Capítulo XIX – Parte II
Dois dias atrás
Organização
- É... é impossível.
Dimitry, o chefe da Divisão de Inteligência balbuciou, afastando-se da tela do transmissor. Ele passou a mão na boca e olhou ao redor, atônito. O que acabara de descobrir entraria na história do instituto. Atarantado, correu até o armário mais próximo e o inspecionou a procura do arquivo que lhe provasse a autenticidade do ocorrido. Vasculhou em pastas e anotações antigas, sem sucesso. Acionou o dispositivo transmissor em seu ouvido e começou a ditar suas ordens.
- Código W. Preparem os Anciões; preciso de uma reunião imediatamente.
Dimitry esfregou os olhos por baixo dos óculos, sua aparência estava péssima; passara dia e noite sem dormir investigando a atual situação da Organização. Voltou a mirar o holograma de transmissão. Era uma grande tela holográfica com vários pontos amarelos que indicavam regiões. Em uma das extremidades, um pequeno quadrilátero mostrava riscos e alvéolos que se sobrepunham como numa onda eletromagnética, e aos pés do holograma havia uma esfera luminosa que piscava em um tom azul vibrante.
Ele se aproximou da esfera e descreveu uma linha em seu centro. Ela imediatamente parou de brilhar e uma imagem apareceu no centro do holograma.
- Uma mulher...?
Aquilo devia ser reportado antecipadamente aos Anciões.
Com um movimento da mão esquerda, a imagem do holograma se retraiu, transfigurando-se em um cubo que saltou para a mão de Dimitry. Era uma espécie de pen drive de arquivo ultramoderno. Ele o analisou e guardou dentro do bolso.
Um barulho na porta retirou-o do torpor.
- Entre.
Um adolescente de aproximadamente 16 anos, alto e ruivo, transpôs a porta e, assim que viu Dimitry, retirou seu arco das costas e se ajoelhou, mantendo-se apoiado no objeto.
- O Conselho dos Anciões está livre para ouvi-lo, senhor.
Todos os superiores eram tratados como “senhor”, “senhora”. Como Dimitry era de uma patente acima de Hale, o garoto ruivo, tratar-lhe-ia como tal.
O mais alto cargo da Organização era chefiado pelos Anciões, que detinham o poder e a ordem do local.
- Obrigado, Hale.
Dimitry apalpou o bolso, certificando-se de que o cubo permanecia ali.
- O senhor disse Código W... – Hale começou.
- Sim. – Ele ajeitou os óculos no nariz. – Por favor, leve o Aurifex até o Conselho. Há algo que preciso mostrar.
❤
Percy se amaldiçoava por não ter escolhido um voo de 1º classe, ou quem sabe seu jatinho particular. Aquilo dava mais solavancos que um carro em estrada de terra.
Sorte sua que não haviam sentado ao seu lado, assim não perceberiam os estragos que deixava no assento contíguo.
Estava próximo a seu destino, e sua preocupação enalteceu quando a voz do piloto retumbou mais uma vez nos alto-falantes.
- Passageiros, permaneçam sentados, pois passaremos por uma forte turbulência. Os ventos dessa região estão intensos e há uma possível tempestade se aproximando. Apertem os cintos. Os coletes salva-vidas se encontram embaixo de seus bancos. Os agarrem caso alguma coisa dê errado.
Percy detestou como aquilo soou. Pareceu uma sentença de morte: “Ei, estamos passando por uma turbulência e acho que não vamos sobreviver!”.
Se o aviso tentou apaziguar a situação caótica, acabou falhando miseravelmente, não surtindo efeito algum. As pessoas se perseguinavam com mais veemência, outros pranteavam clamando por Deus.
Percy revirou os olhos.
Eles não tinham caído.
Ainda.
Certo, esses pensamentos não o ajudaram nenhum pouco.
Observou o céu através do vidro da janela. Uma grande massa cinzenta os encobria esplendorosamente, como uma enorme mortalha de gás.
- É por isso que eu não gosto de aviões.
❤
Annabeth levou a mão à cabeça; estava com uma dor lancinante. Era como se, de repente, tivesse entrado em uma ressaca das bravas. Massageou as têmporas, semicerrando os olhos para ver se a dor passava mais rápido.
- Thalia – Tentou gritar, mas a única coisa que conseguiu fazer foi produzir um guincho de uma foca asmática rindo.
Analisou o estado de sua cama com cautela. Não estava a fim de arrumá-la, então apenas apanhou as garrafas e atirou-as no lixo o mais depressa que pôde.
Lembrou-se do que iria fazer, e enfiou o cartão de Percy no bolso. O moreno citara Quíron no bilhete, então talvez ele pudesse lhe ajudar.
Cada passo que dava era uma tortura para seu cérebro. Acreditava que a repentina visão a tenha tirado do estado embriagante em que se encontrava.
Pescou uma garrafinha d’água na geladeira e saiu do apartamento.
Não encontrou Thalia do lado de fora, e nem sequer notou que a porta de Percy estava entreaberta; seu objetivo era tirá-lo daquele avião.
_
- Ressaca?
- Ressaca – Annabeth aquiesceu.
Quíron retirou um frasco branco de dentro de uma das gavetas e estendeu-lhe.
- Tome isso, vai aliviar a dor.
- Obrigada.
Ela engoliu uma das pílulas brancas com rapidez, e se arrependeu em seguida. O comprimido raspou em sua garganta causando-lhe desconforto, e teve de tossir para amenizá-lo.
- Opa, vá com calma! – Quíron acariciou-lhe as costas.
- Argh – tossiu pela última vez e se recompôs. Pigarreou. – Quíron, você sabe que Percy voltará para Transilvânia.
Ele aquiesceu.
- Precisamos detê-lo. Ele não pode embarcar no avião – ela bateu o punho na mesa, os olhos fixos no semblante de Quíron.
Ele franziu o cenho.
- Não sei o motivo disso – ele relanceou a mão de Annabeth – mas o avião de Percy partiu há duas horas.
Annabeth arregalou os olhos.
- O quê? – Engoliu em seco, apertando o tecido do short.
- Isso mesmo que você ouviu – ele inclinou vagarosamente a cabeça, ainda confuso com a surpresa dela.
- Quíron, ele não podia! Ele, oh, céus...!
- Annabeth, o que foi?
- Nós temos que impedir. Não sei como, de alguma forma precisamos parar aquele avião – ela parecia determinada.
- Por quê?
- Eu tive uma visão, e não era das boas – comprimiu os lábios.
- Visão? Você quer dizer aqueles sonhos constantes que esteve tendo? – Ele alteou uma sobrancelha.
- Não, Quíron. É diferente. Não entendo ainda, mas acho que estou tendo visões. Não sei bem a que período se referem: passado, presente ou futuro, mas eu as tive, e até agora tenho certeza de que todas foram reais.
- E o que exatamente você viu?
- Primeiro, olhe o clima tempo da Transilvânia – incutiu, gesticulando para o computador.
Sem contestar, o caçador digitou alguma coisa no aparelho, e logo em seguida traçou uma linha invisível sobre a tela. Ele se recostou na cadeira e respirou fundo. A mesma expressão de quando ele se preocupava.
- Uma tempestade.
A confirmação foi como um soco em seu estômago.
- Previsível.
- Isso não significa necessariamente que... – Quíron parou de chofre. Trocando olhares silenciosos, ele compreendeu a gravidade da situação.
Lentamente, Annabeth proferiu o que ele não queria ouvir.
- Sim, Quíron. O avião vai cair.
❤
Organização
Dimitry adentrou a sala do Conselho e vislumbrou-a. Ela era ampla e alta, as paredes eram da cor vinho, com riscas verticais douradas que cruzavam cada quina do teto até o chão. No centro havia uma estátua prateada da deusa Ártemis portando seu arco e flecha. Ao todo, o Conselho era composto por cinco Anciões, que se postavam em mesas posicionadas em um grande “U”. Suas vestes eram compridas e claras, como as de um padre. A diferença era que não vestiam chapéus.
A aparência anosa deles dava-lhe a sensação de estar cercado por velhinhos mal-encarados.
As portas atrás de si se fecharam, trancando-o naquele recinto que lhe provocava arrepios. A Suprema Anciã voltou-se para ele.
- Soube que tem algo a nos dizer, Vans.
Os superiores se dirigiam aos inferiores por meio de seus sobrenomes, assim como Dimitry e August Hale. Era um sinal de respeito.
- Sim, Suprema. – Ele pigarreou e caminhou para frente da estátua, onde poderia visualizar todos sem que a arqueira o atrapalhasse. – A última vez que um deles apareceu foi há um século.
Nesse instante, August Hale, o ruivo, entrou na sala com um objeto em mãos. Ele fez a mesma reverência aos presentes e entregou objeto à Suprema Anciã.
- Se lhe foi necessário trazer o Aurifex, Vans, então creio que a situação a qual estamos prestes a lidar é confidencial – ela exclamou com sua voz arrastada e cansada, passando o indicador sobre o couro puído do livro. Apenas os arquivos mais sigilosos se encontravam ali.
- Sim, Suprema – redarguiu. – Se puder, abra na página 229.
A Suprema Anciã obedeceu, folheando-o calmamente. Quando pareceu encontrar a página, Dimitry notou o lampejo discreto e astuto que lhe avassalou a face.
Ela fitou aos outros Anciões, e vagarosamente anuiu com a cabeça. Um burburinho começou a crescer, e ela teve de bater palmas para silenciá-los.
- Um Visionário?
- Na verdade, uma Visionária.
Os membros do corpo da senhora se retesaram, ela tamborilou as unhas perfeitamente feitas no mogno da mesa e mirou-o profundamente.
- Mostre-nos – ordenou.
Dimitry retirou o cubo do bolso e o jogou para cima. Este imediatamente se expandiu, e o holograma com a imagem estava novamente em sua frente.
- Trabalhando na Divisão de Inteligência, observei que esta moça em questão teve seu poder ativado há poucas semanas. O departamento soube do aparecimento através das suas vibrações psíquicas que foram transmitidas no instante de uma visão – ele apontou para o gráfico de uma possível onda, na extremidade do holograma. – Quando Visionários preveem o futuro, ou qualquer outro período, abrem uma porta mental, tornando-se vulneráveis no momento. Durante o ato, projetam ondas psíquicas. Nossos equipamentos foram capazes de identificá-la, pois eram intensas o suficiente para chegarem até aqui, o que significa que o Visionário em questão possui uma capacidade mental incrível. – Ele ampliou a imagem do holograma. – O último com quem tivemos o prazer de trabalhar foi Van Helsing.
Os Anciões se entreolharam, exultantes. Todos os Visionários eram mantidos protegidos sob o radar da Organização, já que atraiam muita atenção pela grande força psíquica, desde a época da Guerra do Apocalipse.
- E agora, trata-se de uma cidadã nova-iorquina de 27 anos, conhecida como Annabeth Chase.
A Suprema Anciã levantou-se, inclinando-se sobre a mesa.
- Agradecemos pela informação, Vans. Acredito que todos aqui concordam – passou o olhar pelos membros do Conselho, que anuíram a cabeça com veemência – que ela tem que ser mantida em nossa guarda. A política da Organização perante eles é simples, embora rígida. Não queremos que o ocorrido de muito tempo se repita.
Dimitry entendeu que ela se referia a Guerra do Apocalipse.
- Ela tem de estar dentro de nossos limites, embora não saibamos a qual lado ela tende. Bem ou mal. Sobrenatural ou humano. – Ela volveu o corpo para Hale, que ainda se encontrava na sala, o rosto lívido e surpreso. – Por favor, Hale, traga-nos os Gemini.
- Sim, senhora – ele se curvou mais uma vez e saiu.
Cinco minutos depois, um casal de asiáticos que trajava o mesmo estilo de roupa adentrava o recinto e reverenciava o Conselho.
- Vossas excelências requeriam nossa presença – disseram com sorrisinhos zombeteiros.
Não importava quantas vezes Dimitry os via, ele sempre se admirava com o porte dos dois. Eram reconhecidos na Organização por serem ótimos estrategistas.
Por outro lado, eram uns pestes.
- Sim – a Anciã sentou-se. – Vocês partirão em uma missão de busca.
Os Gemini se entreolharam, excitados.
- Há um novo Visionário entre nós, e vocês estão encarregados de trazê-lo para cá.
- Wow, sério isso? – Mina Jun, a garota, exclamou, impressionada.
- Por que temos que fazer isso? – Lee Shang, o garoto, suspirou, frustrado.
Ignorando-os, a Anciã prosseguiu.
- Como bem conhecem a história do instituto, sabem o que esses seres são capazes de fazer – ela pareceu rosnar, embora não estivesse realmente irritada. A culpa não era dela (bem, em parte) se os pirralhos eram seus netos – ah, sim. Não eram bem um casal. Eram irmãos. - e faziam com que ela estivesse em constante vigília para todas as artimanhas que aprontavam. – O doutor Vans os instruirá para o que precisarem. Vocês têm uma semana e partirão amanhã.
- Sim, senhora – bateram continência e deixaram a sala rindo.
Ela deu um longo suspiro e fitou Dimitry.
- Cuide dessas crianças.
Ele assentiu e apanhou suas coisas, retirando-se em seguida.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.