Chovia muito, alguns raios rasgavam o céu e o vento era forte.
Eu estava no meu quarto do orfanato, observando as gotas de água escorrerem pela janela, e conversava com Leonardo:
- Hoje é o dia da fuga, preparada, Erika? - perguntara ele, enquanto se aproximava de mim, com uma cara de dúvida. Não podíamos fazer muito barulho, pois a essa hora já devíamos estar a dormir.
Há uma semana, que eu, Leo e outras crianças, criámos um plano de fuga. Todos queríamos ser livres, mesmo que isso envolvesse ir trabalhar com os nossos 6 anos, ou mesmo mendigar nas ruas.
O plano era o seguinte:
Quando o relógio do resto chão tocasse a uma da manhã, Tomás (um moço que partilhava o quarto com Leo e o mais velho que ia fugir connosco) iria de quarto em quarto, nos acordar. Como aquela hora, estavam todos a dormir, incluindo os funcionários, a fuga iria ser mais rápida.
Lourenço, o filho do diretor, conseguira roubar a chave do portão que dava para as ruas, e ele iria estar á nossa espera perto desse mesmo portão. E pronto, era só corrermos como nunca corremos... só podíamos rezar para que depois encontrássemos um sítio para ficar.
Hoje, todos os que iam fugir, tivemos que fazer uma mochila durante a madrugada, com alguma comida que Larissa conseguira roubar da cozinheira, roupas e pertences pessoais.
- Achas que a chuva vai continuar? - perguntei a Leo.
- Não... segundo o jardineiro, a chuva deve parar em breve.
- Leonardo! - ouvimos uma voz feminina gritar, era Mary, a senhora que cuidava dos dormitórios dos rapazes. E nesse instante, ela abriu a porta de meu quarto, parecia cansada e irritada. - Quantas vezes já te avisei que não podes vir no dormitório das raparigas durante a noite?
Mary pegou no braço de Leo com força, fazendo com que o mesmo se levantasse em poucos segundos; depois se virou para mim e avisou:
- Erika, é bom que esta seja a ultima vez que vocês se encontram depois da hora de dormir! Se não, terei de avisar o diretor!
Suspirei. Como eu não tinha companheira de quarto, sempre me sentia sozinha... Mas esta mulher não entende isso? - me perguntei nesse instante, e depois respondi:
- Sim, senhora Mary. - baixei a cabeça como para pedir desculpas. - Será a última vez.
E não era mentira. Dentro de poucas horas, o máximo que terei de falar é: "Adeus e até nunca mais, Mary".
Me apercebi nessa hora, que a chuva tinha parado e agora as estrelas estavam brilhantes como nunca antes, como se elas soubessem o que iria acontecer.
Mary arrastou Leo pelo corredor e fechou a porta do meu quarto, mas não sem antes apagar meu candeeiro a óleo, me deixando na escuridão, ainda sentada perto da janela.
E ali fiquei, a pensar. Eu não tinha pensamentos fixos; costumava imaginar coisas estranhas como elefantes cor de rosa e com perucas loiras, coisas de criança por assim dizer.
Até que finalmente, no meio do silêncio gélido que cobria o orfanato, se ouviu o relógio badalar a uma da manhã.
O meu corpo se encheu de adrenalina, a aventura ia começar e eu mal podia esperar.
Despi rapidamente meu vestido de dormir, vesti umas calças e uma camisa branca que pertenciam a Leonardo e umas meias brancas minhas, e por último, calcei uns sapatos pretos. Coloquei a mochila castanha ao ombro e sorri.
Pouco tempo de pois, já estávamos todos reunidos, saindo do edifício e caminhando pelo longo jardim, a caminho do portão. No total, éramos uns oito: três meninas e cinco meninos; eram eu, Larissa, Mage, Tomás, Leonardo, Thiago, Henry e Jordan.
- Têm a certeza que ninguém está acordado? - perguntou a Mage, enquanto pressionava, com força, o seu coelhinho branco de pelúcia contra o seu peito.
- Eu mesmo me encarreguei disso. - começou Henry, com um sorriso orgulhoso. - Pedi aqui ao Jordan para dizer às cozinheiras que se tinha sentido mal. Elas foram ter com ele, e eu coloquei um medicamento para dormir na comida de todos.
- Então foi por isso que disseste para nós não comermos o jantar hoje. - comentou Larissa. - Foi genial.
- Relaxa, Mage. - acalmou-a Thiago, com uma mão no ombro de Mage.
- Concordo. - concordei. Henry tinha sete anos, mas era muito inteligente. - Mas como é que conseguiste o medicamento?
- A enfermeira estava cuidando de um moço, quando eu entrei à socapa no escritório dela e peguei o medicamento.
Leonardo ia dizer alguma coisa, mas foi interrompido por Jordan:
- Shhhhhhh! Uma luz do edifício se acendeu! Escondam-se! - ordenou baixinho, e nós todos nós escondemo aos pares atrás de árvores e arbustos.
Eu estava encostada ao tronco de uma árvore e Leo à minha frente, conseguia ouvir sua respiração.
- É a Mary... - disse ele, com rosto surpreso, enquanto olhava a figura que estava na janela.
- Vamos ser apanhados. - ouvi Mage falar, assustada.
- Quem está aí? - perguntou Mary do alto da janela.
Se ela nos apanha, estamos fritos... - pensei.
Ninguém disse nada, e muitos de nós (comigo incluído) até pararam de respirar.
Mary fechou a janela, desligou a luz e se afastou.
- Esta foi por... - desabafei mas fui interrompida pela funcionária de 50 anos:
- Leonardoooooooooooooooo! Tomaaaaaaaaaaaaaaás! - berrou Mary, com a sua voz estridente.
- Estamos feitos! - disse Leo e pegou minha mão. - Temos de nos apressar! Agora!
E começámos todos a correr para o portão, com a máxima velocidade possível que as nossas pernas conseguiam.
Chegámos ao portão todos suados, cansados e com as nossas respirações e corações acelerados. Lourenço não perguntou nada, apenas disse um "Boa sorte" apressado, abriu o portão, e a corrida recomeçou.
Não parámos, não olhámos para trás, não perguntámos nada, apenas... corremos.
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