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História Cicatrizes - Pertencer


Escrita por: Apolinds

Notas do Autor


Oláaaa, como vão? Terminei o capítulo hoje e vim postar.
Espero que gostem. :3
Eu queria muito por as capas dos caps aqui, mas eu simplesmente não consigo. Ou o SS demora séculos ou simplesmente o gif que contém nas capas não funcionam, especialmente aqueles que contém mais de dez frames. Então quem quiser ver o "elenco", por favor entre nos caps do Nyah que eles estão lá logo no início.
xoxo;
apol

Capítulo 12 - Pertencer


— Eu preciso de armas! — Nessie disse na noite seguinte após ter ficado trancada no quarto o resto do dia anterior e a manhã daquele dia.

Henry tentou agir como se não enxergasse as olheiras profundas sob a tez pálida. A pequena centelha de vida que ele vira nascer em Vanessa nos poucos dias parecia inexistente agora. Era como se ela tivesse voltado a ser o filhote de vampiro sem emoção que ele salvara.  

Descobriu que não gostava disso.

— O que você quer dizer com armas? — perguntou com um sorriso de lado, mesmo sem vontade.

— Exatamente o que você ouviu — disse ela friamente. — Preciso de aço. Mas não um aço qualquer, quero armas como as que eu tinha antes.

Eles estavam na sala. Henry deitado preguiçosamente no sofá e Helena enroscada na poltrona com um pesado livro no colo que cheirava a tinta velha, magia e papiro. Nessie permanecia em pé na entrada da sala com o tipo de expressão que fazia a pele dura de Henry coçar.

— Que tipo de arma você utilizava? — perguntou Helena em tom suave, seus olhos abaixados para as páginas frágeis que lia.

— Adagas.* Elas são fáceis de ocultar.

— Você matou vampiros com adagas? — Henry indagou, arqueando a sobrancelha — Como?

Nessie olhou-o diretamente. Havia algo de sombrio em seus olhos, como se ela tivesse se lembrado de um momento ruim que não gostaria de recordar.

Desviando os olhos ela se encostou à parede e cruzou os braços, olhando para um ponto vazio da sala.

— Havia esse garoto, ele deveria ter uns dezesseis anos quando chegou ao casebre. Ele era muito magro e mirrado, cabelo gorduroso cor de palha e olhos que estavam sempre assustados quando me via. Eram azuis. Noturnos. Escuros como o fundo de uma garrafa. Foi o primeiro garoto humano que vi que não era comida — Seus olhos se cerraram um milímetro — Mais tarde descobri que ele era imune a ilusão do mestre e era a minha função fazer com que ele se voluntariasse a querer ficar. Ao que parecia ele tinha o potencial para um dom incrível quando transformado, mas que provavelmente impediria o controle do mestre.

— Eu não fiz isso. Recusei-me a ser sua parceira de luta, aguentando silenciosamente os castigos que recebia. Mas ai ocorreu uma fatalidade — Seu tom era gelo puro. — Eu só ouvi o grito. Quando Aimée apareceu no pátio de treinamento ela o arrastava pelo braço que naquela posição só podia estar deslocado. Seu nariz sangrava e estava inchado, e tudo o que Amy disse era que ele havia tropeçado em uma pedra. Como se eu não soubesse que fora ela que quebrara o nariz dele.

— Amy é uma maravilhosa atriz. Tudo o que ela fazia deixava-o admirado. Seu sorriso, seu andar... Tudo o fascinava. Ele sequer percebia que ela era o real motivo dos seus ferimentos e não seu equilíbrio errático.

— Depois de um tempo meus castigos foram parando gradualmente enquanto os machucados dele aumentavam. Aimée começou a me obrigar a levar comida para ele. Era farta, saborosa, de um cheiro que deixava meu estômago apertado. Era tudo o que eu não estava autorizada a comer. — Seu maxilar travou. — Eu ainda tinha que o observar a comer. Em silêncio. Sempre em silêncio.  Até que um dia ele empurrou seu prato de comida em minha direção e disse que eu precisava comer para podermos sair dali.

Ela suspirou profundo — Eu quase demonstrei minha surpresa para ele. Percebi ali que toda sua fascinação por Aimée era farsa e que ele não era bobo como imaginei.

— Não vou dizer que ele era meu amigo. Eu sequer sabia distinguir isso, mas nós éramos bons juntos. Finalmente comecei a aceita-lo como parceiro de luta. Ele não gostava nem um pouco de me acertar. Minha estatura menor o deixava encabulado.

— Duas noites antes da nossa fuga, após meses planejando, ele foi transformado. Eu acordei com seus gritos e o choro de dor. Fiquei trancada no meu quarto durante os três dias, sem poder sair, tomar banho ou comer. Não podia nem gritar de raiva porque Amy colocara um guarda dentro do quarto para observar minhas reações.

 — Quando ele acordou o guarda me levou para ele. Eu estava fraca e não pude me defender. Ele estraçalhou minha garganta, seu veneno queimando em minhas veias...

— Nessie, chega — pediu Henry tenso. Essa conversa o fazia pensar nas consequências caso tivesse mordido Helena quando despertara para a imortalidade.

Ela o ignorou seu protesto e continuou a falar.

— Aimée sempre soube a verdade sobre nossos planos. Agora ela tinha uma desculpa para me castigar e se livrar do garoto. Ele foi tirado de cima de mim e segundos depois desmembrado — falou ela, olhando-o. — Mas ela não queimou os pedaços. Não, o corpo de Kane foi utilizado no preparo de minhas lâminas. Não tenho ideia de como foram feitas, mas elas eram diferentes. Nada as quebravam e sua ponta brilhava como cristal. Era a única coisa que realmente partia um vampiro. E é isso o que quero. Quero adagas que possam cortar um vampiro. Não importa se forem temporárias; eu pretendo recuperar as minhas.

Henry balançou a cabeça, imagens da cena que ela descrevera queimando em sua mente.

— Nós não vamos sair atrás de vampiros para cortá-los em pedacinhos a fim de fazer armas que podem nos matar, Nessie — falou ele, olhando-a fixamente. — Eu vou supor que essa foi uma invenção do mestre e que os Volturi não tem ideia sobre ela. Já imaginou se ele descobre sobre essas adagas?

— Eu estava pensando que Helena podia ajudar — disse ela. — Lembrei-me que ela disse que envenenava as próprias adagas e achei que ela poderia pensar em algo que pudesse deixar as lâminas resistentes contra a pele de um vampiro.

— Talvez eu possa ajudar — disse Helena, fechando o livro. — Mas Henry tem razão. É perigoso criar armas que podem cair em mãos erradas. Os Volturi acham que os humanos são completamente ignorantes sobre o mundo sobrenatural, mas eu não me deixo enganar. Existem muitos dos quais querem prejudicar os vampiros.

— Eu sei. Conheço pelo menos uma dúzia de humanos que sabem sobre nós — Ness levou as mãos ao cabelo, bagunçando-os. — Eu preciso de armas. Odeio admitir, mas sou vulnerável comparada a vocês e depois do que aconteceu... Não quero ter que fugir mais uma vez caso encontre Aimée novamente.

— Qual é o problema de ser protegida por nós? — perguntou Henry.

— Eu não vou ficar parada. Sou uma mercenária, Henry. Matar é o que eu faço e não existe nada que você possa fazer que vá me parar de ir atrás das pessoas que me prenderam.

— Você está com raiva. Não pode agir nesse estado — falou baixinho.

— Não é raiva que eu sinto.  Não agora. O que sinto é uma dolorosa sensação de perda. Como ter o coração amarrado por uma corda de borracha — Sua mão esfregou o peito — Doí tanto.

Helena abriu um sorriso triste.

— Minha mãe costumava dizer que quando sentimos que algo está fora de eixo, nosso elo emocional que nos liga a nossa família se sente balançado. Eu acredito que, independente de você não se lembrar, sua mente está dando sinais de que alguém importante está sofrendo.

Uma sombra molhada nos olhos castanhos de Nessie.

— Isso não está ajudando muito — fungou ela.

— Sinto muito querida — desculpou-se Helena.

— Você vai me ajudar? Eu realmente preciso de armas — disse, piscando os olhos diversas vezes.

Helena assentiu — Vou procurar feitiços que possam tornar as armas inquebráveis. Enquanto isso Henry pode começar a moldar suas novas adagas.

Nessie olhou para ele.

— Você vai?

Henry suspirou.

— Sim, eu vou.

— Obrigada — agradeceu ela, fitando-o.  Seus olhos se prenderam alguns instantes antes dela olhar para Helena — Ainda tem sacos de sangue?

— Claro — disse Helena — Estão na geladeira.

Nessie assentiu e se direcionou a cozinha. Henry a observou de onde estava até ela sumir de vista.

Um toque psíquico o fez voltar a si. Ele imediatamente distinguiu o cheiro de sua irmã e liberou sua entrada em sua mente.  

“Por que você não a convida para sair?”, perguntou a voz psíquica de Helena. Ele olhou para ela, mas ela havia voltado para sua leitura como se não estivesse conversando com ele em sua cabeça.

“Porque eu faria isso?”, questionou silenciosamente.

“Porque você gosta dela e ela está assustada a merda fora dela.”

“Claro que eu gosto dela, mas do jeito que você falou era como se...”

“Como se eu tivesse dito para marcar um encontro? Sim, isso também serviria”. Um sorriso mínimo apareceu nos lábios de Helena ao virar uma página do livro.

Henry arregalou os olhos para a irmã que sequer o olhava.

“Eu não a vejo dessa forma, Helena. Ela é uma criança.”, disse mentalmente.

Você não a vê como mulher ainda, mas irá. Ela não age como uma menina de quatorze anos e ela sequer tem essa idade mesmo. Não se esqueça de que ela ainda terá mais surtos de envelhecimento. No momento em que ela se aparentar madura você será seduzido.”

Henry fez careta.

“Você não pode saber disso”, reclamou. Como no mundo ele se sentiria atraído por Vanessa? Ela era um bebê.

“Eu tive uns... Sonhos”, disse Helena vagamente.

“Que sonhos?”, quis saber.

“Você sabe que não posso dizer. Não se interfere no futuro, Henry.”

“Odeio quando você fala por enigmas”, resmungou em pensamento.

Helena revirou os olhos.

“Você é o único que não entendeu ainda.”

“Eu não sou a profeta da casa.”

Helena sorriu.

“Verdade.”

Henry balançou a cabeça e foi para a cozinha. Lá encontrou Nessie sentada na banqueta olhando fixamente para o copo de sangue pela metade. Seu rosto estava vazio de emoções, os olhos frios pensativos enquanto movia o líquido espesso pelo copo de vidro. A garganta de Henry ardeu de sede, mas era um tão insignificante que seus olhos sequer escureceram por fome.

— Não se deve brincar com a comida — falou, enfiando as mãos no bolso da calça social.

— E ninguém te perguntou nada — respondeu Nessie, olhando-o de relance antes de beber o restante do sangue. Lambeu os lábios em busca de resquícios e bateu o copo na bancada.

— Sempre tão gentil — ironizou.

— O que você quer Henry? — questionou ela.

— Saber se você gostaria de sair comigo — respondeu, abrindo um sorriso estonteante.

Ness virou a cabeça bruscamente para encará-lo.

— Por quê? — ela quis saber.

— Precisa de um motivo?

— Eu não consigo imaginar uma razão plausível para sair quando faz praticamente 48 horas que quase fomos mortos.

— Não precisa ter um por que. Só quero leva-la a um lugar.

Ela ficou em silêncio, sua atenção cravada nele como se tentasse entender o motivo de seu convite. Henry não estava acostumado com pessoas encarando-o por tanto tempo e começou a se sentir desconfortável, uma assombrosa sensação de déjà vu. Aquele olhar era o mesmo que sua mãe lhe dava quando ela sabia que ele tinha explodido o quarto ou derretido um caldeirão. A última coisa que ele esperava era ter esse olhar sendo feito por uma fêmea minúscula com emoções homicidas.

— Okay — disse Nessie segundos depois. — Mas se formos mortos no caminho eu volto do inferno para te matar novamente.

Um sorriso brincou na boca de Henry.

— Para isso eu teria que voltar também — disse ele.

— Não tem problema. Eu o arrasto pelo pé — respondeu ela. — Eu vou me trocar. Arranje-me umas adagas para usar. Não quero nunca mais sair de casa sem armas.

Ela pulou para fora do banco e andou ás pressas para fora da cozinha. Suspirando, Henry caminhou atrás dela para ser surpreendido com Helena saindo do porão atrás do quadro da família assim que Ness estava fora de vista. Em suas mãos carregava duas adagas longas com o punho prateado em forma de leopardo. Helena sorriu quando ele levantou as sobrancelhas para ela.

— Apenas achei que iria precisar — disse casualmente. — Coloquei um feitiço temporário para fortificar o aço pelas próximas cinco horas. Elas não vão durar após três impulsos. Foram as mais simples que encontrei para Ness manusear, mas ainda acho que o tamanho irá atrapalhá-la.

— Elas são ótimas, Helena — disse Ness descendo as escadas em jeans preto, botas militares e um longo sobretudo escuro. Seu cabelo desgrenhado estava trançado em uma apertada trança. Ela se aproximou e esticou a mão para pegar pequenas espadas. Henry escondeu sua careta quando a viu segurando as armas afiadas. Seu rosto infantil era completamente contraditório com o olhar feroz.

— Acha que pode usá-las? — perguntou para ela.

Nessie girou as adagas nas mãos com facilidade, sentindo o peso delas. Suas mãos não contornavam completamente o punho, mas ela podia usá-las para uma ou duas decapitações antes delas escaparem de seu aperto.

— Vou conseguir — ela respondeu. — Provavelmente daria para usá-las como arremesso.

— Elas são muito grandes para serem arremessadas, perderia o impulso — apontou Henry.

— Eu nunca erro um alvo. Não importa qual arma eu use — disse ela, esfregando o polegar no leopardo enroscado no punho.

— Se você diz — Helena deu de ombros. — As lâminas estão com um feitiço temporário. Use apenas se for necessário. Depois de três cortes elas se desmancharão.  

 Nessie assentiu, escondendo as adagas nos bolsos internos do sobretudo.

— Nós podemos ir — disse ela, o olhando. Henry assentiu. Pegou seu blazer em cima do sofá e o vestiu. Passou as mãos pelo cabelo então olhou para a híbrida.

— Vamos cenourinha — piscou. Nessie cerrou os olhos para ele.

— Divirtam-se — desejou Helena.

— Iremos — disse Henry alegremente.

Ness suspirou ao seu lado. Ele sorriu para ela e a levou para a garagem. Olhar para seu carro destruído o fez estremecer. Ele caminhou direto para o SUV, mas parou quando um rosnado exasperado chamou a sua atenção.

— O quê? — perguntou confuso para Ness.

— Você está brincando comigo? — sibilou Vanessa.

— Não... — falou lentamente. Ela bufou.

— Olha o tamanho dessa coisa. Como vou subir? — Indicou o carro.

Henry olhou da pequena vampira para o carro alto de vidro filmado e de volta para ela. Um segundo mais tarde ele estava se sacudindo em risadas. Nessie rosnou irritada para ele.

— Henry! — ela bateu pé.

Henry arfou entre risadas.

— Desculpe ferrugem. Não consigo evitar — Riu.

— Pare de me chamar assim — silvou ela. Henry riu mais forte, apoiando-se no capô do carro — Idiota.

— Vamos lá gatinha feroz. Não precisa ficar brava — disse com um sorriso idiota, tentando inutilmente se recompor.

— Eu vou arrancar seus olhos — grunhiu Nessie.

— Não vai não — disse Henry. — Você gosta de mim.

— Escolha outro carro. Não vou escalar isso!

— Ah, mas não precisa escalar, sinaleira. Vou te ajudar — Abriu um sorriso arteiro.

Os olhos de Nessie se arregalaram e ela deu um passo para trás. Antes que ela fugisse, Henry a pegou pela cintura. Ness gritou de raiva.   

— Henry Reese, ponha-me no chão — disse ela, debatendo-se. Henry riu e abriu a porta do SUV. Colocou Ness no banco da frente e a prendeu com o cinto de segurança. Um nanosegundo após ele estava no lado do motorista, travando as portas do carro e evitando que a híbrida fugisse.

— Acho que não conseguiu dessa vez, gatinha — ele disse com diversão.

— Pare de me chamar assim! Gato inútil — sibilou Nessie, indo direto para seu cabelo. Henry sibilou de volta para ela.

— Sua looooucaaa. Desgruda do meu cabelo! — berrou, pegando seus braços magros para puxá-los para longe — Eu só tenho esses.

— Deveria ficar sem — gritou Nessie, enterrando as unhas em seu coro cabeludo. Henry fez careta. Mesmo sendo metade humana, a garota era forte o suficiente para deixa-lo desconfortável.

— Argh! Pare com isso. Vou amarrá-la com correntes da próxima vez — disse, tentando livrar-se dela sem feri-la.

— A culpa é sua. Por que sempre tem que me tirar do sério?

— Você fica uma graça brava — Riu Henry.

— Eu vou chutar a sua bunda!

— Não se eu pendurá-la no lustre da sala.

Nessie fez a ultima coisa que ele não imaginava.

Ela riu.

Seu riso puro e alegre transformou totalmente seu rosto, enrugando os cantos dos olhos e mostrando seu sorriso brilhante. Suas pequenas presas se sobressaiam assim e os dentes da frente eram planos comparados aos caninos. Henry ficou completamente assombrado com seu riso, olhando-a bobamente enquanto ela tremia em cima dele de uma forma que ele jamais esperou.

Ela estava rindo. De verdade. E ele era o responsável por isso.

Uma comichão estranha pulsou na parte de trás de seus olhos e ele sabia que estaria chorando se fosse humano. O riso de Nessie foi diminuindo até que ela o olhou constrangida e chocada ao mesmo tempo como se não acreditasse na própria reação.

— Eu ri — sussurrou ela incrédula. Seus olhos estavam enormes ao olhar para ele.

— Você riu — confirmou, puxando um cacho solto de sua trança para trás. — Foi lindo.

Um rubor cobriu as bochechas dela. Ela o surpreendeu mais uma vez ao encostar a bochecha em seu peito. Ele segurou a parte de trás de sua cabeça, segurando-a perto dele e ouvindo sua respiração e seu coração bater.

— Obrigada — murmurou ela. — Eu pensei que tinha perdido isso.

— Não há nada que você não possa fazer gatinha. Você pode tudo.

Ela bufou. — Não me chame assim.

Henry a apertou, ele podia sentir seu sorriso contra ele.

— Vamos indo. Tenho um lugar para mostrar, esqueceu? — falou, esfregando os dedos em sua nuca. Um ruído abafado saiu dela e ele tinha certeza que ela estava tentando conter sua reação ao seu toque.

— Vamos logo — resmungou ela, saindo de cima dele para voltar para seu banco.

Com uma sensação aquecida no peito, Henry manobrou o carro e saiu da garagem. Ele se sentia leve e feliz, sua atenção dividida em Nessie que mexia no rádio do carro e a estrada.

— Posso fazer uma pergunta? — questionou ela.

— Você já está fazendo — brincou ele.

— Henry — Ness suspirou cansada.

— Okay, okay. Pergunte.

— Por que você e Helena não permaneceram com seus nomes de batismo? Tem alguma razão especial?

— Antes dos Volturi alguns dos membros do conselho que formavam a realeza vampírica sabiam sobre a existência dos Filhos da Terra. Helena não sabia dizer se os vampiros sobreviventes tinham dito sobre nós para Aro e não quis arriscar. Nós mudamos nossos nomes assim que resolvemos viver entre os demais humanos.

— E quando foi isso?

— Três anos depois que me transformei. Meu controle era... Complicado. Helena também achava que deveríamos ficar escondidos por um tempo antes de seguirmos em frente — Suspirou ele.

— O que há de errado? — perguntou Nessie suavemente.

— Às vezes eu me culpo um pouco pelo o tanto de trabalho que dei a Helena. Eu fiquei com raiva por um longo tempo antes de perceber que ela estava no fundo de uma depressão. Ela nunca me acusou de transformar a vida dela em um inferno, mas eu sei que não fui um bom irmão quando ela precisou.

— Ela provavelmente sabia que você estava sofrendo. Você se arrepende? — questionou ela.

— Todos os dias — respondeu ele.

— Então isso basta. Tenho certeza que Helena sabe o que você sente.

Os dois se encararam. Ness foi a primeira a desviar o olhar e prestar atenção na estrada. Ouviu o suspiro de Henry e encolheu os ombros. Não tinha ideia do que estava acontecendo entre eles dois, mas se sentia a vontade com o vampiro. Ele a fizera sorrir! Jamais teria sonhado com algo assim antes.

O tempo passou até que Henry estacionou o carro em frente a um edifício. Ness olhou curiosa para o lugar.

— Vamos — disse Henry, saindo do SUV.

Henry pôs a mão em suas costas e abriu as portas de vidro para que ela entrasse. A híbrida suspirou em surpresa quando botou os pés no assoalho de madeira. Aspirando o cheiro de humanos, tinta impressa e papel, ela olhou ao redor com fascinação.

— Você me trouxe para uma biblioteca — falou surpresa.

— Achei que seria uma boa forma de distração — disse Henry, enfiando as mãos no bolso. — Vá em frente. Divirta-se.

Com essas palavras, Nessie andou depressa pelas prateleiras de mogno. Henry ficou um pouco para trás, observando a híbrida puxar livros e mais livros e criar uma torre de capas empoeiradas. Ela se sentou em um banco comprido e curvou-se sobre uma brochura gasta.

Sem se dar conta Henry relaxou a coluna. Vanessa estava voltando a agir de forma relaxada, o franzir da testa quase inexistente.

Ele se se encostou a uma coluna e a observou. As palavras de Helena de repente sobrevoaram sua mente e ele se perguntou se realmente um dia iria ver a jovem vampira como mulher.

Era inegável. Henry se sentia conectado a ela de uma maneira que nunca esteve com ninguém. Era assustador, na verdade. Tentou imaginar um futuro ao lado de Nessie e tudo o que via era os dois se atracando.

Bem, isso está bom, pensou sorrindo. A eternidade seria mais simples com a pequena vampira ao seu lado.  Não teria tempo ruim com ela. Mesmo com todas as brigas que imaginava que existiriam.

Por um instante ele pensou na família de Vanessa. Ele tinha a sensação de que os vampiros de olhos dourados estavam envolvidos com a híbrida de alguma forma. E eles estavam ali. Em Rochester. As chances deles se encontrarem novamente eram tão grandes. Se isso acontecesse estava certo que Nessie os seguiria.

A questão era: Henry deixaria que ela fosse? Ela podia ter bebido seu sangue e o de Helena, mas não significava que ela deveria permanecer eternamente ao seu lado.  Ele não a obrigaria isso. Nunca.

Henry não tinha ideia se Nessie fazia parte de um clã. E se fizesse, ele participaria dele para estar ao seu lado? O pouco que convivera com outros vampiros o garantia que não deveria confiar em nenhum. Se Henry contara sobre sua vida para híbrida era porque Helena insistira. Apenas isso.

Mas então, tudo estava mudado. Ela o exasperava da melhor forma. Ele mal se recordava da ultima vez que se sentiu assim. Via-se esperando ansiosamente para que ela acordasse para que eles pudessem brigar mais um pouco, aguardava a hora em que ela o olharia com os olhos cerrados e o lábio enrolado em um rosnado. Nessie era seu momento mais puro de diversão.

— Você é péssimo em agir como um humano sabia disso? — a voz dela chamou a sua atenção.

Ele olhou para baixo e pegou-a encarando-o com os olhos marrons acesos. Ela não sorria, mas de tanto observá-la sabia que seus olhos estavam cheios de diversão.

— Do que você está falando? — perguntou com a ponta de um sorriso.

— Você esteve me encarando pelas três horas em que li — ela comentou. — E não se mexeu nenhuma vez. As pessoas estavam começando a olhar.

Henry olhou em volta. Umas dez pessoas da biblioteca o olhava com curiosidade. Duas eram garotas que ruborizaram quando foram pegas olhando. Um sorriso esticou-se em seus lábios.

— Esconda os dentes, idiota — Nessie disse ferozmente. Henry ampliou o sorriso.

— Por quê? — perguntou tolamente.

— Por que se eles perceberem seus bonitos caninos irão totalmente achar que saiu de um hospício — Nessie cutucou sua costela com a unha.

— Eu não poderia apenas ter um estilo diferente? — brincou, segurando seu pulso.

— Você o tem — disse Ness. — O de playboy ricaço.

Henry arregalou os olhos, ligeiramente ofendido.

— Eu sou um guerreiro. Não um playboy!

— Com essas roupas de alta costura e esse olhar de caçador, é um pouco difícil dizer o contrário.

— Ugh, Nessie. Essa doeu — gemeu, pousando a mão no peito. Um olhar estreito apareceu então. — Eu tenho um olhar de caçador? Pelo menos isso!

Para seu deleite, Nessie riu.

— Não o tipo de olhar que está imaginando. É mais o olhar que os humanos dão quando estão interessados em uma garota.

Henry a encarou.

— Você brincando, certo? Eu sou um guerreiro feroz e aterrador.

— Lamento informa-lo, Reese, mas não é assim que os outros o vê.

— Você é má.

Nessie abriu um sorriso feroz.  — Com certeza.

— Vamos, menina feroz. Quero ver o que pode fazer na floresta — falou, passando um braço ao redor dos ombros magros de Ness.

Ela lhe deu um olhar feio, mas não reclamou sobre seu braço. Ela permitiu que ele o guiasse para fora da biblioteca e a levasse para o carro. Uma vez dentro, Nessie tirou o sobretudo e o colar que a demarcava como parte do clã de Henry. Ela aguardou pacientemente que ele estacionasse próximo de casa antes de saltar para fora do SUV e correr em direção a floresta.

Rindo, Henry retirou o blazer, os sapatos e as meias e correu atrás dela. Ouviu o som dos galhos balançando e o suave cheiro de Nessie mais a frente. Olhando ao redor, ele se curvou e começou a caçá-la.

Nessie estava sem fôlego. Ela escutava os animais fugindo da aproximação de Henry e conteve uma provocação em direção ao vampiro. Escalou uma arvore, subindo até o topo, empoleirando-se em um galho grosso.

Alguns minutos depois ela viu a forma embaçada de Henry passar nos galhos mais embaixo e não conseguiu conter uma risadinha. Era tão bom fazê-lo. Sentia-se certa assim.

Com a audição ampliada, Henry ouviu Ness descer sorrateiramente da árvore em que ela estava. Ele sorriu mentalmente, olhando para o outro lado enquanto ela se aproximava na ponta dos pés.

Nessie estava equilibrada no ultimo galho da árvore, pronta para saltar. Contou calmamente até dez e se soltou, girando no ar em direção a Henry. Seu alvo era suas costas, mas para sua completa surpresa Henry se virou no ultimo momento e a pegou pela cintura, levando-a ao chão.

Ela gritou ao rolar com ele pelo chão íngreme. A risada do vampiro chegou até seus ouvidos e ela rugiu de raiva. Idiota! Tinha fingido que não a escutara.

— Não acredito que me enganou desse jeito — exclamou sem fôlego, quando pararam de rolar. Henry estava em cima dela com um estúpido sorriso na cara.

— Você não achou mesmo que eu iria deixar você me derrubar, né?! — Riu ele. Seus cabelos estavam bagunçados e a pele dura suja de terra.

Nessie empurrou o joelho contra seu estômago.

— Você é patético — resmungou e puxou um galho do meio de seu cabelo. — Você tem um ninho na cabeça. 

Ele sacudiu a cabeça. Duas folhas caíram de lá.

— Vai ser uma merda tirar isso — falou rindo. Nessie balançou a cabeça e passou os dedos nos fios negros, empurrando a terra e as folhagens para fora deles.

Henry congelou em cima dela. Ness o ignorou e continuou a buscar por folhas, correndo as unhas pelo escalpo. Aos poucos ele foi relaxando, deitando a cabeça em seu peito. Quando Nessie menos esperou sentiu um profundo vibrar contra ela.

— Você está ronronando? — perguntou surpresa, hesitando no toque. Henry levantou a cabeça e fez careta, parecendo extremamente sem graça.

— Eu não posso me transformar, mas de vez em quando sinto meu gato e ele age de forma... Inesperada. Não foi minha intenção — murmurou.

Ness sentiu vontade de sorrir. Com aquele tom baixo e a expressão desconfortável, Henry tinha um ar extremamente jovem. Ela quase podia imaginá-lo corado de vergonha.

Delicadamente ela arranhou a parte de trás de sua nuca, subindo lentamente até a têmpora e voltando o percurso. Henry soltou um suspiro surpreso e comprimiu os lábios. Nessie foi incapaz de esconder o sorriso. Ele estava tentando conter o ronronar. Forçando um pouco mais as unhas, ela esfregou seu couro cabeludo.

Com a expressão cheia de frustração, Henry desabou sobre Ness e permitiu-se ronronar. A risada de Nessie sacudiu seu corpo e ele fechou os olhos e deixou passar sua clara diversão.

Eles ficaram assim por alguns minutos, até que Henry ficou imaginando se sua temperatura era ruim para ela. Ele já fora quente antes, mais do que um ser humano e sempre gostara disso: do calor aquecendo seu corpo.

— Minha pele não te incomoda? — perguntou, apertando-a contra si.

— Não. É raro eu sentir frio, na verdade.  Também tenho essa sensação de que abracei muitos corpos frios — falou calmamente. — Não é ruim.

Henry inclinou a cabeça para olhá-la.

— Não? — perguntou com um sorriso.

Ela sorriu de volta.

— Não. — Respondeu. — Gosto disso Henry. Até agora não tive nenhum sangramento e eu já ri e brinquei. Estou tocando-o e não sinto dor.

— Talvez seja porque não está lutando contra — disse ele. — Está recebendo tudo de bom grado.

— Espero que continue assim. Gosto de brincar — murmurou e os cantos de seus lábios se ergueram.

— Gosta de me tocar também? — perguntou de forma malvada.

Nessie sentiu as bochechas corarem, mas não se intimidou.

— Mas é claro — respondeu desafiante. — Especialmente quando posso soca-lo.

Henry gargalhou, assustando os pássaros ao redor. Ness o fitou debochada.

Um som de galhos quebrados chamou sua atenção. Era suave e quase imperceptível, mas era o suficiente para que ela endurecesse e Henry parasse de rir. Sem dizer nada ele se levantou e a puxou para cima.

Nessie aspirou o cheiro que o vento trazia. Perfume de mel, lilás e sol preencheu seus pulmões. A híbrida arregalou os olhos com a familiaridade desse cheiro. Ignorando o ruído de advertência de Henry, ela correu, sentindo-o vir atrás dela no mesmo segundo.

O cheiro ia para o norte e se mesclava com outros dois do qual ela reconheceu imediatamente. Ela não soube explicar a razão de conhecê-los, só sabia que eram vampiros e que ela precisava segui-los. Estava a um pé de conseguir pegar o rastro quando o vento mudou de direção e Henry a agarrou pelos cabelos.

— Inferno, Henry. Largue-me — gritou.

— Nada disso — disse Henry, pegando-a pelos quadris. — Você totalmente perdeu o juízo se acha que irei permitir que fosse atrás de trás vampiros que não tem ideia de quem são.

— Quem disse que não sei? — rosnou ela — Reconheci os cheiros. Poderia ser minha família!

— Você não tem certeza. Não é assim que deve agir.

— Sim, claro. Só porque você disse — bradou ela. — Você não é meu dono, Henry!

— Por favor, Nessie. Não comece a dramatizar — Henry exasperou-se. — Estou tentando deixa-la viva.  Você pode ter os reconhecido, mas não sabe se eles são bons ou maus. Ouça-me pelo menos uma vez na vida.

— Certo — Nessie bufou. — Você ganhou.

— Não é sobre ganhar ou perder. É sobre manter nossas cabeças coladas em nossos pescoços.

— Você é tão chato.

— E você é suicida.

Nessie revirou os olhos. Então, mais uma vez ela ouviu o som de galhos só que mais perto. Um ruído que mais pareceu um choramingar soou, fazendo com que ela e Henry se encarassem.

Cautelosamente ela caminhou pela floresta, puxando alguns galhos para longe do rosto. O choramingo ficou mais forte.

Parando em meio a uma clareira ela se viu olhando um cadáver de leopardo ensanguentado. Cutucando sua barriga estava um filhote. Ele forçava o focinho diminuto contra a barriga do leopardo, vez e outra movendo uma patinha como se tentasse acordá-lo.

— Oh! — sussurrou.

— Droga — disse Henry com a voz dolorida.

O filhote de leopardo deve ter escutado, pois olhou em sua direção e automaticamente ganiu e deu passos trôpegos para trás.

— Oh, não se assuste, filhote. Não vamos machuca-lo — falou ela, tentando se aproximar.

O filhotinho chorou, escondendo-se atrás do corpo do leopardo que Nessie imaginou ser a mãe.

— Venha aqui, bebê. — disse mais uma vez, sentando-se no chão.

— Ele não vai vir Ness. Está com medo de mim — disse Henry tristemente.

Nessie olhou para cima e viu sua expressão de dor. Supôs que ele deveria estar lembrando-se da própria família e sentiu por ele. Não deveria ser boas lembranças.

— Sente — bateu no chão ao seu lado. — Vamos fazer que não sinta medo. Além do mais eu também sou metade vampiro. Logicamente ele também deve sentir medo de mim. Vamos fazer com que não sinta.

— Ness... — começou ele. Ela rolou os olhos.

— Agora Henry — mandou, indicando seu lado esquerdo.

Contrariado, Henry se sentou e ficou quieto. Nessie se virou para o filhote que os fitava atrás do corpo da mãe e começou a chama-lo.

Demorou umas boas horas, mas finalmente o pequeno leopardo se aproximou. Henry o observou com muda incredulidade. O filhote se aproximava mancando uma das patinhas, ligeiramente receoso. Ele começou a cheirá-los, seu nariz molhado fazendo cócegas na pele de Nessie. Henry ficou maravilhado quando ele esfregou-se em sua perna, batendo a pata ferida algumas vezes como se esperasse que ele atacasse.

Ao se sentir seguro de que não iriam machuca-los, o filhote cambaleou para perto de Nessie e escalou suas pernas, enfiando-se em seu colo e chorando um miado fraco. Com cuidado, Ness o abraçou, acarinhando atrás de sua orelha.

— Ele é tão bonitinho — sussurrou para Henry.

— É — concordou Henry. Receoso ele encostou a mão no pelo macio. O leopardo se sobressaltou e encolheu-se no colo de Nessie, mas permitiu que Henry o tocasse. — É a primeira vez que um animal me deixa tocá-lo.

— Ele está assustado. Consegue ouvir seu coração acelerado?

— Sim. Talvez ele tenha visto a mãe ser morta.

Nessie fez careta e tampou as orelhas do leopardo.

— Não vamos conversar sobre isso. Ele vai ficar triste.

— Nessie... — sorriu Henry. Ela o ignorou.

— Vamos para casa, ele precisa de um banho e cuidar dessa patinha — murmurou.

— O quê? — Henry a olhou embasbacado.

— Estou o adotando — disse Nessie convicta. — Ele é meu.

— Nós não podemos adotar um filhote de leopardo — disse Henry automaticamente.

— Podemos sim — insistiu Ness. — Eu o quero.

— Como vamos cuidar dele? Ele vai crescer.

— E daí? Moramos perto da floresta, a casa é enorme. Podemos ensiná-lo a caçar. Aposto que você se lembra ainda como é caçar em quatro patas.

— Qual é a parte de “ele é um leopardo” você não entendeu? Ele não é um gatinho doméstico, Nessie.

— Henry. Eu. O. Quero — ela pontuou cada palavra. — Olhe para ele. É um bebê. Morrerá se ficar sozinho.

— Ele vai comer sua cabeça quando tiver idade o suficiente.

— Não vai não.

— Vanessa...

— Henry...

— Okay — rugiu Henry enfurecido. — Pode levá-lo. Mas se Helena ficar irritada você vai se explicar.

***

Henry se perguntou por que ficou imaginando que Helena iria achar ruim ter um filhote de leopardo em casa.  Ele estava largado atrás da casa encarando o céu nublado, ouvindo os arrulhos das duas mulheres ao cuidar do bebê felino. Vez ou outra Helena ronronava para o leopardo que miava alegremente para a Filha da Terra.

— Ridículo — resmungou, levantando-se. Entrou na casa pela entrada da cozinha desabotoando a camisa suja. O múrmuro encantado das fêmeas o fez revirar os olhos.

Na sala, Ness podia ouvir os resmungos indignados de Henry. Viu de relance ele subir as escadas sem camisa, praguejando em romeno.

— Ele achou que você não ia deixar ficar com o filhote — falou para Helena que dava para o leopardo pequenos pedaços de bife cru.

— Ele está com ciúmes — sorriu Helena. Seus olhos estavam verdes felinos. Alegria iluminava suas feições bonitas.

— De quê? — questionou Nessie incrédula. Ela segurava o corpo quente do filhote contra si. A boca do felino se abria cada vez que Helena sacudia um pedaço de bife.

— De você, claro. Tenho quase certeza que ele está achando que você vai abandoná-lo para cuidar do bebê.

— Está exagerando — disse Nessie corada.

— Não estou não. Você o faz feliz, Ness. Nunca vi meu irmão tão vivo nos últimos novecentos e noventa e cinco anos. Você alegra a vida dele.

Ness abaixou os olhos para o filhote, sem conseguir encará-la.

— Ele também me faz bem — admitiu. — Mas você também o faz.

— Estou lisonjeada. Mas, acho que há uma diferença entre nós dois, não?

— O que você quer dizer? — perguntou confusa.

Helena sorriu misteriosamente.

— Só vou dizer-lhe uma única coisa: Não tenha medo dos seus sentimentos.

— Evitarei pensar a fundo no que acabou de dizer para o bem da minha sanidade. Pelo menos pelos próximos cinquenta anos.

Helena riu.

— Eu tive uma conversa parecida com Henry e ele agiu quase do mesmo modo.

— E isso é bom ou ruim?

— Depende do ponto de vista — falou Helena.

Nessie suspirou cansada.

— Odeio enigmas.

Helena riu mais uma vez.

— Sabe de uma coisa? Já passou da hora de você me ver transformada — falou animada.

— Você está falando sério?

— Sim. Nosso bebê tem que saber que não é o único felino na família — disse Helena, jogando o ultimo pedaço de carne da travessa de vidro pousada em suas pernas para o filhote de leopardo — Vou lavar as mãos e já volto.

— Nós vamos esperar lá fora — falou Nessie, levantando-se.

Nessie se sentou no final das escadas da entrada da cozinha, brincando com o filhote que cismava em usar sua mão como mordedor. Seus dentes arranhavam sua pele causando vergões vermelhos, porém não o suficiente para sangrar.

Helena voltou cinco minutos depois, passando por ela com os pés descalços. Os cabelos negros como o do irmão estavam soltos e seu corpo já não carregava nenhuma bijuteria.

— Como foi dito, Filhos da Terra são seres mágicos e por isso a magia age no modo como mudamos. Por isso, não se preocupe. Não haverá nenhum osso quebrado no caminho — disse Helena, parada no meio do gramado.

Nessie assentiu ansiosamente. Helena piscou um olho e fecho-o logo a seguir. O ar a sua volta se tornou denso, grama e terra rodando ao redor da bruxa. Nessie suspirou quando uma brilhante névoa amarela cercou-se de Helena. Seu cheiro se intensificou tal como o brilho e um segundo mais tarde uma pantera negra estava parada em frente a Nessie fitando-a com incríveis olhos esverdeados.

— Uau — falou impressionada. — Você é linda.

Helena arreganhou os maxilares, revelando enormes e pontiagudos dentes. Inesperadamente o filhote de leopardo soltou um miado e tentou sair de seu colo. Olhou para Helena sem saber o que fazer e a felina moveu a cabeça em direção ao bebê leopardo.

Com cuidado, Ness colocou o filhote no chão. Sua pata dianteira esquerda estava enfaixada, mas já em avançado estado de cura graças aos cuidados de Helena. Ele cambaleou para frente em direção a Helena, que deitou no chão com a cabeça deitada nas patas da frente olhando para o bebê que vinha todo embolado em sua direção.

— Não acredito que ela está fazendo isso — sussurrou a voz de Henry. Nessie o sentiu se sentar ao seu lado.

Sem dizer nada os dois observaram o filhote bater a pata direita no focinho de Helena. A bruxa rosnou para o filhote, que ganiu e tentou lhe morder a orelha.

Nessie sabia que estava sorrindo nesse momento, vendo o filhote com pintas negras nos pelos amarelo acinzentados tentando intimidar a pantera enorme de Helena.

— Você brincava assim? — perguntou baixinho para Henry.

Ele riu.

— Sempre. Lembro-me da minha mãe me carregar pelo cangote com os dentes e me colocar no galho mais alto de uma árvore. Na época eu não sabia escalar ainda e ficava soltando miados horríveis. Quando meu pai chegava da patrulha ele simplesmente me olhava seriamente e me tirava de lá só para que no outro dia eu voltasse a ficar de castigo por ter roído os pés da mesa.

O coração de Nessie se aqueceu com a imagem que montava em sua mente.

— Você foi arteiro, não é?

— Um pouco — admitiu risonho. — Helena sempre foi a mais centrada entre nós.

— Quantos anos vocês tinham quando... — Ness não conseguiu terminar a oração.

— Eu tinha vinte e um e Helena vinte e seis. Éramos bebês se for considerar o tempo de vida que Filhos da Terra podem viver.

— Então você está eternizado na sua infância. Que ironia — zombou ela.

Henry lhe deu um empurrão com o ombro de brincadeira.

— Não ache muita graça. Pelo menos eu ficarei com esse belo rosto para sempre. Já você não sabe até quando irá envelhecer.

Ness bufou.

— Obrigada por lembrar.

— Disponha — disse Henry. Ele então elevou a voz — Helena, traga a bola de pelos para cá, está na hora de mostrar para Nessie como é que se luta como um felino de cem quilos.

Helena soltou um rugido baixo e agarrou o pescoço do filhote com os dentes, largando-o no colo de Henry. Ele tentou fugir, mas Henry o puxou pelas patas traseiras.

— Nada disso bolota. Você fica aqui — disse divertido. O filhote tentou morder sua mão. — Se você quiser manter seus dentes, pense duas vezes. Minha pele é dura para seus dentes de leite.

O felino continuou tentando escapar de seu agarre, miando em direção a Helena. Se Nessie não estivesse enganada podia jurar que a Filha da Terra tinha revirado os olhos.

Nessie caminhou em direção a Helena, parando de frente para ela. As duas se encararam por um momento, então Helena atacou. Ness correu para o lado num impulso de velocidade mínima e evitou o golpe, girando o corpo para que sua mão pudesse agarrar o rabo de Helena.

A Filha da Terra rosnou, chicoteando a cauda em resposta. Saltando no ar com as unhas das patas em evidência, Helena cortou um pedaço de sua roupa. Bufando, Nessie desviou do possível arranhão na base do quadril, abaixou e deu uma rasteira esticando a perna esquerda por debaixo de Helena. Henry riu quando a irmã se desequilibrou.

Começou uma perseguição. Nessie correu de Helena que estalava os dentes e vinha atrás dela. Pelo canto do olho ele podia ver Henry sentado no degrau da escada com o filhote de leopardo escondido atrás de seu corpo, um olho azul olhando com curiosidade a brincadeira entre ela e Helena.

— Não deixa ela te pegar, Nessie. Helena é rápida — gritou Henry para ela.

Helena rugiu em acordo.

Divertindo-se como nunca antes, Ness e Helena lutaram por um longo tempo. O sol se punha no horizonte quando cansaram. Nessie estava com o cabelo duro de terra, arranhada em alguns lugares, a roupa em farrapos. O suor caia de sua testa, a respiração saindo em arquejos.

Helena não estava melhor. O pelo negro da pantera encontrava-se manchado de terra marrom avermelhada. Entre as unhas havia grandes nacos do gramado. O enorme corpo felino estava deitado de qualquer maneira no chão, a língua áspera de fora enquanto Nessie descansava contra a barriga quente.

— Nós precisamos fazer isso mais vezes — falou Nessie exausta. — Estou enferrujada.

Henry, estirado contra o degrau acima com o bebê leopardo agora adormecido em suas pernas, disse:

— Você fez bem. Não caiu nenhuma vez. Helena é ótima na luta corpo a corpo e você conseguiu driblá-la.

— Bem, estou suando como uma porca agora. Seis meses atrás eu poderia ter chutado a bunda de Helena sem ter mexido um único fio de cabelo — falou, assoprando uma mecha ruiva para fora dos seus olhos.

Helena rosnou. Henry riu.

— Helena disse que você não a derrubará nunca com esse tamanho — disse ele.

Ness revirou os olhos.

— Estão falando por pensamentos na minha frente na maior cara de pau? — Virou a cabeça para a pantera.

Helena moveu a cabeça em acordo e olhou para Henry.

— Ela diz que devemos escolher um nome para o filhote — ele falou.

Nessie fez careta.

— Não sou boa com nomes.

— Ah vamos lá. Se ele irá pertencer a nossa família então tem que ter um nome a sua altura — disse Henry.

Nessie pensou em silêncio em um nome para o pequeno leopardo. Olhou para sua forma adormecida e imaginou-o mais velho, o quão feroz ele seria. Um sorriso maldoso moldou seus lábios ao encarar Henry.

— Tohrment. Ele vai se chamar Tohrment*.

Helena se sacudiu contra ela, como tivesse rindo. Henry suspirou, negando com a cabeça.

— É, bolota. Sua dona é completamente desparafusada — murmurou para o leopardo dormindo. — Bem vindo ao clã, Tohrment.

Nessie sorriu.

— Bem vindo ao clã — repetiu.


Notas Finais


Adaga* — Arma de um ou dois gumes, mais larga e maior que um punhal. É quase como se fosse uma pequena espada.
Tohrment* — Tormento. Torment em inglês. Ness o chama assim porque ele será o "tormento" da vida de Henry. ds~dhssiphd
Alguém notou que a visão de Alice acabou de acontecer? Pra quem não sabe é a visão que ela tem em "Doce e Amarga Esperança".
Por favor, me avisem se contém erros. Eu não betei o capítulo. Passei tanto tempo escrevendo-o que agora estou morrendo de preguiça de revisá-lo.
xoxo;
apol.


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