de toda a demora.

Capítulo 14 - Belinda


-Eu achei que tinha te perdido. -Camila murmurou com o rosto escondido no pescoço de Lauren e a incursora negou com a cabeça, abraçando-a forte com um braço e esticando o outro para pegar o grande suéter que Normani estendia em sua direção. 

Felizmente, o suéter cor de ferrugem que a negra havia arrumado numa das caixas do hipermercado era tão grande ao ponto de engolir a novata, largo e cumprido até o final de suas coxas e depois de vesti-la, Lauren voltou a abraçá-la, acariciando seus cabelos, beijando o alto de sua cabeça, deixando sua respiração acalmar e a sensação de alívio se espalhar pelo seu corpo enquanto Camila apertava com força os braços em volta de sua cintura, como se não quisesse soltar nunca mais, garantindo que ela ficaria consigo para sempre.

-Eu achei que eu tinha pedido você. -Lauren sussurrou com os olhos fechados, respirando fundo ao sentir a novata relaxar contra seu corpo.- Fui eu que mandei você correr, eu mandei você ir atrás do Bronze, eu não devia ter achado que você o encontr...

-Eu encontrei, eu achei ele. -Camila disse, se separando do abraço para encará-la, vendo as grossas sobrancelhas se unirem em confusão.- Eu o vi, eu já estava no mesmo corredor que ele só que o fogo começou e eu saí correndo pra te buscar, eu tinha que te avisar, eu tinha que te tirar dali porque começou forte e já estava se espalhando, você estava longe e não tinha ideia, eu tinha que te achar e tirar você dali, eu…

-Ei, calma! -A incursora interrompeu o monólogo nervoso da novata, segurando-a pelos ombros trêmulos e olhando no fundo de seus olhos castanhos inquietos. Castanhos claro e depois escuro, e claro de novo. Lauren franziu o cenho. A tonalidade dos olhos de Camila estava oscilando de um segundo para outro.- Você está aqui fora e eu também, isso que importa, a gente tá bem.

-A gente tá bem. -Camila repetiu num tom distante, perdida nas órbitas verdes diante de si.- Eu e você.

-Isso. -A incursora a assegurou com um meio sorriso.- Mas você precisa me prometer uma coisa, de dedinho.

-Qualquer coisa.

-Nunca mais faça isso, ok? Nunca mais! -Lauren disse, segurando firme o rosto de Camila na altura do seu, tentando ignorar aquela oscilação de tons castanhos.- Nunca, nunca mais faça isso, nunca mais! Se algo de ruim acontecer, você tem que seguir em frente e ir embora, nunca mais volte pra trás por minha causa. 

-Eu não podia sair dali com você lá dentro, a gente combinou… Você ia ficar perto de mim o tempo todo, eu estava indo pra perto de você.

-Eu tinha que te ajudar e não o contrário. Eu sei me virar. Não é pra você fazer mais isso, nunca mais.

-Mas…

-Nunca mais. -Lauren a interrompeu incisivamente e ela acabou por assentir, afundando em seu abraço novamente.- Eu nem sei te dizer o que eu faria se você não aparecesse… Eu… Eu nem sei, Camila… Como que você… Como que você fez isso?

-Eu não sei, eu só fiz. -Camila encolheu os ombros, abraçando o próprio corpo.- Eu estava correndo e correndo e de repente eu tropecei e eu não conseguia levantar porque tudo em volta de mim estava pegando fogo e quando eu comecei a correr, minhas roupas também estavam mas eu não sentia queimar, eu sentia a quentura mas não sentia queimar...

O fogo continuava a queimar atrás delas, sucumbindo todo o depósito em que estavam há minutos atrás e espalhando-se pelos arredores, levantando labaredas ao alcançar a grama e as construções em volta. Ao longe, já era possível ouvir as sirenes a caminho com suas luzes vermelhas iluminando o fim da rua e os incursores sabiam que aquilo significava que não podiam ficar ali nem por mais um minuto.

-Vocês duas podem conversar quando a gente chegar em casa. -Normani estalou os dedos entre as duas garotas e com um aceno de cabeça, indicou para que Lauren se afastasse da novata e se pusesse na retaguarda com Bronze, Dinah e a garota desacordada que encontraram.

A entrada para o metrô era bem no fim da rua, mas em nenhum momento eles conseguiram relaxar ou manter um ritmo calmo pelo caminho sabendo que estavam cercados por, no mínimo, uma dezena de patrulhas. Luke não podia nem ao menos iluminar o caminho para não correrem o risco de chamar atenção, tinham de se guiar pelos olhos crispados e os sons da noite, confiando em seus instintos e se espreitando sempre por onde estava mais escuro e silencioso.

Foi só alcançarem a entrada da estação para que uma patrulha passasse voada pela rua, fazendo com que todos prendessem o fôlego no mesmo instante. Normani teve que tapar a boca de Octavia que suprimia um grito de susto. Não foi preciso nem mesmo uma palavra da líder para que todos entrassem sem nem mesmo olhar para trás antes que outra patrulha passasse mais devagar por ali.

-O que diabos aconteceu? -Hailee gritou correndo pelos trilhos ao ver o grupo de incursores chegando, todos enegrecidos, repletos de fuligem e pequenos machucados.

-Andrew quis tornar as coisas mais emocionantes. -Ally respondeu, encarando com desprezo por sobre os ombros na direção do rapaz de barba rala que não parecia dar a mínima.

A morena revezou o olhar entre os incursores e ele, franzindo o cenho.

-O que você fez dessa vez?

-Todo mundo está vivo. -Ele murmurou entre dentes.- Isso que importa.

-Não que você se importe. -Normani rebateu, ignorando o olhar pesado dele sobre si.- Vai todo mundo ficar parado? -Ela gritou de repente e a onda de inércia desapareceu, todos começaram a se encaminhar para dentro do vagão.

-Que por... O que é... Quem é essa garota? -Hailee gaguejou em espanto ao ver Bronze deitar cuidadosamente a estranha desacordada no chão do vagão.

-Alguém que estava no lugar errado na hora errada. -Bronze disse para logo em seguida cerrar os lábios, encarando a garota com preocupação e curiosidade.- Era trazê-la comigo ou deixá-la para morrer queimada.

-Você fez bem. -Normani respondeu num tom de voz muito mais delicado do que o de costume, sentando-se ao lado do rapaz agachado, acariciando os poucos cabelos que ele tinha.- É exatamente isso o que a gente faz, salvamos as pessoas.

-Talvez ela não quisesse ser salva. -Andrew disse num dar de ombros, atraindo o olhar de todos os outros incursores.

-Se você quiser se matar, vá em frente, ninguém vai te impedir. -Normani disse severamente, encarando-o de forma fumegante.- Mas não assuma que todas as pessoas também querem. Ele fez muito bem em salvá-la, ele fez o certo, o que todos nós deveríamos fazer numa situação dessas.

-Não foi isso que eu quis dizer...

-Mas foi o que você disse. -Normani o cortou para logo em seguida se virar para a garota que tinha esperado o grupo no vagão, ordenando-lhe para que os levasse para casa.- E dê a volta pelas estações, faça o caminho mais longo.

-Por quê? -Hailee indagou.

-Não podemos chegar na XXIX assim. -A negra disse pacientemente, revezando o olhar entre cada membro do grupo e seus olhares ainda assustados, os corações ainda acelerados.- Precisamos de um tempo para nos acalmar e chegar lá dando a entender que mais uma vez a tarefa não foi nada demais. As falhas ficam com a gente, para eles, só o êxito e no momento, todo mundo está um lixo.

-Você precisa levar em conta o que aconteceu. -Luke objetou, deitando a cabeça nas pernas de Hailee que uniu as sobrancelhas sem entender muito bem ao que eles estavam se referindo.

-Eu estou levando, é por isso que vamos pegar o caminho mais longo, para nos recompormos e ver se conseguimos acordar a nossa indigente.

-O que exatamente aconteceu? -Hailee perguntou um tanto quanto perdida e Luke foi o primeiro a abrir a boca para atualizá-la.

-Bom, quando a gente chegou lá...

Lauren, que não estava com a mínima estrutura para reviver os momentos infernais que acabara de passar, esgueirou-se para o vagão dos mantimentos pela conexão interna entre as duas latarias e se acomodou confortavelmente entre as caixas encarando o grupo de incursores pelo vão a sua frente. Todo mundo parecia bem, nenhum machucado grave. Camila estava bem. A garota havia se sentado ao lado de Hailee e agora falava algo que muito a fazia gesticular, provavelmente contando como que havia atravessado o galpão em chamas. Lauren negou com a cabeça, um sorriso tímido nos lábios ao sentir o alívio em seu peito antes de puxar um pano de uma das caixas, cobrir-se e fechar os olhos.

Mas antes que pudesse de fato cair em seu cochilo, pôde ouvir Hailee gritar:

-Você viu isso, Andrew? Isso sim é controlar o fogo de verdade!

Depois disso, não demorou muito para cair em um sono pesado, uma verdadeira descarga emocional depois daquela longa noite.

A garota de olhos verdes acordou num susto, quase dando um pulo sentada em seu canto ao sentir um leve puxão em seu cobertor de brim. Mas, ao abrir os olhos, era apenas Octavia com os olhos vermelhos, um corte na testa e as bochechas acinzentadas de fuligem com as sobrancelhas ralas unidas feito um filhotinho perdido.

-O que foi? -Lauren perguntou num bocejo, enrolando-se mais na coberta e soltando um bufo quando a garotinha não respondeu.- Já estamos chegando? -Octavia negou com a cabeça e Lauren rangeu o maxilar impacientemente.- O que é que foi então?

Sem dizer absolutamente nada, a garota simplesmente jogou o corpo sobre o de Lauren e passou os braços em volta dela, encolhendo-se contra seu peito e apertando-a firmemente num abraço esmagador de tão forte. A incursora só teve tempo de arregalar os olhos pelo susto do contato súbito, pois as palavras ficaram presas em sua garganta quando sentiu o corpo da mais nova tremer num soluço.

Foi só então que Lauren parou pra pensar em tudo o que havia acontecido nas últimas horas. Na adrenalina, no medo, no guarda que elas enfrentaram no corredor, no incêndio, em todo o impacto ruim, no turbilhão de sensações aflitivas em seu peito e se tudo aquilo havia sido horrível para si, imagine para Octavia. Ela só tem treze anos, é só uma criança. Ela passou por tudo isso e é só uma criança.

O muro sólido que Lauren sempre tentava construir em volta de seu coração arrefeceu-se no mesmo instante e ela soltou um suspiro pesado, passando os braços em volta da mais nova, aninhando-a num abraço protetor feito o de uma mãe.

-Está tudo bem agora. -Lauren murmurou baixinho, acariciando as costas da pequena incursora.- Estamos bem agora, estamos seguras. 

Octavia fungou e negou com a cabeça, levantando um pouco o rosto para limpar as lágrimas em seu rosto.

-Não é isso. Eu sei que estamos bem aqui, é só que... Eu queria dizer... Eu... -A garota negou furtivamente com a cabeça, fungando e enxugando as lágrimas, buscando o olhar de Lauren um tanto quanto desesperadamente.- Obrigada.

-Você não tem que me agradecer, não precisa, nós somos um time...

-Não, não é só isso... -Octavia a interrompeu.- Você não precisava fazer o que fez, não precisava confrontar um militar por minha causa... Você podia simplesmente ter corrido... Como todo mundo fez.

Lauren negou com a cabeça, passando os dedos pela testa franzida da menina numa leve e preocupada carícia.

-Se corremos é porque presumimos que todos também podem correr, que todos estão em condições de se safar mas eu sabia que você não estava, eu vi você, eu não podia te deixar pra trás.

-Andrew também me viu, mas ele correu, ele ateou fogo para que todo mundo corresse. -A garota disse num fio de voz, com os olhos enchendo de lágrimas novamente.

-Andrew é um covarde. -Lauren sussurrou, enxugando ela mesma as lágrimas do rosto da garota.- Normani também é, mas os resto de nós não. Você vai ficar bem com a gente, eu prometo, nunca deixamos ninguém pra trás.

-Eu não sei se eu sei como confiar. -Octavia sussurrou num soluço e a incursora franziu o cenho sem entender.- Eu... O meu... Ele... -Após tomar um fôlego, a mais nova negou com a cabeça e abaixou o olhar, fugindo um pouco do toque de Lauren.- Deixa pra lá, eu só queria te agradecer.

-Você não precisa deixar pra lá se não quiser, você pode me contar. Você pode confiar em mim. Eu sei que esse não é um tipo de coisa que se pede, é algo que vem com o tempo, com a convivência, com o carinho ou talvez o respeito, mas eu nunca contaria nada pra ninguém e assim, você me conhece... -Lauren forçou um sorriso sorrateiro, dando ombros e brincando com uma mecha de cabelo negro da garota.- Eu quase não falo com ninguém, estou sempre de cara virada pra todo mundo, não sou lá de espalhar palavras. Se você fosse contar pra Camila, aí sim seria um pouco preocupante...

Suas palavras fizeram com que Octavia esboçasse um fraco sorriso nos lábios e ela acabou por sorrir também, observando a expressão da menina ponderar sobre depositar ou não um pouco de confiança nela.

-Você me salvou. -Foi o que Octavia disse depois de um tempo em silêncio, encarando-a num misto de curiosidade, interrogação, respeito e admiração.

-E eu faria de novo se fosse preciso. -Lauren disse sem pestanejar.- Você é parte do meu time, eu tenho que proteger você, todos nós temos que nos proteger.

-Mas você nem queria que eu fizesse parte do time. -A garota murmurou numa voz meio dolorida e receosa, fazendo com que o rosto de Lauren tomasse um certo rubor de culpa. Como que ela sabia disso?

-Meu voto foi vencido e você se tornou parte disso, o que eu pensava antes não importa, você entrou pro time, faz parte dele, então é meu dever proteger você também, assim como Camila e Veronica, e Bronze, e Luke e todos os outros. 

-Por que você não queria que eu fosse incursora? 

-Porque você é uma criança. -Lauren explicou em tom de obviedade, sorrindo ao ver a testa da garota se franzir.- Eu fiz um pré-julgamento pela sua idade, eu confesso, mas também pela falta de experiência, pela falta de contato com a superfície... Você é literalmente uma criança e mal viu a luz do sol, por que eu acharia uma boa ideia que fosse uma incursora sendo que temos jovens mais aptos? Eu pensei logicamente, eu não te conhecia, não sabia das suas capacidades.

-E o que você acha de mim agora? -Ela perguntou meio desconfiada e Lauren quase sorriu de tão pequena e vulnerável que ela parecia ali, encolhida entre suas pernas, a encarando com o rosto inchado pelo choro.

-Olha, você continua sendo uma criança... -Lauren murmurou com falso desdem mas assim que viu o semblante da garota murchar, esboçou um sorriso que chamou sua atenção.- Mas todo time precisa de um mascote.

Octavia sorriu quando Lauren lhe bagunçou os cabelos, mas em questão de segundos, a dúvida já assombrava seu semblante novamente.

-Se... Se, tipo, se houvesse uma nova votação ou... Se você fosse votar novamente, se você fosse me analisar agora ou... Se você fosse remontar o time dos incursores, você... Me colocaria?

Lauren abriu e fechou a boca algumas vezes, sem uma resposta adequada na ponta da língua. Ela não queria magoar a garota, mas, das duas vezes em que Octavia tinha ido para uma incursão, nas duas ela quase foi pega por um militar. Na primeira, ela tomou uma facada na perna e dessa vez, se não fosse Lauren, já estaria a caminho de uma casa de bombardeio ou queimada pelo incêndio de Andrew. Mas, também era preciso considerar que nas duas ocasiões não havia sido de fato culpa da garota, o azar mostrou um pouco a sua cara. Octavia era rápida, astuta e esguia, aprendia rápido e era silenciosa, era um tanto quanto insegura mas de forma aceitável, afinal de contas, não passa muito de uma criança. Com todos os fatores somados, a garotinha não era de se jogar fora então Lauren decidiu por encarar as coisas por outro ponto de vista.

-Colocaria.

-Mas eu sempre faço alguma coisa, sempre acontece alguma coisa comigo e...

-Acontecem coisas com todo mundo, várias merdas acontecem sempre, mas isso não é suficiente pra ofuscar o potencial de alguém.

-Isso não é verdade, nenhuma merda dessas acontece com você

-Claro que acontece, o tempo todo quase, não é porque eu não tropeço no meio de uma incursão que minha vida é mil maravilhas. 

-Você pode me dar um exemplo então? -A garota perguntou desacreditada.

-Camila. -Lauren disse depois de pensar um pouco e a forma como a mais nova franziu o cenho a fez negar com a cabeça no mesmo instante, percebendo como aquilo tinha soado.- Não ela em si, mas a situação em que ela apareceu e o que isso desencadeou, eu fiquei mais de um mês presa aqui embaixo e isso é quase tortura pra mim, eu preciso ver o céu, eu preciso sentir o vento no meu rosto pra espairecer, sabe? Pra lembrar que o mundo não é só isso aqui e que uma hora esse pesadelo pode acabar. -Octavia assentiu, pendendo a cabeça para o lado em que Lauren fazia carinho em sua cabeça.- Mas foi ruim só no começo, depois mudou, porque com o tempo eu aprendi como lidar, aprendi coisas com isso, como acontece em quase todas as experiências, bem como as incursões são pra você também. 

-Você gosta dela. -A garota murmurou numa certeza tranquila e os olhos de Lauren se arregalaram.

-O quê?

-Você gosta dela agora, apesar do começo negativo, vocês são melhores amigas... Bom, pelo menos parecem melhores amigas... Vocês estão sempre juntas, cuidando uma da outra, se importam uma com a outra, você sempre quer protegê-la e ela quer proteger você. É como se fossem a mesma pessoa em dois corpos diferentes.

Não, Lauren pensou, isso não pode estar acontecendo de novo, não nas mesmas circunstâncias. 

-Eu sou a tutora dela, eu tenho que cuidar dela.

-Normani é a minha tutora também, mas é diferente.

-Não é. -Lauren respondeu num resmungo, ajeitando a postura.- O que muda é que Camila é mais dada às pessoas, ela tende a confiar facilmente, se apegar facilmente e você é fechada, então vocês se relacionam de formas diferentes com as pessoas.

-Não é só isso, ela é sua melhor amiga. Você sempre teve as pessoas em que confia, você é fechada também, mas ela quebrou isso porque você confia nela, você já tinha seu melhor amigo mas agora ela é sua melhor amiga também.

-Você tem um melhor amigo? -Lauren perguntou de súbito e a garota abriu e fechou a boca, abaixando o olhar. 

-Não. -Octavia respondeu mais alto apenas que um sussurro, sem tirar os olhos das próprias mãos.- Eu não tenho ninguém... Nem mesmo um amigo.

-Octavia...

-Meu pai me deixou na estação quando eu não passava de um bebê, eu sequer me lembro dele, de como ele era... Ele me deixou com a Haneul, uma senhora gorda de olhos puxados que vivia aqui, ela já tinha uma boa idade. Ela era boa, a única referência que eu tenho de uma mãe ou de um amigo, ela me criou, ela era carinhosa, ela me contava histórias sobre as florestas e sobre os homens de olhos puxados... Ela sempre falava do meu pai, que ele era um homem bom, forte, que fisicamente eu não pareço nada com ele, mas temos os mesmo trejeitos e as mesmas mãos, ela sempre disse que minhas mãos eram iguais as dele, grandes com dedos tortos, ásperas e desajeitadas... -Octavia disse, esticando as mãos diante de si mesma, observando-as enquanto falava.- Ele era um mutante e foi por isso que ele me deixou aqui, porque ele achou que eu era mutante também, mas...

-Mas você não é.

-Não. -Octavia negou tristemente, apertando os lábios com força para afastar a vontade de chorar.- Haneul dizia que tinha uma profecia que meu pai era crente, algo que me envolvia e dizia que eu seria como ele, uma mutante com o mesmo dom que ele, então ele me trouxe pra cá pra me proteger. Mas ele se enganou, eu não... Eu não sou como ele, eu sou normal... Normal que nem...

-Eu. -Lauren completou num tom amistoso e ela assentiu ainda sem levantar o olhar.

-Haneul morreu quando eu tinha seis anos, ela teve um ataque cardíaco e não havia o que ser feito para salvá-la, aqui embaixo a gente não tem os recursos, a gente não tem nada... Ela só... Morreu. E desde então eu não falo com mais ninguém, acho que a maior parte da estação nem sabe que eu existo, eu vivo sozinha, me esgueirando pelos cantos, pelas tubulações, me virando sem que ninguém me veja.

-Normani te viu.

-Eu achei que ela ia me matar quando isso aconteceu. 

-Por que?

-Eu estava lá em cima, jogando bola com as meninas de uma rua no Campo XXVI.

-Você estava o quê? -Lauren quase gritou num guincho de surpresa e a garota riu.

-Eu sempre fui lá em cima, antes eu saía pelo esgoto mas, felizmente, eu descobri as tubulações de ar, elas são pequenas mas ainda mais secretas que os túneis do metrô, fora que dão em todos os lugares possíveis, até mesmo dentro de algumas casas.

-Você estava brincando com as crianças lá de cima? Você é louca? Se eles pegassem você...

-O que iria acontecer? Eu nem tenho um número! Eu poderia inventar qualquer história, dizer que não me lembro de nada, eles não vão poder acessar o meu histórico e dizer que eu estou na lista dos mortos como vocês, eu não tenho um histórico, eu não tenho um número.

-Como...

-Eu vivo aqui embaixo desde que eu era um bebê, eu nunca fui registrada.

-Isso é...

-Vantajoso, as vezes. -Octavia completou pela incursora, dando ombros.- Enfim, Normani me viu lá em cima, ela me olhou nos olhos, mas não disse nada, ela só me abordou quando eu cheguei aqui. Ela disse que eu era esperta e habilidosa, e que ela precisava disso. Ela disse que eu me parecia com você.

-Você parece. 

-Pareço? -A garota perguntou com um certo brilho lotado de expectativa no olhar, e quando Lauren assentiu, ela sorriu. 

-Vem cá. -Lauren abriu os braços e a garota se enfiou em seu abraço, apertando-a como se tivesse acabado de achar um porto seguro para si.

Lauren apoiou o queixo no alto da cabeça da menina, acariciando seus grossos cabelos pretos, sentindo sua respiração tranquila contra a sua. Deixou-se então relaxar, escorando a cabeça na lataria gelada.

Pelo vão que separava os vagões, ela pôde ver Camila sentada sozinha, um pouco isolada de todos os outros que se amontoavam em volta da garota desacordada que resgataram a pouco. Ela tinha o cenho franzido, concentrada em suas mãos. Suas mãos que estavam em chamas. 

Lauren sentiu um arrepio macabro subir por sua espinha, mas não só pelas mãos flamejantes da novata e sim também pela forma que Andrew encarava o fogo.

[...]

O silêncio era colossal enquanto Hailee parava o vagão em sua vaga cativa na Estação XXIX. Todas as pessoas estavam nas plataformas, esgueirando-se uma por sobre as outras, encarando curiosas, esperançosas e famintas. Mas apesar dos olhares impacientes, ninguém ousava dizer uma só palavra sequer.

A garota não tinha terminado de estacionar o vagão quando Andrew correu pra fora e escalou a lataria, se pondo de pé em cima do metrô, dando um rápido giro de 360 graus para ver todo mundo que os esperava:

-A gente trouxa a comida! -Ele gritou pelos pulmões e a gritaria comemorativa começou.

De repente, tudo era festa e todos os habitantes da estação estavam a pular e gritar e abraçar uns aos outros, saudando os incursores, gritando seus nomes como seus salvadores. Os homens mais fortes ajudavam a tirar as caixas do vagão enquanto os mais jovens tentavam se voluntariar para fazer qualquer coisa, todos querendo saber como havia sido, se estavam todos bem e como Normani estava deveras focada na menina resgatada, ninguém controlava o tumulto que só aumentava.

-E ele sempre sai como herói... -Ally resmungou encarando Andrew que não se dava o trabalho de ajudar com nada, apenas observava tudo sentado no teto do vagão, sorrindo largo e cumprimentando todo mundo.

-Ele é um incursor, todos os incursores são heróis. -Dinah rebateu enquanto passava uma caixa para um homem levá-la para as dispensas.- Nós todos somos heróis hoje.

-Eu estou cansada de ser uma heroína por hoje. -Lauren murmurou, atraindo os olhares das duas outras incursoras, porem ignorando-as totalmente, deixando o vagão  e tentando encontrar um espaço para circular no meio da plataforma.

Lauren nunca entendeu como um grão de areia podia se transformar em um furacão num súbito piscar de olhos. Quando ela tinha uma coisa para lidar sempre apareciam mais um milhão. Alycia. Andrew. Camila. Um turbilhão de perguntas, problemas e sensações causadas por três pessoas onde, de fato, só uma é que tem realmente culpa de ser um problema. E ela não sabe mais quanto tempo vai aguentar todo esse estrago que ele causa. Alycia. Andrew. Camila. Mas Camila não era um problema, ela apenas se parecia com um. Camila então é um problema em potência.

Você gosta dela. Vocês são melhores amigas.

Um problema em potência.

Num espasmo involuntário, uma memória muscular, Lauren apertou com força o pingente azul esbranquiçado de seu cordão entre os dedos, negando com a cabeça.

-Não vai acontecer. -Ela fechou os olhos momentaneamente.- Meu coração é seu.

-Lauren! -A voz infantil e estridente fez com que a incursora largasse de seus devaneios e virasse na direção do chamado, sorrindo se deparar com sua irmã correndo pela multidão, buscando espaço por entre as pernas das pessoas.- Lauren!

Lauren se abaixou e abriu os braços, sorrindo larga e involuntariamente ao ver a garotinha correndo em sua direção como se a vida dependesse disso. Quando o impacto veio, a incursora quase caiu pra trás, cambaleando com a força do choque enquanto sua irmãzinha a agarrava com força, escondendo o rosto na curva de seu pescoço, enchendo sua pele de beijos para logo em seguida enterrar o rosto em seu ombro.

-Argh, você é muito forte! -Lauren fingiu se lamentar, rugindo ao pegar a garota no colo enquanto se levantava.- Acho que quebrou uma costela minha.

-Eu achei que você não ia voltar. -O sorriso de Lauren morreu ao escutar aquele fio de voz, rapidamente afastando-a um pouco para poder olhar nos pequenos olhos verde-acastanhados.

-O que? Por que? 

-Eu tive um pesadelo. Outro. Eles levavam você, eles estavam querendo levar a Camila, mas eles levavam você.

-Não, meu amor. -Lauren disse numa voz meiga, aninhando a garota contra si, beijando-lhe os cabelos repetidas vezes.- Ninguém me levou, eu estou aqui, eu estou aqui com você. Ninguém vai me levar, ninguém vai levar a Camila, ninguém vai levar ninguém, somos eu e você, pra sempre. Ninguém vai me tirar de você, nunca.

-Mas eles...

-Shhh.... -Lauren sussurrou em seu ouvido, balançando-a levemente para acalentá-la.- Eu estou aqui. Dinah está aqui. Luke está aqui. Todo mundo está aqui, todo mundo está bem, ninguém vai ser levado, ninguém vai embora, estamos seguros aqui embaixo, eu prometo.

-Mas vocês estavam lá em cima...

-Estávamos juntos, então estávamos seguros.

-Todos os dias, Lauren. -Taylor chorou, fungando na camisa suja de fuligem da irmã que a escutava de cenho franzido.- Eu sonho com eles te levando todos os dias. 

-São só pesadelos. -Lauren a assegurou.- Eu prometo, ninguém vai me tirar de você.

A pequena levantou o rosto um tanto quanto desconfiada, mas pareceu relaxar quando Lauren lhe ofereceu um pequeno sorriso. Foi então que a pequena pareceu notar que o rosto da irmã estava cheio de fuligem e com alguns arranhões.

-Você está bem? -Taylor segurou o rosto de Lauren em suas pequenas mãos.- Você se machucou?

-Eu estou bem. -Lauren desviou o rosto, mas a pequena logo o segurou novamente, correndo os olhinhos por toda a extensão de sua face como se a averiguasse minimamente.- É sério, eu não me machuquei, só uns arranhões e...

-E a Mila?

-O que tem eu? -A voz súbita fez com que Lauren quase desse um pulo, mas a incursora conseguiu se manter no lugar.

Camila apoiou-se no ombro de Lauren e deu uma margarida nas mãos da pequena que lhe sorriu, estendendo a mão vazia para tocar-lhe o rosto também. 

-Você também está bem?

-Melhor do que nunca, pequena. -Camila respondeu com um sorriso sorrateiro, tirando outra margarida do bolso, colocando-a no cabelo de Lauren.- Lauren me protegeu, ela protegeu Octavia também.

-E quem protegeu você? -Taylor perguntou, voltando o olhar para a irmã.

-Você.

-Mas eu estava aqui o tempo todo. -Taylor murmurou com as sobrancelhas franzidas.

-Exatamente. -Lauren respondeu como se fosse óbvio.- Eu sabia que eu tinha que voltar pra ficar com você, esse sentimento é o que me manteve segura.

-Você devia deixar Camila te proteger também.

-Eu tento. -Camila respondeu e Taylor lhe sorriu em gratidão.- Mas você sabe como a sua irmã é, teimosa e zangada.

-Dinah uma vez disse que ela é um cubo de gelo, você tem que derreter aos poucos.

-Você derrete com fogo? -Camila perguntou para Lauren e a garota até pensou em sorrir ou revirar os olhos, mas ao ver o castanho oscilar de tom nos olhos da novata aquele arrepio ruim subiu novamente pela espinha e tudo que fez foi negar com a cabeça.

Camila não era um problema, ela apenas se parecia com um. Um que Lauren infelizmente conhecia muito bem.

E esse era o problema.

-Não, eu não gosto de fogo.


Notas Finais


E aí, sauros? Como estamos?
Primeiramente, eu gostaria de pedir desculpas pela demora. Eu acho que vocês não conhecem uma autora mais problemática do que eu, mas eu juro que não é intencional, se dependesse única e exclusivamente da minha vontade e eu atualizaria sempre mas é que eu estava numa barra pesada de sentimentos e tudo ficou muito complicado para lidar e escrever essa história desse jeito só ia trazer uma má qualidade que pode ser evitada com essa pequena espera. Gostaria de agradecer a todos vocês que estão lendo apesar de toda essa demora, obrigada mesmo por continuarem aqui e eu espero que estejam gostando do começo desse desenrolar. Eu sei que esse capítulo foi pequeno e não teve lá seus momentos WOW mas eu lhes garanto que esse capítulo é deveras importante; prestem atenção nos detalhes. Isso é tudo e eu espero de coração que vocês me perdoem pela ausência, eu vou tentar recuperar o tempo perdido.


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