...
Abraham
O sol parecia me dar um tapa na cara. Havia me esquecido completamente sobre como a luz entrava agressivamente na janela e batia diretamente naquela cama. Mas não é como se eu tivesse conseguido dormir direito, de qualquer forma. Minha cabeça doía por conta do álcool.
Quando finalmente abri meus olhos depois de algumas reviradas aqui e ali tentando voltar a dormir, peguei meu celular no canto do colchão, me dando por desistido. Era dez e pouco da manhã. Cedo, pelo menos pra mim.
Sentei na cama, me encostando na parede e olhando em volta do quarto, vendo que Cale Lordman não estava em sua cama a minha frente e Jackson Bridges, que dormia na cama de baixo, estava acordado mexendo no celular. Os outros oito campistas, na qual eu ainda não conhecia direito, estavam todos aparentemente dormindo.
– Bom dia. – Murmurei com a voz baixa para Jackson, que fez uma continência de marujo em resposta. – Tá acordado já faz tempo?
– Eu não dormi. Fiquei assistindo série, basicamente.
– Qual? – Coçava meus olhos logo após me espreguiçar.
– The Office. Falta só mais algumas temporadas pra acabar.
– Série boa, série formosa. – Respondo enquanto descia da cama.
Vejo Enzo dormindo na cama de baixo. Por um breve momento eu quis atacar um balde de água fria para acordar o garoto pelo beijo que tinha acontecido na noite anterior. Mas eu deveria lembrar que Ashley havia dito que não tinha nenhum significado. Eu realmente não me importava com quem a minha irmã ficava, isso não era da minha conta e era até um pouco nojento se eu o fizesse. Mas o clima ia ficar estranho com Enzo daqui pra frente e eu nem sequer cheguei a conhecer o garoto direito. Isso era o que realmente me preocupava. Naquele momento, eu agradecia por ele ainda não ter acordado.
Olhei pela janela, não tendo sinal de nenhum campista. O silêncio era tranquilizante.
– Ei, Fletcher. Sobre ontem… – Jackson começava um assunto. E eu tinha quase certeza de qual era.
– Não se preocupe. Eu não lembro de nada do que você me disse. – Só que eu lembrava bem. Era interessante ter visto Jackson pela primeira vez na minha vida e já o ver bêbado no estado como o que ele estava no verdade ou desafio. Só não era legal ser terapeuta de um desconhecido assim do nada.
– Ah. Mesmo assim eu ia te agradecer. Me abriu os olhos pra esse negócio de relacionamento aberto.
Aceno com a cabeça, enquanto pegava minha escova de dentes na mala.
– Sem problema. – Digo caminhando até o banheiro, decidindo tomar um banho. A água gelada acordava a parte do meu cérebro que ainda estava adormecida. A temperatura da mesma ia variando entre um morno agradável, um quente do inferno e um frio da desgraça em questão de segundos. Mesmo assim, fiquei alguns minutos apenas encarando o ralo ao perceber que havia esquecido de pegar o shampoo e condicionador, tendo só o sabonete que estava ali, de alguém que provavelmente tinha tomado banho antes.
Nada higiênico, eu sei. Mas um risco a ser tomado.
Ao sair do banheiro, pude ouvir uma música tocando ao fundo. Era 'Reveille', o clássico hino que todo acampamento militar usava como despertador. Lembro-me de ouvir K.J. falar que tinha sido o responsável por botar algumas músicas aleatórias depois que ele tocava, como uma espécie de rádio do acampamento.
Sobre Kyle Jones, eu não o conhecia direito quanto pareceu de início. Na verdade, ele só sabia quem eu era por ter vindo nos dois últimos anos e por conta das mesas de RPG que eu ajudei a inventar nas sextas feiras à tarde. Não sabia se teríamos isso esse ano novamente.
Ouço alguém bater na porta, fazendo com que os garotos dentro do chalé começassem a acordar.
Abria a porta vendo que Clark, um dos monitores, estava na porta com alguns papéis. Aparentemente sendo esses uma espécie de pedido de desculpas do acampamento pelas bebidas alcoólicas e da ciência de que não haveria mais em nenhuma festa ou ambiente recreativo. Deveríamos aceitar o termo, concordando que havíamos bebido e de dar a ciência de que o acampamento comunicaria os pais sobre o ocorrido.
Em resumo, uma burocracia que precisava ser feita pra não dar merda.
Ele me entregava doze papéis, correspondentes ao número de pessoas do chalé e uma caneta. Por algum motivo sentia que isso era uma tarefa que ele deveria fazer.
– Quebra esse galho pra mim, bro – Dizia ele, pedindo para que eu entregasse para todos.
Assim, só acho…
Kyle
– EU DISSE QUE SERIA UMA MÁ IDEIA! – Lynch gritava fervorosamente, apontando para mim. Ele falava sobre toda a situação que aconteceu com as bebidas, andando de um lado pro outro na sala.
Estávamos eu e Vincent sentados nas cadeiras à sua frente e Noah encostado na parede enquanto ouvíamos em silêncio o sermão que Lynch nos dava a toda a situação de ontem. Dentre os assuntos, pontuou principalmente a minha irresponsabilidade com as bebidas e a falta de controle de Vincent, sendo o irmão mais velho.
– Graças a deus John teve a ideia dos termos. Podíamos ser processados! Ou melhor… podemos, se algum campista sonhar, mesmo assinando, em contar para os pais o que aconteceu aqui.
John era realmente bom em arrumar soluções de última hora, sendo um dos monitores mais proativos do acampamento. E mesmo que eu não concordasse com toda aquela coisa dos termos por achar desonesto ao escondermos dos pais dos campistas sobre as bebidas, não tinha muita escolha, visto que aquilo tinha sido um erro meu que ainda estavam fazendo o favor de consertar em meu lugar.
Mas aquilo era mentira, deixando para o acampamento contar aos pais sobre a nossa irresponsabilidade. Coisa que não iria acontecer.
– Quer dizer – Ele continua. – Imagine termos que falar com o pai de vocês sobre tudo isso.
– Hershell não vê a hora de fechar isso aqui… – Vincent solta uma risada irônica, trocando sua posição na cadeira. – Seria a oportunidade perfeita pra ele.
Mas não era verdade, era? Será que meu pai só estava mantendo o acampamento por saber que eu me importava? Ou melhor, será que ele se preocupava comigo a esse ponto?
Lynch olha para Vincent, se sentando na cadeira.
– Eu fico admirado com a imprudência que você teve, principalmente por ter vindo pra cá com o intuito de nos ajudar com toda a bagunça financeira. Me diga… o que eu deveria fazer com vocês dois? – Ele diz, logo olhando para Noah.
Sim. Eu supostamente daria as ordens para o Lynch aqui, e não ao contrário.
Mas eu sou menor de idade e respeitava as decisões dele, considerando tudo que Lynch havia feito pelo crescimento desse lugar e a ajuda que ele me deu em toda a administração. Eu aprendi muito com ele. A relação deveria ser como a de dois sócios, ou a de funcionário e chefe, mas era mais parecida com a de tutor e aluno. E é claro, meu pai dava essa autoridade para ele. Lynch era um amigo da família, desde que… minha mãe ainda estava viva.
Mas talvez Vincent não tivesse a proximidade com Lynch quanto eu tinha.
– Eu? – Ele protesta indignado ao meu lado. – Por que eu deveria ser punido por impedir a palhaçada que estava rolando na piscina? Tanto a Rachel quanto ele deveriam sofrer as consequências de toda a situação. Inclusive, cadê ela?
– Dormindo. – Noah responde com uma voz entediada.
– Legal… ela chega no acampamento causando e agora quando é pra ouvir a bucha, está dormindo. – Ele limpa a sua calça com a mão, por algum motivo. Era a primeira vez desde que ele tinha chegado que eu via meu irmão vestindo algo mais casual, como uma camiseta velha.
Todos ficam em silêncio por alguns segundos, com Lynch olhando para o nada em desaprovação, provavelmente pensando no que fazer.
– Noah, eu poderia te expulsar do camping por isso – Ele diz, tentando alertá-lo do quão grave aquela situação havia sido. – Mas é uma situação delicada, considerando toda a ajuda que você deu ao Kyle e a equipe todos esses anos… eu não posso nem sequer te dar um trabalho comunitário pra fazer.
Olho para Noah de relance. Ele não parecia mais entediado com todo o sermão, mas eu via culpa no rosto do meu amigo. É claro que ele sabia que tinha errado.
– Eu sei… – Ele começa a falar, soltando mais do que duas palavras finalmente. – Desculpa. Aos três. – Diz olhando rapidamente para Vincent, que retribuía. – Eu aceitaria ser expulso numa boa… sério.
– Não. – Protesto. – Não existe essa merda. Olha, que tal você… fazer as tarefas que os monitores pedirem. Por uma semana. Cuidar das canoas, das reformas, da limpeza...
– Parece que você tá tentando me ferrar aqui, Jones. – Mas ele solta um sorriso convencido no final. Seu olho, onde Vincent havia socado, agora estava levemente roxo. – Mas é justo. Eai? – Ele olha para Lynch, que acaba concordando com a minha ideia.
– Vamos esperar todos assinarem os termos e assim, continuaremos o verão como o planejado.
E todos se levantam, saindo da sala da diretoria.
Cale
Depois que acordei Kyle, não voltei ao chalé. Na verdade, eu continuei lá na beira do lago por algum tempo até que alguns campistas começassem a aparecer após a música tocar e toda aquela minha excitação sumir, dando lugar às inseguranças novamente. Eu não sabia se ficava ali ou se buscava algo para fazer, mesmo sabendo o quão confortável a grama sob meus pés descalços estava. Vi pessoas montando cabanas na beira do lago, mas a maioria se dirigia ao refeitório, pois já era hora do café da manhã e as atividades aparentemente ainda não tinham começado.
…
Tamborilava os dedos na mesa incessantemente. Qualquer pessoa poderia sentar junto de onde eu estava e seria completamente embaraçosa a situação. Kyle ainda não tinha voltado da sala dos monitores, que era quase como uma sala de professores, onde só funcionários do acampamento poderiam entrar. Não tinha ideia de como era, mas suponho que seja parecido com o chalé dos Jones, com dormitórios e áreas de lazer pra quem trabalha aqui.
Via Elliot Foster com a sua bandeja de comida, vindo em minha direção. Por algum motivo, um nervosismo tomou conta de mim, como se tudo que eu pudesse fazer era me esconder debaixo da terra.
– Bom dia. – Ele cumprimenta, se sentando à minha frente.
– Bom dia. – Respondo ainda confuso do porquê o garoto tinha escolhido se sentar comigo e não em outra mesa.
O olhando de perto, era possível ver olheiras debaixo dos olhos. Seus cabelos loiros, desgrenhados.
– Jones se ferrou por ontem, né? – Ele fala de boca cheia, após dar uma bela mordida em seu pão com presunto e queijo. Apenas confirmo com a cabeça. – Que merda… será que o Lynch sabe que fui eu que trouxe algumas das cervejas?
Ele queria que eu respondesse?
– Ele te viu ontem? – Era tudo o que eu tinha.
– Acho que não… – Ele olha para cima, tentando lembrar. – Bom, mas não importa… – Dá de ombros, voltando a comer. – Todo mundo sabe que os campistas sempre trazem bebida escondido e essas coisas. Não vai fazer muita diferença.
– Inclusive os monitores? – Terminava de comer, sobrando apenas um pouco do suco. Mas estranhamente eu ainda estava com fome.
– Talvez o Clark. Se fosse mulher, o nome dele definitivamente seria Mary Jane. Capaz dele ter algumas coisas pra eu pedir depois que vão me fazer amar o Canadá mais que tudo na vida. Mas ó… – Elliot faz um sinal de silêncio com a boca.
Rio com o gesto.
– Sem problemas, não vou falar nada. – Eu nem sabia que ele era maconheiro até cinco minutos atrás. Nem que Clark era canadense.
Elliot era o amigo de Kyle mais fácil de conversar, prova disso foi ter conversado bastante com ele enquanto ajudava nos preparativos da festa no dia anterior. Mas ainda sim era estranho de certa forma o interesse em continuar querendo trocar ideia comigo.
– Curtiu ontem a noite? Vi que você capotou o Corsa no banheiro.
Antes que pudesse falar alguma coisa, Rodrick se junta à nossa mesa, sentando ao seu lado. Sua aparência era terrível, por mais que tentasse esconder tendo se vestindo bem até demais. Ele aparentava estar exausto, como se fosse cair de cara na comida a qualquer momento.
– E por falar em capotar o Corsa… – Elliot zomba. – Jesus Cristo… de que buraco você saiu?
Rodrick revira os olhos com a brincadeira.
– Eu não dormi. Eu passei mal. E acho que estou com febre. – Suas falas são pausadas e sua voz está rouca. Ele soa mal-humorado.
Elliot arqueia as sobrancelhas, impressionado com o ocorrido e colocando a mão na testa do amigo, que não reage.
– Você não capotou o Corsa. – Digo, deixando escapar. – Você explodiu. – Me arrependo na mesma hora. Era como se eu tivesse pensado alto, uma brincadeira com alguém eu não tinha intimidade. – Desculpa…
Mas a reação é totalmente contrária ao que eu achei que iria acontecer. Elliot acaba rindo alto, gargalhando enquanto o garoto ao seu lado deixa escapar um sorriso.
– Essa foi de fuder – Diz Elliot levantando a mão para que eu batesse. – A cara dele tá igualzinho a lata velha que ele chama de caminhonete.
Rodrick bufa.
– Eu odeio vocês...
Aquilo por pura ironia era satisfatório de ouvir, me lembrando instantaneamente de quando Vincent disse que me odiava. Dessa vez, o significado era outro. Rodrick me considerava um amigo por me permitir zoar com a sua cara.
Naquele momento, eu me senti tão feliz. A confiança voltava novamente.
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