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História Broken - Ato III


Escrita por: Milynha_Sh

Notas do Autor


Oi xent, desculpa a demora! Tecnicamente esse era para ser o ultimo capitulo, mas como eu expliquei em CFOAE eu tive alguns problemas com meu note e em virtude de um momento de burrice meu, eu acabei perdendo todo o terceiro capitulo. Entao tive que reescrever tudo de novo, e para piorar enquanto eu fazia isso algumas ideias foram surgindo e acabou resultado em dois capitulos a mais para a historia.
Então ao inves de três, possivelmente a fic acabará com 5 capitulos (Isso se o cap 4 não ficar muito pequeno rsrsrs).
Bjs e boa leitura!

PS: agradecimento especial a ImpureMichaelis que betou o cap para mim.

Capítulo 3 - Ato III


Avisos: 

Esse capitulo conterá cenas fortes, se você é sensível, por favor, NÃO LEIA. 

 

Os brinquedos estavam espalhados pela sala, a TV ligada em um canal infantil. Passava ‘O pequeno príncipe', desenho preferido de Sebastian. Suas pequenas mãos estavam sujas de geleia de amora e suas bochechas meladas com o doce, este que havia sido roubado na cozinha, aproveitara a saída de sua mãe para realizar sua pequena peripécia. 

“Oras, o meu pequeno príncipe está aprontando outra vez.” Vincent apareceu na sala, dando um verdadeiro susto no garoto. Riu da forma como ele sobressaltou. “Eu bem que suspeitei desse silêncio, e silêncio definitivamente não é algo bom quando se tem criança em casa.” 

“Desculpa, pai.” Sebastian levantou apressado do chão, trazendo em suas mãozinhas sujas o pote de geleia. Seus cabelos negros e muito lisos caiam por cima de seus olhos castanhos avermelhados, cobrindo parcialmente sua delicada sobrancelha. “Por favor, não conte para a mamãe.” 

“Será se não devo contar? Sua mãe com certeza notará que alguém mexeu no pote de geleia, e ela sabe que eu não gosto de geleia de amora. Então se não foi eu, nem ela a mexer no pote, só sobra você como alternativa. Que feio, Sebastian! Rachel ficará muito decepcionada com você.” 

O pequeno baixou a cabeça, suas bochechas e nariz começaram a rosar, indicando que estava prestes a ceder ao choro. Ele sabia que sua mãe o repreenderia caso ele pegasse a geleia sem permissão, mas sua intenção no início era de pegar apenas um pouquinho para ela não perceber, o suficiente para saciar seu desejo, mas agora olhando para o pote, viu que este estava abaixo do meio, então era impossível dela não notar que alguém tinha mexido ali. Foi inevitável o choro logo começar. 

“Não chore, meu pequeno príncipe.” Vincent se ajoelhou para ficar na altura do filho. Até a camisa dele estava suja de geleia. “Vamos fazer o seguinte: eu digo que eu iria colocar um pouco de geleia na sua torrada, mas o pote caiu da minha mão e acabou derramando um pouco sobre a mesa. Acho que essa é uma boa desculpa, não acha?” 

“Acho que sim.” Sebastian limpou as lágrimas com o dorso da mão, o que acabou sujando ainda mais seu rosto. “Mas a mamãe falou que mentir é feio.” 

“E o que você prefere então? Quer que eu conte a verdade para a mamãe e você fique de castigo por ter sido um menino desobediente?” Viu o menino abanar repetidas vezes a cabeça em negação. Sorriu em ver como seu pequeno príncipe era adorável. “Às vezes uma mentirinha de nada não faz mal a ninguém, e às vezes é necessário mentir para não machucar ou decepcionar alguém que amamos. Você quer decepcionar sua mãe?” 

“Não!” Sebastian se apressou em falar. Os cantos de seus olhos ainda estavam umedecidos e sua face rosada pelo choro. 

“Bom garoto.” Vincent sorriu e pegou o menino no colo, indo para as escadas. “Agora vamos tomar um banho, Rachel não pode chegar em casa e encontrar você com geleia da cabeça aos pés, sobraria até para mim por não ter ficado de olho em você, seu molequinho levado. O que acha de tomar banho com o papai hoje?” 

“De banheira?” O sorriso de Sebastian iluminou seu rosto. Ele adorava tomar banho de banheira, especialmente quando seu pai fazia bastante espuma. 

“Não poderemos usar a banheira dessa vez. Sua mãe não irá demorar a chegar e eu ainda tenho que limpar a bagunça que você fez lá em baixo. Primeira regra de um crime: nunca deixe vestígios.” Ele piscou cúmplice para o menino. 

Eles entraram no quarto do casal, Vincent colocou o filho no chão e começou a despi-lo. Aquele corpo infantil era tão gracioso e aquela pele era tão branquinha e macia. Cheirava a leite. Ligou o chuveiro e mandou Sebastian ir se lavar, enquanto isso ele começou a tirar as próprias roupas, olhando para o menino se banhando. A luz que entrava pelo respiradouro batia no pequeno corpo e contrastava com a pele pálida e a deixava ainda mais clara. Era possível ver os pequenos pelos arrepiados pela água fria. 

“Deixe-me ensaboá-lo.” Fugindo da inocência do menino, o olhar de Vincent era desejoso. A cobiça já o atormentava há algum tempo. Derramou sabonete em suas mãos, espumou e deslizou-as pelos ombros de Sebastian que alheio a tudo, adorava ver as pequenas bolhas em sua pele. “Pronto, agora vamos lavar seus cabelos.” Levantou para pegar o shampoo. 

“Papai, porque seu pipi está assim?” Sebastian olhava com curiosidade e medo para aquela região, não entendia por que estava assim. 

“Isso?” Vincent olhou para sua ereção. A glande estava avermelhada e saia uma gota transparente da ponta. Não era possível que estivesse com tanto desejo assim, ele apenas tocou no corpo de seu príncipe. Mas estava. Inegavelmente estava. “Essa é uma reação natural no corpo de todo homem e em breve também acontecerá com você. Você quer tocar?” 

“Não.” Sebastian respondeu no mesmo instante, se afastando. Aquilo dava medo. 

“Vamos, Sebastian! Toque!” 

“Mas eu não quero.” O menino se encolheu, unindo as mãos contra o peito, com se isso de alguma forma oferecesse segurança. 

“Toque ou eu contarei para sua mamãe sobre o que você fez hoje. Aliás, isso aqui também é culpa sua.” Aquele olhar assustado do menino de alguma forma o excitava. Aquelas lágrimas deixavam o vermelho de seus olhos mais vivido, quase cristalino. Era belo. Sebastian era belo. “TOQUE AGORA.” 

Sebastian fechou os olhos e começou a soluçar, não compreendia porque seu pai estava agindo assim, logo ele que sempre fora tão compreensivo e carinho. Essa era a primeira vez que gritava com ele. Suas mãozinhas foram se aproximando e logo tocaram o corpo de seu pai. 

*** 

“Sebastian!” Ciel já o chamava há algum tempo. “Sebastian, acorde! Já chegamos.” 

Michaelis acordou aéreo, sua cabeça latejava e estava nauseado. Não sabia se isso era efeito do voou ou do sonho. Olhou para Ciel que o olhava de modo curioso, esperando sinceramente que não tivesse falado durante o sono. “Vamos deixar todos desembarcarem.” 

“Também acho melhor.” Ciel se acomodou novamente na cadeira, olhando pela janela do avião. Estavam em Tokyo. Uma nova vida começava de agora em diante, pena que nada mais parecia ter graça, nada conseguia animá-lo. Tornou a olhar para seu irmão, Sebastian ainda parecia atordoado. “Com o que estava sonhando? Você fazia uma expressão estranha enquanto dormia.” 

“Com nada.” Sebastian respondeu seco, não querendo falar sobre o assunto. “Vamos, acho que todos já desceram.” 

Ciel resolveu ficar em silêncio, seu irmão não parecia estar de bom humor. Eles se atrapalharam um pouco para sair do avião, pois nem ele nem Sebastian já havia se acostumado totalmente a manusear a cadeira de rodas, então alguns acidentes de percurso ainda eram comuns de acontecer. Quando já se dirigiam para a saída do aeroporto, já com a posse de suas malas, Ciel sentiu novamente aquela sensação estranha. A mesma que sentiu no aeroporto de Yokohama. 

Era horrível se sentir o centro das atenções por onde passava. Lógico que não poderia dizer que todos o olhavam de forma preconceituosa, mas que todos olhavam, isso não havia como negar. Alguns o olhavam com dó, outros com um olhar superior, outros com curiosidade. O pico foi quando uma criança apontou o dedo para ele e começou a fazer um monte de perguntas a sua mãe, que envergonhada, mandava ela baixar o dedo. 

“Não fiquei deprimido pelo modo como as pessoas olham para você.” Sebastian disse após fechar a porta do táxi. Obviamente ele havia notado o que se passava com Ciel. “Essa é a sua realidade de agora em diante. Se você ligar para o modo como as pessoas te olhavam, você nunca mais sairá de casa.” Massageou a testa, ele realmente precisava de um remédio para dor de cabeça. E outro para o estômago ou acabaria vomitando. 

“É fácil falar isso quando não se está em uma cadeira de rodas.” Ciel virou o rosto. Ninguém seria capaz entender como ele se sentia.  

“Você está certo, é fácil falar quando não se está na pele do outro. Mas se você se deixar influenciar pela impressão das outras pessoas acabará se sentindo pior.” Encostou sua cabaça no encosto do carro e fechou os olhos. “Se você parasse de ficar se remoendo, de sentir pena de si mesmo e deixasse de colocar a culpa no mundo inteiro pelo que aconteceu com você e, ao invés disso, tentasse se aceitar como você é agora, veria que ainda há uma vida cheia de perspectivas para você, apesar dessa cadeira de rodas.” 

“Você é cruel.” Ciel tinha vontade de bater em seu irmão, as vezes ele era tão insensível em suas palavras. 

“Não estou sendo cruel, estou sendo realista. Ficar encarnando o papel da vitima não mudará o fato de que agora você é um cadeirante, e quanto mais cedo aceitar isso, melhor será para você.” Sebastian suspirou e olhou para seu irmão. Talvez tivesse sido melhor não ter tocado no assunto nesse momento. Com sua cabeça latejando e o deixando impaciente, consequentemente acabava sendo rude mesmo não sendo intencional. “Se fui cruel, me desculpe. Não foi essa a minha intenção.” 

Ciel resolveu ignorá-lo. Apesar de Sebastian estar certo, ele pelo menos deveria ter escolhido outras palavras para expressar seu ponto de vista. 

*** 

“Acho que vamos ter que nos mudar em breve.” Sebastian constatou. Primeiro porque morava no oitavo andar. Segundo porque precisariam de uma casa com espaço para Ciel se locomover. Terceiro porque as portas de seu apartamento pareciam serem estreitas para a cadeira de rodas passar com folga. “Bem vindo ao seu novo lar.” 

Ciel olhou com curiosidade para sua nova moradia. Era um apartamento simples e pequeno, típicos dos padrões japoneses. Porém era muito bem organizado. “Podemos vender a casa de Yokorama e com o dinheiro comprar uma aqui.” 

“É uma boa ideia, apesar da burocracia que iremos enfrentar.” Sebastian colocou as malas para dentro. Finalmente seu lar. Foi até o armário e pegou uma cartela de remédio que lembrava ter jogado por ali e tomou. Agora era só deixar o analgésico fazer efeito. “Venha conhecer seu quarto. Apesar de estar limpo, eu terei que trocar a roupa de cama. Ela já está há um bom tempo no colchão.” 

“Você é acostumado a receber visitas?” Ciel perguntou pelo fato do quarto já estar arrumado. Não soube se gostou disso, pois seu irmão nunca o havia recebido em sua casa. 

“Não, mas eu gosto de manter a casa sempre limpa. Digamos que faxina é algo que me distrai.” Sebastian entrou em um corredor onde havia duas portas, uma de frente para a outra, e uma terceira no final do corredor. Entrou na porta do lado esquerdo. Ciel se virou como pode para segui-lo e sabia que seu irmão não o ajudava de propósito, para que assim ele não ficasse dependente. “Eu costumava usar esse quarto para ler, por isso o mantenho organizado. Agora ele é seu.”

O quarto era pequeno, possuía uma cama de solteiro, uma cômoda, uma estante com livros e uma mesa de estudos. As paredes eram pintadas de azul claro e havia uma janela de vidro escondida por uma cortina branca com desenho de flores bordado em branco também. 

“O meu quarto é esse da porta em frente a sua.” Colocou a mala de Ciel no chão. “Precisa de ajuda para guardar as suas roupas?” 

“Acho que consigo fazer isso sozinho.” Ciel olhou para a cômoda com gavetas. Seria algo fácil de fazer. 

“Então eu irei trocar o lençol.” Sebastian foi até seu quarto e voltou com um lençol limpo. “Esse quarto não tem banheiro, mas o banheiro social fica no final do corredor. Por hoje eu irei colocar uma cadeira da mesa para você se banhar, mas amanhã eu compro uma cadeira de banho e as barras para fixar na parede.” Explicava enquanto trocava o lençol de cama. 

Ciel permaneceu calado, mal haviam chegado e ele já estava dando trabalho para seu irmão. Modificando sua vida. Sua casa. Sua rotina. 

“Prontinho!” Sebastian recolheu os lençóis sujos que havia jogado no chão. “Eu irei tomar um banho e depois fazer algo para a gente comer. Se precisar de mim é só chamar.” 

“Sebastian?” Ciel o chamou antes que ele saísse do quarto. “Obrigado.” 

“Não por isso.” Sebastian sorriu e fechou a porta. 

*** 

Era a primeira vez que comiam sozinho, em um ambiente em que só havia eles. A comida estava deliciosa, mas o clima estava estranho. A ficha definitivamente caiu para Ciel. Agora passaria a morar com alguém que não via há anos e era quase a mesma sensação de estar com um desconhecido. 

“Você trabalha onde?” Tentou puxar assunto. 

“Na Tokyo Corporation, uma empresa de construção civil.” Sebastian esclareceu, dando uma garfada em sua salada.

“Legal.” Na verdade Ciel não via nada de muito interessante nessa informação. O que mais poderia perguntar para quebrar o gelo? Não fazia ideia! “Você tem namorada?” 

“Não.” Respondeu apático e não gostando do rumo da conversa. Não revelaria a Ciel que o máximo de já teve fora alguns encontros para sexo causal, e estes nem foram tão bons assim. Devido as suas marcas, ele não conseguia se sentir confortável estando intimamente com outra pessoa e o que era para ser prazeroso, acabava por se tornar desconfortável. “Amanhã eu verei se ainda é possível matriculá-lo para que você não perca o ano letivo, já até pesquisei algumas escolas de boa procedência. Pesquisei também algumas cuidadoras, como passarei boa parte do dia trabalhando, não poderei ficar com você e também não posso deixa-lo sozinho.” 

“Uma babá!” Ciel concluiu. “Eu consigo me virar sozinho até você chegar, eu não sou mais uma criança.” 

“Deixe de ser orgulhoso e reconheça que de início você precisará de apoio. E se você não é mais uma criança, então não faça birra quanto a isso.”

“Você está me subestimando! Assim eu realmente me sentirei um peso.” Ciel apoiou os talheres na borda do prato e encarou seu irmão. No mesmo instante desviou o olhar. Aqueles olhos... Eram persuasivos. “Porque não fazemos um teste? Se eu me sair bem sozinho, não será preciso você contratar alguém.” 

“Porque não quer que eu contrate alguém?” Sebastian chegou no foco da discussão. 

“Por que...” Ciel baixou a cabeça, observando sua refeição. “Eu preciso ficar um pouco sozinho. E já é estranho ficar sozinho com você, mesmo você sendo meu irmão. Eu me sentia pior estando com um completo desconhecido.” 

Michaelis resolveu se dar por vencido, pois no fundo entendia o menor. “Eu irei deixar sua comida pronta e o número do meu celular caso aconteça alguma coisa. Se no primeiro dia isso não der certo, no outro eu já chamarei uma cuidadora.” 

“Está bem, e... obrigado.”

“Amanhã eu terei que sair cedo.” Sebastian continuou. “Terei que passar na empresa, resolver a questão da sua matrícula e comprar sua cadeira de banho e as barras. Ainda sobrará comida de hoje, é só esquentar no microondas caso eu não chegue a tempo para o almoço.” 

“Okay.” Ciel se sentia deprimido toda vez que seu irmão tinha trabalho por sua conta. “Você em algum momento já se arrependeu?” 

“Sobre?” Na verdade Sebastian sabia ao que Ciel se referia, ele só perguntou por perguntar, foi meio que automático e isso lhe daria algumas frações de segundos para pensar no que responder. 

“Sobre ter ficado com a minha guarda.” 

“Bom, não vou negar que eu ponderei bastante sobre isso no início, afinal, essa sua nova condição também seria difícil para mim.” Sebastian admitiu, essa não seria uma responsabilidade que depois ele poderia abdicar pelo simples fato de ter se cansado de cuidar do irmão cadeirante. Havia vários fatores envolvidos, inclusive os sentimentos de Ciel. “Mas não. Eu não me arrependo de ter escolhido você.” 

Ciel voltou sua atenção para o prato novamente. Curiosamente sentia-se feliz e, ao mesmo tempo, estranho ouvindo aquilo. 

*** 

“Só vim ver se precisa de alguma coisa.” Sebastian entrou no quarto, encontrando Ciel já deitado e com um livro em mãos.  

“Eu estou bem. Pode ir deitar.” 

Sebastian sentou na beira da cama, observando o titulo do livro. ‘Tudo e todas as coisas’. “É um belo romance, o li há poucos meses.” 

“Chega!” Ciel fez sinal com a mão. “Você está proibido de me contar qualquer coisa sobre o livro.” 

“Ah, então você é do tipo que não gosta de spoiler.” Sebastian sorriu, também partilhava da mesma peculiaridade. Que graça tem ler um livro onde já se sabe de tudo o que vai acontecer? “Se você gosta de romance, acho que deve ter na instante Olhai os lírios do campo e Orgulho e Preconceito, um clássico. Os dois são bons. Eu gosto mais de leituras reflexivas ou historias que envolvam mistério e suspense. O meu livro preferido é O nome da rosa, do autor Umberto Eco. Caso você queira ler é aquele penúltimo ali.” 

Ciel olhou para onde seu irmão apontava, memorizando o tal livro. Em outro momento o leria, assim teriam assunto para conversar na hora do jantar. 

“Bem, se você não precisa de nada, eu irei me recolher.”  

“Espera, Sebastian.” Ciel segurou a mão de seu irmão. “Sobre hoje mais cedo, eu não queria realmente ter dito que você é cruel, é que... Mesmo sabendo que tudo que você falou seja verdade, ainda assim, é difícil estar na minha situação. Acho que se eu tivesse nascido paralítico seria menos difícil para aceitar isso.” 

“Entendo.” Olhou para a mão do menino que ainda segurava a sua. O contato começou a incomodá-lo. Puxou sua mão discretamente usando a desculpa de colocar uma mecha de cabelo atrás da orelha. “Vamos fazer um acordo. Eu prometo que tentarei ser mais compreensivo com você e em troca você promete que tentará se aceitar como agora você é, um cadeirante. Isso é algo que não vai mudar, infelizmente. Porém, isso de modo algum o faz inferior a alguém e também não permita que as pessoas o façam se sentir assim.” 

“É difícil não se sentir assim quando se tem pessoas olhando para você como se você fosse algum macaco de circo.” Ciel se lembrou da criança que até chegou a apontá-lo com o dedo.  

“Quando isso acontecer, olhe para elas da mesma forma. Assim elas saberão como você está se sentindo.” Sebastian sorriu e levantou da cama. “Agora deixe esse livro e vá dormir, não quero ninguém tendo que usar um fundo de garrafa daqui com um tempo. Boa noite.” 

“Boa noite.” 

Assim que Sebastian entrou em seu quarto, ele se encostou atrás da porta e deixou sua mascará cair. Era cansativo fingir que estava tudo bem, quando na verdade por dentro estava ruindo. Ter que voltar a Yokorama e enfrentar todas as lembranças de seu passado foram uma prova de fogo para ele, despertando todos os seus traumas e fantasmas interiores. Não tinha paz nem em seus sonhos ou pensamentos.  

Foi até o banheiro escovar os dentes e assim que abriu o boxe se deparou com seus frascos de remédios. Respirou fundo para resistir à tentação. Por mais difícil que tenha sido as ultimas três semanas, ele havia conseguido se sair bem sem os seus medicamentos, então seria injusto recorrer a eles agora que as coisas estavam mais calmas. O pior já havia passado. 

Escovou os dentes o mais rápido que conseguiu e correu para a cama, sumindo em baixo das cobertas. Não daria brecha para o diabinho sussurrando em sua orelha. 

*** 

Era madrugada de seu décimo quarto aniversário. Sebastian estava acordado e observava a neve que caia em sua janela. A porta de seu quarto foi abrindo devagar e ele não precisou virar para saber quem era. Um grande frio embrulhou seu estômago. Seu lençol foi levantado e o colchão afundou as suas costas. Os braços rodearam sua cintura e sua nuca foi aspirada. 

“Papai veio desejar feliz aniversário para você.” Vincent beijava a atraente curva do pescoço do adolescente. Apesar de ter apenas quatorze anos, Sebastian tinha um corpo desenvolvido para sua idade e a cada dia ficava mais belo. Era impossível de não notá-lo onde quer que fosse. 

“Enfie o seu ‘feliz aniversario’ no cu.” Sebastian continuou imóvel. Sentindo a alça de sua regata ser arrastada pela pele e os beijos se espalharem por seu ombro.  

Não havia nada que pudesse fazer a não ser ficar imóvel. Da ultima vez em que se recusou a servir seu pai, Vincent colocou veneno em seu suco e escondeu o frasco dentro de seu guarda-roupa e de quebra colocou também alguns saquinhos de maconha. Como resultado ele foi parar no hospital e todos ficaram chocados ao saberem se tratar de envenenamento, e mais chocados ainda quando descobriram o frasco do veneno e a droga em seu guarda roupa.

Desde esse dia todos começaram a olhá-lo de um modo estranho, como se ele fosse um delinquente ou algum tipo de má influencia. Até seus amigos foram proibidos de falar com ele. Apenas Rachel ficou do lado, aliás, Vincent havia prometido que ela seria a próxima vítima caso ele se recusasse novamente a manter relação sexual e que a dose de veneno dessa vez seria letal, e que no final a culpa cairia toda sobre o garoto suicida, como ficará conhecido no bairro. 

“Já faz mais de uma semana. Você não sente a minha falta, pequeno príncipe?” 

Sebastian permaneceu em silêncio. O cós de seu pijama era baixado e deslizado pelo quadril até o meio das coxas. Aquelas mãos asquerosas corriam por sua pele, causando um arrepio desagradável e que se tornou ainda pior ao sentir a ereção roçando o meio de suas nádegas. Seu olhar era mórbido e desfocado em algum canto da janela, já não via mais a neve cair. Não via nada. Não ouvia nada. Apenas sentia aquela sensação de nojo extremo. 

Seus ouvidos capturaram o som da tampa do lubrificante sendo aberto. Seu sangue esfriou ainda mais, suas mãos soaram frias e ele continuou inerte, mais parecia um defunto. Apertou o travesseiro e seu maxilar enrijeceu quando Vincent iniciou a penetração. 

“Você é tão quente por dentro.”  

Aquela voz sussurrando em seu ouvido dava náusea. Seu quadril foi segurado e as estocadas iniciaram, a princípio calmas, porém Sebastian sabia que isso era apenas até seu corpo se acostumar. Fechou os olhos, agora era só esperar aquela tortura acabar. O ritmo como previa foi aumentando e ele se agarrou ainda mais ao lençol, o desconforto começava a ser maior ao passo que a respiração em sua nuca se tornava vigorosa. A mão de seu pai passou por baixou de sua cabeça e virou seu rosto para ele.  

“Me beije, querido.” 

Sebastian estava quase cedendo à vontade de chorar. Se sentia miserável, a pessoa mais amaldiçoada na face da terra. Vincent forçou os lábios contra os seus e apesar de nojento, ele recebeu aquela língua em sua boca, pois sabia que isso adiantaria o fim. A língua do homem com quem compartilhava o mesmo sangue, tinha um sabor horrível. Assim como tudo nele. 

*** 

Sebastian acordou ofegante, sua pele estava suada e sua garganta seca. Seu peito subia e descia rápido, sua respiração se tornava mais difícil. Céus! quando teria paz? Ele sentou na cama, tremulo e enjoado. O estômago parecia dar voltas e voltas. Caminhou apressado para o banheiro, tirou as roupas e entrou debaixo do chuveiro. Seu corpo estava sujo, sua alma estava suja, sua existência estava suja.  

Começou a esfregar compulsivamente a espoja em sua pele, chegando a machucar. Aquele cheiro parecia não sair de seu corpo, exalando de cada poro o aroma daquele homem. Logo as lágrimas começaram a cair, por que era tão difícil se livrar daquelas lembranças? Por que não conseguia passar uma borracha em tudo e seguir em frente? Aquilo doía tanto. Todas as cenas ainda eram vividas em sua cabeça como se tivesse acontecido ontem e ele precisava de alguma forma amenizar aquele sofrimento. Foi até o armário do banheiro e vasculhou por lá até encontrar sua gilete. 

Tocou a lamina em seu abdômen, forçando sem cortar. Há meses não fazia isso, mas apenas um pequeno corte não faria mal, era apenas para distrair sua mente das lembranças. Uma lágrima escorreu esquentando a pele fria de sua bochecha. Não poderia fazer isso, tinha que ser forte! Se cedesse agora, cederia todas as outras vezes e tudo voltaria a ser como antes.  

Olhou para o vaso, se fizesse o que estava pensando era como se estivesse jogando a sua válvula de escape fora, mas talvez esse fosse o melhor a se fazer. Jogou a gilete no vaso e deu a descarga, depois pegou seus remédios no armário e tomou dois comprimidos. Era melhor isso do que se cortar. 

*** 

“Porque seus olhos estão vermelhos?” Ciel acabou perguntando assim que sentaram a mesa para o café da manhã. 

“Deixei cair shampoo.” Sebastian sorriu com veracidade. Lógico que não contaria a seu irmão que tinha chorado. “Acho que voltarei para casa apenas no final da tarde, mas eu deixei o número do meu celular ao lado do telefone fixo, qualquer coisa é só me ligar. Acho que terei que comprar um celular para você.” 

“Não é preciso, você já esta fazendo o bastante por mim.” Só o que faltava agora era dar prejuízo financeiro a seu irmão. 

“Faço questão, assim poderemos trocar mensagens. Eu particularmente não gosto de ficar falando no telefone.” Sebastian torceu o nariz. Ele nunca conseguia ter assunto ao falar por telefone e o que mais detestava acabava por acontecer, aquele silêncio constrangedor durante a ligação. “Você conseguiu dormir bem no seu novo quarto?” 

“Mais ou menos. É estranho dormir em um lugar... Estranho.” 

“É normal se sentir assim, eu também não consigo dormir direito fora de casa.” Sebastian não revelaria que quase não conseguiu pregar os olhos durante os dias em que Ciel esteve hospitalizado, não apenas por causa de seus pesadelos, mas também por não conseguir dormir longe de sua casa. Para ele não importava se estivesse no lugar mais luxuoso do mundo, nenhum lugar se comparava ao conforto de seu lar. “Agora eu preciso ir, tenho muitas coisas a resolver hoje.” 

“Sebastian!” Teve novamente a atenção de seu irmão. “Acho que eu não quero voltar a estudar ainda.” 

“Sinto muito, mas esse é um assunto inegociável.” Ele até adivinhava o porquê de Ciel não querer estudar, certamente era pela vergonha de ser o cadeirante da escola, mas se excluir de um convívio social por causa disso só faria mal ao garoto. “Você terá que estudar querendo ou não, ou por acaso você não pretende ser alguém na vida?” 

“Mas...” 

“Nada de ‘mas'.” Sebastian foi irredutível. “A sua guarda ainda não é definitiva e se descobrirem que eu estou sendo displicente com você, acabaram tomando você de mim. É isso que você quer?” 

“Não.” Ciel respondeu amuado e se dando por vencido. 

“Ótimo.” Sebastian deu um de seus sorrisos fechados. Incrivelmente seu irmão ficava fofo com aquela cara emburrada. “Agora eu tenho que ir. Até mais tarde, e qualquer coisa é só me ligar.” 

“Está bem.” Ciel revirou os olhos, até parecia que ele tocaria fogo na casa caso seu irmão o deixasse sozinho. 

“Você irá mesmo me ligar?” Sebastian abaixou o tronco, ficando na altura do rosto de seu irmão. 

Aquela proximidade e o olhar penetrante desconcertaram Ciel por uma fração de segundos. “Tcs. Eu já falei que sim, não foi?” 

“Nesse caso, eu irei confiar em você.” Sebastian pegou sua maleta e saiu do apartamento. 

O silêncio se alastrou assim que a porta foi fechada, mas isso era algo que Ciel apreciava. Terminou de tomar seu café e foi para a sala, onde ao contrário de seu quarto, possuía uma televisão. Ligou em um canal de documentário e passou da cadeira de rodas para o sofá, deitando de maneira confortável e percebendo que o móvel possuía um cheiro agradável. Agora teria o dia inteiro pela frente para fazer absolutamente nada.  

Passava uma reportagem sobre a vida selvagem na África, algo que o interessava bastante. Ciel gostava de animais e seu sonho quando criança era ser veterinário. O único animal com o qual não simpatizava era coelhos, pois lembrava-se do apelido que seu pai lhe colocou. ‘Coelhinho.’ Fez uma cara de desgosto ao lembrar e rezava para que aquele homem apodrecesse na cadeia, que ficasse lá até não restar as cinzas de seus ossos. 

Passou a mão por debaixo da almofada que apoiava sua cabeça e topo com algo ali. Puxou. Era uma camisa social branca, certamente de seu irmão. Seu olfato novamente foi capturado por aquele cheiro agradável e ele aproximou a camisa do nariz confirmando ser dali que exalava o aroma bom. Era uma fragrância masculina suave e com um toque levemente doce no final. Ciel abriu os olhos se espantando com o que estava fazendo. Porque diabos estava cheirando a camisa de seu irmão?! 

*** 

“E como foi que você se sentiu ao voltar em Yokorama?” Yumi analisava cada expressão de seu cliente. 

“Pior do que eu imaginei.” Sebastian admitiu. “Eu pensei que havia superado, que eu conseguiria enfrentar meu passado sem me sentir afetado, mas eu estava enganado. Os pesadelos voltaram e essa manhã eu quase cedi a vontade de me cortar.” 

“Mas você não fez isso.” Yume presumiu. 

“Não.” Sebastian continuou. “Eu sabia que se fizesse isso estaria jogando pelo ralo todo o esforço de meses de luta.” 

“Isso já é algum avanço. Apesar de ser difícil, talvez essa viagem à Yokorama venha a servir para que você finalmente possa pôr um ponto final no seu passado. Para que você consiga seguir em frente, primeiro você tem que enfrentar o que te atormenta, superar essa barreira interior que não deixa você sair do lugar. Até agora você só esteve fugindo, apenas guardando a poeira debaixo do tapete.” 

“Vendo por esse ângulo...”  

“E como está sendo a sua convivência com Ciel?” Ela tirou os olhos do moreno para fazer mais algumas anotações. 

“Boa, eu acho.” Sebastian se remexeu no divã. “Às vezes ele fica desconfortável na minha presença e eu o compreendo, afinal faz anos que a gente não se ver e do nada começamos a morar juntos... É estranho até para mim, principalmente porque sou acostumado a morar só, mas acho que estamos nos saindo bem.”  

“E você contou toda a verdade a ele?” 

“Apenas sobre os abusos, porém nada além do superficial.” Sebastian jamais teria coragem de revelar detalhes ao garoto de tudo que já passou. Não queria manchar a imagem do homem que ele era hoje. 

“E sobre aquele outro assunto, você irá contar?” Yumi o olhou por cima dos óculos. 

“Eu ainda não me decidi sobre isso.” Não sabia se contar aquilo teria algum benefício ou se pioraria ainda mais a situação. A segunda opção parecia ser a mais provável, já que Ciel já se autointitulava um fardo mesmo sem saber a verdade. “Eu não sei se devo contar, não acho que seja realmente necessário.” 

“Entendo.” A psicóloga voltou novamente à atenção para a caderneta. “No lugar dele, você acha que teria o direito de saber?”  


Notas Finais


Enton é isso, bjs e até o próximo!!!!


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