Capítulo XIV
Newspaper New York Gazzete
Chris Rodriguez e Caronte La’Fountaine. Duas vítimas do mesmo assassino. É exatamente isso o que a polícia alega.
O FBI encontrou padrões na cena do crime dos dois assassinatos, ocorridos, respectivamente, nos dias 31 de janeiro e 21 de fevereiro.
Caronte La’Fountaine, 47, era funcionário da companhia de saneamento e esgoto da cidade, casado com Emília La’Fountaine, 42, dona de casa e mãe de Pietro, um garoto de 16 anos e estudante do Colégio Fundação, e foi encontrado morto próximo ao beco de Hampstead Hill, na mesma situação em que o estudante de jornalismo fora achado: inerte, dois orifícios no pescoço e com as vestes sujas de sangue. “Como se o próprio sangue houvesse sido drenado”, disse Will Solace, médico do hospital Survive de Anatomia e Cirurgia.
A esposa de Caronte foi encontrada junto ao marido, porém em melhores condições, apresentando apenas letargia e atordoamento, sem ferimentos. O Gazzete a entrevistou hoje, logo que recebera alta do hospital. As lágrimas brotavam-lhe em profusão, mas não era pela morte do marido, e sim pelas condições a qual seu filho e ela se encontravam.
Os médicos teriam verificado um derrame no lobo frontal do cérebro de Emília, mas este de uma data anterior, ou seja, de nada tem a ver com o caso. A mulher também era vítima do marido, apresentando alguns cortes e hematomas pelo corpo.
“Caronte... Oh, céus! Homem perverso! Que o que lhe espera o seja dado! ”, exclamou Emília enquanto o filho lhe afagava os cabelos. “Não senhor, não presenciei nada. A única coisa que minha memória já tão debilitada e fraca se recorda é que Caronte foi arrastado para trás, antes de me bater, por algo que não distingui, mas não me pareceu de todo mal. Foi aí que tudo escureceu, como se me embalassem em uma canção de ninar, as palavras embalsamando minha alma. Depois, as luzes do quarto do hospital trouxeram-me de volta à vida, e eu soube que ele havia morrido” afirmou, ao passo que juntava as mãos e beijava o terço entrelaçado nos dedos finos. “Deus ouviu minhas preces” alegou.
“Exatamente igual” explanou Will. “O Sr. La’Fountaine e o estudante apresentavam os mesmos sintomas. Se isso já não é estranho suficiente, eu não sei o que é”.
A notícia que mais surpreendeu a equipe do Gazzete: Chris Rodriguez estava no estágio inicial de um tumor maligno.
“Depois de termos realizado a autópsia do paciente, nossos residentes encontraram um conglomerado de células em seu pulmão esquerdo. Era o começo de um câncer. Não podíamos afirmar, mas percebemos que ele estava ativo antes de sua morte e, quando esta ocorreu, passou a ser inativo. Nós o teríamos retirado de seu corpo se ele não tivesse partido antes. Em tese, ele sofreu muito menos do que se estivesse vivo” acentuou, pesaroso.
Da edição,
New York City.
❤
- Estou surpreso em vê-la, senhorita Grace.
- Quanto tempo, Quíron – Thalia abraçou o homem de aparência anosa e barba enrolada. – Senti sua falta!
- Eu também, eu também! – Quíron sorriu dando tapinhas na barriga. – Quando voltou?
- Há dois dias – ela se acomodou na poltrona em frente a mesa do mais velho. – Tenho que resolver alguns negócios – seus olhos percorreram furtivamente a sala, voltando-se para a figura em sua frente. – Queria saber se a sua proposta ainda está de pé. – Passou o dedo pelo jeans rasgado. – Sabe, de trabalhar aqui...
- Oh! Mas é claro! – Ele levantou o indicador. - Você fez engenharia com o Luke, não é mesmo?
Thalia conteve um sorriso triste.
- Sim.
- Pois sim, estávamos precisando de outro engenheiro e – foi interrompido.
- Não, eu gostaria de trabalhar com a área de designer gráfico, se for possível – ela fez a melhor cara de cachorro que caiu do caminhão de mudança.
- Ora, vejamos, creio que sim, deixe-me ver – ele vasculhou apressado e desajeitadamente por um bloco de notas nas gavetas da mesa. – Sim, sim – ele folheou o bloco – pode ser. Contratada! – Estendeu a mão a ela, que retribuiu com uma mesura cortês.
- Agradeço, Quíron. Estou morando com Annabeth no momento, e preciso voltar antes que ela comece a se preocupar. Ah é, tenho de passar na padaria também. Até mais! – Thalia anuiu com a cabeça e rumou para a saída.
Ela estacou na frente da porta.
- Na verdade – virou-se lentamente. – Vim aqui por um outro motivo – aproximou-se e, cautelosamente, retirou algo de dentro da bolsa. Certificou-se de que apenas os dois estavam ali. – Isso – um objeto fino e largo jazia em suas mãos, havia um penacho em uma extremidade, e na outra uma lâmina afiada. – Como foi meu tutor, e me ensinou tudo que sei... – houve uma pausa, onde o significado daquelas palavras flutuou pelo ar. – Pensei que pudesse me ajudar com isto – gesticulou para o objeto.
Ele cruzou os braços, a testa se enrugou, enquanto as narinas tremiam levemente.
- Onde as conseguiu? – Quíron alteou as sobrancelhas, os olhos fixos no objeto.
- Digamos que por aí – ela soltou um risinho, adotando uma expressão mais austera. – O que sabe sobre ela? – Depositou o objeto na mesa, que instantaneamente se esticou, e os dois contemplaram a flecha prateada em cima da mesa de ébano.
- Bom – estudou com os olhos a flecha – é realmente curioso. - Quíron coçou a barba e diminuiu o tom de voz. – Esta flecha não é um artefato comum, é uma das Flechas de Ártemis. Segundo as lendas, a caçadora e deusa da Lua usava um arco em suas caçadas. E as flechas que portava, todas de prata lunar, que foram enterradas em um de seus vários santuários, ficaram conhecidas como As Flechas de Ártemis.
Houve um silêncio efêmero, que se estendeu até que um deles ousasse passar a palavra.
- Essa história corre entre os caçadores até hoje – ele permitiu-se tocar no artefato, resoluto – certamente, deveras fascinante. Dizem que a prata lunar é um dos melhores metais já existentes, não obstante, nenhum caçador sequer viu ou chegou a tê-lo, quem dirá um humano comum. O que me deixa estupefato, srta. Grace, é que você encontrou uma.
Quíron vasculhou novamente as gavetas, dessa vez procurando por uma chave prateada. Quando a encontrou, dirigiu-se às estantes de livros ao fundo da sala, afastou alguns suficientemente para que Thalia reparasse na fechadura e cogitasse um fundo oco.
Penetrou a chave pelo buraco e girou-a, contudo, para o lado oposto.
A estante produziu um ruído surdo e se afastou, relevando um cômodo antes nunca contemplado pelos orbes azulados da morena.
- Eu não as possuo, infelizmente, srta. Grace, mas tenho as de bronze, muito comuns para quem as porta, mas de grande efeito para aqueles que são por elas atingidos.
Thalia aquiesceu, seguindo Quíron por um longo corredor estreito no interior daquela passagem secreta.
❤
Percy se aconchegou no sofá da sala. Finalmente um descanso.
Retirou preguiçosamente o sobretudo manchado de sangue. Iria lavá-lo mais tarde. Deslizou os dedos dos pés sobre os calcanhares, fazendo com que os sapatos sociais escorregassem para fora dos mesmos. Afrouxou a gravata e apoiou a cabeça num dos macios travesseiros de tecido do sofá.
Pela fresta das cortinas, notou uma nesga de luz ondulante que a penetrava e dançava conforme os flocos de poeira rodopiavam por entre ela.
Olhando-as, imaginou como teria sido sua vida se fosse um humano normal. Se não tivesse que sair para se alimentar, deparar-se com humanos que eram piores que sua própria raça, ou se esconder do sol no solstício de verão, embora também se indagasse se, outrora houvesse nunca conhecido esse seu mundo, ele encontraria Annabeth?
Ah, Annabeth. Encontrava no seio da virgem bacante uma mulher de lábios de mel. Nunca vira uma como ela, tão determinada e obstinada.
Devia ser por estes pensamentos que sublevam a alma masculina e lhe encantam a mente que os homens não podem viver sem as mulheres.
Nico quase os alcançara naquele dia. Se não fosse pela polícia que se aproximava, ele não teria partido. Tinha certeza que o tio o mandara atrás dele.
Se eu fosse embora... talvez Annabeth ficaria segura, pensou consigo. Minha presença já a causou problemas demais.
❤
Annabeth saiu de seu apartamento rumando para a Arts & Corps, agitada por uma comoção que lhe parecia infantil. Não tinha nem tomado café, de tão ansiosa que estava.
Fez um gesto cortês à Afrodite, que bebericava um café puro e forte na xícara de porcelana, a qual respondeu com um breve aceno de cabeça.
Atravessou rapidamente o corredor das salas, seu olhar pousando sobre a estatueta ao lado da porta do escritório de Quíron. Soltou um suspiro de alívio ao perceber que não a tinha quebrado no incidente de alguns dias.
Bateu à porta. Silêncio total. Talvez não se encontrasse no momento.
Volveu o caminho à recepção, deparando-se com Afrodite na mesma posição de antes.
- Dite – chamou-a. Costumava tratá-la com o apelido carinhoso, pois no recinto todos se dirigiam dessa forma à mulher.
- Olá, Annabeth – a moça fechou a revista de moda em que estivera absorta alguns segundos atrás.
- Ei, Quíron não está aqui? – A loura se apoiou no balcão e começou a tamborilar os dedos no mármore escuro.
A secretária franziu o cenho.
- Está. Thalia está com ele também, acabou de chegar.
- Thalia? – Inclinou a cabeça tal qual um passarinho. – O que ela veio fazer?
- Hum, não tenho certeza. Não trocamos mais do que alguns cumprimentos.
- Ah, entendo – se afastou taciturna, balançando-se sobre os calcanhares. – Bom, obrigada, Dite.
- Disponha.
A loura tornou a percorrer o caminho, desta vez prudentemente. O corredor era iluminado pelas arandelas de castiçal fixadas nas paredes, proporcionando uma luz suave e monótona, que mergulhava o corredor em um banho esbranquiçado e sereno.
Escutou um arrastar proveniente do escritório, como se algo pesado fosse puxado com esforço e, em seguida, as vozes de Quíron e Thalia.
- Use-as com cuidado – disse Quíron.
- Eu sempre faço isso – tranquilizou-o Thalia.
Annabeth bateu na porta.
- Quíron? É a Annabeth.
Ele abriu a porta, mas antes a destrancou, pois ela ouvira o trinco estalar, fato que não passou despercebido pela figura de olhos cinzentos.
- Olá, Annabeth! – Ele abriu-lhe o sorriso complacente, pequenas rugas nos cantos dos olhos acompanharam o processo.
- Hey – meneou a cabeça, olhando por cima de seu ombro e avistando Thalia.
Quíron apercebeu-se do movimento, e logo tratou de encontrar uma explicação.
- Thalia começará a trabalhar conosco. Designer gráfico.
- Ah – ela não conteve a surpresa. – Isso é ótimo, Thalia! Seremos colegas de trabalho – ela soltou um risinho, fantasiando com algumas cenas que poderiam passar juntas na empresa.
- Exatamente! – A morena deu-lhe uma piscadela.
- Desde quando se interessa por designer gráfico? Achei que houvesse feito engenharia... – sua voz morreu, apercebendo-se do fato que se passava ali. Com um gesto de lábios mudos, ela proferiu a palavra “Luke”.
A morena anuiu brandamente.
- A propósito, a construção caminha muito bem – Quíron comentou, ajeitando-se na poltrona de couro sintético. – Percy está adorando.
O toque naquele nome trouxe memórias para a loura, que enrubesceu levemente.
Notando a mudança súbita de expressão, Thalia analisou a amiga.
- Quem é Percy? – Posicionou as mãos na cintura e arqueou as sobrancelhas perfeitamente alinhadas.
- Nosso cliente – a frase vazou e se solidificou no ar.
A morena fitou a loira com um sorrisinho de canto e um olhar brilhante.
- Ok.
Não compreendendo o que se passava em sua frente, Quíron prontificou-se a romper o diálogo.
- Do que precisa, Annabeth?
- Eu, bom, preciso conversar com você em particular – disse receosa, tomando cuidado com as palavras para não ofender Thalia.
- Ok, eu saio – ela levantou as mãos para o alto e meneou a cabeça, fingindo-se de injuriada.
Antes de sair, Thalia e Quíron se entreolharam.
Assim que ela abandonou a sala, Annabeth postou-se em frente à mesa e se inclinou afoita, apoiando os cotovelos sobre a mesma.
- Pois bem, o que é tão importante que precisa ser comentado sigilosamente? – Quíron espalmou as mãos umas nas outras, nervoso.
- Quíron, eu preciso de sua ajuda. Sobre Percy. Eu sei que você sabe de alguma coisa.
Nada pôde avassalar a face impassível, embora um lampejo de sobressalto tivesse perpassado os orbes amendoados do velho.
- Não compreendo aonde quer chegar – verbalizou. – Bem, se queres saber mais sobre ele, eu sei de algumas coisas, como: onde moras, como vive, desde quando o conheço...
Ela balançou a cabeça num gesto frenético e impassível.
- Não, Quíron. Não brinque com isso – ela fitou-o incisiva. – Eu... eu escutei o que disse ao Percy noutro dia – soltou.
Assim como presenciara várias vezes em Percy, as feições de Quíron se retraíram e endureceram.
- Não sei do que está falando – exclamou.
- Sabe sim. Por favor, Quíron, precisa me dizer. O que está acontecendo? – Ela relatou os acontecimentos minuciosamente ao homem em sua frente, nunca esquecendo dos detalhes. – E agora tem esses sonhos...
- Sonhos? – Ele pareceu interessado.
- Sim. Tudo que aconteceu, ou os vi por meios de sonhos, ou realmente os presenciei. – Ela juntou as mãos sobre o peito. – Por favor, Quíron.
O mais velho a analisou profundamente. Os olhos suplicantes remoíam a alma daquele ser, desesperados pelas luzes que os tirariam do devaneio. Se lhe contasse, talvez perdesse a sanidade e aderisse à loucura e, na pior das hipóteses, ela acreditaria.
Ela já sabia demais.
Compadeceu-se.
- Preciso acrescentar que tudo que lhe direi é verdade e somente verdade. Acreditar, pois então, é escolha sua.
Ele tornou a procurar pela chave prateada nas gavetas e, quando a encontrou, reproduziu os atos de quando Thalia o observava, embora agora fosse outra espectadora.
Annabeth não sabia se esfregava os olhos ou se gritava. Estaria realmente vendo uma passagem secreta?
- Só lhe advirto, pois quem avisa amigo é: você entrará em mundo que jamais sairá. Eu fiz minha parte, é hora de descobrir o que o futuro lhe reserva.
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