História Cruentamque - Fui promovido

Thais Helena, me perdoe.

Não sei quanto tempo me resta.

Temo que não seja muito.

Eu te amo.

Preciso escrever para que saibam onde errei. Trabalhei por cinco anos na Beautiful & Young, a maior multinacional de cosméticos do mundo. Aprovada por atrizes, modelos e pela população em geral. Como pesquisador, eu tive o privilégio de acompanhar e ajudar no desenvolvimento dos melhores e mais eficazes cremes hidratantes e rejuvenescedores que o mundo já conheceu.

No meu quinto ano trabalhando na empresa, há três anos atrás, eu recebi uma proposta do CEO da B&Y, Seth Goodman. Fui chamado para a sala dele, na qual eu nunca havia entrado antes. Ele pediu para que eu fechasse a pesada porta de madeira e sentasse. A sala era climatizada e possuía uma espécie de isolamento acústico que permitia que eu ouvisse claramente as batidas do meu coração. Estavam aceleradas. O que eu menos queria era ser demitido.

A cadeira também era de madeira e possuía um recobrimento de veludo no assento e no apoio para as costas. Sentei-me e apoiei minhas mãos sobre as pernas. Em seu trono de mogno, com as mãos cruzadas em cima da mesa, ele possuía um ar sereno, quase paterno,  mas sua heterocromia me inquietava um pouco:

— Meu caro Stolz. Você é muito importante para essa empresa — disse ele — Nunca um único funcionário nos deu tanto lucro.

— Muito obrigado, senhor — Respondi — Fico feliz pelo reconhecimento — Ele sorriu.

— Vamos direto ao ponto — disse ele, voltando a um ar de seriedade — Quero te parabenizar, você será o primeiro homem a ser promovido com apenas cinco anos de trabalho aqui na empresa. Sua última contribuição foi gigantesca, e me senti na obrigação de retribuir esse favor.

— Muito obrigado, senhor.

— Como você sabe, o perigo das armas químicas aumentou com a descoberta do vírus Cruentamque pelos terroristas da religião hufista. O hufismo está chegando em nosso país e precisamos da cura para o vírus.

Era verdade. A descoberta do Cruentamque desencadeou problemas nos últimos meses. O seu poder de destruição se comparava ao poder de ogivas nucleares com relação à letalidade. O vírus acabava com o número de plaquetas no sangue dos infectados em questão de horas e havia uma redução na pressão saguínea que causava desmaios e hemorragia interna. Era tão contagioso que em dois dias a cidade atacada estava morta. O único problema para eles era que os próprios terroristas morriam e a cidade entrava em quarentena após a infecção, mas isso não impediu que eles usassem ataques estratégicos para render os países vizinhos. A soberania hufista viria mais cedo ou mais tarde, a não ser que alguém encontrasse uma vacina para a doença.

— Sei disso, senhor, mas eu sou apenas um químico de cosméticos, não sou habilitado para encontrar a cura de que precisamos — eu disse, sem ter certeza de que era aquilo que ele estava insinuando na hora.

— Você é um jovem muito especial, Stolz. É a primeira vez que alguém assim passou por essa empresa, por isso eu quero contar com você. Veja bem, isso nos trará muitos lucros e você não sabe o que acabamos de descobrir. Ao sair dessa sala você irá para o laboratório superior, os pesquisadores de lá estarão te esperando e vão dar as informações e instruções de que precisa. Eu confio em você Stolz — ele falou, me fitando com seus olhos heterocrômicos. O direito era azul e o esquerdo castanho escuro.