As palavras de Taeyong fixaram-se na minha cabeça com uma facilidade impressionantemente irritante. Era verdade que aquilo não impediu que pensamentos impróprios sobre Jaehyun surgissem à noite, no momento mais inoportuno possível, mas sua onipresença começava a incomodar pelo simples fato de eu não saber por que estava ali.
Nunca pensei em dançar antes, não num grupo sério, numa competição tão grande quanto a regional. Quando eu era mais novo, costumava passar tardes livres dentro do arcade do shopping na máquina de dança, simplesmente porque ganhava tickets nela com mais facilidade que nos outros jogos. Será que aquilo se aplicava dentro da concepção de “bom” que Taeyong tinha?
Endireitando minha postura, afrouxei o nó de gravata do meu uniforme e soltei um longo suspiro, parando de caminhar momentaneamente, lançando minha cabeça para trás. Com as provas semestrais se aproximando e as finais do campeonato interescolar de basquete logo no final daquele mês, eu não deveria ter tempo para desperdiçar meus pensamentos em coisas desse tipo. Desde quando meu foco tinha se tornado tão manipulável e disperso?
A resposta veio mais rápida e fácil do que pensei. Desde Jaehyun, é claro. Quatro dias e aquele menino tinha conseguido me quebrar de uma forma que ninguém conseguira fazer em dezesseis anos. O Jung realmente não brincava em serviço.
Jogando minha cabeça de um lado para o outro para aliviar o desconforto nos músculos do meu pescoço, retomei meu caminho até o ginásio, circulando os piercings da minha orelha com o dedo mindinho. Saí tão apressado de casa naquela manhã que esqueci meus fones, e ficar sem música de manhã afetava minha ansiedade, de forma que meus dedos não paravam quietos.
Assim que cobri a curta distância entre o prédio da escola e o do ginásio, senti meus pés formigarem e entorpecerem, recusando-se a sair do lugar. Como os treinos de basquete eram abertos e fora de horário de aula, era claro que tínhamos espectadores vez ou outra – eu mesmo tinha um fã-clube de garotas que desmaiavam toda vez que driblava a defesa e marcava outra cesta de três –, mas naquela manhã, o número de meninas que se acotovelavam desde o lado de fora do ginásio e sumiam porta adentro era insano.
Céus, de onde saíram tantas estudantes na nossa escola? Quem visse aquilo de longe facilmente confundiria com um show do BTS ou coisa parecida.
- É o Chittaphon oppa! – Uma vozinha estridente se sobrepôs ao murmurinho que pairava sobre as garotas, e quando olhei naquela direção, estremeci. Todas as cabeças girando daquele jeito na minha direção tinha um quê sinistramente assustador.
- Hm, bom dia – murmurei desconfortável, curvando-me num cumprimento – Obrigado por virem ao nosso treino hoje.
- Ah, o oppa é tão lindo! – ouvi uma primeiranista suspirar atrás da garotinha de voz estridente – Mas fica mais lindo ainda quando sorri. Sorria para nós, oppa! Vamos!
De alguma forma – superpoderes femininos, talvez? –, antes mesmo que eu pudesse piscar, as garotas que não tinham conseguido entrar no ginásio se agruparam à minha volta, dando gritinhos espalhafatosos com suas amigas, apontando qualidades e defeitos como se eu nem estivesse logo ali, ouvindo-as. Engoli em seco, sentindo um nó desagradável bloqueando minha garganta e o calor subindo, preenchendo meu rosto. Então era daquele jeito que animais de zoológico se sentiam?
Pare de ser ridículo, Ten uma vozinha firme me repreendeu no fundo da minha cabeça; fosse minha imaginação ou não, ela soava muito com o timbre amaciado feito pluma da voz de Jaehyun. Foi impossível não pensar naquele sorriso. Enquanto você é ala/armador titular do time, elas são só garotas bobinhas e desocupadas. Recupere sua postura pelo menos por enquanto e se preocupe com coisas sérias de verdade.
- Ah, Ten! – uma voz familiar me chamou e, quando olhei para frente, vi Doyoung abrindo caminho naquela direção, com Johnny em seus calcanhares – Finalmente achamos você.
- Dê um desconto Doyoung, é a primeira vez que Ten recebe tanta atenção das garotas, devia estar curtindo o momento.
- Cala essa boca – respondi mal humorado, desferindo um soco contra o braço de Johnny enquanto eles guiavam de volta para dentro do ginásio – Afinal, de onde veio tanta gente assim? Que eu me lembre, nossas atividades no clube nunca foram tão populares.
- Temos teorias – Johnny explicou rapidamente, acenando a mão como se aquilo não fosse de grande importância – Taeil diz que é porque devem ter descoberto que conseguimos fazer nosso caminho até a final do campeonato e, por isso, quiseram nos apoiar ou alguma coisa sobre compensar nossos esforços. Mark e Yuta pareceram convencidos de que o motivo real de tanto alvoroço são seus rostinhos bonitos, mas se quer saber a verdade, toda essa gente veio mesmo é ver Jaehyun.
- Sim, essa é a teoria mais aceita pelo time – Doyoung completou, tentando não ser rude ao empurrar algumas garotas para o lado; vê-lo ali, vermelho por causa do contato forçado com o sexo oposto, era uma cena no mínimo engraçada – Mas sabe, depois do que elas fizeram lá na entrada, acredito que você seja parte do motivo também.
- Eu soube que o assistente Kun faz bastante sucesso entre as garotas. Você também, Johnny.
- Hahaha. Conta outra Ten, você é um piadista tão bom.
- Mas ué, foi o que eu ouvi – respondi confuso enquanto descíamos os últimos degraus e finalmente púnhamos nossos pés na quadra. Boa parte do time já estava ali, praticando arremessos livres dentro de seus novos uniformes
- É claro que deve ter sido alguma brincadeira de mal gosto – o ruivo afirmou – Veja bem, se nem eu, que sou o melhor pivô, consigo atenção de nenhuma menina, por que o nosso assistente de time medroso e um jogador que não sai do banco de reservas atrairia alguém? Elas não são movidas só pelas aparências, são bem interesseiras.
- Ya, você! – Johnny o empurrou, obrigando-me a parar antes de colidir com um Doyoung cambaleante, que ia mais à frente – Que história é essa de melhor pivô? Já ouviu falar daquela frase, “guardado a sete chaves”? Você só é titular agora porque eles não querem revelar todo o meu talento tão de repente.
- Talento minha bunda. Você não era o titular nem antes de eu chegar, Johnny.
- Espere só a final chegar, então! – o mais velho parecia tão frustrado que estava prestes a descer a mão no Doyoung – Ei, Hansol, o Doyoung disse que nós ainda não fomos titulares porque somos uma droga como jogadores!
- Ei, eu não disse isso!
- Como é que é?! – Hansol, que segurava uma das bolas em circulação da quadra, virou-se para os dois com os olhos fervendo em desafio. Antes que eles pudessem enfiar meu nome naquele meio, fugi sorrateiramente para o vestiário sob olhares e gritinhos vindos da arquibancada.
Assim que fechei a porta e ouvi o clique habitual da maçaneta, permiti que meus olhos se fechassem enquanto eu inclinava a cabeça para trás e a batia uma, duas, três vezes contra a madeira. Meu coração estava acelerado, mas não porque boa parte das atenções lá fora estavam sendo direcionadas a mim. Não. Estava assim porque eu teria que dividir Jaehyun com garotas histéricas e bonitas, com declarações jogadas ao vento no intuito de atingi-lo na quadra.
Merda, merda. Que parte do “se recomponha” será que minha cabeça não tinha entendido? Para onde tinha ido minha confiança forte e inabalável de sempre? Céus, como eu odiava não ter respostas para essas perguntas, como eu odiava Jaehyun por ter feito aquilo comigo.
Tal pensamento me fez sorrir largamente. Das tantas coisas que eu sentia pelo mais alto naquele momento, ódio definitivamente não era uma delas. Definitivamente.
Balançando a cabeça algumas vezes na tentativa de afastar aquele torpor que pesava sobre minha nuca e meus ombros, fui até o meu armário para poder me trocar. Vesti primeiro os calções, então me livrei das camadas complexas do uniforme da escola e concentrei-me em colocar as meias e calçar os tênis esportivos que davam melhor apoio aos meus tornozelos. Ficar sem camiseta dentro do vestiário, sozinho, também estava entre as coisas que mais me acalmavam, apesar de estar longe de superar as caminhadas com trilha sonora, as partidas de basquete e as generosas doses de café que consumia toda manhã.
Antes de vestir a camiseta e rumar de volta para a quadra, segurei-a sobre o meu colo e deixei que o tecido ondulasse sobre a ponta dos meus dedos. Não saberia dizer o que naquela textura me hipnotizava tanto, só sabia que ela tinha conseguido um lugar no meio das minhas coisas favoritas. Ou, como Mark gostava de nomear, minha “lista de certezas”.
O número que estampava frente e verso do meu uniforme branco e azul era o dez, como o meu nome. Nas costas, as palavras T. Chittaphon pareciam brilhar.
E pensar que, se não fosse obrigado pelo meu pai a praticar algum esporte, eu nem mesmo estaria ali. Subitamente, o ar frio e estagnado do vestiário movimentou-se com uma brisa quente, que contraditoriamente me fez arrepiar e estremecer. O clique da maçaneta fechando outra vez pareceu ecoar.
- Ten? – Não reconheci a voz de primeira, então ao invés de responder, apurei meus ouvidos e apertei meu uniforme com mais força. Quando a pessoa voltou a me chamar, meu estômago despencou. – Ten, não podemos começar o treino sem você.
Jaehyun estava lá fora quando cheguei? Tomado por uma onda de inquietação ainda maior, girei onde estava, ouvindo seus passos misturados com o som abafado das maníacas do lado de fora. Meus dedos tremiam levemente, mas em nada comparavam-se à bagunça das minhas entranhas – eu até poderia lidar com as borboletas do dia anterior, mas parecia que elas decidiram chamar uns amigos, e agora eu tinha um zoológico inteiro pisoteando os meus órgãos, sem dó.
- Ah, aí está você – Jaehyun apareceu atrás de uma fileira de armários com aquele sorriso que desestruturava qualquer um, e senti a mesma coisa que tinha se deslocado na manhã anterior bater fortemente contra as minhas costelas – Está apreensivo por causa do nosso público, hyung?
- Ten, Jaehyun; não sou seu hyung, sou o Ten.
- Oh, desculpe, ainda não me acostumei muito com isso – quando ele levou a mão para cima e entrelaçou os dedos no próprio cabelo, vi algo de novo na sua expressão, embora não soubesse definir o que era.
E então, inesperadamente, me lembrei do Taeyong fazendo aquele mesmo movimento. Estremeci uma segunda vez; por que raios eu tinha pensando nele?
- Tudo bem – Levantei-me do banco, vestindo rapidamente a camiseta do uniforme. Outra vez, ela fez cócegas no meu torso. – Não, não estou apreensivo, e como poderia estar? Você, mais do que eu, deve saber muito bem que as intenções de todas elas não são de interesse ao esporte, pelo menos não no primeiro plano.
- É verdade – ele concordou, cruzando os braços na frente do número 2 no seu uniforme –, mas é quase igual ao público que teremos na final. Mark está quase vomitando de tanto nervosismo, então pensei que você também pudesse não estar se sentindo tão bem.
- Você tá brincando, né? – abri um grande sorriso para Jaehyun e indiquei meu próprio rosto com o dedo indicador – Olha pra essa cara de supermodelo, Jaehyun. Nervosismo, apreensão... essas palavras não estão nem no meu dicionário.
- Bem – ele arqueou as sobrancelhas enquanto suas covinhas aprofundavam-se mais nas suas bochechas e me causavam uma ligeira falta de ar –, amor próprio é tudo.
- Ya! Esses são modos de se tratar o seu hyung?!
Jaehyun me perfurou mais um pouco com aqueles olhos, aqueles lindos e escuros olhos que curvavam-se como o sorriso nos seus lábios, e deu de ombros. Será possível que aquilo que eu estava sentindo pairando entre nós era um tipo de tensão? Se ele estivesse alimentando minhas esperanças à toa eu ia dar na cara dele.
- Mas você não é meu hyung, você é o Ten – retrucou provocativo.
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Taeil era um bom capitão justamente por escutar nossas ideias, sugestões e manter uma relação muito boa com o assistente de time, mas uma vez, uma única vez, eu desejei que ele não fosse tão atencioso. Afinal, as reclamações de Mark tinham surtido algum efeito, e quando o time foi dividido em dois para o treino daquela manhã, acabei ficando com os piores.
Não que qualquer um ali fosse ruim; seus esforços eram impressionantes, uma vez que conquistar um espaço apenas na reserva já era bem difícil. O problema estava mais no fato de que nenhum de nós estava realmente habituado a mulheres, ninguém além de Jaehyun. Por isso, quando eu mandava Doyoung para o garrafão quando o Jung recuperava a bola para o seu time, o ruivo se embananava com facilidade, ficava vermelho como um pimentão, e falhava miseravelmente nas suas defesas.
- Quem fizer o último ponto ganha, aí voltaremos à rotação – Taeil anunciou, gesticulando para que eu me colocasse mais para o lado da quadra. Obedeci, mas demorei um pouco mais para enxergar sua estratégia de posições.
Ele queria que eu marcasse Jaehyun naquele momento. Eu, um dos mais baixos do time. Onde é que ele estava com a cabeça?
Não tive tempo para contestar. Yuta recolocou a bola na quadra e quase a perdeu quando Winwin colocou-se perigosamente na frente de Mark. O mais novo, por sua vez, parecia ainda mais verde de quando começamos a partida, e só naquele momento levei as palavras que Jaehyun usara no vestiário a sério. Céus, alguém por favor ampara esse moleque?!
Costurando entre os outros jogadores, altos demais para poderem intercepta-lo, Mark continuou avançando. Corri pela lateral da quadra, emparelhando-me à ele caso precisasse passar a bola de última hora, e silenciei meus ouvidos aos gritos que em nada nos incentivavam. Deixei minha mente fluir, registrando a posição de cada um na quadra, e mantive Jaehyun em primeiro plano, já que era eu quem estava encarregado de marca-lo. Sinalizei para Yuta por cima do ombro, enviando-o até a outra lateral, enquanto Taeil adentrava o garrafão e colava as costas contra as costelas de Winwin, impedindo-o de prosseguir e roubar a bola.
Mark passou a bola desengonçadamente para Yuta, que a recebeu com certa dificuldade, com Hansol em seus calcanhares. Ele levou-a para cima, fingindo um arremesso direto, mas mudou a posição de seus ombros no último minuto no intuito de passar a bola para mim, do lado oposto. Preparei-me para a recepção, mas Hansol foi mais rápido e colocou seu braço comprido de ambos os lados do mais novo, interceptando-o no último segundo. Johnny, parecendo surgir do chão, pegou a bola e correu para o outro garrafão.
Aumentei a velocidade para poder cobrir as longas passadas de Jaehyun, mas ele percebeu meu avanço e cruzou os braços na frente do torso, plantando os pés firmemente no chão, preparando-se para o meu jogo de corpo. Parei antes de chocar meu corpo no dele e lhe dei as costas, voltando minha atenção para Johnny, que pingava a bola no lugar, sem saber para quem passar. Abri os braços, me mantendo sempre na frente do Jaehyun, sentindo seu abdômen definido colidindo em mim, mas obriguei minha atenção a permanecer no jogo. Mais à frente, Doyoung suava mais que o normal enquanto guardava a cesta, as pernas prontas e flexionadas caso precisasse pular e dar um toco na bola.
Johnny, então, passou a bola para trás, e Mark foi rápido em recuperá-la. Corri com ele, mas daquela vez, era Jaehyun que passara a me marcar, e ele era alto, muito alto, com braços tão compridos...
Tudo que aconteceu naquele instante foi rápido demais, e só consegui processar com clareza uma vez que a bola já caía através do aro; Mark tinha passado a bola para Taeil, mas seu caminho estava interceptado por Hansol e ele nunca fora bom em cestas de três. Procurou por Yuta, mas este também se encontrava fortemente marcado, daquela vez por Johnny.
Sua única opção foi fazer o passe para mim. Por algum milagre, recebi a bola sem problemas, pingando-a com a mão esquerda enquanto segurava Jaehyun no lugar com o braço direito. Esperei que o Jung abrisse uma brecha na sua marcação, mas sua altura estava constantemente imposta sobre mim e seu peitoral continuava colado nas minhas costas, então só girei como pude e arremessei.
Enquanto a bola subia, eu caía, e a última coisa que vi foi ela circular o aro e marcar o ponto.
- Yeah!!!! – Mark comemorou efusivamente, correndo até onde eu estava. Jaehyun, por sua vez, ofereceu a mão para que eu pudesse me levantar, seu rosto sorridente pairando de ponta cabeça sobre o meu. – Se o Ten está com a gente, somos invencíveis!! É isso aí!
- Não exagera – retruquei ofegante, levantando a barra do meu uniforme para enxugar o suor que começava a escorrer e arder ao entrar em contato com os meus olhos; aquele gesto tinha se tornado tão natural que não consegui entender por que, tão de repente, os gritinhos histéricos na arquibancada aumentaram – Eu... tô... morrendo... Jaehyun é muito bom... na defesa também.
- Mas o hyun... quer dizer, Ten é rápido tanto em criar quanto em executar as estratégias de jogo – Jaehyun justificou, dando leves tapinhas no meu ombro – Mesmo que não tenha a altura adequada.
- Ei, EI! – reclamei, empurrando-o amigavelmente sem conseguir conter o sorriso – Vê lá como fala comigo, você continua sendo pirralho!
- Time – Taeil chamou antes que pudéssemos nos aprofundar na brincadeira –, cinco minutos de descanso antes da próxima rotação, então se hidratem bem. Kun! Droga, onde foi que esse assistente se meteu? Kun, a quadra está escorregadia! – e enquanto ainda chamava pelo assistente desaparecido, o capitão desapareceu pelas portas do vestiário.
O time se arrastou para o banco e cada um pegou uma garrafa do cooler, Winwin empurrando Johnny pelo mais velho ter pego seu sabor de Gatorade favorito. Hansol largou-se no chão, enxugando o suor com uma toalha antes de se hidratar, e Yuta logo foi para cima dele, soltando todo o seu peso em cima dos ombros do hyung, importunando-o como sempre fazia.
Jaehyun se sentou do meu lado com a postura impecável, virando praticamente a garrafa toda num gole só, e a voz de todas as garotas soaram em conjunto pelas paredes altas do ginásio, chamando seu nome. Como é que ele podia estar tão indiferente? Mais importante, por que ele tinha se sentado do meu lado?
Determinado a não me iludir, convenci-me de que era porque eu fui o primeiro que se dispôs a ser seu amigo e também que o introduziu no time como se já fosse parte da família.
E teimoso como era, permaneci firme na minha decisão mesmo quando o peguei me encarando de soslaio de segundo em segundo, mesmo quando o zoológico no meu estômago decidiu se descontrolar mais que nunca.
Ah, meeeerda.
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Embora eu me recusasse a admitir, tomei o caminho mais longo e contornei os prédios da escola e do auditório unicamente porque queria evitar Taeyong, e eu não conseguia encontrar algo que justificasse de verdade tal determinação. Quero dizer, apesar de saber qual era o seu nome e a que clube extracurricular ele pertencia – ou costumava pertencer, levando em consideração o “ex-líder” que ele deixara escapar na tarde anterior –, nós continuávamos sendo desconhecidos. Caso trombasse com ele uma segunda vez, tudo o que eu tinha que fazer era ignorá-lo.
Mas a verdade era que Jaehyun tinha baixado minhas defesas, e uma vez que elas já estavam no chão, eu tinha medo de estar mais suscetível a incentivos externos. Lembrei da linha do maxilar de Taeyong quando ele lançou a cabeça para trás e gritou com todos os seus pulmões, e depois lembrei de como ele tinha vindo à minha cabeça, direto e implacável, quando eu estava nos vestiários com Jaehyun.
Estremeci e continuei minha caminhada. Estava pensando demais, e ainda pior, sem os fones para poder dispersar-me sobre outros assuntos. Tamborilei os dedos sobre o meu antebraço, esperando o sinal fechar para poder atravessar a rua, e apertei os braços cruzados mais firmemente, inspirando e expirando.
Uma coisa era certa: Jaehyun estava na minha lista de certezas, e apenas aquele fato devia me deixar menos inquieto. Então por que não estava funcionando?
Dei passadas largas quando o sinal para pedestres abriu, uma vez que a única solução que encontrei para me acalmar era uma boa soneca, mas senti meu ritmo diminuir automaticamente conforme me aproximava da praça pública que ficava próxima do meu prédio. Sempre que passava por lá, encontrava membros do time júnior treinando, quando não da minha escola, de outras que ficavam pelo bairro, e era sempre gratificante parar para observá-los. Naquela tarde, porém, a quadra estava vazia com exceção de uma garotinha pequena de cabelos escuríssimos. A bola parecia tão maior que ela, e ela estava tão, tão solitária.
Lembrei de quando cheguei da Tailândia e me deparei com certa dificuldade para me enturmar. Eu devia ter a mesma idade que a garotinha. Levantando fracamente o canto da boca, deixei minha mochila encostada no engradado e, enfiando as mãos dentro dos bolsos da calça, entrei na quadra, caminhando na direção dela, que de tão concentrada nem me notou.
Meu peito aqueceu com a familiaridade estranha que seu rosto causou em mim, mas eu não soube dizer quem ela me lembrava. Quando arremessou outra vez – muito errada, eu não conseguia deixar de ressaltar – corri para a bola antes que ela o fizesse e a peguei, voltando-me para lhe estender o objeto. Seus olhinhos pretos e curiosos brilharam quando me mediu dos pés à cabeça e puxou a bola para si.
- Quem é você? – perguntou com uma postura pomposa.
- Meu nome é Ten, Ten Chittaphon – me apresentei, seguindo a trajetória falha de outro arremesso seu com o olhar – E você, como se chama?
- Lee Seohyeon – disse simplesmente.
- Se importa se eu jogar com você, Seohyeon? – questionei amistosamente, arremessando a bola uma vez, encestando-a de primeira – Rapidinho.
- Meu irmão disse para eu não falar com estranhos – encarou-me desconfiada, buscando a bola e segurando-a firmemente, como sua única propriedade.
- Então está tudo bem, porque não precisamos falar para jogar – provoquei.
- Por que você quer jogar comigo?
- Porque você é uma moça muito legal, Seohyeon, e muito bonita também – sorri com sua expressão assustada e com a vermelhidão que assumiu seu pequeno rosto infantil, mas continuei – Sabe, eu jogo basquete na escola. Posso te ensinar a fazer cestas de todos os lugares que você quiser.
- De todos?! – quando afirmei com a cabeça, Seohyeon deu um pequeno pulinho no lugar, pingando a bola para mim – Eu quero acertar de fora dessa risca aqui – explicou, apontando para as linhas que demarcavam o garrafão.
- Se eu te ensinar uma técnica secreta, você promete que não vai contar para ninguém? – perguntei, arqueando as sobrancelhas, e ela concordou avidamente, inquieta – É supersecreta, hein, você não pode contar para ninguém.
- Não vou! – exclamou impaciente – Vai logo, me mostra!
Pacientemente, me abaixei para poder ficar da altura dela e prendi a bola debaixo de um dos meus joelhos enquanto a ensinava qual a maneira correta de se posicionar quando ia arremessar. Expliquei também que quando jogasse a bola, ela tinha que usar mais os olhos que a própria força, sendo bombardeado com vários porquês nos segundos seguintes, ensinando-lhe então sobre ângulos, percepção e balística.
Depois de cerca de vinte arremessos falhos, Seohyeon finalmente consegui fazer com que a bola passasse pelo aro, isso quando já estava desacreditada e cansada, com suor umedecendo a raiz dos seus cabelos.
- WAAAAAAAH!!!!! EU CONSEGUI, EU CONSEGUI!! VOCÊ VIU AQUILO, TEN, VOCÊ VIU?
- Você joga como uma profissional! – Elogiei, sem conseguir conter o sorriso que voltou a forçar os músculos do meu rosto, que já doíam de tantos sorrisos dados. No horizonte, o sol começava a se pôr.
- Seohy – alguém a chamou da entrada da quadra, alguém com uma voz que me arrepiou e fez minha nuca pinicar – Quem é seu novo amigo?
Entrelacei os dedos na base do meu cabelo e girei sobre os meus pés, envergonhado por ainda estar sorrindo, então congelei onde estava. Os olhos de Taeyong colidiram contra mim agressivamente, como uma batida de carro, e meus ombros encolheram.
- Yong Yong! – Seohyeon exclamou assustada, segurando a bola acima da cabeça, com ambas as mãos – Eu sei que você disse pra eu não conversar com estranhos, mas aí o Ten chegou e ele é tão legal, Yong Yong, até me ensinou uma técnica supersecreta pra jogar a bola, OLHA OLHA, EU ACERTEI DE FORA DESSA LINHA AQUI, QUER VER?!
- Não acredito! – Taeyong correu para o lado da irmã, sentando-se com as pernas cruzadas – Me mostre, eu duvido.
- Ah, mas você vai ver só! – com o rosto vermelho de esforço, ela arremessou, mas errou – Droga... Ten, fala pra ele!
- Ela foi demais – Eu disse sem graça. Como lidar com aqueles olhos?? Agora que estávamos próximos o suficiente, eu conseguia ver que suas íris eram tão escuras quanto suas pupilas, por isso não era possível identificar onde uma acabava e a outra começava. – Pareceu uma profissional, tipo Stephen Curry!
- É!!!! – Seohyeon não conseguia parar de pular – Será que quando você for dançar você pode levar o Ten??
- Por que?
- Porque ele é demais!!!
- Bom, isso vai depender dele, Seohy – ele comentou, inclinando a cabeça para me encarar; a franja de seus cabelos incrivelmente brancos caíram sobre seus olhos quando ele se moveu e, do ângulo onde eu estava, dava pra ver a linha contínua daquele maxilar – Você já pensou naquela minha proposta?
- Não sei dançar – respondi rapidamente e ele semicerrou os olhos.
- Mentiroso.
- Dançar é fácil Ten, você só tem que se deixar levar – a menininha repetiu mecanicamente, jogando-se contra as costas do Taeyong, pendurando-se em volta do seu pescoço – vocês tão na mesma escola?
- Sim – Ele respondeu com a voz subitamente rouca, e eu concordei, sorrindo para ela. De alguma forma, o olhar dele pareceu se intensificar ainda mais. – Todos conseguimos.
- Não sei se vou poder, Seohyeon – desculpei-me com a cabeça baixa – Como eu te disse, tô no time de basquete, e a final do campeonato interescolar tá chegando, por isso estamos treinando todos os dias depois da escola, sem folga. Além do mais, também temos as provas semestrais...
- Ah, mas você arranjou um tempinho pra me ensinar, você também consegue arranjar um tempinho pra dançar com a gente!
- Seohyeon – Taeyong disse, subitamente muito sério –, você é um pequeno gênio. Eu vou beijar sua bochecha agora mesmo.
- Ewwww, não, sai daqui – a morena exclamou enojada, correndo do irmão.
- Espera aí, ok? Eu te deixo ir mais na frente, quero falar com o seu amigo – Seohyeon acenou afirmativamente com a cabeça e olhei enquanto seu irmão ia até o engradado, pendurava a pequena mochila rosa dela num dos ombros e a minha no outro, me chamando com um aceno de cabeça.
Eu não sabia por que decidi segui-lo, nem porque deixei que ele levasse minha mochila. Talvez o meu medo de estar mais suscetível ao mundo não fosse tão infundado quanto pensei. Argh, como era frustrante – com Taeyong, tudo ficava no talvez. Estávamos agora caminhando lado a lado na calçada, Seohyeon saltitante alguns metros a nossa frente, com a bola grande demais envolta nos seus bracinhos infantis.
- Obrigado por isso – ele começou, a expressão leve no seu rosto me surpreendendo mais do que devia – Sabe, por incluir ela ou sei lá o que. Seohy costumava morar com o nosso pai em Busan, mas ele simplesmente a largou aqui uns dias atrás porque resolveu que ela era “muito difícil” ... Não tá sendo fácil para ela se enturmar, sabe? Não é como se as outras crianças fossem gentis.
- Ela é uma garotinha espetacular – comentei meio perdido, escondendo minhas mãos nos bolsos frontais – Se for tão forte quanto é decidida, não vai demorar muito até se sentir menos afetada por isso.
- Por que quis brincar com ela?
- Ah, isso... Bem, ela tava meio pra baixo quando passei, e vê-la sozinha na quadra meio que me lembrou de mim, recém chegado da Tailândia. Sei lá, só quis deixar ela feliz um pouquinho.
Taeyong parou de repente e me entregou a mochila, olhando-me firme e ininterruptamente, então quebrando o silêncio, disse:
- A proposta ainda está de pé, e agora eu não tô brincando. É difícil encontrar alguém que conquiste a Seohy tão rápido quanto você fez. Obrigado.
E, com isso, Taeyong desapareceu atrás de uma esquina, correndo na direção da irmã. Involuntariamente, minha mão subiu para o lado esquerdo do meu tórax, e mesmo através da minha camiseta pude sentir os batimentos acelerados, martelando minhas costelas com força.
Parecia que eu tinha um problema.
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