Ponto de Vista Justin:
- Está bem, está bem. Estou no quarto, vou colocar qualquer coisa na mochila.
- Não, espere. Esqueça isso Justin, eles soltaram os cães, só entre embaixo da cama e se jogue.
- Cães? Como assim Ryan? Eles não podem estar com cães, tenho três corpos no quintal, os cães vão encontrá-los, mas que merda!
- Os cães não vão encontrar nada, esses farejadores são especialistas em drogas e armas, não em localizar corpos.
- Tudo bem, eu estou abrindo a porta no chão. Que nojo Ryan, aqui é tão fedorento.
- Anda logo Justin, não temos tempo para isso, os policiais estão em seu quintal. Agora presta atenção, você vai pular e andar cerca de quinhentos metros no esgoto, até avistar uma escada que dá acesso a um boeiro no centro da cidade, lá vai ter um carro vinho te esperando, entre nele e me agradeça depois.
Ryan desligou o celular e me deixou ali, completamente extasiado pela situação. Assim que ouvi o latido dos cães vindo em direção à cabana eu entrei dentro da portinha e me joguei, Ryan tinha razão, o buraco era fundo e tinha cerca de oito metros, durante a queda tive minhas costas arranhadas e torci meu pé esquerdo.
- Mas que droga.
A água suja do esgoto agora alcançava meus tornozelos, os ratos faziam barulho batendo suas caldas na água e eu ouvia as goteiras que caiam dos canos, andei cerca de trezentos metros até ouvir as buzinas dos carros que andavam apressados na cidade, era difícil colocar o pé esquerdo no chão e a cada metro que eu percorria era como se eu estivesse mais longe da prisão e das celas.
Um toque do telefone ecoou nas paredes sujas do esgoto e eu o atendi rapidamente, vendo que era Ryan.
- Quebrou alguns ossos pulando no esgoto donzela? -Ryan atendeu sarcástico a ligação.
- Para de ser idiota e começa a me dizer que diabos está acontecendo. Ryan, se essa foi mais uma de suas brincadeiras eu vou te matar.
- Calma... -Ouvi Ryan gargalhar no outro lado da linha. - Isso não é uma brincadeira. Você não está mais seguro aqui na Califórnia, vamos ter que te mudar mais uma vez.
- Mudar? Como assim? -Eu coloquei uma de minhas mãos na testa, limpando o suor que escorria pelo nervosismo. - Ryan me escuta, eu não posso ir embora da Califórnia agora. Eu dei tudo de mim para pegar uma garota que está aqui e não posso abandonar isso agora.
- Justin, você está ouvindo o que você esta falando? Cara esquece essa garota, é a sua liberdade que está em jogo. -Ryan disse irritado.
- Eu sei Ryan, mas eu dei tanto de mim por ela, eu não posso simplesmente ir embora. Que merda cara, eu tava tão perto de ter ela.
- Se concentra em estar fora das grades. Depois você volta e pega ela Justin, você só não pode ficar dando sopa por aí com três cadáveres no seu quintal. Sua lista de vítimas é grande, você sabe disso, se a polícia te investigar e ver que você está envolvido com a morte do dono da boate eles vão chegar até seus outros crimes. É como se fosse uma torre de cartas Justin, se você derruba a primeira, todas as outras caem e tudo vem à tona. Ande mais rápido, o carro está te esperando a duas quadras. Nos vemos em breve.
Ponto de Vista Elisa:
Era manhã de segunda-feira e tudo estava estranhamente calmo. Eu não fui a aula, assim como toda a equipe do basquete e as meninas da torcida.
O dia está frio, as árvores balançam como se a qualquer instante fosse derrubar seus galhos e o vento sopra forte na direção contrária. Já se passaram quarenta e dois postes, quarenta e dois postes preenchidos com o cartaz e a foto de Shawn e até agora nada, nenhuma informação, nenhum telefonema, nenhuma explicação.
Shawn está desaparecido desde a noite de ontem e ninguém o viu desde que marcou com Mayla um encontro. Família, amigos, ninguém tem sequer uma pista do paradeiro de Shawn e isso é perturbador.
- Meus cartazes acabaram. -Milan se pronunciou. - Colamos mais de quinhentos em toda a cidade e até agora nenhum progresso significativo.
- Seria uma boa começarmos a entregar de casa em casa. O que acham? -Valentina, uma das garotas da torcida se pronunciou.
- Ótima ideia. -Eu sorri para ela. - Vamos continuar procurando, ele deve estar em algum lugar.
Ponto de Vista Justin:
Caminhei por cerca de dez minutos até encontrar a tal escada de que Ryan havia mencionado. Subi lentamente as escadas, já que um de meus pés estava torcido e doía a cada pisada. Fiz uma pequena pressão para a tampa do bueiro abrir, e quando abriu senti a luz do sol invadir meus olhos.
Coloquei a cabeça para fora e vi um carro vinho, com a mesma descrição que Ryan havia me avisado a alguns minutos atrás.
Saí com dificuldade de dentro do bueiro e senti o olhar de alguns curiosos pousarem sobre mim. A porta do carro foi aberta e um homem vestindo um paletó preto me fez sinal para entrar.
Ponto de Vista Elisa:
A noite já havia chegado. Era por volta de sete horas quando fomos embora para casa, depois de passar o dia todo espalhando cartazes com a foto de Shawn. Eu estava cansada, todos nós estávamos.
Cheguei em casa, tomei um banho quente e assim que liguei o chuveiro escutei o celular tocar. Deixei que tocasse até que eu terminasse meu banho e ao sair, vi o que estava escrito no visor.
Uma ligação perdida de Shawn Mendes.
- Shawn? -Eu mal podia acreditar, Shawn estava bem. Shawn estava vivo.
Retornei a ligação e um barulho forte ecoou do outro lado da linha.
- Shawn? Você está ai? -Eu perguntei com um aperto no peito.
- An... Senhorita Mayer? - Espera... Essa não é a voz dele. Senti um embrulho no estômago.
- Sim, sou eu. - Minha voz saiu trêmula.
- Boa noite, sou o tenente Henry e o celular do desaparecido sr. Mendes foi encontrado em uma cabana. O primeiro número a ser indentificado foi o seu, e por isso estou ligando. Não sei como dizer isso, mas... Segundo a perícia, alguns rastros do DNA de Shawn Mendes foi encontrado em um dos quartos e acreditamos que Shawn não esteja mas entre nós. A polícia não encontrou o paradeiro do corpo, mas as chances de óbito são superiores a 90%. Eu sinto muito senhorita, voltamos a qualquer instante com novas informações...
Eu mal podia acreditar no que acabei de ouvir, nesse exato instante pedia ao céus que fosse um trote, uma brincadeira sem graça. Chequei novamente o número que acabou de me ligar e constatei que sim, era o mesmo número de Shawn. Me deitei na cama a fim de apagar os inúmeros pensamentos que invadiam minha mente e senti uma falta de ar extremamente forte invadir meus pulmões. Era uma dor incalculável e uma sensação que eu não sentia a muito tempo, arrastei minhas mãos até a escrivania e revirei com os dedos até alcançar a bombinha, o único remédio para os surtos repentinos da asma.
Sentei-me na cama e chacoalhei a medicação, colocando a bombinha perto da boca e respirei prosseguidamente, fazendo os efeitos da asma passarem e minha respiração voltar ao normal. Minhas mãos tremiam e uma tontura se instalou em minha cabeça, peguei as chaves do carro e corri para a casa de Mayla.
- Liz, você está bem? O que aconteceu? -Mayla me perguntou assim que me viu parada em frente à sua varanda.
- Senta! -Eu atravessei a porta sem me importar com o que Mayla havia dito e sentei-me no sofá, fazendo Mayla sentar-se ao meu lado. - Escuta, eu recebi uma ligação de alguém, bom, na verdade sei de quem era, mas eu não quero acreditar que era dessa pessoa. -Eu soltei as palavras rapidamente e Mayla me olhou assustada.
- An? Liz não estou entendendo.
- Eu recebi uma ligação, era o número dele, era o número de Shawn. Mas não era ele quem falava ao telefone, era um policial.
- Como assim Liz? Você está me assustando. O que ele disse?
- Eu sei, eu também me assustei na hora, o celular de Shawn foi encontrado em uma cabana e um policial ligou para meu número. Eu não sei, eles não tem certeza de nada, mas parece que Shawn foi assassinado. -As lágrimas presas em meus olhos rolaram instantaneamente.
- Oh Liz, eu não posso acreditar. Eu não acredito nisso. -Mayla pôs se a chorar em meu colo e eu apenas acariciei seus cabelos. - Isso não pode ser real.
- Sinto muito Mayla. Eu sinto muito.
Eu estava arrasada, Mayla permanêcia em meu colo e eu já não tinha mais forças para fazer qualquer movimento.
Peguei o celular no bolso direito da jaqueta e disquei o numero de Josh, eu precisava contar isso para mais alguém e se o que o policial me disse fosse verídico a família tinha o direito de saber.
Dia Seguinte.
É manhã de terça-feira. O dia está nublado, faz frio e o sol resolveu não sair hoje. Estou vestida de preto, todos nós estamos.
Olho para o céu e uma gaivota sobrevoa o cemitério da Paixão, local onde estou agora. Meu rosto carrega um leve inchaço pela noite chorosa de ontem, e mesmo hoje, sem ter mais lágrimas em meu peito, meus olhos voltaram a inundar-se.
Dezenas de pessoas estão à minha volta, família, amigos, colegas. Todos àqueles que o acompanharam em toda sua trajetória de vida estão aqui, dando adeus a ele, ou pelo menos à uma parte dele. Shawn está aqui, a três metros de distância, em um caixão completamente lacrado, eu nunca imaginei que um dia isso pudesse acontecer, mas a crueldade de alguém o levou a isso.
Depois de informar os pais de Shawn, comunicamos á polícia sobre o suposto óbito de Shawn e cerca de instantes depois o departamento de polícia recebeu uma ligação anônima, restos mortais de um garoto foram encontrados em uma mata. E sim, eram de Shawn.
Coração, rins, costelas. Tudo jogado em cima de folhas secas em uma mata, como se fosse restos de um animal. A perícia concluiu que esses órgãos pertenciam a Shawn e, mesmo procurando por toda o resto da mata, não foram encontradas as outras partes do jogador, o meu jogador.
É dificil enterrar alguém que se ama, principalmente quando você não pode ver seu rosto pela última vez e eternizar aquela imagem á sua mente, principalmente quando ficaram palavras não ditas, desculpas não pedidas, abraços não dados. Ele morreu e eu estava brava com ele, eu estava brava por uma merda de um beijo e hoje ele está aqui, parte de seu corpo está a minha frente e a última frase que eu disse para ele foi que ele deveria ficar sozinho.
Sinto raiva de mim mesma, sinto uma culpa compacta invadir todo meu interior e fazer eu me odiar, me odiar por tudo que eu poderia ter feito. E se eu estivesse com ele naquele exato momento, será que ele estaria sendo enterrado exatamente agora? Será que se eu não o tivesse abandonado sua familia estaria chorando sua perda? Eu não sei e pensar nisso me enlouquece.
Ponto de Vista Justin:
Segui dentro do carro até um caminho totalmente desconhecido para mim, eram longas horas de viagem e até agora o motorista misterioso não me dirigiu uma palavra.
Olhando o movimento dos carros através dos vidros escuros pensei em como estaria Elisa, a correria foi grande, mas ela ainda permanêcia em meus pensamentos. Eu só espero que Shawn não tenha estragado as coisas e que Elisa não descubra o verdadeiro Justin por baixo da máscara. Dei tudo de mim para conseguir aproximar aquela garota de mim e nada poderia estragar isso. Me assusto com o som alto do telefone. Era Ryan.
- Ryan, onde você está? O que está acontecendo?
- Calma Jus, estou em um carro bem atrás de você. Estamos indo para o Arizona nesse exato momento, e tudo indica que nossa saída da Califórnia vai correr tranquilamente.
- Arizona? - Coloquei a mão na cabeça. - Ah cara, você deve saber o que faz. Sobre a cabana, você tem alguma notícia?
- Você diz em relação aos corpos? -Ele soltou uma gargalhada. - Não esquenta, a polícia procurou algumas coisas na cabana mas como os cães não apontaram nada logo trataram de voltar ao departamento. Mandei um cara tirar o corpo do garoto de lá e espalhar alguns órgãos na mata, é uma forma de tirar a atenção da Polícia para a cabana. Não mexi nos outros dois, acredito que o problema maior mesmo seja Shawn.
- Caramba Ryan. -Soltei um suspiro de alívio. - Tenho uma chance a mais de voltar para terminar o que eu comecei com a ruiva
- Você vai enlouquecer com a tal ruiva Justin.
- Talvez Ryan... Talvez.
Ponto de Vista Elisa:
Agora chovia, uma forte chuva caía e inundava ainda mais os rostos das pessoas presentes no enterro.
As cordas agora desciam o caixão e o único sentimento que pairava sobre o lugar era a dor, uma dor consumidora, uma dor forte. O remorso por alguns instantes se acumulava junto à toda a dor e era como se eu sentisse toda a culpa do mundo sobre minhas costas.
As flores começaram a ser lançadas uma a uma, sobre o caixão preto de madeira e eu segurava meu pequeno arranjo de rosas nas mãos.
Levantei uma das mãos para jogar as rosas sobre o caixão, mas algo me chamou atenção. Um carro preto, completamente insulfilmado passou lentamente no outro lado da rua.
Um de seus vidros foi rapidamente abaixado e pude ver nitidamente aquele olhar, aquele maldito olhar que me apavorava dos pés à cabeça todas as vezes que me olhava daquela maneira. Eu posso estar impactada com a morte de Shawn, posso estar ficando louca, mas eu sei que vi Justin, dentro de um carro preto, completamente escuro, olhar para mim fixamente e logo subir o vidro, indo embora e me deixando ali, apavorada.
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