Eu odiava o verão. Odiava com todas as minhas forças. Odiava porque tive os melhores momentos da minha vida no verão. Não que as outras estações não tivessem trago boas e maravilhosas memórias, mas o verão...
Yuta e eu saíamos para andar de bicicleta e o vento em meu rosto era maravilhoso. Eu ainda podia lembrar com clareza como nossas risadas soavam juntas e como aquela sensação era maravilhosa. Íamos para um parque e nos deitávamos na grama. Eu nunca queria que acabasse. E a noite, dormíamos no chão da sala ouvindo qualquer música. Yuta apoiava sua cabeça em meu ombro e sorria para mim.
Tínhamos sido imensamente felizes naquele verão antes daquele inverno. Lembrava tão bem como era sentar no chão do apartamento enquanto assistíamos um programa engraçado de variedades e dividíamos um pote de sorvete. Eram coisas simples que me traziam alegria e agora eram apenas lembranças que me faziam chorar.
Então quando voltei para aquele parque sozinho, eu só conseguia pensar em como tudo tinha dado errado. Eu queria voltar todo aquele tempo. Eu queria ter aproveitado mais, ter dito mais algumas vezes que eu o amava e ter saboreado tudo que significava quando ele dizia que me amava.
— Nada dura para sempre, Hansol — disse Yuta quando eu liguei para ele, ainda sentado no gramado do parque — Você tem que entender que a vida continua.
— Eu não quero que continue sem você.
— Eu não tenho tanto valor assim — disse rindo — A vida segue de um jeito doloroso, Hansol. A gente se separou, não quer dizer que sua vida acabou, amor. Olha por tudo que passou naquele hospital! Você é muito forte. Você conhecerá alguém e vai se apaixonar de novo, vai viajar, fazer coisas legais. E vai ser incrível, Hansol! Precisa acreditar que sua vida a partir de agora será incrível.
— As vezes eu te odeio.
Sua risada bonita me fez sorrir. Desliguei a ligação e fiquei mais algum tempo deitado ali.
No hospital eu não senti o verão. Tudo era gelado o tempo todo, eu não via o tempo passar. Me sentia eternamente preso naquele inverno. E do fundo do meu coração eu senti saudade do calor em meu rosto, apesar de odiar o verão. Porque o verão me lembrava aqueles dias felizes, me lembrava Yuta e me lembrava que Yuta tinha me deixado.
Minhas aulas começaram no final de Agosto. Já fazia quase dois meses que tinha ganhado alta e parecia que tudo ia rápido demais ao mesmo tempo que me sentia estagnado. Eu começaria de onde tinha parado, no sexto semestre. Eu não conhecia ninguém lá dentro, mas não me importei. Sentei em silêncio e esperei que a aula começasse. Eu teria que voltar para o apartamento para pegar meus antigos cadernos, livros e tudo mais. O professor falou sobre avisos e o conteúdo daquele semestre, nada de muito diferente do que eu lembrava. Algumas coisas que ele dizia me lembravam momentos específicos, algumas aulas, alguns momentos. Era assim o tempo todo.
Quando o sinal tocou, esperei que os mais animados e barulhentos saíssem para começar a arrumar minhas coisas e sair. Antes, minhas aulas eram junto com Jaehyun e logo após encontrávamos Yuta e os outros no refeitório. Eu quis sorrir para a lembrança. Nós éramos os barulhentos e animados.
— Ei, você é novo aqui — disse um garoto se sentando na minha frente com um sorriso.
— Sim, eu tive que trancar o curso e voltei agora.
— Seja bem-vindo, então. Se precisar de ajuda, meu nome é Seo Youngho, mas me pode me chamar de Johnny.
— Ji Hansol.
— Prazer em conhecê-lo.
E foi embora com um sorriso. Peguei minhas coisas e saí em seguida. Jaehyun, Taeyong e Ten me esperavam perto da porta da minha sala e me olhavam apreensivos.
— Eu estou bem, gente — eu disse quando me aproximei — Podemos ir comer? Estou morrendo de fome.
E aquilo era mentira porque eu nunca sentia fome, mas não queria que eles se preocupassem. Sentamos perto da janela daquele restaurante. Todos conversavam e eu participei o tanto que consegui, eles me explicavam as coisas que tinham acontecido enquanto estive no hospital. Enquanto eles falavam de como Taeyong se metia em uma confusão atrás da outra, o garoto da sala, Youngho, se aproximou sentando ao lado de Ten.
— Olá de novo, Hansol.
— Vocês se conhecem? — perguntou Taeyong.
— Nos conhecemos hoje, somos da mesma sala — disse Youngho.
— Poderíamos sair qualquer dia desses! — disse Jaehyun — Vai ser legal.
— Eu não sei... — eu sabia sim, não queria ir.
— Vai te fazer bem, Hansol — disse Taeyong um pouco sério — Precisa se movimentar.
Mas o movimento era dor. E eu não queria sentir mais dor.
No final, eles me convenceram a sairmos no final daquela semana, mesmo que não me deixassem em paz o resto dela.
O caminho para casa era longo e mais de uma vez naquela semana eu quis voltar para meu apartamento, mesmo que não conseguisse entrar no meu quarto.
— É cansativo para mim — eu disse enquanto tentava convencer meus pais que eu poderia voltar para meu apartamento — A faculdade é longe e eu não estou totalmente recuperado de tudo.
— Tudo bem visitar o lugar de vez em quando, Hansol. E se avisar pode passar uma ou outra noite lá — disse meu pai — Mas não vamos deixar você morar lá. É tudo muito... Recente. Você acabou de voltar para sua vida normal. Tem certeza que está tudo bem morar lá? Mesmo sem Yuta? — e eu não respondi porque eu tinha a mesma dúvida — Eu vou te buscar na faculdade a partir de segunda-feira.
— Eu não quero atrapalhar...
— Não vai — ele disse com um sorriso — Você nunca atrapalha, Hansol. É nosso filho e teve muitas coisas que não pude fazer por você, então sempre vou fazer o que eu puder para te ajudar.
— Obrigado, pai.
Meu pai me abraçou forte e sorriu em seguida. Eu ainda estranhava com suas demonstrações de afeto. Antes do acidente ele não era assim. Ele sempre tinha comentários ofensivos ou olhares tortos quando eu e Yuta jantávamos lá. Tivemos brigas e mais brigas porque ele não me aceitava.
— Eu pensei que nunca mais ia falar com você — foi o que me disse quando eu acordei no hospital e eles foram me visitar — Me perdoa, filho... Eu fui ruim para você, por favor, me perdoa por ter dito todas aquelas coisas.
E quando levantei os dedos e a enfermeira explicou que era meu jeito de dizer sim, meu pai chorou. Eu nunca tinha visto meu pai chorar em toda minha vida, me perguntava se ele era capaz, mas naquele dia ele chorou pelo filho dele que quase tinha morrido em um acidente, em mesas de cirurgia e que sofria por tempo indeterminado em uma cama de hospital sem ser capaz de falar. Aquilo deve ter feito ele sofrer. Minha mãe também sofreu, mas sem o agravante da culpa que meu pai tinha porque ela amava Yuta como um filho e sempre me apoiou. Meu pai ainda parecia pisar em ovos comigo. Mais de uma vez ele francamente olhou para mim e me pediu desculpas por tudo.
— Como teria sido se eu tivesse perdido você naquele dia? — ele perguntou uma vez no hospital — Eu nunca poderia pedir para que me perdoasse, Hansol. Você teria morrido com raiva de mim. Isso seria mais do que eu posso aguentar em toda minha vida.
— Vai ser um desastre, Yuta — eu choraminguei pelo telefone a caminho do bar em que meus amigos tinham marcado de se encontrar.
— Da última vez foi?
— Não, foi divertido.
— Então! Dessa vez também será. E, Hansol... — ele fez uma pausa — Tem que começar a encarar as coisas sozinho. Não tem como me ligar ou me chamar sempre que estiver inseguro.
— Porque você vai embora.
— Não sem antes te ver feliz.
— E se eu nunca mais for feliz?
— É lógico que vai ser. Não pode pensar assim, Hansol! Por favor, não faça isso com você mesmo. Você passou por muita coisa, eu sei, mas não pode se entregar assim. É lógico que será feliz, tão feliz como você já foi. Tem que se permitir ser feliz, meu amor. Naquelas tardes de verão você se permitia ser feliz, Hansol. Você aceitava a felicidade e não pensava nisso. Apenas não pense tanto. Hoje você vai me prometer que vai se divertir com seus amigos. Você vai colecionar memórias a partir de hoje. Todas que você puder, por menores que sejam. E quando chegar a hora não vai se arrepender de nada, Hansol. Você vai olhar para sua coleção e vai se orgulhar. Eu quero que seja orgulhoso da bela coleção de memórias que fará — ele fez uma pausa e sua voz se tornou mais baixa e rouca... triste — O tempo é muito curto. Por favor... Por favor, entenda isso. Agora desligue esse telefone e vá se divertir.
Naquela noite de sábado eu tentei novamente me divertir, mesmo que não tenha conseguido com total êxito. Youngho foi junto conosco e conversámos bastante. Eu percebi como era bom falar com alguém que não fazia ideia do que eu tinha passado. Sem olhares de pena, sem constrangimento, sem perguntas sobre como tinha sido e quão horrível eu me senti. Falamos da faculdade, falamos sobre as músicas que gostávamos. E os outros se juntaram a nós naquela conversa. Até Youngho perguntar sobre o antes. Não era culpa dele, ele não poderia saber que aquilo era delicado para mim.
— Vocês se conhecem há muito tempo? — foi a primeira pergunta dele.
— Sim, acho que desde o ensino médio — respondeu Jaehyun.
— Por que trancou a faculdade, Hansol?
E todos pararam por um minuto e abaixaram os olhos. Antes que qualquer um dissesse alguma coisa, eu forcei um sorriso e tomei a palavra.
— Você e o Ten se conheceram como? — perguntei e ele assentiu como se entendesse que não deveria mais falar sobre aquilo.
— Faz quase um ano e meio — respondeu Youngho.
— Ele se mudou para meu prédio e se apaixonou por mim — disse Ten com um sorriso.
— Nos seus sonhos — disse Youngho rindo o empurrando para o lado — Eu morava nos Estados Unidos, mas vim para cá já faz dois anos.
— Ele morou seis meses em um lugar horrível antes de ir para o meu prédio — disse Ten.
— Não era horrível. Era diferente. Eu me transferi da minha faculdade na América, mas acabei trancando por um tempo quando cheguei aqui. Eu não tinha uma vida boa e... Aconteceu algumas coisas que me fizeram mudar toda minha vida. Apesar de ter acontecido muitas coisas ruins e eu pensar muito nisso... Por um lado foi bom. Foi assim que conheci o Ten e os outros — e sorriu — Às vezes o mundo faz com que a gente tenha que mudar nossas vidas e coisas boas podem acontecer.
— Eu sou essa coisa boa na vida do Johnny — disse Ten fazendo o mais alto revirar os olhos.
Youngho não falou muito mais sobre ele, voltamos a falar sobre coisas mais amenas. E eu me diverti naquele dia.
Mas quando voltei para casa dos meus pais e pude ficar em silêncio deitado em minha cama, aquele sentimento ruim voltou. Um sentimento que eu não sabia de onde vinha e me sufocava. O telefone tocou e eu atendi.
— Yuta... Está tarde, o que você quer?
— Não fale assim, amor.
— Deveria parar de me chamar de amor. Isso é injusto comigo.
— Eu sinto muito, Hansol.
— Mas... Tudo bem continuar me chamando assim. Eu sempre gostei.
— Eu te vi lá... Me senti um detetive te espionando, Hansol! — disse rindo.
— Por que ficou escondido?
— Como acha que seria a reação de Taeyong? Ou do Ten ou do Jaehyun? Eu já disse, não é? Eles devem me odiar, principalmente o Taeyong... — ficamos em silêncio por um tempo — Eu vi aquele garoto que estava com vocês — sua voz parecia diferente, mais baixa e rouca — Ele parece ser um cara legal.
— Cala a boca, Yuta.
— Eu só comentei. Talvez encontrar uma outra pessoa seja um bom jeito de seguir em frente.
— Talvez só devesse ir embora sem dizer nada, Yuta. Pode ir. Eu aguento.
— Não aguenta, não. Eu te conheço melhor do que você mesmo, amor.
— Se a gente pudesse voltar no tempo... Só até aquela época... Acha que eu podia ter feito algo de diferente? Acha que se tivéssemos feito qualquer coisa ao contrário, teria sido de outro jeito?
Minha pergunta ficou sem resposta por um bom tempo. Eu não tinha certeza se o que eu escutava era o choro de Yuta, mas esperei por sua resposta. Eu precisava saber se ele achava que as coisas poderiam ter sido de uma forma melhor, mesmo que não fosse mudar em nada.
— Eu acho... — disse com a voz baixa e sentida — Acho que a gente poderia ter feito tudo diferente e não estaríamos assim agora. Se eu... Se eu tivesse feito as coisas serem de outro jeito... Talvez isso seja minha culpa, não é? Você estar assim agora. Mas, Hansol, é passado e pensar nele não faz as coisas acontecerem hoje, meu amor. Tudo poderia ter sido diferente ou não, nunca vamos saber. As lágrimas que derramamos não vão voltar. São memórias. E você escolhe se quer aprender ou se deixar destruir por elas.
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