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História Blue Lagoon - Eu ainda...


Escrita por: Nera

Notas do Autor


Pessoal, mais uma vez, atrasei um dia. Pardonne moi, s'il vous plâit! Essa semana está sendo um pouco cheia, tive outro imprevisto ontem. E, ah, já devo avisar que próximo final de semana estarei viajando, ou seja, passarei alguns dias sem postar, ok? Mas quando voltar, a frequência de postagens vai voltar ao normal!
Bem, é isso xD

Boa Leitura! :D

Capítulo 36 - Eu ainda...


 

Por fim a quarta feira!           

A tão esperada prova de segunda chamada finalmente havia acontecido, e, pelo mais que meus últimos dias tenham sido mórbidos e ainda corrosivos, tive sorte de gostar da prova. Gostar de uma segunda chamada era sinal de que se havia ido bem. De uma prova de sessenta questões, só não tive certeza absoluta em cinco, o que significava apenas 8% da prova. É, meus esforços e horas extras na biblioteca haviam sido de muita ajuda. E, sinceramente, nem sei como consegui estudar direito nos últimos dias. Porém, acho que foi justamente o estudo que me tirou um pouco do monótono da dor.

Era um pouco mais que 17h, fim do turno da tarde. As aulas da noite iriam começar às 19h e os corredores estavam sempre cheios durante essa transição de horários. Tive que desviar algumas vezes das massas de pessoas aglomeradas em grupos enquanto percorria os corredores até o estacionamento, um pouco distraída com uma pequena alteração na grade curricular que eu verificava pelo celular. Apenas os dias de duas aulas haviam sido trocados, parece que por motivos pessoais de um dos professores, mas nada demais, pelo menos não era algo gritante.

— E ai, gata? — McKey surgiu ao meu lado de repente e passou o braço sobre meus ombros, me fazendo olhá-lo em um súbito — Como foi de prova?

— Ai, filho da puta! Já falei pra parar de fazer isso! Não custa nada chegar como uma pessoa normal. Odeio sustos, você sabe — ignorei sua pergunta e levei os fones ao ouvido, um pouco de música também alivia o estresse acumulado antes da prova e, agora, o susto de McKey.

Ele riu, sabia que eu não havia ficado com raiva, infelizmente, eu nunca fico de verdade, não com ele. Mas eu me irrito. Em seguida, ele apertou mais seu braço sobre meus ombros forçando um abraço caloroso, porém desajeitado, e me imprensou à lateral do seu corpo por uns momentos. Ele me olhou:

— Você me ama, eu sei disso — então afrouxou o abraço — Mas ainda não respondeu a minha pergunta. Se saiu bem?

Respirei fundo e troquei de musica na playlist do celular.

— Pelo mais incrível que pareça, sim. Mas também, dei o dobro do que costumo dar normalmente. Não era possível que ainda assim a prova fosse de lascar.

Ele abriu mais um daqueles seus sorrisos hollywoodianos. Se eu gostasse de caras, com certeza já tinha caído nos encantos dele (talvez por isso meia universidade já caiu). E, às vezes, apenas para mim mesma, costumo classificá-lo como uma April masculina de cabelo preto. Os dois até podiam não ter a mesma aparência, mas a mesma carga de sedução era inegável. Embora McKey fosse mais cômico e psicologicamente mais saudável.

— Claro que não seria de lascar, Vicky. Pra quem passou em primeiro lugar pra medicina na Universidade de Hartford, acho que qualquer provinha como uma segunda chamada é fichinha pra você — ele se encolheu um pouco e deu um soquinho amigável no meu ombro — Você é incrível garota. Com certeza se saiu bem.

Sorri, sinceramente me sentindo um pouco melhor com suas palavras. É, McKey era outra pessoa ótima para se estar quando o astral estava abalado. O meu não estava mais como no domingo, mas ainda havia resquícios do estrago em mim.

— Obrigada, McKey. Não que passar em primeiro lugar signifique muita coisa. Depois que se entra aqui as coisas tendem a piorar. Mas mesmo assim, obrigada.

Ele sorriu mais uma vez, e nesta, assanhou um pouco do meu cabelo. Que vontade de socá-lo. Só que até a vontade era quase de mentirinha.

— Não precisa ser tão modesta, Vicky. Você é uma Hayes. Com certeza é tão incrível como seu pai. Ele deve se orgulhar, e você também. Tenha um pouco mais de fé em si mesma, garota — então me deu dois tapinhas nas costas — Mas agora tenho que ir. Psicologia é fogo. Respiramos palestras.

Sorri sentida por ele, e devolvi os tapinhas em suas costas.

— Você vai ser psicólogo. Sabe como lidar psicologicamente com algo assim.

Ele riu.

— É deve ser — ele pressionou o punho fechado na minha testa devagar e o girou para os lados algumas vezes em um gesto amigável — Até mais, gatinha. A gente se vê. — ele deu uma piscadela cheia de charme e saiu, para se misturar com os outros alunos que percorriam aquele corredor rumo ao auditório.

Balancei a cabeça sorrindo e continuei meu caminho.

Quando alcancei o estacionamento e estava me dirigindo para o meu carro, a imagem familiar da loira entretida em seu próprio celular, apoiada contra o capo do Mercedes-Benz prateado estacionado ao lado do meu, me fez parar a música no mesmo instante e olhá-la completamente sem entender.

­— April?

April ergueu os olhos para mim e um sorriso encantador de modelo se iluminou em seu rosto.

— Até que enfim você saiu. Garota estudiosa. Como foi de prova?

Eu ainda não estava entendendo o que ela fazia ali. Não tínhamos marcado às sete? Na minha casa? Ou eu viajei muito? Não, tenho certeza que marquei às sete na minha casa.

— Ah... foi ótima sim, mas... — olhei para os lados rapidamente, como se para me certificar de que não havia ninguém que pudesse nos ver ali, e ao confirmar, me aproximei um pouco mais — Mas o que está fazendo aqui? Não deveria estar aqui.

Ela ergueu uma sobrancelha, curiosa.

— Ué, por que não?

Cruzei os braços e respirei fundo, não muito feliz por lembrar daquilo.

— O vídeo da minha briga com a Calena viralizou por aqui. Eu me senti uma celebridade quando vim pra aula na segunda. Você sabe, “Parabéns, você foi ótima!” ou “Aquilo sim é briga. Você é demais”, ai, enfim — balancei a cabeça para me livrar das mensagens encorajadoras que eram atiradas à minha cabeça naquele momento — Na verdade, não foi um grande problema, mas algumas pessoas daqui já sabiam que eu havia namorado uma modelo, só não sabiam o nome. Mas o vídeo as ajudou a descobrir, e agora, várias pessoas não param de falar sobre isso, principalmente seus fãs da moda — revirei os olhos e olhei para o lado novamente — Sabe, eu nunca gostei de exposição. E você aqui não tá ajudando, gatinha.

— Ah. É por isso que a cada cinco minutos alguém parava aqui e me pedia um autógrafo.

 Eu a olhei em um súbito, de olhos arregalados.

— O quê? Autógrafo?!

— É. Algumas vezes viam em pequenos grupos. Acho que pra encorajar alguém envergonhado o suficiente pra não vir só — ela deu de ombros e guardou o celular no bolso da calça. Então olhou para o lado assim como eu ­— Agora tudo faz sentido.

Ignorei completamente tudo o que ela disse. A única coisa que piscava na minha mente em cores neon era o “autógrafo”.

— Filha da puta, você saiu beijando todo mundo?!

Ela me olhou, fisgada, aparentemente surpresa com a minha pergunta, então, as sombras de um sorriso risonho se formaram no canto de seus lábios.

— Ao que parece ninguém achou ruim. Algumas ficaram vermelhas. Até o ruivinho gay gostou.

Uma veia saltou na minha testa.

— Vai se foder, April! Você não pode sair beijando as pessoas assim sem mais nem me...

Então ela riu. Uma risada divertida, que me interrompeu e me fez olhá-la mais uma vez sem entender.

— Eu estou brincando, Victorie. Não beijei ninguém dessa vez. Juro. Todos eles vieram com um papel e uma caneta, e eu não sou burra pra sair distribuindo beijos em uma universidade. Não iria pegar bem — então ela também cruzou os braços sob o peito, e seu sorriso finalmente se alargou. Os olhos baixos me fitavam com subliminaridade — Você é uma gracinha com ciúmes, sabia?

As maçãs do meu rosto coraram subitamente, e definitivamente essa era a última coisa que eu precisava no momento. Meus olhos se arregalaram um pouco, mas mantive uma feição irritada para — tentar — disfarçar.

— Vai se lascar, não tô com ciúmes.

Ela riu mais uma vez, desceu as mãos para o capô do carro e empurrou o corpo para frente.

— Tudo bem, você não está — então me olhou por um tempo, claramente segurando outra risada — Mas enfim. Resolvi te fazer uma surpresa e quebrei nosso acordo das sete. Se importa de me acompanhar ao shopping agora mesmo, senhorita? Você está linda, nem precisaria se arrumar de todo jeito.

Linda? Bem, se botas de cano curto, calças jeans, camisa de flanela escura com uma estampa de rock e um moletom preto enrolado no braço combinassem beleza em uma pessoa, tudo bem, eu podia aceitar. Mas a verdade é que perto dela eu sempre sentia que me vestia muito mal, embora outras pessoas não achassem o mesmo. Mas na minha cabeça, não dava para competir com uma modelo como a April, não dava.

Puxei a alça da mochila um pouco sem jeito sobre o ombro e sorri.

— Tá, tudo bem. Mas... — olhei para o sedan preto estacionado ao lado do Mercedes — E o meu carro? Não posso deixar ele aqui.

— Não se preocupe, vamos voltar pra buscá-lo antes que a universidade feche. Não é como se fossemos pra uma balada e só voltar de madrugada, Vicky. Você vai estar em casa na hora certa. Posso ser meio insana, mas tenho consciência que você ainda tem aula amanhã, e não quero que chegue em casa exausta. Não vai acordar muito bem se dormir tão tarde.

Eu a olhei, um pouco surpresa. Não lembro a última vez que April se preocupou com algo assim. Antigamente quando saíamos, ela estava pouco se lixando para horário. Perdi as contas de quantas vezes fui dormir às quatro da manhã por conta de ela ter me carregado para noitadas. Mas na época eu era um pouco mais idiota do que sou hoje em dia e realmente não me importava, eu amava estar com ela, então, as três horas de sono e as pescadas no meio da aula valiam a pena. Quando terminamos, me julguei a pessoa mais idiota do mundo por ter feito coisas estúpidas por conta dela, mas a maior parte da raiva era porque eu sabia que, se por um acaso voltássemos um dia, eu faria tudo de novo. Mas na época, voltar jamais seria uma opção, e hoje em dia... Bem, eu já não sei mais. Aquela garota que eu via em minha frente não era mais a mesma April de seis meses atrás. Era diferente, mais consciente, mais... incrível. É, ela estava mudando — pelo menos tentando —, mas estava dando certo. Ela sempre disse que me perder foi uma grande lição para ela, eu acreditava, mas nunca havia parado para pensar nas dimensões do estrago. Porém, pela primeira vez após nosso término, pensei sobre o assunto, e o que via em minha frente não era fruto de um pequeno trauma, e sim, de uma queda imensurável, talvez do mais alto dos abismos, afinal, nunca em uma vida, eu diria que aquela April se tornaria quem é hoje. Nunca mesmo.

Mas ela estava se tornando, e isso realmente me deixava feliz. Muito feliz.

— E então? — ela reforçou a sugestão em reflexo ao meu silêncio — Topa ir agora?

Eu pisquei, quase perdida, e tomei um segundo para recobrar o que ela havia me dito.

— Ah, sim. Tudo bem. Vamos então. Mas me deixe aqui antes das onze. Depois que a universidade fechar não tenho como buscar meu carro.

Ela sorriu.

— Claro. Vamos.

Ela foi para o lado do motorista e eu para o do passageiro. Mas quando abri a porta para entrar, uma nostalgia me acertou com a força de um soco. Fiquei parada por um momento, com a mão sobre a porta, e varri o interior do carro. Olhei para o banco de couro, para o painel que inspirava tecnologia, mas com um toque social, para a marcha, o volante, as luzes no teto... Céus, eu já havia andando naquele carro tantas vezes. Era tão estranho como de repente ele parecia... estranho, mas familiar ao mesmo tempo. Fiquei daquele modo por uns segundos, até April me arrancar dos pensamentos.

— O que foi, Vicky? É só um carro. Relaxa, ele não vai te comer.

Eu a olhei um pouco sem jeito e assenti.

— É, eu sei — coloquei o pé para dentro, me preparando para sentar.

— Talvez eu faça isso mais tarde. Mas não o carro — ela completou, em um murmuro proposital, enquanto também se preparava para entrar.

Antes de sentar o traseiro no assento do carro, abri bem os olhos e me empurrei para fora do Mercedes em um súbito.

— O quê?!

Ela riu.

— Eu tô brincando. Eu disse que não iria tentar te agarrar, lembra? Amiguinha do peito, apenas amiguinha do peito — então entrou e fechou a porta.

Demorei alguns segundos para criar coragem de entrar novamente, mas, quando eles parecem longos demais, balancei a cabeça e entrei, devagar, como se qualquer movimento brusco remodelasse a realidade e aquela April agradável se tornasse a insana e sedenta por sexo. Fechei a porta do carro, joguei a mochila nos meus pés e coloquei o cinto, ainda de forma cautelosa.  Ela riu de mim outra vez, provavelmente imaginando o que eu estava pensando — e convenhamos, ela é muito boa nisso. Por fim, girou a chave na ignição e saímos do estacionamento.

 

— Vicky. — April me chamou, quando estávamos no meio da avenida que nos levava ao shopping.

— Oi?

— Obrigada por ter mandando a June ao hospital aquele dia. Eu... fiquei feliz em vê-la. Nos acertamos, graças a você. Fiquei de te agradecer, mas ainda não consegui, então, estou fazendo isso agora.

Eu a olhei, e a surpresa que se instalou em mim foi por conta da sua sinceridade. Ela olhava para a frente, concentrada no trânsito, mas em seu semblante quase inexpressivo, havia alguma paz.

Eu sorri.

— De nada. E você estava me devendo.

 

Como esperado para uma quarta à noite, o shopping não estava lotado. A melhor parte é que achar estacionamento perto do bloco onde iríamos ficar foi bem mais fácil que em um fim de semana. Assim que chegamos à sessão de cinema no último andar, fui direto para perto da fila da bilheteria e vasculhei nos telões um pouco acima os filmes que estavam passando. Não estava sintonizada com os últimos lançamentos. Minha vida havia virado de cabeça para baixo nos últimos meses e isso me afastou um pouco da minha rotina de filmes.

— O que vamos assistir? — indaguei à April, mas ela não respondeu. Olhei para trás em busca dela e a encontrei comprando pipoca e refrigerante do outro lado do cinema — Mas que diabos?

Franzi o cenho e fui até ela.

— Qual você vai querer? Ao leite ou meio amargo? — perguntou a balconista com duas barras de chocolates na mão, assim que parei ao lado de April.

— Meio amargo, por favor — ela respondeu, então, puxou a carteira de dentro da mochilinha de couro.

Olhei para o pedido dela sobre o balcão e não pude me surpreender mais. Pipoca tamanho G, dois copos de refrigerante também tamanho G, dois pacotinhos de M&M e agora, uma barra de Hershey’s meio amarga. Céus, para onde tudo aquilo iria?

— Puta merda... — sussurrei, boquiaberta.

— Prontinho, senhora, aqui está o seu pedido — disse a balconista, após dar o troco de April — Obrigada, e volte sempre.

— Eu que agradeço — ela disse, pegando a bandeja com o piquenique inteiro.

— Que diabos April, você tá com tanta fome assim? Tem noção do quanto comida comprada no cinema é caro? — indaguei, ainda perplexa, após deixarmos o balcão.

— Não, para a primeira pergunta, e sim, para a segunda. Hoje é um dia especial, então, por que, não? — ela parou atrás de algumas pessoas em fila — Sabe qual foi a última vez que vim ao cinema acompanhada? Isso mesmo. Seis meses atrás. E com você. Faz tempo, não é? É só pra se acostumar aos velhos hábitos.

Sério?! Caraca...

Então, finalmente percebi em que fila nós estávamos. Na que levava direto para a sala de cinema.

— April, que diabos estamos fazendo aqui? A gente tem que comprar os ingressos primeiro.

— Não se preocupe, eu já comprei. Antes de ir te buscar.

Olhei para ela, mais uma vez, surpresa.

— Sério? E que filme você escolheu?

— Jigsaw.

Tinha que ser. Terror e sangue é com ela mesma.

— Você gosta, não é? Assistiu a franquia toda comigo, e eu nunca te obriguei.

É, tinha que concordar. De fato, eu realmente gostava da franquia. Tinha muito sangue, mas eu gostava de ligar os flashbacks e montar a cronologia. O quebra cabeça era realmente interessante.

— Tudo bem, eu realmente gosto. Mas cadê os ingressos?

— No bolso da minha calça. Pode pegar pra mim? Não da pra eu fazer isso com essa bandeja na mão.

E antes que eu pudesse concordar, levei a mão automaticamente ao bolso da calça, mas parei subitamente quando me dei conta de que era o traseiro. E a calça era apertada.

— Er...

Ela me olhou, e ergueu uma sobrancelha.

— O que foi?

— Bem, é que...

Ela continuou me olhando por mais algum tempo, sem entender.

— É que o quê? O qu... — então, entendeu — Ah, não, por favor, né, Vicky? É só pegar os ingressos. Não é como se você tivesse pegando na minha bunda. Céus, eu nem pensei nisso. Deixa de frescura e pega logo.

— Tem noção o quanto isso é estranho pra mim?

— Estranho é achar que estamos transando por pegar os ingressos no bolso da minha calça.

Corei. Muito. E quase pude sentir a fumaça escapando dos meus ouvidos como em uma chaleira apitando.

— Meu Deus, não pensei nisso!

— Mas associou. Se não, não teria tanto problema em enfiar a mão em um bolso pra pegar dois ingressos.

— Mas é que essa calça é apertada e você tem um traseirinho avantajado...

— Ah, esquece! Segura essa bandeja, deixa que eu pego.

— Tá, eu pego! — puxei o bolso da calça o máximo que pude, enfiei os dedos dentro e puxei os ingressos — Pronto.

— Vai chover diamante na América! Ela pegou os ingressos e não perdeu a mão.

Olhei para ela de cara feia para disfarçar o desconcerto.

— Tudo bem, agora pode parar de me zoar.

— Desculpa, amor, não dá.

Idiota.

 

O filme era em 3D, o que obviamente deixaria a experiência muito mais marcante por se tratar de terror — com muito sangue. April havia escolhido duas cadeiras bem no meio da arquibancada, o que nos daria uma visão quase privilegiada o filme inteiro. Após no acomodarmos em nossas poltronas, outras pessoas foram ocupando as cadeiras ao nosso lado. April lutou um pouco com a bolsa e a bandeja até conseguir se acomodar, em seguida, dividiu os pedidos, mas deixou o pote de pipoca no meu colo para que ficássemos pegando durante o filme.

— Gulosa — murmurei.

— Às vezes me dou o luxo.

 

Então as luzes se apagaram e os trailers invadiram a tela. Além das propagandas e do vídeo sobre as regras do cinema, foram exatos cinco trailers antes de o filme começar.

— Assistir Jigsaw com uma sociopata do seu lado. Melhor experiência não há — brinquei.

— Gracinha — ela respondeu, mastigando algumas pipocas e com a mão dentro do pote para pegar mais, mas havia humor em sua voz.

Antigamente, April não resistia ao escurinho e ao frio do cinema, e me roubava alguns beijos já nos primeiros minutos de filme. Além de algumas carícias no braço, ou na cabeça. Mas, daquela vez, como ela havia prometido, ela não fez nada. Ficou no seu lugar o tempo todo, praticamente não se voltou para mim nenhuma vez e também não falou nada desde que o filme começou. Seu único contato comigo foi quando as nossas mãos se batiam na hora que íamos pegar a pipoca, fora isso, seu único chamego foi com o lanche.

Eu não resisti, olhei para ela algumas vezes, e então percebi que eu estava a estudando. No fundo, queria saber o que mais tinha mudado, e então percebi que havia um novo tipo de maturidade ali. Se era dela mesma ou por receio de fazer algo que eu não gostasse, eu não sabia dizer, mas algo dentro de mim se aqueceu com a pessoa que eu via, e quando dei por mim mesma, senti vontade de fazer algum contato, sei lá, qualquer coisa, só queria interagir com ela e não ficar o filme todo grudada à tela. Eu entendia o lado dela, mas acho que ela também gostaria se algo partisse de mim, afinal, não precisaria pisar em ovos para alguma interação entre nós acontecer.

— Me diz, o que você sente quando assiste um filme assim?

— Como assim?

Dei de ombros.

— Sei lá, fica querendo enfiar a faca em alguém?

Depois que fiz a pergunta, percebi o quanto realmente parecia estranha, e ela riu disso.

— Não, Vicky. Só fico apreciando o sangue.

Olhei dela para a tela em uma cena particularmente bastante brutal, mas por algum motivo, não conseguia realmente me concentrar no filme. Então, olhei para ela outra vez.

— Mas você já quis enfiar a faca em alguém assim?

Ela me olhou, e, mesmo sob os óculos 3D, pude sentir um olhar incisivo. Um sorriso curioso estava sombreado em seus lábios.

— Por que está me perguntando isso agora?

Porque estou afim de ter algum tipo de interação com você, mas por algum motivo minha criatividade foi pro level -5 e não faço a menor ideia do que estou fazendo.

— Ah, bem, é só curiosidade.

— Suas curiosidades são... curiosas — ela pegou o pote de pipoca do meu colo e colocou no seu próprio, olhando para dentro para ver o quanto do alimento ainda tinha — Que merda, tá acabando.

Balancei a cabeça, com um sorriso sem graça no rosto, me perguntando desde quando fiquei tão horrível em interagir com alguém, principalmente com April, ainda por cima. Nossa, aquilo realmente foi ridículo. Voltei a olhar para o filme e afundei um pouco mais as costas do encosto da cadeira.

Vicky, sua idiota.

Estiquei minha mão até o pote de pipoca no colo de April, mas quando ela entrou, encostou em seu braço, e pude sentir a pele arrepiada. Instintivamente, agarrei seu pulso e tive uma surpresa: ela estava tremendo!

— Que diabos, April? Isso é frio?

Ela afastou o braço um pouco sem jeito, e pegou mais pipoca.

— Esqueci meu casaco. Além de que achei que esse blazer poderia dar conta, mas ele só vai até a metade do braço. É, não resolveu.

— Oh, burrinha... — eu não estava usando o meu casaco, não costumava sentir frio com tanta facilidade, usava as jaquetas e os moletons por costume pessoal, por isso, desfiz o embrulho em meu colo e entreguei a ela — Pega. Tá bem quentinho.

Ela me olhou por um tempo, hesitando se deveria aceitar, por algum motivo que só na cabeça dela fazia sentido, mas, por fim, aceitou.

— Obrigada — ela vestiu o casaco ao contrário, com as costas para frente, e assim que a roupa se ajustou ao seu corpo, pude ver o alivio que emanou de suas feições — Realmente, está bem quentinho.

Sorri, me sentindo novamente aquecida por dentro, e uma onda de felicidade que há muito tempo não sentia com ela se preencheu em mim. Voltei para o filme desta vez, mas nessa, mesmo um pouco mais concentrada no que via, minha mente vez ou outra fugia para um universo caótico chamado April, mas que àquela altura do campeonato, já estava convencida que nem todo caos é sinônimo de negatividade, às vezes, o caos apenas move as coisas. April estava movendo algo, não sabia bem dizer o que, mas estava, eu podia sentir. Merda, isso não queria dizer uma boa coisa, não é? Ou talvez sim. Eu já nem sabia mais, a única coisa da qual sabia, era de que estava gostando.

Seja lá o que estivesse se movendo ali, era tão quentinho quanto meu casaco.

Quando o filme acabou, nossa bandeja estava completamente vazia, com exceção do meu refrigerante que estava um pouco menos que a metade.

— Céus, você vai me dar um dor de barriga daquelas — disse à April quando saímos da sala de cinema.  Eu ainda estava com o copo na mão, o balançava algumas vezes, criando coragem para tomar o resto.

— Não precisa tomar mais se for pra passar mal — ela me disse. Em seguida, retirou meu casaco e me entregou. Um sorriso aquecido estava em seu rosto — Obrigada de novo, Vicky. A melhor parte é que tinha o seu cheiro.

Eu peguei o casaco sentindo meu rosto querer começar a corar, e então sorri de volta, de uma maneira mais brincalhona.

— Você nunca perde uma oportunidade.

— Na verdade, hoje deixei passar várias.

— Idiota!

Ela riu.

Quando saímos da sessão de cinemas, April perguntou:

— Você não vai conseguir comer nada agora, não é?

Gemi de descontentamento.

— Se eu comer, eu vomito, certeza — passei por uma lixeira e joguei o copo de refrigerante com o líquido dentro — E você? Ainda aguenta?

Então, ela suspirou, derrotada.

— Na verdade não. Então, já que não vamos comer agora, podemos dar uma olhada em umas lojas? Preciso comprar umas coisas.

— Ah, claro. Maquiagens?

— Roupas e acessórios.

— Modelos...

A próxima meia hora passamos entrando e saindo de várias lojas. Em quase todas April comprou alguma coisa, pelo menor que fosse, como por exemplo, um par de brincos prateados minúsculos, porém, eram lindos, tinha de admitir. Em pouco tempo, estávamos com pelo menos umas oito sacolas em mãos. Ao menos eram leves e fáceis de carregar, mas mesmo assim, a ajudei a levar algumas.

— Você não quer comprar nada, Vicky? — ela indagou-me uma hora — Posso comprar pra você se quiser.

— Não se preocupe, não estou precisando de nada no momento.

— Hm. Tudo bem, mas qualquer coisa pode me pedir.

Sorri, mais uma vez aquecida.

— Obrigada.

No segundo andar do shopping, enquanto estávamos indo em direção à Zara, uma multidão aglomerada em frente a uma das lojas do outro lado do corredor me chamou atenção. Havia música e um pequeno globo de luz eletrônico em algum lugar, que atirava pontos coloridos por todo o ambiente. April não viu, estava distraída olhando alguma coisa no celular, mas quando meus olhos bateram no banner gigantesco, envidraçado, que servia como parede, ao lado da loja, eu parei automaticamente e a segurei pelo pulso. Ela voltou confusa com o puxão abrupto e olhou para mim primeiro, em seguida, para onde eu estava olhando, e por fim, se deparou consigo mesma.

Ela estava linda, trajada em roupas caras, e com os dedos a amostra próximos ao rosto, com uma mão sobreposta a outra, cheios de anéis, tão caros o quanto. Coisa realmente fina. Ela não olhava diretamente para a câmera. Seus olhos azuis podiam ser vistos por baixo de um conjunto de cílios longos e um pouco claros, o que dava à imagem como um todo uma pegada sensual e encantadora. Do modo que estacionei, permaneci, com a boca semi aberta, e os olhos vidrados nos detalhes que, para mim, eram de tirar o fôlego.

— Puta merda, você tá linda... — murmurei, sem percebi que disse aquilo em voz alta, e quando o fiz, balancei a cabeça algumas vezes para espantar o embaraço e a olhei, no falho intuito de disfarçar — Quer dizer, você sempre foi bonita, né, então... Eu só, não esperava ver uma foto sua tão grande em um shopping como esse. Digo, acho que é a primeira vez que vejo algum trabalho seu assim, então eu...

— Tudo bem, Vicky, eu entendi. Não precisa ter vergonha de admitir que me acha bonita — ela sorriu, achando graça — Você é mesmo muito boba, carneirinho. Vem, a Zara está na próxima esquina — ela tornou ao seu caminho.

Céus, que situação.

— Mas, espera — eu a segui — Você não acha legal ver a sua foto exposta assim no shopping? Caramba, é uma puta inauguração. Na verdade nem conheço essa loja, deve ser nova.

— É a loja de joias que me chamou para posar depois do desfile. Lembra? Você foi atrás de mim no estúdio no dia em que eu bati essa foto.

Então tudo ficou claro, no dia em que eu a encontrei no camarim do Bellmont’s Studio, ela estava usando a mesma blusa da fotografia.

— Ah...

— Quanto a sua pergunta, não, eu não acho legal nem chato ver minha foto exposta assim. Na verdade, sou completamente indiferente a elas. Gosto de moda, mas não fico emocionada em ver minhas fotos depois de prontas, entende? Você sabe, eu não me emociono com muitas coisas — então ela me olhou, e um sorriso cafajeste se desenhou em seus lábios — Só com você.

Lhe dei um tapa no ombro e ela riu.

— Eu acho que já te chamei de idiota hoje. Mas caso não: i-d-i-o-t-a.

— Também amo você.

 

Quando o relógio marcou dez e meia, April entrou no estacionamento da universidade e estacionou ao lado do meu carro mais uma vez. Àquela altura, o lugar estava apenas pingado de carros, a maioria dos alunos havia ido embora, e os poucos veículos que restavam geralmente eram de professores, diretores ou do pessoal da parte administrativa. Ela desligou o Mercedes e tomou um segundo para si mesma e respirou fundo, em seguida, me olhou com um sorriso.

— Você gostou?

— Sim — sorri — Você tinha razão, sair com você iria fazer bem — dei de ombros — Sabe, eu até estou um pouco melhor, mas... obrigada pela companhia, de verdade. Foi muito bom. Agora estou um pouco melhor do que já estava.

Seu sorriso se alargou, um pouco sonolento — ela ainda dependia das pílulas para sono se quisesse dormir “cedo” —, e seus olhos não se desfizeram dos meus em momento algum, o que me fez sentir uma fisgadinha engraçada no estômago, algo perto de cócegas.

— Fico feliz que tenha gostado, de verdade, talvez assim a gente saia mais vezes.

E antes que eu pudesse pensar, me saiu um:

— Com certeza.

Ainda sorrindo, April levou sua mão ao meu rosto e fez carinho em meu queixo. Em seguida, tornou a olhar para a frente e segurou um bocejo.

— Hora de ir, gatinha, não deve chegar muito tarde.

Eu assenti, sorrindo, era mesmo hora de ir. Peguei minha mochila aos meus pés e sai do carro. Dei a volta no veículo, em direção ao meu, mas, antes de entrar, olhei para April pela janela aberta, com os braços cruzados, como se eu estivesse com frio, e o casaco enrolado em um deles.

— Ah, er... April, será que pode sair do carro um instante?

Ela franziu o cenho, claramente desentendida, mas sem perguntar nada, retirou o cinto e saiu do Mercedes.

— O que foi?

Eu não disse nada, apenas enlacei meus braços em sua volta e afundei meu rosto em seu ombro, pressionando meu corpo contra o seu, como uma garotinha assustada que precisava muito sentir a proteção dos braços de alguém, porém, eu não estava assustada, apenas... precisava sentir os braços de alguém.

Os dela.

E quando eles também se envolveram em mim, uma explosão de calor e borboletas se chocaram em meu estômago.

Suspirei fundo, e tomei coragem para falar, mas não passou de um gaguejo.

— Eu... eu ainda... eu...

— Eu sei — suas mãos percorreram minhas costas com carinho e ela apertou um pouco mais o abraço. Sua cabeça descansou contra a minha, e pude sentir sua respiração mexendo alguns fios do meu cabelo.

Céus, por que estava tão quentinho aquele dia? Tão quentinho...

— Me faz um favor? – perguntei.

— O quê?

— Na próxima vez não desliga antes de eu responder.

Escutei um riso vindo da sua garganta.

— Tudo bem.

Permaneci aquecida em seus braços por mais algum tempo, em seguida, suspirei fundo e então me desfiz deles. Olhei para ela um pouco sem jeito e me controlei para não esconder uma mexa do meu cabelo atrás da orelha.

— Até mais, April.

Ela sorriu em despedida e eu rapidamente entrei no meu carro. Sentia que se eu não saísse dali logo, algo mais significativo do que um abraço iria acontecer, mas eu não estava totalmente terminada com Lena, então, não queria correr o risco de me arrepender. Além de que seria muito escroto correr de uma para a outra tão rápido.

Quando dei a partida no meu sedan, ela ainda estava do lado de fora do seu, com os dedos enterrados nos bolsos da calça, olhando para mim.

 

Pouco tempo após o semáforo ficar verde e eu dar partida no carro à uma altura da avenida relativamente perto da minha casa, meu celular, sobre a bolsa no banco  de passageiro, começou a tocar. Peguei o aparelho e vi que era April. Franzi o cenho e, mesmo sabendo que não se deve atender ligações enquanto se dirige, fiquei um pouco preocupada, afinal, era da April que estamos falando, então, levei o celular ao ouvido.

            — Ap?

— Eu te amo.

Meu coração pulou uma batida nessa hora, e mais uma vez, as borboletas explodiram subitamente em meu estômago, arrepiando cada centímetro da minha pele. Quando dei por mim, estava com um sorriso bobo no rosto. Mas antes que eu pudesse falar alguma coisa, ela já havia desligado. Devolvi o celular à mochila e balancei a cabeça em desaprovação, mas não estava chateada, na verdade, eu ainda sorria.

— É. Você é bem teimosa.

 

Continua...


Notas Finais


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