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História Dear Danger - Capítulo XXIV


Escrita por: Srta_Lightwood

Notas do Autor


Olá~

Oi, gente, tudo bem com vocês? Eu espero que sim!
Pessoal, queria agradecer pelos 127 favoritos, pelos comentários e pelas views. Muito obrigada mesmo. Saber que a sua história é prestigiada pelas pessoas é muito bom para qualquer autor. Obrigada pelo imenso carinho de vocês, que se permitem tirar um pouco do tempo e ler o que escrevemos <3

Gente, o que acham da capa nova dos capítulos? Procede? Sim ou não? Podem opinar a vontade, falar que tá um lixo também é válido. Isso me ajuda a tomar vergonha na cara e tentar fazer melhor :v hehe nossa, que fatalista. Brinks. Mas ajuda.

Sim, esse capítulo ficou grande, consegui dizer tudo que eu queria nele, pelo menos o principal. Talvez haja continuação (ou não) do rápido flashback da Thalia no final do capítulo no próximo, mas não sei. Se ainda estiverem com dúvidas sobre alguma coisa, as perguntas estão liberadas.

Boa Leitura.

Capítulo 29 - Capítulo XXIV


Fanfic / Fanfiction Dear Danger - Capítulo XXIV

Capítulo XXIV

 

 

    Apesar de parecer impossível aos olhos alheios que uma Visionária recém-descoberta alcançasse o terceiro estágio rapidamente sem ter pulado as duas primeiras fases, equivocam-se aqueles que pensam dessa forma. Chase havia passado pela Sensibilidade e Telepatia mais rápido do que os últimos Visionários, e não tardou que o terceiro estágio fosse ativado.

  Para provar ao leitor que aquela que vos fala não baseia suas conjecturas em sentenças errôneas, volvemos alguns acontecimentos, para melhor compreensão de tais episódios. A Sensibilidade se intensificou com a presença eminente dos poderes do Jackson, embora já estivesse florescendo antes de sua chegada. Ele despejou o fósforo aceso na gasolina, resultando numa explosão abrasadora. A partir de então, todas as eventualidades que se sucederam com a protagonista remontavam à presença do moreno.

   Distintivamente, Annabeth só passou a desconfiar de suas capacidades quando escutou a conversa de Quíron e Percy no apartamento do mesmo. Apesar de ele ter afirmado que lhe havia “apagado a memória”, isso não a impedira de visualizar os últimos momentos que passou com ele até desmaiar e ser carregada ao apartamento. O motivo de tal realização é que Visionários possuem uma gigantesca capacidade mental, e não são atingidos por esses tipos de truques. Como um “escudo”, tudo é bloqueado.

    A Telepatia, sob outra perspectiva, foi realizada uma única vez. Durante a viagem de Percy, Annabeth “desejou do fundo do coração que ele estivesse bem”, portanto, a frase “Percy, esteja bem” flutuou constantemente em seu cérebro enquanto seus pensamentos fluíam até o moreno. Inusitadamente, seus pensamentos o atingiram.

    “Ele imediatamente arregalou os olhos e virou-se para trás. Podia jurar que ouvira a voz de Annabeth, nítida e viva em seus pensamentos”.

    Todas as proposições aqui ressaltadas seriam refletidas por Quíron e, posteriormente, pelos membros da Organização.

    Se Annabeth já não tivesse outros planos.

 

[...]

 

     Após desmaiar, Annabeth sentiu-se ser puxada para fora de seu corpo. Via seus amigos ao redor de si, no chão, tentando acudi-la. Não entendia o que estava acontecendo, por que podia vê-los e por que raios seu corpo estava no chão?

     Caramba, morreu e não sabia.

    Antes que chegasse a conclusão que sua hora realmente havia chegado, deslocou-se pelo recinto tão rápido quanto um raio. Atravessava paredes, árvores, carros, e de forma alguma se machucava. Cogitou a possibilidade de estar blefando, e tratou logo de buscar com as mãos a pele do braço para que pudesse se beliscar. Mas não via nenhum de seus membros, não tinha controle sobre si, como se sua consciência ganhasse autonomia e estivesse flutuando para qualquer lugar, tal qual um andarilho. As coisas ao seu redor passavam muito rapidamente, num borrão de pinceladas claras e escuras.

     Num átimo de segundo, encontrava-se em outro lugar.

    Uma densa floresta latifoliada e úmida erguia-se ao seu redor majestosamente, nevava muito, e havia pelo menos um palmo de neve fofa sob seus pés. Os topos das árvores eram regados pelos flocos pálidos e minúsculos que caíam dos céus, rodopiando e pousando delicadamente nas folhagens escuras. A vista seria bonita se parte da vegetação não estivesse rala, morta e seca. Talvez o único consolo que recebiam era o carinho dos flocos de neve. Se estivesse com botas, gostaria de afundá-las naquele manto esbranquiçado. Mais à frente, enquanto se aproximava, o telhado podre do que antes poderia ser uma grande construção, despontou no horizonte. Sua localização ia mais ao fundo da floresta, que a circundava como um forte de batalha denso e impenetrável. Quanto mais perto chegava, mais nítido alguns detalhes se tornavam. As paredes claras e desbotadas com manchas negras borrando pontos específicos aqui e ali. Parte do telhado estava destruído, e Annabeth concluiu que aquela casa havia sido abandonada há muito tempo.

    Aquele lugar possuía um ar melancólico, vazio, que talvez um dia houvesse trazido felicidade para alguém, mas se cansara dessa árdua tarefa, vindo a apodrecer.

    Um grito cortou o ar.

   Adquiriu mais velocidade e adentrou aquela casa, transpassando as paredes, estacando logo em seguida, como se sua alma dissesse que por enquanto, até ali, estava bom.

    Se assustou com o que viu.

    Uma sombra bruxuleante ondulava em torno de uma pessoa encolhida no chão que soltava gemidos esporádicos de dor. Suas vestes empanturravam-se de sangue, e os pulsos eram retidos por grossas correntes de ferro, já degastadas e podres. Uma comoção tremenda e um desespero absoluto avassalaram Annabeth ao reconhecer aqueles cabelos cor de azeviche. Tentou chamá-lo, contudo, parecia que a condição em que se encontrava permitia que ela apenas assistisse ao teatro como uma boa telespectadora.

    A sombra proferia palavras baixas e inaudíveis, como chiados, e vez ou outra se aproximava, fazendo com que o ser encolhido grunhisse de frustração. Tentou mover-se, sem sucesso. Buscou algo que pudesse ajudá-la e congelou. Podia não estar de corpo ali, mas sentiu como se todos os pelos de seu corpo se eriçassem.

   Atrás de um caixão de tampo aberto, no breu daquele cômodo sujo, dois perversos e intensos olhos vinho a fitavam. Era perturbante a reação que aquele olhar lhe causava, e Annabeth acreditou que estivesse cara a cara com o próprio Medo. Paralisara-se. Quanto mais o mirava, mais o escuro ao redor parecia querer engoli-la com suas presas. Pensou em clamar por ajuda, todavia, lembrou-se de que suas condições não permitiam. Pensou em chorar, correr para os braços de sua mãe para se proteger, tamanho era seu desespero.

    Não sabia o que estava acontecendo, só queria sair dali.

    - Nico, pare... – uma voz áspera e severa ressoou por todos os lados, e ela teve certeza de que vinha daquele ponto fixo o qual mirava. Ao seu lado, a sombra se transfigurou em um homem, e arregalou os olhos ao reconhecê-lo. – Há mais alguém aqui...

    Se ela mesma não se via, eles não poderiam estar vendo, certo?

    - Que surpresa... há muito não sou agraciado por presença semelhante. – Uma risada rouca, baixa e rude se espalhou pelo cômodo. – Parece que o novo Ciclo começou. – Nunca se sentira tão amedrontada em toda sua vida.

    - Perdão, meu pai, mas sobre o que está falando?

    - Aqui nesta casa... há outra pessoa.

    - Mas eu não sinto ninguém.

    - Você é fraco demais para sentir, pirralho. – Ele moveu as mãos em movimentos circulares, aprovando a situação. – Sutil, pura... O que me leva a crer... – parou por um instante, e seu olhar repousou na loura.

    Percy emudecera, os ferimentos de seu pulso gradativamente fechavam e se curavam. Sua cabeça doía como o inferno, e cada palavra preterida por aquela criatura repugnante faziam a dor aumentar. Se pudesse, já teria se soltado e partido para cima do primo. Misericórdia é o que aqueles dois não mereciam.

    - Qual o nome da flor que levou o nosso príncipe? *

    Nico fitou Percy de soslaio, recebendo um semblante frio como resposta.

    - Não se atreva... – rosnou baixinho.

    - É Annabeth Chase, senhor.

    O coração dela enregelou-se no peito. Como ele sabia seu nome? Como sabiam de sua presença?

    Percy soltou o ar preso em seus pulmões, mordendo o lábio inferior irritadiço.

    - Ah, Nico, era para você ficar quieto...

    Fez todo o esforço possível para liberar-se de uma das corretes, fazendo-a se desprender da parede. Agarrou Nico com a mão livre e, um pouco tonto pelas dores de cabeça, conseguiu lançá-lo contra a parede, atravessando-a. Tentou livrar-se da outra, mas sua cabeça voltou a doer novamente. Produziu um grunhido baixo e estacou, esperando que aquilo parasse.

    Annabeth viu, por um milésimo de segundo, um lampejo de surpresa avassalar os orbes de Hades com o ato repentino. Mas então um sorriso arrebatado de circunspecção brotou em seu rosto. A ação impulsiva do sobrinho havia esclarecido-lhe alguns pormenores.

    - Annabeth, hum...

    O moreno permitiu que seu ser percorresse todo o local, promovendo uma “varredura”. Estacou ao sentir a presença leve que Hades citara. Não poderia ser uma pessoa, pois eram facilmente reconhecidas. Olhou ao redor inúmeras vezes, buscando encontrar quem quer que fosse. Então sentiu um sopro em seu ouvido. Concentrou-se mais uma vez. Havia uma sutileza sublime naquela presença que ele conhecia muito bem.

    Annabeth estava ali.

    Permitiu-se sorrir minimamente, a única coisa para qual tinha forças.

    - Venha me salvar, Annabeth. Estarei te esperando.

 

    Então, Annabeth voltou.

 

    Repentinamente, eles mergulharam em um silêncio profano. Só os dois naquela casa velha e abandonada.

    Hades moveu os dedos finos sobre o tampo do caixão, aproximando-se cautelosamente.

    - Tens forças suficiente para matar-me. Por que não o faz? – Murmurou retoricamente, num fio de voz.

    - Me pergunto o mesmo – sustentou o olhar do tio. Olhando-o assim, quem sabe ele não tivesse sido uma boa pessoa, se o ódio e a cobiça não o rondassem sempre?

    Dentre todas as coisas, talvez o moreno não fosse o único que tentava retardar a realidade, buscando uma centelha, uma fagulha de esperança enraizar em seu peito. Aí tudo ficaria bem.       

    Também eram da sua família.

    Embora esse sentimento se restringisse apenas a Nico.

    Se matasse Hades, o que aconteceria consigo?

 

[...]

 

    Acordou num sobressalto, chocada demais para dizer alguma coisa. Não conseguia parar de pensar no que vira, e que deveria fazer alguma coisa o mais rápido possível para ajudar Percy.

    Jogou o lençol branco para o lado e levantou-se, a velocidade do ato desequilibrando-a e a fazendo cair sentada na cama. Foi quando reparou onde estava.

    Encontrava-se num quarto nem tão grande nem tão pequeno, mas que caberiam exatas três camas de solteiro, uma do lado da outra. As paredes eram pintadas em branco com riscas verticais douradas que lembravam muito uma cela. Embora realmente fosse um quarto, pois a presença da cama lhe assegurava isso, tudo ali era diferente, provavelmente coisas que um ser humano nem consideraria ter. Havia luvas de couro, botas escuras enlameadas, lanças afiadas recostadas sobre uma prateleira contendo objetos que não pareciam amigáveis. Um guarda-roupa pequeno e cinza jazia sobre o carpete vinho que encobria todo o chão do recinto. Deparou-se com uma figura esparramada no chão, um cobertor cobria seus braços. A boca estava aberta num ângulo engraçado, e uma baba escapava-lhe dos lábios. Annabeth teria rido se a tensão não estivesse percorrendo seus ossos.

    Cutucou Thalia com o dedão do pé, vendo-a se contorcer e cobrir a cabeça com o cobertor.

    - Hey, Thalia, psiu – sussurrou, cutucando-o mais uma vez.

    - Sim, a chave está em cima do... hum... – murmurou alguma coisa. A loura franziu o cenho.

    - O quê?!

    - Eu disse que camarão é melhor, seu animal! – Chiou. Como nunca reparara nessas alucinações da amiga?

    - Thalia, vamos! – Desta vez a empurrou com os pés, fazendo-a rolar e se desprender do cobertor.

    - Tô atrasada! – Deu um gritinho e pôs as mãos na cabeça.

    Annabeth desatou a rir.

    - Mas o quê?! – Fungou, segurando a barriga. – Thalia, você pirou?!

    - Ahn? – A morena a mirou com os olhos inchados e as bochechas amassadas. Quando se tocou, enrubesceu, escondendo o rosto com os braços. – Eu ainda vou fazer você pagar por todas as minhas horas sem dormir, Annabeth! – Estrilou, rindo também. Apanhou suas coisas e as jogou na cama.

    - O que é esse lugar? Onde estamos? – Recobrou a seriedade de antes.

    - Às vezes me pergunto se o teu QI é mesmo alto – Thalia revirou os olhos, ajustando o arco nas costas. – Estamos na Organização e esse é meu quarto.

    Annabeth fez uma careta.

    - Que foi?!

    - Nada.

    A loura fez um barulho com a boca e meneou a cabeça. Os pés se remexiam inquietos. Thalia notou, chamando a atenção da amiga ao se aproximar e colocar a mão sobre sua testa.

    - Bom, você não está com febre – sorriu, bagunçando as madeixas da mais nova. A amiga estivera abatida nos últimos dias, e isso preocupava Thalia. O rosto cansado, os ombros curvados e os olhos sem brilho. Talvez ela passasse por mais coisa do que podia imaginar.

    - Por quanto tempo eu dormi? – Annabeth encarou o chão, soltando um longo suspiro.

    Thalia coçou a nuca, sentando ao seu lado na cama. Tocou-lhe as mãos, fazendo carinho com o polegar. Após um silêncio reconfortante, prontificou-se:

    - Por dois dias.

    A loura arregalou os olhos, estupefata.

    - Tem certeza?

    - Absoluta. – Fez uma pausa. – O Conselho pediu para avisá-lo assim que retornasse.

    - Retornasse? – Arqueou as sobrancelhas. – Mas eu não...

    - Ah, é, como posso te explicar – cortou-a – bom, aparentemente sua alma migrou. Isso é um processo chamado Metempsicose que só vocês, Visionários, podem realizar. Você viu alguma coisa enquanto esteve desacordada?

    Annabeth abriu a boca para responder, mas algo a impediu. Não poderia contar-lhe a verdade, não agora. Embora já o tenha feito, não era de seu feitio mentir, principalmente para sua melhor amiga. Portanto, sentiu-se mal ao fazê-lo. Todavia, tinha de proteger Percy a todo custo.

    - Eu apenas vi Percy. Mais nada – deu de ombros.

    - Ah, certo – Thalia hesitou, receando que a amiga tivesse ocultado algumas coisas.

    Grace se levantou e caminhou até a porta, dando um breve aceno para a outra.

    - Vamos, o Conselho quer te ver. Há muitas coisas que precisa saber. Espero que esteja preparada, pois não há mais volta.

    Annabeth ponderou quantas vezes escutara aquela frase enquanto seguia Thalia por um longo corredor.

 

[...]

 

    A visão era um tanto que caótica. Um enorme salão preenchido por mesas dispostas em um “U” invertido, uma estátua no centro, e aquelas figuras enrugadas que a fitavam por sob as carrancas sérias e curiosas. A vestimenta clara impelia-lhes um ar solene e autoritário, riscas douradas iam do tórax até a base da roupa. Uma faixa púrpura escorria sobre seus ombros direitos, tocando o chão, e bem na ponta havia o desenho de uma flecha.

    Thalia pôs a mão nas costas de Annabeth e a guiou para a frente da estátua, onde, supostamente, seria interrogada.

    Haviam muitos caçadores presentes. Os Gemini também estavam ali.

    - Quem são estes? – Annabeth perguntou, gesticulando para as pessoas atrás das mesas.

    - São os Anciões. Só não os interrompa quando eles estiverem falando, eles não gostam nenhum pouco. Aquela é a Suprema Anciã... – gesticulou para a senhora na mesa do centro -  vó dos pirralhos de olhos puxados.

    O burburinho de antes começou a diminuir quando a Suprema Anciã se pôs de pé, espalmou as mãos e as apontou para a estátua. Os membros do Conselho a acompanharam. Parecia uma cerimônia de abertura, que Annabeth preferiu não interromper.

    - Com a permissão de nossa senhora Ártemis, damos início ao Conselho.

    Annabeth se assustou com o barulho do ferro se chocando contra o chão quando os caçadores se agacharam numa reverência e se apoiaram em suas armas. Assim permaneceram.

     A voz estridente da senhora reboou por todos os lados.

    - Annabeth Chase, vinte sete anos, nova iorquina. Trazida para cá a fim de cumprir com a palavra e honra de seus ancestrais, os Visionários. Sua presença aqui, minha jovem, é de suma importância para nós. Você representa o início de um novo Ciclo. – Ela respirou fundo. – A cada cem anos a mesma reunião é realizada. – Sua atenção focava-se no que a senhora dizia, parecendo surreal. – Para que compreenda sua estadia conosco, é sábio, pois, que lhe seja informado sobre sua origem e de todos nós aqui presentes, assim como os mistérios que revolvem o instituto. – Uma pausa. – Você está pronta para receber a verdade e somente em nós, a Organização, depositar a sua fé?

    Annabeth engoliu em seco, buscando um apoio no olhar de Thalia. A morena murmurou um “Sim”. Voltou a mirar a Suprema Anciã, as mãos trêmulas e empapadas de suor.

    - Sim.

    - Muito bem. Tragam o Aurifex.

    Um rapaz ruivo surgiu detrás das grandes mesas e se dirigiu até onde estava. Parou em sua frente com um grosso e velho livro com uma lua no centro.

    - Coloque a mão sobre o livro, por favor – pediu baixinho o menino de amáveis bochechas rosadas.

  - Annabeth Chase, juras confidência e compromisso com seus companheiros? – A voz da Suprema penetrou seus ouvidos, profunda e autoritária.

    - J-juro. – Depositou a mão sobre o livro. Mordeu a língua por ter gaguejado e escutou um risinho vindo do garoto, que logo mais se retirou.

    - Tudo dito aqui deve morrer aqui. – Todos repetiram, provocando um calafrio na loura.

    - Permita-me introduzir-lhe a nossa história.

    “Reza a lenda que, no início dos tempos, os deuses, a fim de manter o equilíbrio no universo, mandaram à Terra aqueles que promoveriam a sua colonização. Estes seres, os primeiros descendentes, foram denominadas ‘humanos’”.

    Annabeth fez uma careta, contendo-se para não rir. Era desrespeitoso de sua parte, entretanto, aquilo era um conto da carochinha, e não uma realidade da qual fazia parte.

     “Os primeiros descendentes prosperaram. Contudo, demoraram anos até descobrirem o fogo. Com pena deles, Prometeu roubou o fogo dos deuses e os presenteou com ele.

    “Acredita-se que, durante a criação dos primeiros descendentes, um equívoco foi cometido pelos deuses. Criaturas muito semelhantes a eles foram criadas. Suas capacidades aproximavam-se das de seus criadores, e por isso mesmo representaram uma ameaça. Estes eram os Sub-Humanos.

    “Para não exterminar essa nova raça, foi decidido que viriam para a Terra como Guardiões dos primeiros descendentes, com a missão de protegê-los e guiá-los em suas jornadas. E assim então, um por um, eles caíram na terra.

    “Velozes e mais fortes, estas não eram a única característica que os diferenciavam dos humanos. O apetite voraz por sangue de animais também. O único envolvimento que as duas espécies possuíam era estritamente superficial.

    “Com o passar do tempo, os pioneiros, denominados humanos, iniciaram uma lenta caminhada à desvirtuação, entrando em decadência. Matavam uns aos outros, guerreavam, visando a submissão dos mais frágeis. O poder e a cobiça dominavam-lhes a mente. Os Guardiões precisavam agir, mas a revolta volvia em sua direção, a mortalha sendo jogada cuidadosamente sobre suas cabeças.

    “Os humanos questionaram a existência de seres superiores a eles. Podiam muito bem viverem sozinhos. Desenvolveram armas, almejando a extinção dos Guardiões.

    “Os deuses, percebendo a depravação de seus filhos, mandaram como meio de salvação o primeiro indivíduo que manteria a paz entre os dois mundos: Um Visionário.”

    Annabeth estava atônita. Era muita informação, sendo verídica ou não, a culpa da indecência humana caminha a passos largos desde o passado.

    “Muitos Guardiões foram dizimados, e os que restavam procuravam criar novos sucessores, que passaram a se alimentar de sangue humano.

    “Um Visionário não possui qualquer habilidade física, sua força se concentra em sua mente. Vocês passam por quatro estágios até atingirem a plenitude de seus poderes: Sensibilidade, Telepatia, Metempsicose e, por fim, Previsão. Quando todos são concluídos, as portas mentais se abrem, permitindo que sua consciência viaje no espaço-tempo. Vocês têm o controle total do passado, presente e futuro e por causa disso, tornaram-se alvos dos Sub-Humanos que, alimentando uma vingança precoce, os viam como meio de mudar o rumo do futuro. Se eles conseguissem retornar ao passado, seus irmãos não teriam sido mortos e, no futuro, estariam no comando.

    “Foi quando se fundou a Organização, um instituto formado por caçadores para proteger os humanos e Visionários das garras dos Não-Mortos. Mergulhamos em uma guerra no início da Idade Média, a Guerra do Apocalipse. Se os Seres da Noite pusessem as mãos em vocês, estaríamos perdidos. Eles não percebiam a gravidade de suas ações. Ao voltar para o passado, tudo se recapitula, e não só como seus irmãos, mas eles também não existiriam mais. Tentamos alertá-los, mas de nada adiantou. O Visionário daquela época era Abraham Van Helsing. Durante muito tempo, ou se matava ou se morria. No final, a morte era a única saída.

     “Van Helsing conseguiu, no fim, fazer com que os Guardiões visualizassem o futuro deles se o que queriam viesse a acontecer. Entretanto, muita destruição já havia abalado o mundo.

   “Então, findou-se um acordo de tolerância. Guardiões não interviriam nos assuntos dos caçadores e vice-versa. Muitos se opuseram, denominados Renegados, e continuaram a cometer crimes hediondos até hoje. O nosso trabalho é eliminá-los. Eventualmente, estas regras são seguidas até hoje pelos dois lados da moeda. ”

    - A sua presença, senhorita Chase, liberando esta poderosa e invisível energia que possuí, atrairá Renegados de todo o mundo. É quando nós agiremos. Compreendes a serenidade de sua estadia aqui? – A loura já estava cansada de ficar em pé, e sua cabeça já começava a latejar, então apenas concordou. – Devo acrescentar que a nossa lei número um se fundamenta no não envolvimento das duas partes. – A anciã correu os olhos pelo local. – Que fique claro para todos.

    Os caçadores se levantaram e relaxaram os músculos.

    - Grace, leve a senhorita Chase aos seus aposentos. Esta reunião está encerrada.

 

 

__

 

    - Você não se cansou lá dentro? Sabe, ficar o tempo inteiro agachada.

    - Não, está tudo bem, somos treinados para suportar qualquer coisa.

   - Hum – mordeu o lábio inferior, as memórias se embaralhando com os recentes acontecimentos. A culpa nem sempre fora dos Sub-Humanos, como se costumava supor; os primeiros descendentes iniciaram uma lenta trajetória rumo ao cinismo, e os Seres da Noite os assistiram cair. Até fazerem o mesmo. - Como estão as coisas ultimamente? Sabe, entre vocês e os vampiros – Annie perguntou, esperando ouvir uma resposta otimista.

    - Digamos que na média – coçou a testa com o indicador. – Desde que não aprontem, não nos envolvemos. Entretanto, as coisas estão engrossando. O despertar das suas habilidades, Annie, é um problema, pois não só os Renegados como os outros Não-Mortos podem vir atrás de você. Isso compromete a segurança da Organização.

    - E mesmo assim me querem aqui? – Sorriu debochada.

    - É por uma causa nobre. Não queremos passar por aquela situação – apontou para o lugar de onde tinham acabado de sair – de novo. É constrangedor. E, aliás, tê-los por perto facilita a nossa ação, estarão fritinhos da silva.

    - Certo. E por que raios eu os atraio? – Thalia parou e virou-se para encará-la.

    - Quando um Visionário começa a usufruir de seus poderes, não consegue controlar as vibrações que emite. São ondas psíquicas de grande carga que despertam os instintos vampirescos – Thalia riu-se da última palavra. – É a mesma coisa com o chamado de um Alfa em uma alcateia. Tanto ômegas quanto betas seguem o chamado. No seu caso, diria que você é o alfa.

    - Espera, vai me dizer que existem outros além dos vampiros?!

    - Annabeth, em que tipo de mundo você vive? O termo “Sub-Humanos” refere-se a qualquer criatura sobrenatural. E é claro, isso também inclui lobisomens.

     - E fadas? Duendes? Sereias?

   - Annabeth, não viaja – revirou os olhos, sorrindo e aliviando a tensão que pairava entre elas. – Os lobos são nossos amigos. Ártemis tinha uma alcateia de estimação.

    - É, uma alcateia de lobos, e não lobisomens – A loura disse como se fosse óbvio.

    - Dá no mesmo. Os dois rolam e abanam o rabo.

    Thalia era tão categórica.

    - De que lado eles ficaram na Guerra do Apocalipse?

    - Bom, a maioria ficou ao nosso, poucos se opuseram. Lobisomens costumam ser mais gentis e dóceis, além de dificilmente serem percebidos quando inclusos na sociedade. Sabe, eles se alimentam e fazem as mesmas coisas que nós. Controlam os instintos muito melhor do que os vampiros. Aquele garoto que levou o Aurifex até você, o August, não é só um caçador – sorriu de canto.

    Annabeth relutou, pensando em alguma coisa. Se Percy era um vampiro, porque o vira sair de dia? O mais importante: como conseguiu comer seus cupcakes? Antes que pudesse perguntar, Thalia prosseguiu. Notou que estavam se aproximando de uma porta dupla para qual ela não sabia onde ia dar.

    - Mas entre os Não-Mortos há exceções. Acredita que os sem-vergonhas utilizam amuletos para se protegeram do sol? Como se protetor solar não fosse o bastante... – riu-se da própria piada.

     - Amuletos?

     - É, muitas vezes algum colar ou anel. E a culpa disso tudo é dos ciganos.

   - O que eles têm a ver com isso? – Annabeth ficava mais intrigada a cada minuto. Ajudou a empurrar a grande porta e a transpuseram.

    - Acredite, se um cigano pede para ler a sua mão, o que ele diz depois é verdade. Foram eles que criaram os amuletos. Sei lá como, não são bruxos nem nada, mas têm conhecimentos sobre feitiços antigos. Eles usufruem da magia para ganhar dinheiro, esses safados!

    - Parece que o que os anciões disseram tem continuação – umedeceu os lábios, olhando ao redor.

    Thalia sorriu.

    - Alguns detalhes ficaram de fora. O que foi dito lá é suficiente para você entender a situação e permanecer conosco. Realmente precisamos de você.

    - Você irá me contar o resto?

    Thalia sorriu de canto e caminhou até uma prateleira no canto da sala e agarrou um canivete. Haviam chegado a uma sala com alvos e arsenais para batalhas, ampla e arejada, uma porta de vidro aos fundos levava para um campo aberto onde algumas pessoas batalhavam. Cordas, redes, pistolas e outros objetos jaziam naquele cômodo.

    - Vou, mas primeiro você vai treinar comigo – puxou um alvo amarelo e levou-o até a parede oposta, posicionando-o em frente a loura.

    - Treinar com você? – Exclamou como se a ideia fosse absurda. – Eu não sei nem manejar uma gilete direito e você quer que eu treine com você?! – Balançou os braços no ar, indignada.

    - Isso ou você fica sem respostas – depositou o canivete nas mãos macias da amiga e recostou-se na parede, girando os pulsos e estralando os dedos.

    - Ok – estalou a língua. – O que devo fazer?

    - Está vendo o alvo amarelo? – Thalia apontou para ele.

    - Sim.

    - Acerte-o.

    - Oi?

    - Você me ouviu – incutiu, cruzando os braços. – Acerte o centro do círculo. Quero testar sua precisão.

   Annabeth assentiu e se afastou, parando a 3 metros do alvo. Abriu o canivete e mirou, atirando-o com força do outro lado. Ele esbarrou na parede com um ruído metálico e caiu no chão.

    - Não, não – a morena meneou a cabeça em desaprovação e pegou o objeto. – Não ponha força, seja ágil.

    - E como faço isso? – Franziu o cenho, tomando o canivete para si.

    - Foque-se apenas naquilo que quer acertar. Mantenha a calma. O resto é o que menos importa no momento. Vamos, tente de novo.

    - Qual o objetivo disso, afinal?

    - Você pergunta demais. Fale menos, aja mais. Se vai ficar aqui precisa começar pelo básico.

    Ficar era uma coisa que Annabeth não planejava, de acordo com as circunstâncias, sua prioridade no momento era encontrar uma forma de salvar Percy. Entretanto, reconhecia que sem técnica alguma não conseguiria nenhum progresso, e isso poderia prejudicá-la no futuro. Se esforçaria, e quando estivesse pronta, traçaria sua rota de fuga para fora daquele lugar. Não envolveria Thalia, para a segurança dela e de Percy, a única pessoa com quem podia contar era Quíron, já que o mesmo se embrenhara desde o começo na história.

   Suspirou tentando manter a calma, a ansiedade percorria seu corpo, e as ordens de Thalia começavam a lhe irritar. Apertou o canivete entre os dedos, fitou o alvo e o jogou, acertando o centro do mesmo.

     Sorriu orgulhosa.

    - Me conte o resto – pediu, sentando-se em frente a Thalia.

    - Está bem – deu de ombros, repetindo a ação da amiga. – Mas não há muitas coisas para acrescentar, como eu disse: detalhes. Vejamos... – passou a língua nos lábios e estreitou os olhos. – Os lobisomens não se dão bem com os Não-Mortos justamente por seus princípios serem diferentes. Durante a Idade das Trevas, reconheciam que as coisas estavam tomando um rumo estranho e não eram a favor das ações dos vampiros. Por isso ficaram do nosso lado na guerra. Os que se rebelaram acabaram morrendo por seus próprios aliados. Existem poucos hoje em dia, alguns podem ser encontrados aqui – girou o indicador.

   - A Suprema Anciã disse que, após a tentativa de vampiros criarem sucessores, estes desenvolveram o apetite por sangue humano – acrescentou a mais nova como uma boa aluna.

    - Sim, a necessidade de sangue era extrema, e não tinham mais interesse em animais. Sangue humano os deixavam mais fortes, além de achar que somos mais apetitosos – bateu com dois dedos na jugular, rindo.

  - Então desde o começo a culpa foi nossa? – Annabeth mirava o chão, brincando com a poeira incrustada nas pequenas rachaduras.

    - Dos nossos ancestrais – corrigiu-a.

    A mais nova deitou-se no chão, deixando que o cansaço e a fadiga do dia a abatessem. O silêncio era reconfortante assim como o som leve de suas respirações.

   - E eu achando que viemos do Big Bang – riu frouxo, virando-se de lado e colocando as mãos sob a cabeça, as pálpebras pesando.

    Queria muito contar para Thalia como se sentia em relação a tudo e principalmente sobre Percy. Nunca guardara um segredo da amiga, e o fato de fazê--lo agora doía-lhe o peito. Queria dividir aquele momento com alguém especial como sua melhor amiga.      

    Guardar seus sentimentos nunca foi um trabalho fácil, já que tinha o costume de tagarelar sobre qualquer coisa se assim achasse necessário. Se pelo menos tivesse um suporte para se apoiar para aliviar aquele peso em suas costas, ficaria eternamente grata.

    - Thalia, você realmente voltou para Nova Iorque para... ahn... eliminar vampiros? – Era desconfortável usar aquela palavra, pois não estava em seu vocabulário, principalmente por ser uma gelatina e não conseguir fazer mal a uma mosca.

    Não, mentira, uma mosca até vai.

    A morena parou o que estava fazendo – produzir figuras primitivas no chão de cimento com o canivete – e deixou sua mente volver suas memórias. A expressão enevoada escondeu a verdade por trás de suas palavras.

    - Sim – sua resposta preencheu o recinto. Aquela conversa terminara.

 

[...]

    Dois meses atrás

    Las Vegas – 11h05min

 

   

    A garota de curtos e brilhantes cabelos negros cor azeviche caminhava por entres as várias pessoas naquela avenida com um sorriso gigante estampado no rosto. Acabara de ser promovida no serviço e adorava a sensação de triunfo que emanava de seus poros naquele momento. Só provava que seu esforço e dedicação haviam sido recompensados.

   Atravessou a rua dando pulinhos intercalados entre uma faixa de pedestre a outra. As pessoas ao seu redor acabavam sorrindo contagiadas pela energia positiva vinda da mulher. Provavelmente se estapearia mais tarde por ter agido de forma infantil e vergonhosa, mas não se importava no momento. Nada a deixava mais feliz do que a sensação de dever cumprido.

    Decidiu ir até a cafeteria e comprar um expresso com chantilly e um donut. Mais tarde pediria pizza e se empanturraria de porcaria sozinha e morreria feliz.

    Gostaria que Luke estivesse consigo.

    Ouviu o tilintar da porta da cafeteria ao abri-la e o cheiro adocicado de manteiga de amendoim invadir suas narinas.

    - Parece contente hoje, Grace – comentou o Sr. Murphy, um velhinho barrigudo gente fina e dono da cafeteria. Sempre que falava soprava o espesso e crespo bigode sob seu nariz atrofiado. – Qual o motivo de tanta felicidade? – Sorriu, mexendo uma colher em seu café extraforte para mantê-lo acordado.

     - Fui promovida, Sr. Murphy! - Abanou as mãos no ar, rindo de sua própria infantilidade.

    - Ora, mas que maravilha! – Comemorou, batendo uma mão na mesa e se levantando da cadeira de rodinhas atrás do caixa. – Pois bem, hoje é por conta da casa, sinta-se à vontade.

      Ela engasgou com a própria saliva.

    - Sério? Tipo, sério mesmo?! – Arqueou uma sobrancelha.

    - Seríssimo, minha jovem.

    Acomodou-se numa das mesas e pediu o que antes tinha em mente. Não iria abusar da hospitalidade do Sr. Murphy mesmo que quisesse.

   Estava na terceira mordida em seu donut, os dedos da mão direita lambuzados de leite condensado quando seus olhos se prenderam em uma manchete no jornal jogado próximo a si. Falava sobre uma morte inusitada que ocorrera em Nova Iorque.

    Apanhou o papel cinza, o cenho se franzindo em curiosidade.

    Duas partes lhe chamaram a atenção. Pediu que alguém lhe emprestasse um marca-texto e pôs-se a grifar as frases ali, rasgando e guardando consigo o pedaço que queria.

    “Os médicos que o submeteram à autópsia alegaram ter encontrado dois orifícios pequenos no pescoço do jovem. ”

    “Parece-me uma mordida de ratazana, já que são muito comuns em becos escuros e úmidos” – constata o médico Will Solace do hospital Survive de Anatomia e Cirurgia. “Mas isto não condiz com a quantidade de sangue perdida pelo paciente” – Afirmou Will. “Acreditamos que tenha morrido de esgotamento nervoso após a grande perda de sangue, pois encontramos o resíduo em suas vestes e no chão onde foi encontrado, porém, como ocorreu, não podemos dizer ainda.”

    Sentiu sua tatuagem arder, fazendo-a soltar o copo de café e pressionar as costas na cadeira. Soltou um suspiro frustrada. O dia estava tão belo até ver aquela notícia, como se de repente uma nuvem cinza houvesse coberto sua cabeça.

    Abanou a mão acima de si só por precaução.

    Sorriu amarelo ao sair do estabelecimento e rumou para seu apartamento. No caminho, só pensava em como a felicidade podia durar tão pouco. Podia estar sendo dramática, mas qual é, merecia um descanso mais que qualquer um.

    Então ouviu o derrapar dos pneus de um carro e um barulho de vidros se partindo.

    Virou-se instantaneamente.

    Alguém sofrera um acidente.

    Correu para ajudar e – lógico – ver o ocorrido e não pôde esconder sua assombração ao deparar-se com o corpo de uma menininha deitada sobre alguns respingos de seu próprio sangue. Prendeu a respiração. Se não houvesse sido treinada para isso, provavelmente teria entrado em choque, sem condições algumas para agir.

    Tirou sua jaqueta e, cuidadosamente, envolveu-a na menina, procurando rapidamente pelo local da ferida. Ela chorava, mas percebeu que fazia um esforço a mais para não berrar, pois mordia os lábios delicados com força, resquícios da surpresa ainda abalavam o que antes era uma face celestial.

    - Está tudo bem, vai dar tudo certo – murmurou, uma mão acariciando a cabeça da menina. Ouviu a porta do carro bater e o motorista sair para verificar o que tinha acontecido.

     - Ai, meu Deus! – Levou as mãos à nuca. – Vou levá-la ao hospital. Meu Deus, o que fiz...

    Thalia apanhou seu celular no bolso do jeans e discou o número da ambulância. Assim que atenderam, desatou a falar:

    - Por favor, uma ambulância urgente para a rua Bearden Dr agora. Houve um acidente, uma menina de mais ou menos 9 anos foi atropelada. Consciente, possível fratura na coluna. Venham logo! – E desligou.

    A situação requeria calma. E Thalia devia mantê-la no momento, mesmo que cada célula de seu organismo tremesse. Por alguma razão, não conseguia parar de sentir o cheiro forte do sangue da criança, lhe atraia deveras, mesmo que evitasse o contato visual.

   Olhou ao redor, procurando por um responsável, mas não viu ninguém e preferiu não questionar o porquê da menina estar desacompanhada.

    - Aguente mais um pouco – afagou-lhe as madeixas castanhas. – Aqui, segure a minha mão e a aperte o quanto quiser.

    Grande erro.

    A menina apertou com tamanha força que pôde jurar que seus ossos estariam quebrados assim que se libertasse.

    - A... A ambulância está chegando, só mais um pouco.

    Retesou-se para trás quando a menina tossiu sangue, se assustando. Não sabia, mas ela poderia estar com hemorragia interna. Gradativamente beirou o desespero até finalmente ouvir o barulho irritante da sirene da ambulância.

    I-ón, i-ón, i-ón.

 

__

 

    Valley Hospital Medical Center *

 

    O cheiro de produto químico e a quantidade excessiva de branco no hospital a deixavam zonza. Passos e jalecos apressados zanzavam pelo corredor como baratas tontas, carregando pranchetas ou/e formulários. Ah, a dinâmica agitada de um centro médico.

    Piscou algumas vezes até se acostumar com a claridade depois de um sono profundo.

    Suas costas começavam a doer por conta da posição desconfortável, e só conseguia pensar no estado da menina dentro daquela sala de cirurgia durante as três horas seguidas. Coisas assim não deveriam acontecer, pelo menos não com crianças.

    A luz da sala de emergência se apagou e os médicos saíram junto de seus enfermeiros. Avistou a doutora que a atendera e correu até ela, ansiosa por notícias.

    Esfregou as mãos nervosamente no casaco.

    - Como ela está, doutora?

    A médica de nome Alexa exposto no jaleco deu um longo suspirou e retirou a máscara verde que usava, guardando-a no bolso. Seu semblante era sério.

    - A senhora é a responsável pela Juniper?

    - Juniper? – Pareceu confusa, então se tocou. – Então o nome dela é Juniper?

    - Sim, pelo jeito a senhora não é parente – Alexa arqueou uma sobrancelha.

    - Não, eu presenciei o acidente e a trouxe para cá. Mas, então, como ela está? – Tentou olhar por sobre o ombro de Alexa.

    A médica analisou Thalia com um olhar analista, ponderando se devia falar ou não.

    - Bom, no momento ela passa bem, mas por pouco suas costelas superiores não foram atingidas, isso poderia comprometer suas veias e artérias. Infelizmente, fraturou duas costelas inferiores e o baço foi atingido, provocando hemorragia interna, por isso a levamos para cirurgia. Felizmente, esta foi um sucesso – sorriu, aliviando a carga nos ombros da morena. – Ela está repousando e há uma compressa sobre seu tórax. Ela não pode se esforçar ou fazer exercícios durante dois meses.

    Thalia abraçou a médica, aliviada ao ponto de quase romper em lágrimas. Afastou-se murmurando um “muito obrigada” e recebendo um sorriso gentil em troca. Haviam olheiras recém-formadas nas bolsas dos olhos verdes de Alexa, fazendo-a parecer cansada e debilitada. Os cabelos castanho claros sustentavam-se por um rabo de cavalo alto muito bem feito. Notou pequenas sardinhas no nariz fino sob a armação azul escura dos óculos de grau.

    - Darei uma olhada nos registros e verei se encontro algum no nome de Juniper. Avisarei assim que encontrar. Agradeço muito por tê-la trazido aqui. Mais um pouco, seu estado poderia tornar-se grave. – Massageou as têmporas, fechando os olhos lentamente. – Pode entrar no quarto se quiser, só não toque em nada, ela está lá dentro.

    Thalia aquiesceu.

 

_

 

    Juniper descansava ao passo que sua respiração sutil fazia seu peito subir e descer. Thalia adentrou a sala silenciosamente, se aproximando da cama e fitando a menina demoradamente. Era estranho como as coisas viraram de cabeça para baixo tão rápido naquele dia.

   Observou-a dormindo e permitiu-se sorrir vislumbrada com a pele tão delicada e jovial. Cachinhos castanhos cobriam as pálpebras de cílios pequenos. A sala possuía resquícios do cheiro de sangue, e Thalia procurou de onde vinha, mas não havia nenhum objeto ou atadura com o líquido. A sala estava totalmente limpa.

    Então por que ainda sentia o cheiro?

   Meneou a cabeça, tentando afastar esse pensamento, aproximando-se mais uma vez da maca e repousando a cabeça no lençol verde quando se ajoelhou. Tocou a mão pequenina e permaneceu assim, de olhos fechados e aproveitando o silêncio por algum tempo.

    O cheiro estava mais forte.

    Abriu os olhos e, de alguma maneira, concentrou-se nos batimentos cardíacos que pulsavam na veia no pescoço de Juniper. Com curiosidade, chegou mais perto, em seus ouvidos ecoavam os batimentos cardíacos de um coração, embora não soubesse se era o seu ou o da menina.

    Sentiu suas gengivas arderem como se estivessem sendo perfuradas. Levou as mãos ao local, a cabeça vibrando enquanto o som ficava mais alto.

    Gosto de sangue.

    Retirou as mãos dos lábios, observando resquícios do liquido carmesim em seus dedos. Era o seu próprio. Tateou mais uma vez as gengivas, sentindo seus caninos mais pontiagudos e afiados.

    Avançou.

    Sua respiração tocava a pele azeitonada da menina, a sua boca já aberta para morder aquela região frágil.

    Arregalou os olhos.

    - Mas o que está acontecendo...? – Se afastou bruscamente, caindo de costas no chão produzindo um ruído. O que estava pensando? Quase mordera a menina!

    O cheiro a inebriava e estava tentada a atirar-se sobre Juniper e provar daquela dádiva.

    Assustada com o próprio pensamento, Thalia afastou as portas do recinto, manchando-as com o sangue em seus dedos, e correu pelo longo corredor sem olhar para trás. O eco dos passos alheios começava a irritá-la de tamanha forma que gostaria que aquele hospital ruísse. Ouvia a tudo e a todos, estava ficando maluca.

    Precisava sair dali.

    Correu o quanto pôde, esbarrando em algumas pessoas no percurso. Passou por Alexa, que gritou para que parasse, mas sequer deu atenção.

    O que estava acontecendo não era nada bom.

    Correu até desabar em um banco de uma praça, exausta. Limpou os dedos na roupa e voltou a verificar os caninos.

    Nada.

    Estavam normais.

    Thalia não sabia discernir se aquilo era um sonho ou realidade. A possibilidade de a última ser verdadeira lhe assombrava.

    Rezou para que não fosse.


Notas Finais


Yo~
* "Qual o nome da flor que levou o nosso princípe?". Referências (Pequeno Princípe) everywhere. Hades provando que tem cultura :v
* Valley Hospital Medical Center: Esse hospital realmente existe e se encontra próximo a rua Bearden Dr em Las Vegas.

Espero que tenham gostado. Desculpe qualquer erro semântico, sintático, morfológico ou etc.

Obs:
-> Hades não sabia que era a Annabeth. Ele só disse para ver a reação do Percy.
-> Percy ainda tem esperenças de que Nico volte a ser o que era.
-> Thalia não sabe que é uma meio-sangue. O acontecimento a perturbou e ela não contou para ninguém. Isso também foi um dos motivos de ela ter voltado para Nova Iorque e terminado com Luke.
-> Frank e Hazel vão aparecer, provavelmente, no próximo.

Até o próximo (sem dia previsto) o/

Kissus de goiaba <3


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