17h34min – Daegu, dois anos atrás
Maio teve seus três primeiros dias marcados pelo sofrimento. Foram três dias em que Taehyung teve de suportar a atmosfera sufocante de estar constantemente sobre os olhares dos que o culpavam; três dias em que foi forçado a escutar a cruel sincronia dos que choravam pela saudade; três dias em que teve de manter a postura para não piorar o cenário em que estava. Três dias de angústia, de dor, de melancolia.
Ainda estava fresca em sua memória a lembrança de quando deixaram o salão onde foram realizadas as cerimônias. De lá, saíram com um caixão em mãos, os amigos e conhecidos da família levando o receptáculo de madeira que pesava tão pouco, e guiando a todos estava Taehyung, segurando a foto da garota sorrindo em suas mãos trêmulas.
Parecia hipocrisia. Durante o funeral, eles beberam e comeram próximos ao corpo dela, recordaram os bons momentos e fizeram oferendas, mas para quê? De que adiantava se agora ela não estava mais ali com eles? Não deveriam se preocupar mais? Não deveriam ter lastimado o fato de que ela nunca mais estaria correndo por aí e sorrindo com os pequenos dentinhos à mostra? Tais rituais de passagem faziam parte de sua religião, acreditava-se que assim o espírito descansaria em paz, contudo, não o parecia certo.
Uma vez, Taehyung leu uma matéria que se tratava sobre luto, e a mesma afirmava que, nos primeiros momentos da perda, o choque é tão grande que nos faz perder a razão. Talvez fosse isso, sua mente ainda não era capaz de associar e aceitar o que aconteceu. Estava totalmente incapacitado de entender que uma das coisas mais preciosas de sua vida havia ido embora. Para sempre.
Agora, observando o físico de sua esposa solavancar com os soluços altos que acompanhavam suas lágrimas, o Kim sentiu-se ainda mais incapaz. As promessas que havia feito para Na-Young no dia de seu casamento, de que seria um bom pai, um bom marido e um bom chefe para a família, haviam se desfeito de uma só vez, como um dente-de-leão que perde todas as suas folhas com um sopro forte.
Arriscou-se a estender uma das mãos e tocar o ombro da mulher, entretanto, logo teve seu toque afastado por um tapa. O rosto da mesma se contorceu em uma expressão que se assemelhava a nojo, repulsa.
— Eu sinto muito... — Taehyung falou baixo, recolhendo a mão e fechando-a lentamente em formato de punho.
— Sente muito? — A voz da mulher soou quebradiça. — É isso que você tem a me dizer? Que sente muito?
— Eu n... — Tentou, porém foi interrompido antes que pudesse completar qualquer sentença.
— Não me venha com as suas desculpas! — ela elevou a voz e quase gritou. A mágoa escorrendo de seus olhos cor chocolate em forma de gotas d’água. — Nós dois sabemos que o seu remorso não vai trazer a minha garotinha de volta, então, por favor, nem tente.
— Nossa garotinha — o Kim corrigiu.
— Minha. — A mulher frisou, em um tom nada amigável. — Era eu quem cuidava dela enquanto você passava noites no trabalho. Eu que a ajudei a estudar e a coloquei para dormir. Eu que a levei para conhecer lugares novos e elogiei seus desenhos. Você estava sempre ocupado demais para a sua própria família.
— É mentira. — Taehyung balançou sua cabeça negativamente, mantendo sua expressão indecifrável de sempre.
Na-Young estava falando bobagens. Não podia ser. Ele não podia ter ficado tão ausente no dia a dia de Ha-Eun para perder situações tão importantes e que desapareciam tão rápido com seu crescimento. Ou podia? A cabeça do Kim latejou com tamanha confusão e ele decidiu que não aceitaria as acusações de sua esposa, afinal, ela estava errada. Tinha de estar.
Deu um passo para trás, sentindo o solo meio íngreme debaixo de seus sapatos sociais. Aquele era o terreno pertencente ao clã dos Kim, e o próprio deveria ser um local de paz, para que o corpo de sua filha, juntamente a todos os outros sepultados ali, repousasse em paz. E paz seria a última coisa que os mortos teriam se a discussão entre ambos continuasse.
Com pesar, fixou seus olhos ao de Na-Young. Além da vermelhidão que assolava suas escleróticas, também havia raiva e desgosto, havia tristura, nostalgia, luto, dó. Havia milhares de emoções mescladas em guerra umas contra as outras para decidir qual delas prevaleceria sobre o ser, e nenhuma parecia ser boa o suficiente para fazê-lo, pois todas eram igualmente torturantes.
— Creio que este não seja o momento ideal para esse tipo de conversa — o Kim disse um pouco mais calmo, acreditando estar certo sobre sua decisão em adiar o assunto. Ela estava chateada e ele entendia, também estava, contudo, existia algo que era mais importante do que uma desavença. — Vamos falar sobre isso depois.
— Depois? — repetiu trêmula, mais para si mesma. — Não vai ter um depois, Taehyung. Graças a você, eu irei me sentir culpada pelo resto da vida. Como espera que tenhamos uma conversa saudável sobre isso? Eu não aguento mais olhar no seu rosto sem me lembrar da sua irresponsabilidade como pai.
Taehyung abriu os lábios, mas os fechou novamente. Não existia argumento algum para evitar a sentença que estava prestes a ser dita por sua esposa, e tinha plena noção disso, só não acreditava estar mentalmente preparado para ouvir de sua doce voz as seguintes palavras:
— Eu quero o divórcio.
Por um instante, imaginou que ela não estaria falando sério. Muitos eventos ruins estavam acontecendo simultaneamente em suas vidas, mas Taehyung contava com a hipótese de que eles, como marido e esposa, passariam por cima dos problemas e permaneceriam unidos. Seria nada mais que outra maré de azar que tentava os separar. No entanto, essa vez foi diferente das outras vezes.
Essa vez foi como uma chuva de verão, daquelas que vem sem avisar, acaba molhando um homem desprevenido no meio da rua e passa tão rápido quanto veio. Foi como uma festa surpresa, daquelas que é organizada tão bem, que no final o aniversariante é realmente surpreendido. Essa vez foi inesperada, foi surpreendente, foi repentina. Essa vez foi diferente, diferente de verdade, pois quinze dias após o castanho ter sido expulso de casa pela própria esposa, os papéis de separação chegaram.
Taehyung não negou a vontade de sua esposa de encerrar o relacionamento. Se era assim que a mulher desejava, ele não lutaria contra ela. Assinou seu nome na folha de papel e a devolveu para o advogado, mesmo não estando satisfeito. Para ser sincero, Taehyung não estava sequer perto do que poderia se entender como o mínimo de satisfação, e por isso, como consequência da catástrofe, veio o álcool e um pedido de transferência para bem longe da cidade em que, um dia, julgou ter sido feliz.
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