História Canção da Meia Noite - Canário Silenciado

Para Kanato o dia era como um tormento sem fim, ele não conseguia encontrar a beleza na vivacidade do brilho que a luz trazia, era um completo ser das trevas, a escuridão era sua melhor amiga, a morte era uma amante que vivia presa a ele.

Quando o dia amanheceu ele foi diretamente para a sua galeria onde armazenava o corpo de todas as jovens que conheceram a morte naquela casa. Eram duas fileiras longas de cada lado com garotas vestidas de noiva, o cheiro de conservantes era muito forte e se desprendia dos corpos como um perfume, o recinto era escuro, não havia janelas, a única iluminação vinha das velas em castiçais na parede.

Ele percorreu o longo corredor olhando ocasionalmente suas modelos, até que parou em frente a uma. Esta apresentava um semblante de puro terror, o vestido branco de renda se prendia com perfeição a suas curvas, o cabelo preto pendia solto na altura da cintura. Kanato percorreu toda a extensão dos cabelos da garota com suas mãos, ela era de longe a mais bela de suas obras, ela foi sua primeira amada.

As lembranças arrebataram-lhe repentinamente e ele lembrou-se de quando ela chegou ali.

Misaki era forte e determinada, sabia qual a finalidade de ter ido para aquela casa, foi mandada pelo convento ao qual servia e não aceitava o seu destino. A jovem lutou com tudo o que tinha para não ceder a vontade daqueles sadistas, mas havia um que a encantava, ele foi o único que se aproximou dela, que ela permitiu que a tocasse sem oferecer resistência. Kanato a dominava apenas com o som da voz, ela entrava em deleite sempre que o jovem cantava, mas infelizmente aquele que a tirava do tormento foi sua ruína. Misaki havia ensinado a Kanato como agir com uma garota, como ter cuidado com o que era mais frágil que ele. Kanato se sentia completamente atraído pela menina, e desejava com todas as forças que ela fosse a escolhida, naquela época não sabia, mas estava completamente apaixonado, porém, na época, esse era um sentimento desconhecido pra ele. E em uma noite fatídica ele pediu-a para tomar-lhe um pouco de sangue, ao qual a resposta da garota foi "É preciso primeiramente agradar a jovem dama, para depois esperar que ela lhe dê algo"; Kanato sorriu pela primeira vez em muito tempo após ouvir aquela resposta, e a beijou, a princípio de leve, mas logo o contato se intensificou, o toque dos lábios dela era inebriante. Após o beijo ela expôs o ombro nu para que ele mordesse, no entanto Kanato seguiu em direção ao pescoço, quando o primeiro filete de sangue tocou-lhe a língua ele foi tomado pelo insano desejo de possuir cada vez mais, sentiu ela protestar, sentiu-a se debater em seus braços, mas ele estava imerso em um mar de prazer, o gosto doce do sangue de Misaki o regojizava, ele simplesmente não sabia o que estava fazendo. Então os protestos pararam e ela parou de se debater, o sangue havia parado de jorrar e a pele antes quente, esfriou. A morte havia tocado a jovem garota levando embora todo o seu calor e quando Kanato percebeu o que havia feito sentiu a dor de seu ato. Então a transformou na noiva que ela nunca veio a ser.

Depois que a dor da lembrança se foi, Kanato deu as costas a jovem e continuou seu caminho indo em direção a um pequeno altar, um espaço vazio, um espaço destinado a Yui.

Passou horas ali sentado, em silêncio, tendo como companhia apenas Teddy, quando finalmente decidiu voltar para a mansão o sol já se punha no horizonte.
Yui estava no jardim, observava algumas rosas brancas, Kanato a mediu dos pés a cabeça, para ele, ela nunca chegaria aos pés do que Misaki um dia fora, Yui era apenas uma bolsa de sangue, alguém de quem ele só tiraria o que quisesse, ele a faria desejar o toque da morte, mas não o daria a ela, a faria sentir todas as dores que o mundo tinha a oferecer, porque a felicidade não era algo presente em seres que viviam nas sombras e agora ela era um deles.

E antes que ela percebesse ele se encontrava atrás dela, deixou Teddy cair no chão e mordeu  o ombro a mostra dela, a escutou gemer de dor e tentar se soltar, mas prendeu-a pela cintura, suas mãos a apertaram com força e sabia que ali ficaria uma mancha roxa. Poucos minutos se passaram e ele sentiu o corpo dela fraquejar e lembrou-se da noite do cemitério quando a provou pela primeira vez, naquela noite ele a beijou porque era preciso primeiro agradar uma garota para depois pedir-lhe algo, essa foi uma lição que ele aprendeu. Porém, agora, isso não era mais necessário, porque ela não era nada, apenas um pedaço de carne dado aos lobos, ela não merecia consideração alguma.

Depois de satisfeito Kanato deixou Yui jogada no chão de terra, em meio as rosas que ela tanto admirava, apanhou Teddy e se foi.

-Ela é tão fraca. Né, Teddy?