Ninguém pareceu interessado em falar pelo que pareceu ser uma eternidade, permitindo que um decadente silêncio se instalasse no consultório da doutora, cobrando de mim uma reação às palavras ditas pela estranha, que simplesmente brotou dentro daquela sala.
Em contrapartida a minha imobilidade, ainda de costas e alheia a minha peleja mental, Jiyoon se ergueu da cadeira indo diretamente até a mulher dos cabelos castanhos, abraçando-a com propriedade. Seus braços arrodearam por completo o corpo magro e elegante da desconhecida, que retribuiu seu gesto com carinho, chegando a esconder o rosto sorridente em seu cabelo. As duas compartilharam risadas e olhares secretos, dos quais somente elas sabiam o significado. E ao se separarem, com certo acanho, encararam firmemente a outra como se conversando com o olhar. Isso seriamente provocou minha irracionalidade e findei por bufar em meu canto, o ar explodindo contra os meus lábios fortemente cerrados. Sentia-me devidamente excluída. Tentando desviar a atenção daquela cena, voltei a vestir minha meia e calcei o tênis, estava decidida a ir embora.
Parecendo me notar ali dentro, totalmente quieta no canto oposto do consultório, a doutora se virou para mim, mostrando um sorriso diferente e novo. Ele era ainda mais bonito e radiante se comparado aos outros que me ofereceu anteriormente. O sangue ferveu ao pensar na ideia de que, a aparição da arrogante e bela mulher, fosse à causa do sorriso em seu rosto.
- Hyuna preciso te apresentar minha amiga de infância. – A médica se dirigiu a mim com um tom ameno e amigável, usando um tom mais acentuado para evidenciar a palavra “amiga”, apontando para a mulher ao seu lado, que voltou a me lançar seu olhar questionador. Havia um tom presunçoso e superior em seus orbes castanhos, me fazendo retribuí-lo na mesma altura. Travei a mandíbula e estufei o peito para confrontá-la. – Heo Gayoon conheça a sensação pop coreana, Kim Hyuna.
Ao proferir meu nome a expressão da jovem mulher mudou drasticamente, tendo uma sombra de sorriso no rosto, que se iluminou devido algum reconhecimento que atravessou sua mente.
- Sabia que te conhecia de algum lugar... – Gayoon resmungou para si mesma, porém alto o suficiente para que escutássemos. Se libertou do braço da amiga que rodeava seus ombros magros e quebrando o espaço entre a gente, esticou a mão em minha direção. – É um prazer finalmente conhecê-la. Ouvi muitos comentários sobre você em Seoul...
Comentou não demonstrando tanto interesse, mas pude perceber que mascarava sua curiosidade com o tom prepotente para se manter imperiosa, como se nada pudesse surpreendê-la. Automaticamente reagi a suas palavras e atitudes, sorrindo da maneira mais comercial possível. Não consegui evitar que meus olhos escaneassem seu corpo, avaliando-a da cabeça aos pés, tentando compreender de quem se tratava. Agora que não me deixava influenciar pelo fervor que ainda borbulhava meu sangue, tomei ciência de que seu rosto não era completamente estranho... Já havia o visto em algum lugar... Na televisão, quem sabe. Ela tinha o perfil de modelo.
- Espero que sejam comentários positivos. – Retruquei com forçado humor, sem me deixar intimidar por sua altivez e muito menos pelo sorriso.
Sua presença na sala deu um ar diferente, um pouco mais denso e carregado que o normal. Senti seu perfume forte, essências de rosas e lilases, que me fez ter noção do quanto exalava imponência e maturidade. Ela vestia-se de acordo com a moda, sendo que de maneira mais requintada e clássica, com saltos comportados e de cor neutra. Usava calças pantalonas de corte liso e uma delicada regata de cetim perolado, que deixava os finos braços marfim expostos àquela luz florescente, tornando-a ainda mais brilhante. Os longos cabelos lisos tinham um tom castanho-claro e pareciam sedosos provavelmente bem cuidados e hidratados. Correspondi ao seu toque e quase que me arrependi por fazê-lo ao sentir seu toque confiante. A palma quente era aveludada e delicada.
Refinada, chique e rica... Eram os únicos adjetivos que poderia utilizar no momento para descrevê-la sem parecer miserável e muito menos diminuída por seus olhar.
- Não se preocupe, apenas escutei coisas boas relacionadas a você. Seu talento é sempre bem elogiado pelos meus amigos... – Chamou de volta minha atenção para a conversa e pude ter a sensação de que fazia o mesmo que eu, avaliando-me em silêncio. Ter a atenção de seus olhos arrogantes me deixou ligeiramente desconfortável. Tentei mascarar isso como uma breve risada, procurando ter mais cuidado em como reagia. Não queria ser mesquinha e muito menos imatura.
- É um alívio ouvir isso. – Encerrei o nosso contato de mãos com certa pressa, assim como o diálogo entre nós, chegando à conclusão de que aquilo fora o suficiente.
Notei que minha atitude pareceu ligeiramente impressioná-la, fazendo um brilho atravessar por trás de seus pequenos olhos. Porém, assim como antes, conteve suas reações e se virou para Jiyoon, que nos observava com certo interesse e ansiedade de longe, não querendo se intrometer entre nós.
- Atrapalhei sua consulta? – Gayoon retornou a questão para a médica, que trocou o peso do corpo de uma perna para a outra e enfiou as mãos dentro do jaleco, respirando profundamente por algum motivo que não tenho ideia do que seja.
- Na verdade estávamos terminando... – Murmurou sem olhá-la, voltando à atenção para mim desviando até ela em seguida. – Hyuna estava me ajudando com uma dor no meu pescoço. – Explicou com pouco interesse em entrar em detalhes, apontando para mim antes de tocar a parte dolorida do pescoço, provocando risadas na amiga.
- A médica é você e quem está te examinando é a paciente? – Zombou da morena que revirou os olhos em resposta, desgostosa com o rumo da conversa. – Só você mesmo para agir assim. Por que não paga uma daquelas massagistas que contratei da última vez?
- Cada um trabalha com o que tem... Aliás, elas cobram a metade do meu salário apenas para usar a porcaria de um óleo. – Expressou-se com evidente horror na vez. - Não sei se você sabe, mas eu não sou dona de uma grife de luxo como você. – Deu de ombros antes de se dar por vencida e se aproximou da mesa, erguendo o olhar em direção a ela, que soltou uma risada nasalada devido suas brincadeiras. – Me diz... Veio passar as férias aqui?
Dona de uma grife de luxo. Aquelas palavras reviraram minha cabeça e tentei me lembrar de seu nome, mas nada trazia nenhuma recordação. Sendo assim voltei a me concentrar na conversa, talvez elas pudessem extinguir minha dúvida sem precisar me esforçar em nada para descobrir.
- Bem óbvio que não... Embora o estresse quase me fez vir pra cá semana passada. – Comentou com leve humor, acabou relaxando a expressão revelando um pouco do seu cansaço verídico, fazendo os ombros despencarem minimamente, para voltar a ficar estável e firme. Elegância em primeiro lugar. – Você esqueceu a festa?
Jiyoon a encarou por breves segundos com a boca levemente aberta, silenciada pelas palavras da amiga. Consegui notar as engrenagens se movendo em sua cabeça, buscando uma resposta satisfatória em suas lembranças. Notando a breve falta de resposta, Gayoon suspirou pesadamente, começando a se mostrar impaciente.
- Claro que você tinha de esquecer o aniversário do meu pai. – Reclamou meio desgostosa e apoiou as mãos na cintura fina. – Ele é seu patrão se lembra?
- Achei que a festa só fosse acontecer na próxima semana... – Ela se defendeu ao erguer as mãos em frente ao torso, como se assim criasse uma barreira protetora entre as duas e sorriu numa tentativa de pedir desculpas por aquele descuido.
- E é, mas você sabe que sou eu quem vai fazer o terno do papai... Por isso estou aqui para tirar as medidas dele – disse meio distraída procurando algo na bolsa que trazia pendurada em seu braço. O símbolo da Louis Vuttion saltou aos meus olhos, relembrando o fato de que tinha dinheiro o suficiente para comprar a mais nova coleção de primavera-verão, de uma das partes mais caras da loja, enquanto nós meros mortais devemos no contentar com a sessão mais barata ou alguma promoção de inverno. – e as suas.
Concluiu ao puxar uma fita métrica da bolsa, fazendo-a balançar no ar e esticando-a completamente, atraindo a atenção da médica que fez um muxoxo em desagrado. A ideia não lhe interessava nenhum um pouco.
- Você sabe quais são minhas medidas. – Quase choramingou para a amiga, que revirou os olhos.
- Do jeito como você come é praticamente impossível confiar nos números que tirei semana passada e só falta suas medidas para poder mandar sua roupa para a confecção. – Debochou dela sem nenhum receio em magoá-la, arrancando um resmungo profundamente indignado, que foi ignorado por completo. – Então? Vai ficar resmungando ou posso tirar suas medidas? Preciso voltar para Seoul ainda hoje.
Finalizou pacientemente ao se aproximar da mesa, demonstrando-se inabalável em conquistar seu objetivo fundamental, mantendo-se firme como uma pedra que divide um rio em dois.
- Não sei por que está preocupada... Você anda num jatinho particular! – A médica exclamou visivelmente indignada com o caso, arrancando mais um suspiro impaciente e olhar severo da amiga, que exigiu uma resposta ao seu favor. Não estava em nenhum ponto prestes a ceder para seus ataques de infantilidade. – Ok, me deixa terminar a consulta com Hyuna e estarei a sua disposição...
Jiyoon pareceu desistir de resistir às implicações de Gayoon e veio até mim com certa pressa, pedindo para que a seguisse para o lado de fora, alertando para a amiga que se acomodasse enquanto iria me acompanhar até a saída. Sua afobação em me retirar dali fez com que um sentimento desagradável dominasse meu peito, arrancando o sorriso forçado que ainda mantinha no meu rosto.
Enquanto seguíamos para fora, escutei-a resmungar ao meu lado alguma coisa ininteligível da qual não fiz muita questão de entender, abrindo a porta para que eu passasse primeiro.
Ainda silenciada pelo episódio “esposa” anteriormente presenciada, aquela palavra simplesmente não desaparecia da minha cabeça – nem mesmo depois dela tê-la a chamado de “amiga”, segui com ela para fora do consultório, tomando nota de qualquer possível reação que pudesse chamar minha atenção, confirmando suas mentiras ou afirmando as palavras de Gayoon. Relutantemente percebi que diante da presença da amiga fashionista, a médica não conseguia conter o sorriso grandioso que queria se alastrar no rosto e muito menos se continha o suficiente para escondê-lo. Parecia até um pouco mais feliz que o normal. Aquele deveria ser um tipo de relacionamento diferente do que tinha com Taemin, pelo menos era o que estava explícito naquela curta conversa que tiveram. Havia muita intimidade entre elas. Talvez os laços fossem mais profundos porque se conheciam há mais tempo, uma amizade de infância que se protraiu no tempo. Vê-las juntas me fez sentir uma coisa diferente que se mesclou a inveja. Sem motivo aparente para me sentir assim, um gosto amargo dominou minha boca, azedando a expressão no meu rosto. Queria ter esse tipo de “intimidade” com alguém.
E interpretando minha reação de maneira diferente, Jiyoon sorriu meio encabulada e tentou se explicar, embora realmente não precisasse fazê-lo. E como sempre acabava por extinguir minhas dúvidas silenciosas, das quais não fazia questão de pronunciá-las.
- Desculpa pelas brincadeiras da Gayoonie... Ela ás vezes não sabe se conter, nem mesmo na frente de estranhos. – Pediu perdão pelo momento anterior e soltou risadas sem graça, desviando o olhar para frente, mostrando o quanto a situação tinha a envergonhado.
- Você não precisa se desculpar em nada... Vocês são amigas e isso acontece. – Dei de ombros com fingida despreocupação, quando por dentro todo em mim fervia, permitindo que a última palavra saísse com certo tom de ironia. Queria me conter, mas não conseguia reagir de maneira diferente. Meus olhos encontraram com os seus que pareciam levemente confusos e ansiosos, como se sua cabeça estivesse fritando para encontrar uma saída mais saudável para a situação. Ela tinha notado minha ironia. – Gayoonie... – Comentei meio distraída, fingindo não perceber nada. – Ela é mais velha que você?
- Ah! Quase... Nascemos no mesmo ano, mas meses diferentes. – Seu sorriso mais uma vez se suavizou e tornou-se amplo, mostrando novamente o que a presença da “amiga” provocava. Repentinamente uma onda de ódio tomou minha mente e comecei a amaldiçoar a mulher que ficou trancada no consultório, onde daqui a poucos minutos teria a completa atenção da médica. – Nasci em outubro e ela em maio... Outono e primavera. Era como a mãe dela gostava de nos chamar.
Voltou a rir de seus pensamentos para aliviar a tensão na atmosfera. Mais um fragmento do seu misterioso passado foi revelado, fazendo-me tomar noção do quanto ainda precisava ser desvendado. E eu queria muito me aprofundar mais na conversa, descobrir um pouco mais, porém, infelizmente, o elevador apareceu a nossa frente encerrando nosso tempo juntas.
Pressionei o botão com força desnecessária, repentinamente enraivecida por ter de encerrar a conversa justamente em seu ápice, quando existia uma abertura para que pudesse questioná-la sobre sua vida antes de nos conhecer. Uma pequena tela acendeu números avermelhados indicando o andar do qual o elevador estava estacionado, alertando que subiria em breve por causa da minha chamada grosseira. Enquanto aguardava sua chegada, senti a agitação de Jiyoon ao meu lado. Contudo a todo custo evitei olhá-la, como se para não ceder a ela, até que seu suspiro cobrou minha atenção. Aquele som foi diferente, como se uma barreira tivesse sido quebrada entre a gente.
- Sério, ignore a brincadeira da Gayoon. Isso sempre me causou problemas e não quero passar uma impressão errada de mim para você. – Ela falou o que pareceu inquieta-la, pois foi provocada pelo meu silencio.
Meu cenho automaticamente franziu com aquilo, tentando compreender até onde desejava chegar e no que exatamente aquilo significava. Processei por instantes o que havia dito e não cheguei a nenhuma conclusão razoável, obrigando-me a questioná-la.
- O que você quer dizer com isso? – Perguntei ao arquear uma sobrancelha.
- Ela brinca dessa maneira... Chamando de esposa... Porque sabe do que as pessoas pensam de mim. – Pontoou constrangida, sendo precisa no que provocava minha irritação. Será que eu havia me feito muito óbvia? Sem responder a minha suspeita, desviou o olhar para o elevador, constatando se ainda tinha tempo de se explicar. – Sempre tive uma imagem andrógena, o que nunca me incomodou. E teve uma época que me tornei num verdadeira tomboy. O que gerava certos tipos de fofocas sobre mim... Até que isso tomou uma proporção muito maior, quando Gayoon se utilizou disso para sair beneficiada num problema que teve com um ex-namorado. – Contou com um leve sorriso crescendo nos lábios, voltando a me encarar com os olhos curiosos para saber da minha reação. Eu somente estava ávida para escutar a sua história. Aquilo estava se tornando muito interessante. – Me lembro que na época eu usava um corte estilo joãozinho, o que facilitou a confusão do cara... Ele ficou muito irritado quando a viu, abraçada a mim. Foi hilário! – Teve de controlar a risada ao relembrar o momento, evitando parecer estranha por rir sozinha. Passou mão nos cabelos agora grandes, como se tivesse que lembrar a si mesma do quanto havia mudado e continuou o raciocínio. – Deve ter sido um choque para ele perder a namorada para um garoto franzino e afeminado. – Dessa vez não se conteve e soltou uma risadinha carregada de malícia. Depois acabou suspirando longamente e voltou a sorrir para mim, parecendo mais aliviada. Sua mão se ergueu e tocou meu ombro. Sua atitude me deixou travada no lugar. – Enfim, isso é o que sou. E obrigada pela massagem... Você fez um ótimo trabalho!
- Hã, valeu... Eu acho. – Não evitei em sorrir de volta, feliz por receber um agradecimento e elogio seu, sentindo-me envergonhada por ter reagido daquela forma amargurada antes de escutar sua explicação. O sentimento de raiva e ódio se esvaiu rapidamente como se nunca tivesse existido.
Senti que a intensidade do aperto aumentou em meu ombro, por motivos dos quais não consegui ler em seu olhar, antes de finalmente me liberar de seu toque. Uma sensação de vazio atravessou meu corpo por rápidos instantes, para se dissiparem na mesma hora. Foi algo passageiro e inesperado.
Silenciosamente o elevador chegou ao andar, deslizando elegantemente suas portas prateadas para mim, mostrando-se vazio tanto quanto à sensação ligeira que quis me dominar. Lancei na direção da médica um sorriso de agradecimento por me acompanhar até aqui, estava verdadeiramente agradecida por ainda ter sua companhia e dei um passo em direção à caixa metálica. Porém fui impedida por ela que inesperadamente agarrou meu pulso.
- Você esqueceu seu óleo... Espera, vou correndo pegar para você! – Exclamou agitada pela ideia do meu esquecimento, não permitindo nem que ao menos raciocinasse direito o que havia acontecido.
- Não! Está tudo bem. – A contive sem controlar minha risada, meu cérebro reagindo mais rápido, achando engraçada a maneira afobada como repentinamente agiu. Uma onda quente atravessou meu corpo por inteiro tendo como fonte sua mão, que ainda segurava meu pulso com firmeza. Seus olhos se estreitaram minimamente em minha direção, perguntando-me se teria problema ou não em ficar com o óleo. – Estou dando ele a você, apenas para o caso de precisar dele mais uma vez.
Pisquei um olho em sua direção, abusando da minha arrogância para dominar a situação. Estava prevendo que devido a sua profissão, e sua extrema dedicação a ele, uma hora ou outra acabaria utilizando o óleo, por mais que quisesse ou não. Era um presente bem útil se reparar na quantidade de benefícios. Entrando de cabeça em minha brincadeira, abriu um sorriso jocoso e me soltou, como se finalmente tivesse notado que ainda me segurava.
- Só fico com ele se você me der mais uma massagem... Se eu fizer não vai ser a mesma coisa.
Sua brincadeira ultrapassou o limite do meu bom senso, fazendo meu coração pulsar fortemente e uma confusão profunda tomar conta da minha mente. Mesmo sabendo que dizia aquilo como um modo de me provocar, não podendo evitar que meu rosto queimasse e os olhos procurasse outro lugar para se estabelecer. Sério, aquilo me constrangeu profundamente. Não sabia nem como reagir, estava completamente mortificada. Para minha sincera gratidão, Jiyoon não parecia ligar para isso e somente riu de mim, se divertindo horrores com meu embaraço.
Tomei um longo suspiro quando o elevador emitiu estalidos altos, alertando que precisava fechar as portas, pois ainda permaneci parada entre o sensor, impedindo que elas se fechassem sem mim. Escutando aquelas reclamações, humoradamente a doutora me empurrou para dentro dele e pressionou o botão para o térreo, saindo vagarosamente dele, andando de costas, encarando-me sem se preocupar com o que fazia.
- Sua fisioterapia começa às três da tarde... – Alertou para mim enquanto segurava a porta para que não a fechassem ali dentro, seus olhos quentes e confiantes se agarraram aos meus sem nenhum tipo de hesitação. – E também use roupas para academia. Posso adiantar que a doutora Kwon gosta de fazer seus pacientes suarem... – Comentou com um sorriso zombeteiro e liberou a porta. – Busco você no seu quarto, está bem?
- Até lá, então! – Me despedi dela com ansiedade, vendo sua imagem desaparecer atrás das portas.
*
O relógio terminava de marcar duas e quarenta da tarde, quando batidas à porta clamaram por minha atenção, obrigando-me a terminar de amarrar os meus tênis o mais rápido possível para atendê-lo.
Um sorriso enorme tomou conta do meu rosto quando vi que se tratava da doutora Jeon, que devolveu meu sorriso com mais doçura. Dessa vez ela não usava suas roupas habituais de trabalho. Na verdade vestia uma blusa de tecido leve e calça de moletom, que se ajustavam as pernas, e tênis de corrida da cor branca, fazendo-me perder preciosos minutos para admirar seu novo estilo. Realmente ela tinha um físico invejável.
- Preparada? – Me questionou para quebrar o silencio, cobrando de mim uma resposta.
- Claro! – Exclamei exageradamente animada, obrigando-me a dosar minha atitude ou isso poderia atrair sua curiosidade que se transformariam em perguntas, tornando mais que óbvio o fato de que a olhei daquela maneira vergonhosa. – Sua amiga já foi embora?
Perguntei, forçando-me a utilizar um tom simpático, evitando que a ligeira hostilidade ainda existente em meu interior ficasse aparente, buscando assunto para não deixar a conversa esfriar. Saí do quarto a encarando firmemente, observando seu semblante, que parecia um pouco nervoso. A mudança de assunto tinha a pego desprevenida...?
- Hã, sim, Gayoonie terminou o que veio fazer e logo foi falar com o pai. – Deu de ombros e me guiou pela trilha de pedras lisas, pegando no meu pulso por rápidos instantes para me direcionar, colocando-me ao seu lado, mostrando o caminho que deveríamos seguir. Estávamos tomando um rumo diferente dessa vez. – Suas sessões de fisioterapia aconteceram na academia... Por isso sempre siga esse caminho. – Explicou com profissionalismo.
Meu olhar novamente a avaliou de cima a baixo, fazendo um sorriso zombeteiro crescer em meus lábios. Estava me tornando uma pessoa mais ousada, ela não deveria ter permitido que eu continuasse com as brincadeiras.
- Gostei do novo visual... Mas não entendi por que está usando roupas para se exercitar. – Comentei meio incerta, inclinando a cabeça para o lado e observei-a erguer o canto da boca, que se retorceu lindamente para cima num dos meus sorrisos que, sinceramente, estava se tornando o meu predileto.
- Bom, eu sou a responsável por seu tratamento, sem falar que preciso ficar de olho na doutora Kwon... Ela foi contratada recentemente e a colocaram sob meus cuidados. – Respondeu no mesmo tom que o meu e apontou para seu corpo, parecendo levemente incomodada por usar um estilo diferente do habitual. – Como ela é quem “manda” na academia, quando fui falar sobre você e seu tratamento, uma de suas exigências foi a de que eu te acompanhasse e que viéssemos a caráter. – Falou como se pedisse desculpas e voltou a observar o caminho, acenando para um enfermeiro que a reconheceu e lhe sorriu simpaticamente. – Posso dizer que aquela garota é bem persistente quando se trata em me perturbar.
- Ela é mais velha que você? – Questionei ao notar que a chamou de “garota” e não “mulher”.
- Não... Na verdade ela é dois anos mais nova que você. – Apontou aquele detalhe achando engraçado, fazendo-me rir em espanto.
E assim se encerrou mais uma conversa, permitindo que cada uma aproveitasse o que a presença da outra podia transmitir. A brisa batia agradavelmente contra nossos rostos, trazendo a fragrância deliciosa de seu perfume, enquanto quebrávamos a distancia para chegarmos à academia, que literalmente estava lotada de gente. Ao entrarmos tomei noção de que as pessoas estavam vestidas de maneira parecida, roupas justas e leves que se adaptavam ao suor, que tornava difícil reconhecer quem trabalhava ali ou se era paciente. Definitivamente era um ambiente barulhento e diferente do qual havia encontrado naquele lugar. Havia muitas pessoas bonitas, o que não era nenhum tipo de surpresa, obrigando-me a concordar em silencio. Homens e mulheres, todos com corpos bem condicionados e atléticos, exibiam seus corpos suados. Alguns deles tinham características e etnias diferentes, mostrando que, embora o preço fosse bastante elevado para permanecer ali durante um dia, havia uma procura bastante intensa para tratamento.
Mais uma vez Jiyoon voltou a segurar meu braço, me guiando entre os aparelhos e máquinas, tomando o cuidado para não esbarrássemos em ninguém. Deve ter percebido que andava um pouco mais lenta, porque olhava tudo com bastante interesse. Pude notar olhares sobre a gente, seja da parte feminina, quanto da masculina. Eram olhares intimidantes, ás vezes invejosos e em outros somente pude reconhecer a curiosidade. Estava acostumada com aquele tipo de tratamento e atenção, pois fazia parte da minha profissão estar sempre embaixo de holofotes, mas, diferente de mim, a médica parecia mortificada e incomodada com aquilo. Isso me fez sorrir. Se eu não conseguia tirar os olhos dela, entendo o motivo dos outros também não se controlar. Era impossível não querer olhá-la.
- Jiyoonie! – Uma voz próxima se eleva sobre a suave música que cobria o espaço, chamando a atenção da doutora, que imediatamente correspondeu ao chamado e nos virou na direção de uma garota de cabelos dourados, que acenava freneticamente. – Achei que jamais iriam chegar! – Ela exclamou animadamente assim que nos aproximamos. Nós mal aparecemos a sua frente e foi diretamente abraçar a morena, que retribuiu o abraço rapidamente parecendo desconfortável e surpresa. Ao se separaram os olhos castanhos da doutora Kwon recaíram sobre mim, antes de voltarem a questionar Jiyoon, como se confirmando suas incertezas. Num movimento imperceptível de cabeça, incentivou a continuar e não se deixar intimidar por nada. Com uma expressão mais confiante se virou para mim. – Você deve ser Hyuna, estou certa? Te vi algumas vezes na televisão. Adoro sua música!
Falou isso tudo num único fôlego, parecendo nem mesmo respirar, elétrica e sorridente, fazendo seu rosto jovem ficar mais brilhante que antes. Ela era uma garota incrivelmente linda e que não tinha medo ou vergonha de expor seu abdome bem trabalhado, usando apenas um top de malha preta.
- Você é da Coréia também? – Perguntei meio confusa pelo fato dela ter me reconhecido e estar falando a mesma língua.
- Sim. Sou recém-formada em fisioterapia e fui transferida para cá graças a um trabalho científico que liderei na universidade. – Comentou com evidente orgulho de seu trabalho, fazendo Jiyoon rir.
- Vendendo seu trabalho antes mesmo de se apresentar a paciente, Sohyun? – A morena comentou em tom de brincadeira, mas a repreendendo para que tomasse a postura correta como um verdadeiro profissional.
- Oh, certo... Perdão por isso! – A garota sorriu sem graça, se desculpando e se virou para mim, inclinando-se respeitosamente. – Eu me chamo Kwon Sohyun e estou aqui para ajuda-la no seu tratamento.
Apresentou-se com certa formalidade, provocando risadas na médica que olhava nossa interação com curiosidade. Notei pelo breve olhar que Sohyun me lançou foi levemente apreensivo e nervoso, como se minha presença lhe causasse isso. O canto da minha boca se retorceu minimamente, erguendo-se sem um comando meu e, com uma intimidade que não tinha, dei leves tapinhas nos ombros da garota, que me olhou meio incerta.
- Que tal esquecer toda essa formalidade e nos tratarmos da maneira correta, huh? – Falei com o tom mais leve e brincalhão, aumentando aos poucos o sorriso, na tentativa de dissipar a tensão que a cobria. – Já que sou mais velha que você, pode me chamar unnie.
Sohyun soltou risadas nervosas e voltou a agir menos tensa, parecendo satisfeita com minha atitude. Sinceramente aquela garota me agradou. Ela dificilmente parecia se intimidar com a situação e falava livremente, como as pessoas naquela idade costumavam a fazer. Ter alguém mais jovem me faria sentir livre, permitindo que esquecesse por alguns segundos que era sempre a mais nova onde quer que eu fosse. Poderia cuidar dela mesmo que fosse a pessoa responsável por meu tratamento. Seria muito mais fácil agir despreocupadamente a sua frente, podendo brincar da maneira como quisesse.
Com um leve pigarreio, Jiyoon chamou nossa atenção, obrigando que nossos olhos se encontrassem. Olhando firmemente a loira começou a falar.
- Já que vocês estão se entendendo, posso perguntar o que vai fazer? – Questionou intrigada.
- Nada demais... Apenas o básico por enquanto. – Respondeu apontando para algumas máquinas por perto, começando a entrar num campo do qual não entendia nada. Estavam falando sobre meu tratamento e nada daquilo me era habitual. – Ela está parada há um bom tempo, então o melhor seria começar com exercícios aeróbicos. Se Hyuna unnie não se queixar de dor, podemos avançar hoje mesmo no tratamento e fazê-la empurrar alguns pesos...
- Não exagere Sohyun. Ela ainda sente dor no pé se ele for muito pressionado... Deixe os pesos para depois. – Jiyoon a repreendeu calmamente e lançou um rápido olhar sobre mim. Percebi que estava um pouco receosa por algum motivo, mas satisfeita por ver que a jovem médica aceitou seu conselho e sorriu para nós duas. – Bom, então a deixo em suas mãos.
Sohyun sorriu em troca e ergueu os polegares para cima, mostrando-se animada para iniciar o tratamento, sabendo que sua supervisora estava colocando em suas mãos um trabalho importante, por mais simples que fosse.
Diferente dela, eu reagi de maneira contrária, fiquei repentinamente ansiosa ao vê-la lentamente se afastar.
- Jiyoon unnie, você não vai ficar para observar? – Questionei antes que se afastasse por completo e no meio de sua caminhada se voltou para mim e sorriu gentilmente.
- Eu ficaria, mas Sohyun precisa andar sobre as próprias pernas. – Disse humoradamente provocando a garota, que começou a rir sem jeito e a abraçou pela cintura. Dando suaves tapinhas nas costas dela, se separaram e direcionou sua atenção completamente em mim. – Não se preocupe Hyuna... Tudo vai dar certo. Não te confiaria a alguém incompetente... Além de que estarei bem ali me exercitando. - Apontou para um canto da academia que parecia não chamar o interesse das outras pessoas, permanecendo tranquilo e vazio. Ela sorriu docemente e começou a se afastar. – Quando terminar sua sessão venha me chamar e assim podemos ir embora juntas, está bem?
Com aquela pequena promessa, senti-me melhor, chegando ao ponto de sorrir sem ter muitos motivos para fazê-lo.
- É uma promessa, então? – Ergui meu dedo mindinho em sua direção, vendo seu olhar intrigado cair sobre ele.
Sorrindo da minha atitude, achando-a hilária, contornou seu dedo mindinho com o meu, firmando a promessa entre nós duas. Seu olhar intenso mais uma vez segurou os meus, mostrando-se firme e absoluta.
- É uma promessa. – Confirmou sem receio.
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