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História Crônicas e contos de um adolescente suicida - Te amo, mas te refuto.


Escrita por: Luciuslestrange

Capítulo 14 - Te amo, mas te refuto.


Quando ficaram sabendo do ocorrido, todos entraram em estado de choque. Ninguém que visse Sylvia com seus olhos verdes e sua boca fortemente pintada de coral, admitiria que ela fez o que fez com Bruno.  Dora Maria Leopolda de Carvalho, vizinha da mãe do rapaz, sempre dizia que aquela menina com todas aquelas tatuagens no braço não era boa bisca.

 Ainda mais o Bruno, qual o quê! O guri a um bom rapaz, estava prestes a terminar O curso de Direito na UFPR, já pensando na prova da OAB. Enchia os pais de orgulho... Era altíssimo e magérrimo, branco com uns olhos azuis muito fundos e um abominável nariz. Era um nariz realmente medonho, achatadíssimo com umas narinas enormes. A primeira coisa que Sylvia reparara foi no nariz. Depois nos olhos, e por último o sorriso. Depois queria grudar aquela boca na boca dela.
Mas depois aprendeu que aquela boca falava. E falava os maiores impropérios do mundo. Falava de política como se ainda estivéssemos no período do militarismo, as vezes no coronelismo oligárquico, achava que realmente lugar de mulher era na cozinha (embora nunca tenha dito isso para Sylvia) e achava que gays, transexuais, lésbicas e bissexuais era uma aberração.
Mas fazendo uma generalização básica aqui, a maioria desses advogados que estão se formando saem dessa forma fétida do reacionarismo. Não é isso que importa, o que importava é como alguém pode ser tão egoísta e megalomaníaco como ele. Sylvia realmente achava que o garoto era só meio perdido, aquele modelo de família de coronel baiano, bem modelo de folhetim de Jorge Amado... Aquilo fazia um mal danado pra ele. Quando foi falar isso, ele acertou o primeiro tapa na cara dela. Sim, o primeiro. Até o fatídico ocorrido, foram muito mais, vindo de de ambas as partes.

Rumores de que Sylvia estava em seu apartamento, ali na Alameda dos Guairacus (conhecida pelos bares onde a "classe universitária" frequentava), fechada. Ninguém mais tinha mais o prazer de vê-la debruçada sobre a sacada de seu apartamento. Ninguém via seus olhos verdes que faziam o serviço da iluminação pública. 
Sylvia era linda! Cabelos castanho-avermelhado, uns olhos verde-musgo, uma boca que estava sempre em tons ora roxo ora rosa... Mas todo mundo conhecia a fama dela, todos  sabiam que ela não era flor que se cheirasse, que devia ser admirada de longe. Ela tinha um olhar distante, um olhar que hesitava  muito, ela tinha uns olhos meio que grosseiros. Tinha horas que olhava a tudo e a todos com carinho, mas em compensação tinha dias que parecia que estava tomada por alguma força satânica, sei lá! Ela era difícil de se entender, era como se ela não pensasse em ninguém. Como se fosse uma criatura tão vazia e desatinada, que achasse que o mundo, o universo com todos os seus cosmos fosse uma coisa sua.

Já ouvi dizer que o primeiro contato foi em uma noite abafada de julho. Bruno e uns amigos da sala  estavam prestes a entrar em férias, queriam largar os bares sofisticados que frequentavam e ver como o pessoal das humanas se divertia a final. Era uma explosão de cores de cabelos  e texturas e roupas e tudo aquilo... Todo mundo bebia e cantava e falava... Era um mundo diferente daqueles das salas austeras do curso de Direito, dos fóruns e da igreja. Eles pareciam felizes lá, enchendo a cara e falando sobre política e educação. Gritando chorando morrendo, bebendo maconha e cigarros de cor preta. Era um mundo muito mais intenso do que o seu. Uma coisa diferente.
Ele olhou umas vezes, sentou junto de  seus outros apóstolos e pediu um Chopp de vinho, uma amiga, loura de uns olhos cinza pediu uma garrafa de vodca e para fazer um boquete no garçom. Ele riu e disse que traria a vodca, mas que era gay.
Bruno Flertava descaradamente com as menininhas todas. Eram até que bonitas  e pelo que sabia das conversas naaada promissoras nas trocas de professores, elas eram altamente promíscuas e não depilavam a vagina. Ele teve um calafrio de pavor e de excitação em pensar-se invadido uma daquelas vagabundinhas.
O Chopp chegou em seguida, junto com uma menina absurdamente teatral e bonita.
Era clara, tinha uns olhos  verdes cínicos de preguiça bêbada agarrada num bambu. Estavam grossamente pintados de preto. Parecia que estava indo a guerra. Olhos de guerreira india.  Baixinha, de um cabelo chanel castanho avermelhado, um nariz adoravelmente arrebitado e uma boca bem feita pintada de vermelho. Tinha uma flor atrás das orelhas que eram muito grandes, mas Bruno só tinha olhos para o botão de vermelha rosa que ela acalentava no decote do vestido preto com vitrilhos dourados. A rosa escondia a lágrima de cristal, mas ela nunca saia sem.
 Ela sentou em seguida, sorriu para o garçom e logo o mesmo apareceu com uma garrafa de uísque e um par de copos. Ela estava terrivelmente sozinha,  e sorrindo. Tinha uma formação dentária estranha, os caninos eram afiados por demais, e os dentes da frente tinham umas manchas amareladas.

- Bruninho ta de olho na vampiresca ali! - apontou um amigo notando os olhares lânguidos que ele lançava para a outra.

- O pior é que ela tem uma carinha bem top... To bem afim de enfiar minha cara naquele decote e tirar aquela rosa no dente.

Ela enfim notou os olhares atentos do menino. Teatralmente abriu a bolsinha de paetês dourados e tirou uma carteira de cigarro e um isqueiro. Prendeu o cigarro nos lábios manchando de vermelho o filtro  branco imaculado e aveludado do cigarro, fez casinha e acendeu.

Ele achou aquilo absurdamente fascinante.

- Mas essa não parece ser muito facinha... Tem um jeito daqueles atrizes de cinema. Bem Hollywood. - atestou uma amiga que enchia a cara de vodca.

Sylvia sorriu e ergueu o copo para o rapaz, escorreu um pouco no braço da menina, ela ergueu e chupou o líquido cor de âmbar. Riu uma gargalhada bastante estridente virou o copo.

De algum canto da enorme alameda, repleta de gente tão inútil, infeliz e desiludida, uma lua cor de prata iluminava o casal sem caso.

Ele sentou, apontou para o copo como quem diz que que beber, ela sorriu e assentiu com a cabeça. A franja cobriu o olho e os dois riram. Riam cantavam e choravam como se fossem amigos de longa data. Ele colocou uma dose para ele e quando foi servi-la, ela segurou a mão do rapaz com certa severidade.

- Aprende uma coisa garoto dos olhos de oceano - disse ela enchendo o copo até a boca - você nunca deve me servir. Eu bebo, bebo muito,  cara eu bebo pra caralho mesmo. Gosto de beber,  venho pra esse bar pra encher a cara  e principalmente ganho pra pagar aquilo que eu bebo Você é novo aqui, então eu perdoo.

Ele estalou um par de olhos temerosos, e ela uns olhos muito decididos. Eles se encaravam como um jogo ou uma guerra civil. Por fim, como quem brinca de jogo do sério, eles se mataram de dar risadas. Ela sorriu um sorriso de dentes em tom dégradé entre o branco natural do dente e o amarelo muito fraco, causado pelo cigarro. Eles tinham um aspecto rochoso, ele observou os caninos que pareciam muitíssimo afiados. Pensou em uma vampira, aqueles olhos e aquela boca e aqueles dentes... Quando deu por si, estavam os dois se atracando atrás do "Ecletic's  Club." Bebiam e se agarravam enquanto o pessoal gritava cada vez mais alto. Eram coisas sem nexo, eles riam cantavam sem razão. O clima foi para o esgoto, quando ela perguntou a ele o que ele achava do novo álbum da Elza Soares e, pasmem: Ele disse que não tinha ouvido. Oh céus, onde ela estava com a cabeça? Quando que um burguês metido a besta iria ouvir Elza Soares? Ele que conhece a realidade das ruas e das favelas e dos subúrbios e de toda aquela gente humilde apenas pelo jornal manipulável da Globo News, ou dos processos que  lê. Diferente dela, que comia sua comida nos campos de batalha, amou sem ter cuidado, olhou tudo sem ver, que foi filha pródiga dos programas de subsistência do governo. Ela que sempre andou com os dos pés tamanho trinta e quatro no chão. Nunca teve tempo para sonhar, as utopias não pintavam no mundo de Sylvia.

Acabaram apenas por trocar telefones.

Cerca de duas semanas depois, ela marcou um Chopp com ele, não muito longe do primeiro bar. Ele se arrumou, colocou uma camisa azul de  casimira francesa (presente de uma tia que lá mora), um jeans skinny preto e um sapato  cor de burro quando foge. O detalhe ficou por conta da blusa de inglesa amarrada nos ombros. Era literalmente um burguesinho de merda. Quando desceu as escadarias de vidro, encontrou a mãe com umas amigas. Conversavam alegremente, mas sabia que depois ela falaria mal das mesmas. Pela primeira vez reparou como aquela casa, o lugar onde ele vivia era vazio. Logo pensou em como Sylvia estaria vestida (ele tinha preferência por nudez exposta), logo quando ligou a chave na ignição, parou de pensar em tudo e todos, até   a hora de chegar no bar.

Era um lugar enorme com aspecto sujo, estava aberto e repleto de gente, achou até estranho existir um negócio desses em Curitiba, mas logo pensou que ele so conhecia uns bares na área nobre da City.

O sol castigava o  samba de pretos com os pés no chão, de negras que gingavam suas ancas fartas. Ele achou aquilo absolutamente escravocrata, mas sorriu ao pensar que era o único branco ali, era a espécie de senhor de todos eles. Lembrou que da família da mãe, alguém tinha sido dono de terras de cacau em Santo Amaro da Purificação, terra de Maria Bethânia.
Todos os pensamentos foram embora quando ele viu Sylvia. Ela estava toda de com uma saia branca longuíssima e um cropped de tricô, também branco. O detalhe ficou por conta de um pingente de cristal e  o fato dela estar de pés descalço. Foi  absurdamente poético aquele momento. O sol batia no pingente de cristal da menina, liberando uma série de cores enquanto ela dançava.
Ela estava diferente do primeiro dia, os cabelos estavam pegados a cara, o batom vermelho estava absolutamente borrado, gotas de suor escorriam da testa e com certa frequência (normalmente quando o Samba  temporariamente acabava), ia até a mesa de uma pessoa e bebericava a cerveja, e ria. Ria muito. Pedia tragos de cigarro e puxava sambas.
Ele quase nem a reconheceu, justo ela que na primeira vez parecia tão dark, agora estava ali com aquele complexo de Clara Nunes. Parecia nova, parecia que aquela primeira lembrança, dos olhos de guerra, a flor dentre as orelhas e o decote fossem uma lembrança remota. Um sonho distintíssimo.

Não entendia essa capacidade de ela conseguir se modificar.

Depois, depois de um longo tempo, por sinal, ela sentou na mesa dele. Ele estava com uma cara taciturna e uns olhos de quem quer fugir dos  seus próprios olhos.

- Sabe, eu sou uma pessoa muito chata. - disse ela acendendo um cigarro - eu por exemplo não gosto da tarde, do período da tarde. Sou chatíssima pra essas coisas. Acho o por do sol uma coisa horrível, parece que o céu ta com hemorragia.

- Você é diferente daquilo que eu imaginava. - disse ele tirando descaradamente o cigarro da boca dela e dando um trago - primeiro você é a morta, hoje você é a noiva, o que você vai ser amanhã?

- A viúva.

Um espaço sem fala, logo depois ela voltou a fazer suas análises e conjecturas:

eu sou super noturna. De manhã eu sou dona de casa, gosto de limpar tudo, fazer comida de manhã. Acordo bem cedinho,  gosto de ver o sol nascer, ligo minha vitrola, tomo meu café e vivo. A  noite eu sou mais fatal, me considero super teatral   a noite.  Grito, saio, bebo, fumo, trepo e canto. Gosto pra caralho de cantar. Eu ia muito pra karaokê, mas acabei enjoando. Então eu canto em casa. E você menino bonito bordado de flor, o que faz ?

- Eu acordo, tomo café, assisto séries, dai eu vou para o escritório do meu pai. Quando anoitece eu saio, vou para uns bares perto da facul.

Ela teve vontade de dizer "que vida amarga", mas apenas beijou-o.
Era um beijo estranho, tinha um gosto de bala de hortelã, cerveja e cigarro de cereja. Não foi nem bom nem mal, foi divertido. Sim, o beijo foi literalmente divertido, de ambas as partes.

- Eu detesto a tarde. - disse ela cerca de uns quinze segundos depois dos lábios se separarem. - essa coisa do nem barro nem tijolo. As coisas pra mim tem de ser muito claras, a tarde não é clara pra mim.

- O que nos somos ?

- Sei lá. - disse ela displicentemente.

- Você acabou de dizer que não gosta das coisas assim subjetivas. Que essa coisa do "nem barro nem tijolo" não é contigo. Nós nos vimos apenas duas vezes, ok, mas não foram apenas dias vezes normais. Nunca é.

- Ok meu menino bonito bordado de flor. É oficial, nós meio que estamos namorando.

Se viram muitas vezes desse dia em diante. Brigavam muito, ela era meio doida, gritava e tacava copos, depois beijava e estava louca para amar. Com o passar das semanas, ele foi se acostumando ao temperamento de Sylvia. Todo o Edifício Garcez (prédio de Sylvia), conhecia o casal. Eles faziam barulho pra tudo, pra transar, pra brigar, se maldiziam... Era assim que eles se viravam. Uma vez, porem, foi a ponta do estopim.

Ela estava em casa, esperando ele pra jantar. Era a noite das massas, tinha uma lasanha no forno, nhoque na panela e um macarrão escorrendo. Estava linda também, uma saia longa preta, uma blusa transparente da mesma cor, uns saltos agulha azul royal, umas cruzes de inúmeros tamanhos no pescoço e o colar de cristal. Um jazz suave tocava no momento. Quando ouviu a campainha, abriu e ele estava lá, sendo lindo. Ela o beijou de mordeu os lábios. Segundos depois, apareceu uma outra mulher, de uns dezesseis anos, era uma "prima" dele, ela tinha nome de flor e uma puta cara de biscatinha.
Eles se aproximaram, estavam abraçados. E ela estava ardendo em puro ódio. Afinal, era escorpiana das mais ortodoxas, neurótica ciumenta vingativa. Queria sair e tacar ele da sacada do prédio. O clima ficou pesado, ninguém conversava, comeram num silêncio que so acontecia na casa dele, os pais nunca conversavam nas refeições. Quando ela viu que a mão dele estava na coxa dela, foi a ponta do estopim. Ela foi até a cozinha com pés de bailarina, pegou uma outra garrafa de vinho e acertou em cheio a parede atrás deles.

- FORA DAQUI! SAIAM, OS DOIS!

A menina saiu correndo, mas ele ficou.

- Sylvia calma, que que é isso ? - Ele perguntou cinicamente. Estava sendo tão cínico como uma preguiça bêbada agarrada num bambu.

Ela sentou, respirou fundo e falou:

- cala a boca e não me responde senão eu viro a mesa.

Ele sorriu, e ela virou tudo pra cima dele. Ele gritou de dor, mas ela gritou ainda mais alto.

- Eu odeio você! Eu quero que você morra Bruno Britto! Eu tenho nojo de você, dessa sua cara, desse seu reizinho na barriga, desse seu cheiro. Tudo em você é atroz. Você foi a pior coisa que já me aconteceu. Euqueto

Ele resolveu não revidar e saiu sem bater a porta.

Cerca de três dias depois, descobriu que ele a traia. Aquilo a deixou ainda mais raivosa, era como se ela fosse um carma na vida dele. Era simples, senão a queria não deveria ter dito palavras doces, que ela era especial e que nunca a deixaria ir. Se um belo dia ele deita com outra e ela fica olhando. Ela se mordia, de ódio, era como se pra ele ela fosse obsoleta. Mas com muitos remédios, acabou superando.

Só foi ter notícias dele cerca de duas semanas depois. Tinha batido o carro na Estrada da Graciosa e morrido. Estava com a "prima."
Tinha recebido o convite para o velório, mas não tinha estômago. Não tinha entendido até agora o que tinha acontecido e onde aquela menina entrava. Gente, era só ter terminado. Era simples, ela ia chorar e sofrer e fumar um cigarro e bater um carro, mas era só isso.

Agora, fiquei sabendo que nem para a faculdade ela vai mais. E que aprendeu a muito custo para que servem as tardes afinal.

 

 



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