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História Contos de um Caçador - Química e caça.


Escrita por: GailAlesci

Notas do Autor


Nota: Jorsen se pronuncia Yorsen, a cidade esta em um país do leste europeu que não existe mesmo, ainda que dentro da história eu cite países que existem (acho mais cool assim, haha), então quase todos os nomes que levam J pronunciados como Y.

Bom, é isso. Me ajudem a levar a história com mensagens de coragem e esforço, plz. xD Ou seja, se gostarem, comentem porfis♥, fico genuinamente feliz em saber o que estão achando.

Sem mais, boa leitura!

Capítulo 2 - Química e caça.


Fanfic / Fanfiction Contos de um Caçador - Química e caça.

Não serão as montanhas, porventura,
Estacionadas, íngremes, assim,
Por um abortamento de mecânica,
A representação ainda inorgânica
De tudo aquilo que parou em mim?

 

- Trecho de 'As Montanhas', Augusto dos Anjos

 

Eram 9:30 da manhã e a Srta. Bell já tinha três copos de expresso da máquina amontoados no canto da mesa e uma pílula anti-inflamatória em mãos. Como secretária geral, havia passado as primeiras horas do dia em atividade intensa para registrar todos os visitantes temporários de SouthBridge, os vouchers de alimentação, vouchers de hotel, aluguel de carros, registro de entrada de equipamentos e gastos com materiais de escritório.

Quando ouviu a porta de vidro deslizar fez a primeira pausa dos números e documentos que tinha em mãos para examinar a silhueta sóbria e elegante da jovem que entrava na recepção. Só pôde pensar em como eram exóticas as pessoas de SouthBridge, infinitamente diferentes dos caipiras de Daster. Reparou no cabelo ligeiramente comprido da visitante, nos óculos escuros, na roupa social masculina e concluiu que poderia, na verdade, ser um homem. Confirmou assim que ele se apresentou: Inspetor Especialista em Perfis Criminais Adam Isherwood.

A jovem secretária ficou sem reação por alguns segundos, como quem vê uma criatura mágica de outro mundo entrando na sala. Era um jovem de 27 anos, pele lisa e rosada, olhos grandes de um tom brilhante de azul turquesa e lábios ligeiramente volumosos, ela se sentiu genuinamente confusa.

- Bom... dia - falou com a voz letárgica, checando desajeitadamente a lista de convidados. - Ah, o senhor está aqui sim, seja bem-vindo Inspetor. Posso te incomodar pedindo um documento? É para fazer sua ficha de entrada.

- Bom dia. Claro, obrigado.

Ele tinha uma expressão austera e séria, só abriu a carteira e entregou o documento para ela.

- Você sabe com quem tem reunião primeiro?

Ela o viu checando a agenda no celular e cogitou se aquele seria o lançamento do último mês de uma marca famosa, ela sempre teve vergonha do celular velho que carregava.

- Inspetor Chefe Creed Resmond - respondeu.

- Ah... sim - ela respondeu com naturalidade, mas Adam percebeu a expressão ligeiramente antipática dela. - O I.C. Resmond ainda não chegou, se importaria de esperar em sua sala? É que está bem movimentado e barulhento aqui hoje, você vai ficar mais confortável lá.

- Claro, não tem problema - respondeu com um sorriso educado, parecia uma pessoa agradável.

Ela se levantou e o acompanhou até o escritório, o piso era um carpete e as paredes revestidas de madeira, Adam definitivamente gostava dessas construções que pareciam antigas.

Ele agradeceu quando a mocinha voltou com um café e o relatório preliminar do caso em mãos, a pedido do diretor Westrill.

Quando Adam ouviu a porta se abrir, estava sentado na cadeira com o café na mesma mão que segurava o cigarro, lendo o documento. Ele também se assustava com o tamanho e aparência ameaçadora que tinham as pessoas das montanhas, o homem que entrou deveria ter quase 1,90 de altura, pálido e tinha cabelos ruivos mal penteados para trás.

- Inspetor Chefe Resmond?

- Creed Resmond, sim. Prazer.

Adam franziu o cenho quando viu o outro lhe encarar da cabeça aos pés com a expressão de desprezo no rosto.

- Algo errado?

- Nada demais, não esperava trabalhar com uma criança – falou em tom rude.

Adam sorriu, irritado.

- Claro que não, eu também não esperava trabalhar com um amador - observou o inspetor responder com uma risada de escárnio e pausou a fala por alguns segundos – sou Inspetor Adam Isherwood, especialista em perfis criminais.

Silêncio.

- Não precisamos começar tão mal, – Creed sugeriu enquanto ia para seu lugar na mesa – a perícia deve gerar o relatório inicial dentro das próximas horas, já leu o preliminar?

- Em parte.

- Um viajante reportou ver luzes naquela região das montanhas na quarta à noite, ninguém mais viu nada desde então. Não tem suspeitos, não tem registro de nenhum jovem desaparecido dessa idade em Daster.

O rapaz ouviu atento, sem fazer nenhum comentário ainda.

- Foram encontrados dezesseis corpos em partes, cortaram os braços, pernas e cabeças – pausou, observando Adam com uma expressão enigmática por longos segundos – Porque enviaram você?

- Inspetor Resmond... – ele respirou fundo, não era uma pessoa muito calma, mas aquela situação não lhe era estranha também – Se tem dúvidas sobre o meu trabalho – entregou um cartão com o contato do diretor federal de SouthBridge, a capital daquela península – Ligue para o diretor Stern e pergunte sobre mim.

“Que homem nojento!” Pensou assim que viu Creed discar para o número do diretor antes de conseguir terminar de falar.

- Diretor Stern? Sou o inspetor chefe Creed Resmond, de Daster. Eu solicitei que o caso fosse compartilhado com o departamento criminal federal, e pedi um profiler para auxiliar na busca de suspeitos do assassinato e desmembramento, você mandou um inspetor tão jovem que se encaixa no perfil das vítimas de 15 a 18 anos. Não é novidade para mim que as pessoas de SouthBridge desmerecem cidades menores, mas eu esperava um pouco mais de profissionalismo da sua parte.

Enquanto Creed falava merda pelo telefone, Adam tinha os olhos arregalados com a falta de escrúpulos. O que veio em seguida foi uma frase curta que calou a boca o ruivo prepotente por vários segundos, mas ele não esboçou nenhuma reação facial.

- Aguardo ansiosamente. Sim. Bom dia – desligou o telefone.

- Você bebeu?

Veio uma risada contida em resposta.

- Não, não bebi.

Adam olhava para o outro incrédulo, apertando as mãos contra a pernas enquanto via Creed se sentando um pouco desconfortável na cadeira.

- Eu já fui muito desrespeitado na minha carreira, Inspetor Resmond, mas você? Você mal me conhece.

- Desrespeitado?

- Sim, pela minha aparência, pela minha idade. Mas nada comparado a ter um bêbado questionando meu chefe nos meus primeiros cinco minutos de interação frente a um caso de assassinato em massa.

- Você não é desrespeitado, Inspetor Isherwood – respondeu com um sorriso irritante – Deveria ter escutado o que seu diretor falou de você. Vocês já dormiram juntos?

Por reflexo ou por fúria, a camisa social de Creed foi perdida pelo café quente da xícara de Adam. O homem deu um pulo para trás e desgrudou a camisa da pele para não queimar e soltou um gemido de dor acompanhado de um “MERDA!”. Por um segundo Adam se sentiu bem, e logo viu a atenção das pessoas do lado de fora assistindo incrédulos aquela cena pelo vidro. Parecia uma situação muito, muito ruim.

- Oh, desculpa, não vi a dobra no tapete – comentou, sarcástico e elegante.

Resmond apenas abriu um sorriso maior, encarando o outro.

O mais novo se sentou na cadeira e suspirou – Se faz questão, eu posso pedir substituição e em algumas horas enviam outro inspetor no meu lugar.

- Não, não quero. Eu estava falando sério quando disse que seu delegado falou bem de você, eu não quero trabalhar com outra pessoa.

O rapaz o olhou confuso.

- Você me paga o café e estamos quites, depois vamos para a área onde estão os corpos, – Creed riu – foi divertido isso.

O rapaz tinha os olhos arregalados, confuso. – De... nada?

Observou Creed de levantar e agarrar o casaco comprido. Era bem mais atraente fisicamente do que sua personalidade rude dava a impressão, sobretudo o maxilar largo e os traços fortes do rosto. Adam desviou o olhar quando ele olhou para si. “Será que ele viu?...” O viu pegando as chaves do carro e saindo na sua frente, esperando no veículo com um cigarro aceso em mãos.

***

Antes de entrarem naquele café, parecia estar vazio a décadas. Era uma cabana de madeira escura na estrada, com cadeiras de metal e detalhes florais.

- É um lugar bem bonito – Adam comentou honesto. De onde estava sentado via o horizonte com montanhas nevadas e florestas de coníferas bem verdes.

- Sim, a cidade em geral é bem bonita, para compensar a gente entediante.

- Você não parece entediante. Mas não me impressiona, também - alfinetou.

- Desafio aceito.

Ambos deram um riso baixo e curto, supostamente essa era a personalidade de Creed, Adam não gostava muito, mas não era como se não tivesse amigos bullies no passado.

- O que você pode me contar sobre a cidade?

- Profissionalmente ou opinião pessoal? - Creed sorriu.

- Isso é uma investigação policial, não um encontro.

- Ouch – sorriu, encantado com as garras expostas do mais novo – é uma cidade bem calma, pessoas religiosas, famílias numerosas. Tem algo como 400 mil habitantes, todos trabalhando na mina, em negócios próprios e em negócios de famílias da cidade. São, em grande maioria, provincianos, moralistas e reservados ao extremo. E sim, isso é uma opinião pessoal. Mas é bem compartilhada entre estrangeiros.

- Você não é daqui? – Perguntou, agradecendo com um bonito sorriso à senhorita que trazia a refeição.

- Não, meu pai é sueco e minha mãe é daqui, mas eu nasci na Islândia em um ano que eles trabalharam lá.

O rapaz observou e sorriu – A Islândia... é muito bonito lá. Você vive com eles aqui?

- Isso não era uma investigação policial?

O rapaz corou e bufou consigo mesmo – Desculpe.

- Não tem problema. E não, eles morreram em um acidente de carro quando eu tinha 14.

Adam arregalou os olhos, constrangido.

- Eu sinto muito, não devia ter perguntado...

Creed riu, obviamente não se importava, parecia ter dito de propósito para se divertir com o constrangimento do outro.

- Já faz tempo, não importa mais. Quase todo mundo vai embora, arrumam as malas e compram uma passagem para qualquer lugar na Europa. De verdade? Eu teria feito o mesmo se fosse mais esperto, a vida aqui é um saco.

Adam repousou a xícara, incomodado. O café estava forte, ácido e os ovos quentinhos, a comida ali parecia boa. No fim, ele pagou a conta.

- Desculpa de novo, pela sua camisa.

- ...Vamos?

Concordou com a cabeça, indo para o carro.

- É bem longe da cidade isso... – Olhava no mapa enquanto passavam pelo quilômetro 22 – Não tem outras cidades mais próximas?

- Não, só uns vilarejos. De qualquer maneira já pedi para checarem listas de desaparecidos em outros lugares, vão enviar tudo o que tem até às quatro da tarde para ajudar na identificação. Já são onze, a perícia já deve estar acabando e vão levar os corpos para o necrotério.

Por um momento, Adam viu o Creed ligeiramente tenso.

- Algo errado?

- Quando reformaram o prédio e construíram o necrotério de investigação eu disse para todos que era um desperdício de dinheiro fazer um necrotério investigativo tão grande, nunca imaginei que fosse... faltar espaço.

O outro suspirou e se manteve em silêncio, logo viu a entrada sinalizada para os grupos policiais.

- É aqui. - O ruivo apontou.

- Já procurou outras entradas?

- Tem dois guardas florestais fazendo isso, eles vão me dar o mapa daqui a pouco.

Depois de quinze minutos pela trilha os dois saíram do carro e ainda faltavam 3 quilômetros para andar.

- É muito longe... Quem conseguiu chegar com tantos corpos até esse lugar?

- São crianças, quase todos devem ter no máximo entre 15 e 16 anos.

- Nossa...

- E todos em pedaços. Eu faltei em muitas aulas de física na escola, mas tenho certeza que eles podem ter sido trazidos para cá dentro de uma mochila ou bolsa.

Avistaram o grupo de perícia trabalhando e o fotógrafo registrando cada lugar e marca.

- Lars! – Adam se aproximou de um homem alto e esguio que tinha uma prancha de anotações na mão.

- Ei, como está? Sabia que era você que ia vir.

- Sim, cheguei faz duas horas, mais ou menos.

- Bom, bem-vindo ao campo de desova.

O rapaz observou em volta e franziu o cenho – quantos são?

- Vinte e dois corpos. A polícia deixou passar alguns enterrados, mas já buscamos uma área muito grande com os cachorros, não tem mais nenhum em um raio de sete quilômetros.

Creed suspirou e o outro logo ergueu o rosto para ele – você deve ser o inspetor Creed Resmond, – tirou a luva – Lars Jorsen, chefe médico forense.

Lars devia ter 40 anos ou mais, seu cabelo era extremamente claro, quase branco, rosto plano, maçãs do rosto altas e olhos bem azuis, como quase todos ali.

- Prazer Sr. Jorsen. O que vocês já tem?

- Vinte e dois corpos, todos homens, - parou um pouco – jovens, – corrigiu – alguns são muito antigos e estão mais difíceis de identificar, mas o padrão parece ser o mesmo.

- Antigos?

- Mais de quatro anos, no mínimo. Essa região é muito fechada e eles foram enterrados. Tirando três, que pelo estado devem ter sido os últimos. Me acompanham?

Os dois concordaram e o seguiram pelos círculos marcados. Era gigante a área que haviam sido enterrados, mas ali havia uma concentração de corpos. Chegaram até um que já estava estendido e reconstruído no chão.

O garoto devia ter 16 anos, cabelos negros, curtos, ondulados e o corpo desmembrado.

- O frio, e o fato de todos estarem congelados, me atrapalha um pouco. Mas eu diria que esse garoto foi morto há dois dias – Lars comentou.

- Foi na noite que viram as luzes aqui.

- Olha bem nos braços – Apontou os pulsos e a parte interna dos braços do garoto – São marcas de corda rústica, deve ter ficado amarrado por pelo menos duas horas.

- Cordas de pesca? - Adam perguntou, observando de perto.

- Não ajuda em nada, todos aqui pescam. Vende em toda esquina. - Creed constatou.

O garoto suspirou - E o que mais?

- Todos os que ainda estão em bom estado foram, com certeza, violentados. E não foi pouco – fez um sinal para o companheiro virar o corpo e se abaixou.

Não precisaria falar muito, Creed sequer se aproximou. O ânus do menino estava bem machucado. Adam apenas suspirou com um olhar triste e tenso, mas não era a primeira vez que ele via corpos assim.

- Com sorte, nas análises de laboratório vamos encontrar o DNA do atacante em algum dos corpos.

Adam balançou a cabeça de leve e observou Lars – São muitos corpos para buscar.

- Já tem quatro oficiais perguntando em cabanas que estão na área, alguém pode ter visto algo – Creed acendeu um cigarro -, ainda que seja improvável. Essa área é muito fria e isolada.

Adam fez uma careta - Não pode fumar aqui, Inspetor Resmond.

O outro bufou e apagou o cigarro na língua, causando um arrepio de dor nos outros dois presentes.

- Não tem muito mais o que comentar sobre os corpos por agora, – o legista acrescentou – vamos começar a autópsia dos primeiros em duas horas e ver o que saí de resultados. Algumas das mortes são antigas demais para dar detalhes.

- Ok.

- Obrigado Lars. E mais uma coisa, encontraram algum objeto na cena? – Perguntou Adam, prendendo o cabelo com um elástico.

- Não, nada. Nem bolsa, lanterna, marca nas árvores. Ah, aparentemente eles foram só jogados aqui, a maneira como estão as ossadas me passa a impressão de que esse não é o local de desova original. Estão enterrados agora porque a neve já cobriu bastante. Haviam pegadas e tiramos moldes, mas foi a rota que o Inspetor Resmond e o Agente Melili fizeram ontem, não há um terceiro par de sapatos.

O ruivo fez uma expressão de descontentamento. – A última neve foi ontem de manhã, deve ter sido pouco depois dos corpos serem jogados aqui, – virou-se para Adam – vamos pegar uma moto e revisar as saídas que comentava?

- Ok, me dá quinze minutos para ver um pouco mais.

- Está bem, te encontro na saída daqui a pouco.

Adam caminhou um pouco pelos corpos, seguiu até uma ossada que estava estirada no chão e se agachou ali perto. Quem estava do lado era Freyk, um dos peritos da coleta.

- Em quanto tempo devem ter DNA desses mais antigos?

O outro fez uma careta – depende do laboratório que vamos trabalhar aqui e das máquinas que vão trazer. Mas acredito que no máximo dois meses.

- Dois meses?

- São 22 corpos em uma cidade sem histórico forense, estamos levantando os equipamentos que vamos precisar transportar. Com sorte sai antes.

- Está bem... E nenhum corpo trazia nenhum objeto?

- Não, todos nus e sem nenhum objeto.

Ele se levantou e caminhou em direção a outros, mas não havia nada revelador. Pensava em como era curiosa a forma como haviam sido jogados ali. Não haviam corpos enterrados na terra, só cobertos por neve. Ninguém fez questão de esconder os corpos, também. “...Será que queriam que fossem encontrados?” Caminhou até a saída e viu Creed se aproximar de um dos oficiais de moto, trocar algumas palavras, pegar um par de luvas e entregar a chave do próprio carro.

Adam se aproximou, mas o outro trazia um olhar perdido e parecia bem distante.

- Inspetor Resmond? – Não teve resposta. Ele tocou seu braço e teve sua mão agarrada com força, arregalando os olhos.

- Ah... desculpe – soltou e suspirou.

- Calma! Só queria saber se estava tudo bem. Essa é a primeira vez que você vê uma cena dessas, né?

- Sim, é. Estou com um pouco de dor de cabeça – respondeu rapidamente, entregando luvas para o outro – Vem, vamos pegar uma moto dos oficiais e dar uma volta, eles já me entregaram o mapa. Quando voltarmos para a estação já vão ter os corpos das vítimas mais recentes lá. Precisamos trabalhar rápido para tentar identificar os últimos três.

- Ok, essa noite eu preciso trabalhar no perfil também, tem outra sala no escritório?

- Hm, não. A reforma não serviu para porra nenhuma.

Adam não conteve um sorriso.

- Não faz mal, eu trabalho no hotel.

- Você cozinha?

-... Que? Sim, cozinho.

- Então na minha casa, eu também vou ter que ficar por conta da identificação hoje de noite.

“Caipira.” Adam fez uma expressão estranha e reprimiu vontade de xingar a falta de profissionalismo do recém adquirido parceiro.

- ...claro.

O mais velho subiu na moto e o outro subiu na garupa, colocando o capacete e as luvas. “Que luvas quentes”, pensou, mas se estivesse usando duas ainda não seria o bastante. O vento frio das montanhas congelava suas pernas, pés e mãos. Já tinham passado por duas das saídas, as duas davam para a mesma estrada e não haviam casas ali perto também.

- Não tem nada aqui! – Ele praticamente gritou para o outro, que andava sempre acima da velocidade permitida.

- Esperava um shopping com cafeteria? Isso não é SouthBridge.

- Não pode parar de brincar? Nem um segundo?! Tá frio demais...pode parar um pouco??

Resmond revirou os olhos e encostou a moto no meio da trilha que faziam para o terceiro caminho.

Adam desceu com dificuldade para andar, balbuciando algum xingamento enquanto esfregava as mãos.

- Se for demais para você nós voltamos depois – Creed provocou.

- Não, não. Vamos até o último caminho e voltamos pro carro...

- Carro? – deu uma risada – O oficial levou o carro para a estação, eles já estavam voltando quando eu pedi a moto.

- Que?? Vamos andar mais 40km de estrada de moto?!

Ele quis se jogar no chão só de pensar, seu corpo estava doendo de frio.

- Você usa meu casaco, pode ser?

- Não, eu vou ficar bem...

Creed desabotoou o casaco comprido e passou por cima dos ombros do outro, que arregalou um pouco os olhos ao sentir o peso daquilo. Não havia ido preparado para tanto frio.

- Hahaha, parece um cobertor!

- Não, Inspetor Resmond, você vai passar frio... não precisa me dar.

- Tem 22 corpos de meninos congelados indo para estação hoje, veste a merda do casaco ou vão ser 23.

Adam franziu o cenho.

- Para de fazer brincadeira com isso!

- Dá um tempo... – sorriu - vamos, sobe na moto.

Reparou no corpo forte do companheiro, usava uma blusa de frio quente por cima da camisa, e mesmo assim os braços eram grandes e bem definidos, dava um pouco de inveja em Adam e seus 60 quilos só do básico para sobreviver. Talvez, ele tivesse sofrido menos contra o bullying se tivesse um físico um pouco mais imponente, pensava.

Com o casaco não era mais tão cansativo ir na moto. A última trilha começava desde dentro da floresta e ia por trás das montanhas nevadas até uma serra bem alta em um caminho de barrancos que pareciam altos e pontiagudos, ali foi o único lugar que Creed diminuiu a velocidade. No topo havia uma outra trilha que levava para outra área da floresta e tinha uma vista espetacular das montanhas e da cidade inteira de Daster. A moto parou naquele ponto.

- Adoro a vista daqui.

Isherwood sorriu de leve, era quase meio dia e o sol iluminava a cidade bem uniforme.

- É muito bonita mesmo… - “Não é uma cidade grande, as ruas e casas parecem bem espaçosas também”, pensou e observou Creed. O inspetor manteve um sorriso leve no rosto, esperou quase um minuto mais e voltou a acelerar a moto.

Não havia nada por ali, depois de quase 9 quilômetros de trilha chegaram em uma lojinha de bebidas e comidas de estrada e ele parou ali.

- Aqui é um lugar que eu pararia se eu tivesse que andar tanto – Adam comentou, observando o casebre mal construído enquanto tirava as luvas.

Creed desceu da moto rindo e estacionou do lado de fora.

- Ah, não sei. Você parece frágil demais para terminar em uma espelunca dessas depois de uma sessão de tortura, assassinato, desmembramento e caminhada com corpos.

Ele quase engasgou, mas já havia desistido de pedir para o outro parar de fazer piada com o caso. Apenas revirou os olhos e puxou a porta para entrar.

- Você parece criança... – Disse contrariado para Creed.

- Eu pareço com uma criança? Você já se olhou no espelho? – acenou para a dona do lugar e sorriu.

- Inspetor, como vai? – A senhora respondeu. Devia ter 45-50 anos e os olhos secos de tanta maquiagem.

- Bem, bem. Estamos aqui por causa de uma investigação, esse é meu companheiro, Inspetor Adam Isherwood – Adam acenou um cumprimento gentil com a cabeça - teve algum estranho ou alguma pessoa desconhecida aqui nos últimos dias?

A senhora franziu o cenho e negou.

- Todo mundo que vem aqui é regular ou trabalhador da mina. Não tem ninguém estranho.

- E você tem algum registro de clientes? – Adam perguntou.

- Hum, tem alguns no caderno, mas são os que têm conta só. Deixa eu ver.

Assim que ela se afastou Adam caminhou até o fim do balcão, observando como se via de fora desde as janelas do local.

- Aqui passam muitas motos?

- Uma ou duas, mas é bem raro. Porque? – Perguntou desde o caixa.

- E alguém parou por aqui em uma moto? Um cliente regular, talvez?

A senhora entregou um caderno de linhas azuis bem surrado e se virou para servir café para os dois.

- Cortesia da casa – sorriu – Infelizmente acho que é tudo o que tenho para oferecer, eu não vi nada estranho nesses últimos dias. Meu único cliente de moto por aqui foi aquele rapaz, Loren, da oficina. – Deixou o açúcar no balcão. – E de verdade? Aquele menino é problemático. Ele tá sempre caçando briga e maltratando os outros clientes, eu não gosto dele. Acho que deviam ir vocês dois para dar um susto nele ou algo assim.

Adam queria rir da sugestão, mas se conteve e escondeu os lábios comprimidos tomando um gole de café. Já Creed, não conteve a risada.

- Calma, calma. Sim, vamos falar com ele, mas se Loren está causando problemas aqui a senhora já devia ter avisado a polícia.

Ela riu sem graça e concordou.

- É, verdade. Mas com o tempo a gente perde o ânimo, sabe?

- Bom, obrigado pelo café. Se ver alguma coisa fora do comum, alguma reação estranha, ou se lembrar de alguma coisa, me liga.

Passou um cartão para a dona, que sorriu.

- Claro que sim, saudade do tempo que um cara bonitão me passava o número de telefone assim.

Creed riu de novo e vestiu seu casaco, tirando-o assim que lembrou que o companheiro o usava. Adam não tentou impedir, realmente precisava do casaco.

Os dois se despediram e saíram, e claro, antes de chegar na moto Adam já estava reclamando.

- Vocês são sempre tão informais aqui?

- Isso te incomoda? – O outro perguntou ríspido, parando um pouco antes de subir na moto, vestindo as luvas.

- É uma investigação criminal, não custa agir de maneira mais reservada. Ficar criando intimidade com os outros só serve para atrapalhar.

Creed ficou sério por um momento e logo soprou um riso baixo, fechando o último botão da blusa de lã que vestia.

- Essa cidade não é exatamente pequena, mas as pessoas se conhecem bem. Ser informal para eles é uma cortesia, não uma falta de educação. – Subiu na moto e colocou a chave na ignição, esperando o outro.

- ...eu não concordo com isso, mas enfim.

Adam livrou a cabeça do assunto por poucos segundos enquanto pensava nos próximos passos.

- Ninguém entraria na floresta com carro, se esse menino tem uma moto é melhor irmos conversar com ele, ao menos pode ter visto algo. Sabe se tem gangues aqui? Motociclistas ou algo do gênero?

- Nunca tive que lidar com gangues aqui, na verdade. Tem alguns poucos elementos com motos, mas não são uma gangue. Talvez possa ter um encontro ou algo assim. Mas ainda não tem nada que indique que foi uma moto.

- Hm, vamos buscar. Não vejo como entrar tão fundo na floresta com um veículo que não seja uma moto. Talvez esse Loren saiba de alguém.

Viu a expressão de Creed mudar um pouco.

- Você conhece ele?

- Sim, sim conheço.

- ...e?

Creed abriu um sorriso divertido.

- E nada, é que tenho mais intimidade com ele, – viu o outro revirar os olhos discretamente – mas isso não vai atrapalhar em nada.

- C. I. Resmond, quem quer que tenha feito isso mora aqui, é filho de alguém, marido de alguém e amigo de alguém. Por isso eu realmente sugiro que você, como Inspetor Chefe nesse caso, tente se manter mais distante, mesmo de quem você conhece.

- Ele e meu ex-namorado – interrompeu o sermão, sorrindo.

A informação realmente pegou Adam de surpresa, ele se calou, constrangido, e virou os olhos para a moto, sem saber o que dizer.

- ...você é gay?

- Não, só gosto muito de pegar uns caras – explicou, sarcástico - porque? Sairía comigo?

O rapaz arregalou os olhos um pouco e bufou. “Como ele é desrespeitoso”, pensou.

- O que você faz da sua vida é problema seu, mas se isso atrapalhar o caso eu vou pedir outro detetive de SouthBridge para me acompanhar – ameaçou, fechando mais o casaco e colocando o capacete.

O outro respondeu com uma risada contida e pôs seu capacete também.

- Claro que não vai atrapalhar. De qualquer maneira, não se deixe ‘intimidar’ pela minha opção sexual se ainda quiser ficar abraçado na minha cintura no caminho de volta.

Não houve resposta, apenas o desconforto de Adam e uma leve dúvida do que fazer com as mãos agora. Adam pensava, intimamente, que era bom que houvesse uma certa de aproximação entre ele e qualquer profissional que estivesse trabalhando, facilitava as conversações e ajudava o trabalho a fluir melhor. Mas não daquele jeito. Até agora ele detestava Creed.

Adam passou o caminho pensando. Um caso como esse não seria resolvido e processado em um mês ou dois. Se era um ou dois assassinos, ou talvez uma gangue… Estavam soltos há anos. Os corpos pareciam todos muito limpos, também. Não havia uma cena do crime, não tinham muitas evidências óbvias para trabalhar, também. Seriam meses que ele moraria ali para conseguir buscar todos os lugares e pessoas que precisava. Mas, paciência. O fato de não se dar bem com alguém não significava que não iria conseguir ter bons resultados, e Creed parecia conhecer bem ali.

Por fim apenas se esqueceu da situação e apoiou as mãos na cintura do outro sem perceber.


Notas Finais


:3


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