O Porão
Ao acordar naquele sábado de manhã, nu, deitado sobre o corpo magro de Taehyung, YoonGi agradeceu a todos os seres celestes por não precisar trabalhar naquele dia. Uma passada na delegacia apenas para “dar o ar da graça” seria o suficiente e se sentia satisfeito por ter feito todos os encaminhamentos necessários quanto ao seu pedido para Jackson no dia anterior, e com isso poderia repousar tranquilamente exatamente como estava, nos braços do Kim. Sorriu amplamente quando o aroma sutilmente cítrico do mais novo, oriundo do seu pescoço, invadiu-lhe as narinas. Praticamente ronronou com tal sensação e ao se mexer, tentando se aproximar mais para apreciar melhor tal cheiro, sentiu o moreno se mexendo também, sob si.
- Bom dia! – Taehyung falou com a voz rouca e grave, apertando o enlace em torno do corpo do menor. – Ahn! A gente deveria ter subido. Vamos passar o dia todo com dores nas costas. – Uma sequencia de estalos de ossos reverberou pelo comodo e logo ambos se sentaram no sofá, ainda envoltos no casulo de cobertor.
- Bom dia! – Levou as mãos a nuca do castanho e puxou-o para um selinho rápido, ambos sorrindo em seguida. – Eu sou acostumado a dormir de qualquer jeito, não to com dor nenhuma. – o Kim desfez o casulo de coberta, pegou a cueca no chão, vestiu-a e estendeu a mão ao acobreado.
- Acho que a gente precisa de um banho, né? – Falou rindo soprado e sorridente, e aquele quadrado estampado no rosto do anfitrião, fez o coração do acobreado se aquecer.
YoonGi não se preocupou em vestir-se. A casa estava aquecida pelo sistema de calefação e isso, junto ao calor do corpo de Taehyung, até fazia o legista esquecer que era inverno. O mais novo entrelaçou os dedos contra a mão do Min e puxou-o escada acima, indo diretamente para o quarto onde pegou um par de toalhas e roupas suas para emprestar ao mais velho e logo foram ao banheiro para finalmente tirarem das peles, os resquícios da noite anterior.
O policial não podia negar que seu desejo pelo rapaz havia só se ampliado depois que passou a admitir para si mesmo que estava apaixonado. Enquanto a água caia sobre os corpos quentes, mais uma vez se amaram e ao fim de tudo, novamente YoonGi se sentiu mal ao lembrar do garçom e o Kim percebeu isso.
Um lado de Taehyung não queria admitir, mas havia sim notado a diferença no olhar do acobreado após atingirem o ápice. Apesar de ofegante e de estar sorrindo, visivelmente satisfeito, o olhar do Min estava nublado, com um quê confuso, exatamente como estava quando chegou a cafeteria, e por um momento ponderou sobre aquela ser a hora em que ele partiria e não voltaria mais. Ainda dentro do Box, sentindo as mãos claras do menor passeando pelo seu corpo, lhe lavando com um carinho que nunca havia sentido antes, o moreno se viu tão confuso quanto o mais velho ao perceber uma certa dor lhe tomando o peito ao imaginar-se sem vê-lo outra vez. Até algumas manhãs atrás, se via perturbado sobre achar amar Jimin, lembrou-se de tudo o que viveram e de como havia se sentido incomodado com a ideia do amigo arrumar um namorado, mas se estava apaixonado por Jimin, como pensava, porque a ideia de perder o acobreado lhe fazia querer chorar?
Um suspiro alto escapou da garganta do mais novo e foi prontamente percebido pelo legista. YoonGi levantou o olhar para o rosto dele e se assustou ao ver os olhos sutilmente marejados, mas realmente não entendia nada do que poderia ter causado tal situação dentro dele. Sua vontade era de lhe questionar ali, querer saber o que se passava, mas como sabia que a conversa que precisavam ter seria mais longa do que um simples “O que você tem?” e um “nada” como resposta, concluiu a atividade de lavar o moreno e logo o puxou para fora do Box. Fez questão de seca-lo ele mesmo, passar a toalha sobre cada uma das marcas que havia desenhado naquela pele sutilmente bronzeada, acariciar-lhe a derme sempre que tivesse oportunidade e por fim, se vestiram ambos com roupas do maior, que não conseguiu segurar o riso fraco ao ver o Min trajando vestes grandes demais para seu corpo franzino.
Ainda com o olhar curioso quanto ao comportamento do moreno, YoonGi tomou a liberdade de sentar-se ao meio da cama dele, deu tapinhas leves sobre o colchão o chamando para que se sentasse ao seu lado e apesar de receoso, Taehyung o obedeceu. Dessa vez foi o Min que pegou a coberta que haviam trazido consigo e passou pelo corpo do mais novo, puxou-o para si e o abraçou e chegaram a rir da sincronia com a qual ambos suspiraram pesadamente, juntos.
Àquela altura, os dois sabiam que havia algo incomodando o outro, havia algo que os dois gostariam de exteriorizar, e YoonGi, que sempre foi impaciente demais para ficar muito tempo aceitando silêncios desconfortáveis, resolveu começar, aproveitando que o mais novo estava com o rosto afundado em seu pescoço, e com isso não precisaria lhe encarar.
-TaeTae, Você lembra o dia que me contou que havia transado com o Jimin? – Questionou e sentiu-o se tencionar sob seu enlace. O Kim ao ouvir aquilo, já pensou imediatamente que tudo estava explicado. YoonGi não conseguia esquecer sua “pseudotraição” e por isso queria se afastar e mais uma vez seus olhos marejaram contra a blusa que o Min usava. – Você imagina porque eu não falei nada ou demonstrei me sentir mal? – Questionou, tentando ignorar sua ciência sobre as lagrimas do moreno lhe molhando e respirou fundo para prosseguir, logo após senti-lo meneando a cabeça de um lado para o outro. – Bem... É bem difícil pra mim te contar isso, mas eu venho percebendo algumas coisas em mim ultimamente, e ontem eu tomei uma decisão bem difícil, então não posso te esconder nada... – Falou receoso e logo sentiu o amplexo do anfitrião se afrouxando para poder lhe encarar, completamente confuso. – Eu não fiquei bravo com você por você ter dormido com Jimin porque eu não tenho moral pra isso. – As sobrancelhas de Taehyung se juntaram e seu olhar questionava mais explicações a cerca do que o mais velho falava, este que sentia um nó se formando em sua garganta só de imaginar qual seria a reação do mais novo quanto ao que pretendia contar e assim, respirou fundo, tirando coragem de onde nem sabia ter só para concluir sua fala. – Eu não tenho moral para te julgar porque eu acabei fazendo o mesmo. Depois da nossa primeira noite juntos, eu tenho me reencontrado com um caso que tinha há um bom tempo antes de te conhecer e infelizmente, as circunstancias não me deixam afasta-lo. – Os olhos do Kim, que já estavam marejados, passaram a verter lagrimas ao ouvir aquilo. Não por saber que YoonGi tinha transado com outra pessoa, porque realmente não via necessidade de uma “fidelidade” da parte dele já que não tinham nenhum relacionamento declarado, mas sim pela menção de que, ao que tudo indicava, aquele reencontro entre o legista e o tal caso não era exatamente o ultimo.
- Posso saber se conheço, ou o por que de não poder afasta-lo? – Questionou o Kim com a voz tremula, se perguntando internamente porque aquilo tudo doía tanto, e YoonGi sentiu seu coração apertar ao vê-lo chorando, mas não podia negar um lado seu que comemorava baixinho, pois sabia que se o mais novo estava triste com aquilo, era porque também lhe via como algo alem de sexo. Soube pelas lagrimas do moreno que talvez até Taehyung ainda não soubesse, mas gostava de si, quem sabe até na mesma proporção. No entanto sua pequena felicidade se esvaiu quando se tocou de que teria que responder aquelas perguntas, e novamente o medo quanto a reação do maior, lhe cobriu.
- Eu não posso afasta-lo porque eu preciso vigiar ele de perto. Coisa do trabalho. – Disse tentando soar mais casual, e se reaproximando dele com a intenção de fazer o Kim não dar importância, desfocar literalmente a atenção do mais novo quanto ao que dizia. YoonGi tinha medo. Tinha medo de justamente agora que havia admitido seus sentimentos, vê-los rejeitados, tinha medo do anfitrião não acreditar em si e ao notar um ar incrédulo no rosto do rapaz, nada nem perto de satisfeito, um arrepio imenso lhe atravessou o corpo.
- E eu posso saber quem é? – O Min ponderou sobre revelar ou não a identidade de Jungkook e naquele mínimo segundo em pensamento, ouviu-o fungando antes de prosseguir. – Enfim, isso também não tem importância. O que eu quero saber mesmo é se você continuará se encontrando com ele ou se... – Taehyung se travou e quase bateu no próprio rosto. Quem era ele para questionar as vontades de Min YoonGi? Respirou fundo, tentando se acalmar do turbilhão de sensações ruins que lhe enchia o peito. Nunca o mais velho demonstrou ter a intenção de um relacionamento serio, porque se via no direito de cobra-lo agora? Doía saber que seria deixado, mas não tinha o direito de questionar suas decisões. E nisso YoonGi chegou a se sentir feliz novamente. Ver o mais novo desistindo de saber quem era seu “antigo caso” o fez se sentir um bocado aliviado, afinal, o que o mais novo pensaria se soubesse que transava com Jeon Jungokook, o causador de toda a dor do seu melhor amigo? Taehyung já sabia o que precisava saber. Era o suficiente. Mas a graça daquilo tudo estava naquela frase abandonada na metade, e que o legista fez questão de concluir.
- Se eu escolherei ficar com você? – Perguntou e seu sorriso gengival se rasgou na cara ao vê-lo com as bochechas vermelhas. Havia acertado em cheio! Era isso que o Kim queria. O Moreno queria era ficar consigo sim, e o peito do legista fez uma verdadeira festa com aquilo. – Olha Tae... Eu poderia não ter te falado nada sabe... Eu poderia vir aqui quase toda noite e nós transaríamos como loucos. As vezes dormiria aqui, outras iria para casa, outras eu poderia te levar em algum outro lugar, ou você escolher um roteiro e tudo acabaria na manhã seguinte. Eu voltaria pra minha vida e você pra sua. Eu continuaria me encontrando com esse cara para saber o que ele apronta, e você seguiria sua rotina. Tudo isso mantendo apenas o gosto dos nossos corpos um colado no outro, mas sabe porque não vai ser assim? Porque pra mim, ter só seu corpo não me serve mais. – Taehyung, instintivamente levou ambas as mãos ao rosto, confuso, sem saber o que eu achar do que ouvia. Parecia, pelo olhar do investigador, que ele o queria, mas suas palavras praticamente lhe jogavam na cara que fora sempre só sexo e que agora que ele tinha que escolher, o deixaria de vez, e a confusão mental de Taehyung só se amplificou quando viu o acobreado se aproximando mais ainda de si, passando as pernas sobre as suas e juntando as testas. – Ter só seu corpo não me serve mais porque é muito pouco, Taehyung! Eu quero seu coração, eu quero seus sentimentos, eu quero sua alma. Eu quero aprender a gostar de alguém de verdade, eu quero sentir mais uma vez o que eu senti na sala, ontem. Eu quero que você me mostre a diferença de transar e fazer amor. Não importa o que passou, não importa os erros que eu ou você cometemos, o que importa é que eu não vou mais errar e quero que você esteja ao meu lado pra isso.
E ouvindo aquelas palavras, Taehyung teve uma certeza:
Min YoonGi havia enlouquecido de vez.
- Mas você precisa vigiar esse cara... Você vai acabar ficando com ele de novo e, sinceramente YoonGi, pode não parecer pra você, pode ser que talvez eu passe até uma imagem de alguma espécie de vadia que transa com qualquer um, mas eu não sou assim. Não me leve a mal, mas eu realmente não quero me encontrar com você novamente se você tiver que continuar saindo com esse cara... – Falou o Kim, de uma vez só, mal pausando para respirar, concluindo com o olhar baixo para logo ser surpreendido por duas palmas quentinhas contra suas bochechas.
- Eu sei disso e não, eu nunca vi você como uma vadia ou uma “foda fácil” – Disse rindo anasalado. – Eu pensei bastante sobre isso nos últimos dias. Desde aquele dia que conversamos no porto eu tenho ponderado sobre como você me afeta e sobre como tudo isso é novo pra mim e, francamente, eu quero tentar. – Percebeu finalmente o olhar de Taehyung lhe sugando profundamente, como se quisesse desvendar ou descobrir qualquer mentira em sua voz, e assim, aproveitando a profundidade da troca de olhar deles, prosseguiu. – Eu gosto de você de verdade, Tae. Mais do que como amigo ou como alivio biológico. E se for preciso eu abandonar o caso ou delegar a função de vigiar o cara para outra pessoa, eu farei. Se eu ainda tiver que vigia-lo, o vigiarei a distancia. – Um sorriso tímido nasceu no rosto do moreno fazendo o Min sorrir também e notando o clima se amenizando, concluiu. – Fora que eu não preciso tocar em alguém pra saber o que anda aprontando, né?! Se você deixar ou quiser, eu posso tocar só em você... – Terminou em um suspiro, e o beijo cálido que trocaram, respondeu para ambos, todas as perguntas que ambos haviam criado sobre como seria dali pra frente.
~~
Naquela manhã de sábado, tudo o que Jackson queria era ficar enfiado em meio aos seus cobertores abraçado ao corpo de Bambam, mas seus planos foram prontamente frustrados pelo falsário, responsável demais com seu trabalho, que se levantou assim que abriu os olhos.
- Desculpa amor, eu sei que ta frio e que poderíamos ficar aqui o dia todo fazendo nada, mas eu prometi visitar o meu cliente hoje para pegar os dados que precisamos pra fazer os documentos dele. Ele tem pressa. – Disse se vestindo e já rumando para fora do quarto. – Você vem comigo? – Questionou e ouviu uma bufada irritada vindo do meio dos edredons.
- Vou sim! Acha mesmo que vou deixar você ir encontrar seu “amiguinho” sozinho? – Falou Jackson fazendo aspas com os dedos e explicitando ao Maximo seu ciúme pelo namorado, sendo prontamente ignorado pelo mesmo, que já o mandava se apressar.
Irritação era o que cobria o loiro de cima a baixo. Não conseguia acreditar que o parceiro estava preferindo trabalhar do que ficar consigo e com isso um silencio quase tocável tomava o carro enquanto Bambam dirigia pelas ruas pouco movimentadas da cidade. No entanto, toda a irritação do mais velho deu lugar a um misto imenso de surpresa e medo quando notou o namorado estacionando em frente a um bar. Enquanto o moreno desligava o carro e pegava suas coisas para desembarcar, Jackson agradeceu por estar trajando a mesma jaqueta do dia anterior e assim, levou a mão ao bolso e pegou o papel que lhe fora entregue por YoonGi.
Era o mesmo endereço.
Ainda perdido em pensamentos sobre como o mundo poderia ser tão grande e pequeno ao mesmo tempo, ouviu o mais novo lhe perguntando se iria entrar consigo, e tomado pelo temor de reencontrar Jungkook na frente do namorado, disse que o esperaria ali. Bambam desceu do carro e sumiu pelas portas de vidro do estabelecimento, fazendo-o suspirar aliviado quanto a desatenção do rapaz sobre sua mudança de comportamento.
O loiro se pôs a pensar sobre tudo o que estava acontecendo. Primeiro YoonGi lhe pede instalação de câmeras no bar, alegando que precisava vigia-lo ao Maximo, depois Bambam lhe conta sobre o amigo – que agora sabia ser o Jeon – estar planejando fugir da cidade com alguém e tais pensamentos se encaixavam perfeitamente. YoonGi devia estar desconfiado dessa possível fuga e provavelmente queria impedir, e com tais pensamentos começou a se questionar a cerca do que diabos o colega da escola havia feito para ter a policia em seu encalço e querer fugir da cidade provavelmente por conta disso. No entanto, deu de ombros. Não era como se tivesse algo a ver com aquilo. O médico havia lhe pedido um favor e cumpriria sua promessa, - esse era o Seu negocio. Jungkook pediu um favor ao seu namorado, ele também o cumpriria, - e isso era Negocio Dele. Riu soprado ao notar a corrida de gato-e-rato em que eles estavam, e essa era a parte onde novamente lavava as mãos.
“Que vença o melhor, oras!”
Já pensando no que faria a respeito das câmeras, o bandido desceu do carro calmamente e passou a observar a fachada do estabelecimento. Havia um belo ponto cego no toldo sobre a porta de entrada, onde conseguiria encaixar perfeitamente uma filmadora sem nem precisar furar a parede, ou seja, poderia instala-la de madrugada sem que sequer o garçom desconfiasse dela. Tentando passar um ar casual a quem lhe olhasse, Jackson levou as mãos aos bolsos da calça e caminhava a passos lentos, chutando o ar, em direção ao beco lateral do bar. Viu uma escada metálica que levava ao andar superior e entre os corrimões, outro ponto cego. Notou um carro popular escuro estacionado no beco e pensou até em ajudar YoonGi colocando um rastreador nele, mas logo abandonou a ideia.
“É vantagem demais saber pra onde o filho da puta vai, fora que isso já interfere muito no trabalho do Bambam. Muito feio da minha parte trapacear contra meu próprio namorado!”
Olhou o prédio de dois andares que havia ao lado do beco e observando o terraço dele, viu algumas antenas instaladas. Isso lhe deu a ideia de instalar mais uma câmera la e juntamente a câmera, uma antena para a transmissão de dados simultâneos das imagens captadas. Mais alguns passos e Jackson se viu completamente dentro do beco. Olhou a sua volta e se deparou com uma porta velha, aparentemente de um porão. A curiosidade lhe cobriu e isso guiou seus passos até ela, e ao força-la, percebeu-a aberta. A escuridão do ambiente juntamente ao cheiro de mofo forte quase o fez desistir de entrar, mas a vontade de saber quais eram “os segredos guardados por Jeon Jungkook” foi maior, e assim, respirou fundo passando pelo batente metálico.
Assim que sua visão se acostumou minimamente com a baixa luminosidade, passou a circular pelo espaço com o olhar atento a tudo o que via a frente. A bancada fixa a parede, logo ao lado da porta, estava visivelmente empoeirada, haviam alguns armários ao lado e mais um monte de quinquilharias e restos de mobília velha que julgou terem sido do bar em épocas passadas. Mais alguns passos e tropeçou em algo. Ouviu um estrondo vindo do chão e ao abaixar o olhar, notou que o que havia chutado era um taco de beisebol e quase que por instinto, se abaixou para apanha-lo, girando-o levemente contra a luz fraca vinda da fresta da porta para observa-lo bem, e novamente de forma automática, o soltou quando notou que estava coberto de sangue. Imediatamente seu coração disparou e um medo enorme lhe envolveu por completo. Sua mente se nublava a respeito do que poderia significar aquele taco ensanguentado guardado em um cômodo que por si só já lhe soava suficientemente mórbido. Tentando se acalmar, voltou a caminhar e passou a olhar a bancada. Havia uma bela coleção de facas dispostas de forma tão organizada e harmônica que foi impossível não imaginar o carinho que o dono deveria ter por elas e logo ao lado delas, cordas enroladas, novamente ensanguentadas.
“-Que porra significa isso, Jeon Jungkook?” Se perguntava já imaginando alguém amarrado e apanhando do garoto.
Mas foi no passo seguinte que um grito quase lhe fugiu da garganta. Ao parar de frente para o armário que estava aberto, viu uma câmera fotográfica e ao lado dela, varias fotografias. Algumas tinham os cantos sujos de sangue, outras não, mas todas tinham uma qualidade tão ruim, que não conseguia discernir exatamente o que estava estampado no papel – lhe pareciam cadáveres, mas a escuridão não lhe deixava ter certeza disso -. Quando pegou uma em mãos e já se encaminhava para um ponto onde a luz externa invadia, graças a um vidro quebrado, escutou um estrondo no outro extremo do cômodo, atrás das mesas abandonadas, fazendo-o em função do susto, abandonar as fotografias no local de origem de imediato. Um lado seu o dizia para sair correndo dali o quanto antes, mas outro lhe instigava a curiosidade de saber o que havia causado aquele barulho. Já estava cedendo ao lado curioso e caminhando a passos ressabiados até o outro lado do porão, quase se embrenhando no breu completo daquela sala, quando ouviu a voz do seu namorado lhe chamando ao longe.
Seu nome sendo berrado do lado de fora do local, o fez ter ciência da sua invasão. Numa fração de segundos ponderou sobre o que o dono do local poderia fazer consigo caso o descobrisse ali, e sem nem precisar pensar duas vezes, correu para fora e fechou a porta, deixando-a exatamente como estava, e após andar alguns metros, encontrou Bambam ofegante, lhe encarando indignado sobre seu sumiço e para despista-lo, disse que havia achado interessante o terraço do prédio vizinho e havia subido la para ter uma visão melhor da cidade, desculpa essa, prontamente aceita pelo mais novo, que já o puxava para o carro enquanto lhe bombardeava com novidades acerca do amigo, lhe dizendo varias vezes que o garçom realmente queria conhecê-lo e sobre como isso teria que ser logo, já que o Jeon pretendia deixar a cidade em menos de dez dias.
“Ai amor... Se você soubesse que eu e seu querido Jeonzinho já nos conhecemos há muito...”
~~
Para Jungkook, aquela sexta-feira não poderia ter sido pior. Após ter notado que sua mãe havia ido trabalhar sem seu carro, decidiu ir até o porão para verificar o que precisaria levar consigo no dia que procuraria Jimin, e tamanha foi sua surpresa ao encontrar o cadeado que fechava o cômodo, trancado do lado errado ao que sempre deixava. Fechou os olhos por um momento e tentou recriar com precisão toda a cena da sua saída do espaço na ultima vez que estivera la, e ao terminar de se lembrar teve ainda mais certeza de que não havia deixado a corrente e o cadeado daquele jeito. Nunca deixava daquela forma toda torta e mal arrumada, a corrente torcida e virada para a esquerda. Ponderou sobre quem poderia ter ido ali, quem poderia ter entrado em seu santuário particular e uma única pessoa se passou pela sua cabeça:
Hunbee.
Mas como poderia ter sido ela, se o seu molho de chaves não tinha a cópia do cadeado do porão? De sobressalto, Jungkook correu escada acima até adentrar o apartamento, entrou no próprio quarto e foi diretamente a arara onde sempre pendurava sua jaqueta, embrenhou a mão nos bolsos, quase rasgando-os tamanha era sua pressa e afobação e uma bufada forte seguida de um xingamento saiu pela sua boca. A chave não estava onde imaginava ter deixado.
Respirou fundo tentando se acalmar, esfregando as mãos no rosto e em seguida passando pelos cabelos, levou as mãos a cintura e olhava a sua volta tentando pensar onde poderia estar a sua chave, e ao pousar os olhos sobre a mesa de cabeceira, viu-a ao lado do seu celular. Mais uma vez, questionou sua sanidade. Repetiu o ato de fechar os olhos para recuperar da memória, suas ultimas lembranças envolvendo aquela chave, mas não conseguia criar as imagens com a mesma precisão que havia recriado as da corrente do porão. Acabou dando-se por vencido e falando para si mesmo que talvez fosse tudo apenas coisa da sua cabeça.
Desceu novamente as escadas, foi até seu subterrâneo, abriu-o e entrou, e ao caminhar pelo local, atento a cada detalhe dele, não viu nada diferente ou fora da ordem que havia deixado, mas ainda assim temia que alguém pudesse ter entrado ali, então pegou o taco de beisebol e posicionou alguns passos a frente da porta, pousado no chão sujo, já pensando que se alguém tinha conhecimento daquele espaço, não conseguiria entrar ali sem chutar aquela madeira e fez a nota mental de, na próxima vez que fosse la, observar exatamente a posição que o mesmo estaria. Isso lhe daria certeza da existência ou não de um invasor.
Na manhã de sábado, ao acordar novamente por conta do despertador da madrasta, dessa vez viu-a na cozinha quando deixou seu quarto. Ela trazia um sorriso leve no rosto, uma expressão calma e lhe afagou os cabelos com carinho assim que se aproximou dela e todas essas pequenas demonstrações de afeto lhe fizeram crer que, obviamente, ela não teria entrado no porão.
Enquanto bebericava seu café, tentando prestar atenção na fala da madrasta a cerca de assuntos banais como noticias que ela havia visto na televisão ou alguma situação que havia passado naquela semana, sua mente viajava sobre quem poderia ter violado seu santuário. Tentou por diversas vezes ler algum nervosismo no comportamento da senhora, mas ela estava absolutamente normal e tudo isso o deixava ainda mais confuso. Se não havia sido HunBee que havia aberto o cadeado do porão, então quem poderia ter aberto? Ou será que ele estava tão desatento com tudo ultimamente que nem havia se tocado que havia fechado as correntes daquele jeito tão desleixado?
Após terminar a pequena refeição, ouviu a mulher lhe dizendo que se recolheria ao próprio quarto para ler um livro que havia comprado, pedindo logo em seguida pra o garoto lhe chamar caso precisasse algo. Jungkook assentiu e voltou ao próprio quarto também, e assim que pegou seu celular em mãos, viu notificações de duas chamadas perdidas, retornou, e foi rapidamente atendido por Bambam, alegando que estava indo até o bar para acertarem os detalhes sobre a confecção dos documentos e para lhe levar o seu presente.
Aquele era o “up” que o Jeon precisava para sentir seu humor melhorar. Rapidamente deixou seu quarto, gritou para a madrasta avisando-a que daria uma rápida saída, desceu as escadarias, abriu o bar e se pôs a organiza-lo da bagunça da noite anterior – não arrumada antes do fechamento por conta de seu desanimo – e sorriu feliz quando viu o carro branco do seu amigo estacionando na calçada.
Assim que Bambam entrou no bar, Jungkook foi imediatamente ao seu encontro, abraçou-o forte e lhe girou no ar enquanto era estapeado, ouvindo-o dizer que seu namorado era ciumento e estava de olho neles. Quando o garçom colocou-o no chão, perguntou sobre onde o tal amado estava e na mesma hora o falsário apontou para fora. O Jeon olhou para a rua através da vidraça e a imagem do loiro, daquele maldito loiro, andando tão despreocupado, com as mãos nos bolsos e o ar distraído no rosto, fez seu peito queimar de ódio e uma vontade imensa de ir ate la fora e lhe socar até não poder mais. Jungkook respirou fundo tentando não demonstrar sua ira ao rever Jackson depois de tantos anos, tentou com grande esforço não pensar no dejà-vú que se criava a sua frente, mas foi impossível não pensar em transforma-lo no seu ultimo “ensaio” para o que planejara ser a morte de Jimin.
“Já que agora Jimin vai fugir comigo, bem que você poderia ser a saideira!”
No entanto, foi desperto dos seus pensamentos homicidas pela mão magricela do amigo, que já o puxava para uma das mesas. O moreno logo lhe expôs os tramites para a confecção dos documentos, do cartão de credito e enquanto Bambam lhe falava sobre toda aquela burocracia criminosa, sua mente só conseguia pensar no “maldito estuprador chantagista” que era o namorado do rapaz.
Mas foi ali naquela mesa, ouvindo a voz aguda do falsário, que lhe ocorreu o que julgou ser a ideia do ano.
Jungkook sabia que seu principal problema sobre convencer Jimin a fugir consigo, era lhe provar que havia sido obrigado a fazer tudo o que havia feito. Sabia que o Park não estava a seus pés ainda, não estava ali seu lado desde a época do colégio, única e exclusivamente porque fora obrigado a humilha-lo, foi obrigado e deixar que Jackson o estuprasse, e ver o loiro passeando ali, tão perto de si, tão “alcançável”, o fez ter certeza que seu problema estava solucionado. Era só achar um jeito de colocar Jackson e Jimin frente a frente, obrigar o bandido a confessar tudo, e assim que o ruivo soubesse de toda a verdade por traz da historia, imediatamente aceitaria recomeçar consigo em outro lugar. Finalmente tudo estava resolvido.
- Bom, agora o que eu preciso é que você escolha os novos nomes que você e seu namorado usarão. Alias, como é o nome dele mesmo? Eu preciso saber para poder invadir os sistemas do instituto de identificação e roubar as fotos dos documentos atuais dele. – Falou o falsário, acordando Jungkook do seu devaneio momentâneo.
- Park Jimin é o nome dele. Quanto a nomes novos... – O Jeon levou a mão ao queixo assumindo uma postura pensativa e viu ali uma boa deixa para ter certeza se aquele loiro que esperava seu amigo, era de fato o capitão do time de basquete do colégio. – O nome novo dele eu deixo a sua escolha. O meu, deixe me pensar... – Novamente a expressão pensativa, agora fingida, presente na face até que simulou uma bela ideia. – Jackson Wang! Isso! Eu gosto de como soa! Jackson Wang... Jackson Wang... – Passou a repetir baixinho e ao ouvir a risada baixa do amigo, soube que ele havia mordido a isca.
- Eu concordo em gênero, numero e grau de que é um belo nome! É bem comum inclusive, mas uma dica: Não use um homônimo de algum bandido! – Bambam gargalhou alto e tentando se fazer de confuso, Jungkook rebateu.
- Como assim? Você conhece algum bandido com esse nome? – Encarou-o e novamente o viu rindo.
- Claro! Sabe aquele belo loirão que tava ali fora me esperando? É exatamente esse o nome dele. Eu te contei né? A gente se conheceu na prisão. Ele responde por crimes cibernéticos e tudo o mais. Se pretende fugir da policia ou se esconder do mundo, não recomendo que use o nome de alguém que está em regime semiaberto. – Falou secando o canto dos olhos que lacrimejavam de tanto dar risada da coincidência que via no amigo querendo usar o nome do namorado.
- Huumm... – Murmurou pensativo, e por fim, como já havia descoberto tudo o que precisava quanto aos novos planos, deu de ombros. – Então você pensa num nome que você acha que combina comigo, pense em um nome a altura da beleza de Park Jimin, e entre em contato comigo assim que tudo estiver pronto para eu te pagar e poder sumir daqui de vez. – Concluiu se escorando na cadeira e logo vendo o magrinho se levantando.
- Tem um prazo? Alguma ideia de quando pretende partir? – Questionou Bambam e viu um sorriso imenso iluminando a face do garçom.
- Uma semana, no Maximo. Sábado que vem pretendo estar bem longe da capital.
- É tempo suficiente! Se tudo correr bem, até a terça-feira você terá a papelada necessária em mãos. Assim que tudo ficar pronto, venho aqui te trazer suas coisas. – E tais palavras fizeram Jungkook se lembrar de outro detalhe: Ele não sabia como capturar Jackson para a tal conversa e novamente viu a fala do amigo como uma deixa pronta para ser aproveitada.
- Nada disso! Eu to saindo da cidade, cara! Faço questão de eu mesmo ir pessoalmente até a sua casa pegar os documentos. Assim você faz um jantar para nós e me apresenta seu namorado. O que acha? – Um sorriso daqueles que expunha toda a arcada dentaria se estampou no rosto do moreno, que assentiu prontamente.
- Ótima ideia! Uma despedida digna dos bons e velhos tempos! Traga seu namorado também! Adorarei conhecê-lo! – Disse já se encaminhando a porta e ao se ver praticamente fora do estabelecimento, Bambam se lembrou de um detalhe bem importante quanto aquela visita. – Espera, Jeon! – Chamou o garçom que já estava quase atrás do balcão. – O presente que eu havia lhe prometido! – Falou tirando um envelope grande de papel pardo de dentro da pasta que trazia consigo. – Isso pode ser necessário, dependendo de como for empregar essa loucura de fugir com seu amado. Tenha um bom fim de semana! – Falou já virando as costas, sem esperar para ver a reação do garçom quanto ao presente abandonado sobre o balcão.
Jungkook ficou alguns minutos observando o rapaz pela porta de vidro. Viu-o caminhando até a lateral do seu estabelecimento enquanto gritava pelo nome do namorado e logo viu-o rebocando o rapaz até o carro e praticamente arremessando-o no banco de passageiros. Riu soprado da atitude irritadiça do moreno enquanto pensava sobre como algumas coisas não mudavam nunca e só depois de vê-los arrancando com o carro que foi se lembrar do embrulho que tinha a sua frente.
Com todo o cuidado – e até temor – do mundo, pegou o embrulho de papel de cima da bancada e cautelosamente o abriu. Colocou a mão em seu interior sentindo ser algo metálico e frio e ao tirar o conteúdo para fora, pode observar com enorme felicidade o presente recebido.
Um belo exemplar de uma Glock 18C*, linda, em um preto, que apesar de fosco, parecia lhe brilhar os olhos. Com um cuidado que beirava a veneração, Jungkook pegou a pistola em mãos, observando cada detalhe dela. Não precisava ser um especialista para saber que o que segurava era uma arma de ponta, automática, de um calibre razoável e que não era comercializada para civis no país, e tais pensamentos o fizeram ponderar sobre como Bambam poderia ter conseguido aquilo, mas logo afastou tal pensamento enquanto brincava de mirar a arma em punho pelo bar enquanto imitava o som dos tiros com a boca.
Aquilo era tudo o que precisava para de fato por seus planos em pratica. Assim que tivesse seus documentos em mãos, raptaria Jackson, o levaria até a casa de Jimin e faria-o se explicar. Até pensava na ironia de ameaçar o loiro com a arma que havia ganhado do namorado dele, e por alguns instantes, chegou a apreciar a ideia de usa-la de fato, de se vingar do capitão por tudo o que ele havia feito, mas ao pensar em Bambam, abandonou a ideia. Ter um criminoso em seu encalço, sabendo da nova identidade, só fariam as coisas ficarem piores para si e se tinha algo que ele não precisava, era da policia lhe procurando pela morte de um viciado em pornografia e crimes virtuais.
Decidiu que se limitaria ao pequeno sequestro mesmo. Assim que o Park entendesse seu lado, colocaria-o dentro do carro e rumaria para algum lugar distante. As montanhas talvez parecessem um bom lugar, ou quem sabe até saíssem do país, o destino de fato não importava, o que importava era ter o ruivo em seus braços de novo ou vê-lo há sete palmos de terra. Qual seria o desfecho, era algo que só dependia do Barista escolher.
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