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História Dear Danger - Capítulo XXVIII


Escrita por: Srta_Lightwood

Notas do Autor


OI, GENTE

EU SENTI FALTA DE VOCÊS
ME DESCULPEM PELA MINHA AUSÊNCIA, EU ESTOU VERDADEIRAMENTE ENVERGONHADA!
Mas eu não vou embora antes de uma interação Percabeth u.u

Cupcakes, eu queria agradecer de coração pelo apoio que me deram, obrigada a todos que entenderam o motivo da minha ausência. Eu fiquei tão emocionada com os comentários no "Aviso" que não vou nem apagá-lo, como havia dito. Saber que os leitores suportam não só uma fic, como o autor também, é extremamente... Cara, não tenho nem palavras para descrever o quão emocionante é. Obrigada novamente. Vocês são os melhores leitores que uma história poderia ter.


TEM UM OLHO NA MINHA LÁGRIMA. 100OR

Não vou falar muito aqui, os vejo nas notas finais ^^

Boa leitura ^^

Capítulo 34 - Capítulo XXVIII


Capítulo XXVIII

 

     Estava frio. Não pelo tempo, este alumbrava na suavidade crepitante ao redor da barreira mística, com brisas suaves que farfalham os cabelos das pessoas, mas dentro daquele quarto branco e apático. Fitava o teto, as paredes, dirigindo um olhar de soslaio para a porta, ansiosa para o momento em que abandonaria aquele cômodo, quando poderia botar seu plano em prática. Estava frio de sentimentos, por parecerem vazios e incompletos.

     Embora revolvesse cada detalhe de seu estratagema, certificando-se de que erros impudicos deveriam ser evitados, não pôde deixar de ponderar o motivo de toda a sua afronta para subtrair-se daquele lugar. Sua cabeça divagava em milhões de coisas ao mesmo tempo, e nem a física seria capaz de explanar sobre essa capacidade incomensurável que o ser humano tem de mudar de pensamento tão rápido. Ou por que o faz. Fugia e tornava aquele caminho que parecia grudado como chiclete em seu consciente: o fato de se preocupar tanto com Percy.

    Annabeth podia muito bem dizer que o gostava. Entretanto, quão intensamente? Não discernia na cabecinha pequerrucha bulhufas de suas emoções. Moía-se ao cogitar uma paixonite, pois como bem sabia, não tivera interesse em ninguém durante toda a sua vida, sôfrego ou sublime para postular seu amor eterno. Quem sabe pecasse nesse sentido; a culpa era da saudade e distância que desunia os dois. Um lá longe e maculado, o outro duma pérola imperfeita e humanoide. E muito se reprimia ao pensar que talvez despencara numa moléstia esquizofrênica, as paredes que a rondavam se tratavam de um leito no hospital, a extremo ápice da loucura, e tudo não passava de uma metamorfose suprida por suas necessidades. Um borrão abstrato criado para seu próprio conforto. Se assim não fosse, então muitas coisas permaneciam esotéricas, ocultas, correntes que ainda enfadavam-lhe as ideias, a deixando confusa e com uma dificuldade exacerbada para desvendá-las.

      Seus primeiros sonhos. Do que se tratavam? Quem era aquele homem de olhos esmeraldinos? Por que sentia que ele e Percy, de algum modo, se conectavam? Tratava-se de uma visão ou um sonho qualquer? Claramente buscava por uma explicação plausível para aquela metade desmontada do quebra-cabeça. Os raciocínios surdiam-lhe em massa, atropelando-lhe a razão, e ela tentava confrontá-los e até mesmo coordená-los.

    Puxou os lençóis claros para cobrir-se, a si e seus pensamentos. Agarrou a mochila de couro gasto que trouxera para a pseudoviagem, onde guardara alguns utensílios que precisaria para mais tarde, como uma mapa, celular com GPS, o livro dos Visionários (ele poderia ser de alguma ajuda), biscoitos – sim, ela furtivamente surrupiou da cozinha -, lanterna, repelente, elásticos de cabelo, algumas frutas embrulhadas cuidadosamente por um pano de chita novo, a planta da Organização e, mas não menos importante, já que não era tola de sair sem proteção, uma adaga dourada que gritou por seu nome assim que a avistou na Sala de Punição, embora soubesse/temesse que nem os céus a protegeriam na terra. Abraçou-a contra o peito (não a adaga, a mochila, óbvio), enterrando o rosto nas alças macias. Há tempo não mexia no celular, então vasculhou por ele, puxando-o quando o encontrou socado entre suas roupas. Por sorte ainda tinha 20% de bateria, dava para o gasto.

    Assim que o ligou, foi bombardeada por mensagens não lidas e chamadas não atendidas, bem como notificações de aplicativos diversos. Pelo menos ali tinha uma rede móvel de internet. A maioria das mensagens era da operadora, então nem se importou em olhar. Não se lembrava da última vez que o usara, provavelmente quando partiu naquela expedição maluca e inesperada à Organização. Isso foi há 3 dias. Ou 4. Realmente não fazia ideia.

    Viu as mensagens de Luke e surpreendeu-se. Desde que Thalia e os Gemini a levaram até a Organização, não trocara sequer uma palavra com o garoto, na verdade com ninguém que não fosse membro da instituição. Revirou os olhos quando viu o conteúdo dos textos, bufando baixo e concordando que Luke era uma criançona, um pirralho que precisava de atenção.

    Riu-se enquanto digitava as palavras, inventaria alguma desculpa para que o loiro não se preocupasse consigo. Explicaria seu sumiço repentino e diria que em breve estaria de volta, e que eu uma ótima ideia tatuar-lhe o nome na testa, ficaria esplêndido.

    Eu: Oi, Luke! Ah, eu não tive tempo de te avisar, mas recebi um trabalho em outro lugar e o cliente insistiu que eu viajasse com ele, me queria presente ou algo do tipo. Farei o esboço da planta com a presença da família, outras pessoas se encarregarão da construção. Legal, né? Meu nome chegou tão longe! Voltarei em breve. – 21:00 p.m.

     Eu: Se você tiver me xingado de mal-amada porque não me encontrou em casa, eu juro que te deixo careca. – 21:02 p.m.

   Embora a mensagem parecesse perfeita para encobrir o real motivo de estar em Éfeso, Annabeth não contava que Luke descobriria mais cedo ou mais tarde, e Quíron teria um dedo nisso.

    Mexeu mais um pouco no celular, indo ao Google Maps e revendo o trajeto até Toronto, no Canadá. Sua intenção era pegar um avião até lá. Não tinha dinheiro, embolsaria o money suado da sua poupança para isso, tirando do útero se assim fosse necessário, e faria uma transferência para a agência de viagens. Aquele valor de mais de quatro dígitos a deixava zonza. Ia fazer o quê, era o modo mais rápido e eficaz que pensara. Não era o Flash nem o Mercúrio para dar a volta no mundo em poucos minutos.

      Isso que dava nascer num mundo capitalista.

    A viagem levaria em média uma hora e meia, obviamente sem paradas ou interrupções. O problema era se não conseguisse o avião. Pensar nisso a irritava, sabia que demoraria mais do que o necessário para chegar à cidade, mas era sua única opção, e se não tentasse poderia ser tarde demais. Não tinha ciência do que se sucedia com Percy, e seu conhecimento restringia-se apenas às visões esporádicas. Valha-lhe Deus, se não podia usufruir de seus poderes como bem entendesse, para que diabos eles serviam então? Guardou o aparelho e suspirou longamente. Suplicava para que Percy aguentasse mais um pouco, pois estava a caminho. Queria entender quem era o ser que o mantinha num cativeiro, inclusive o motivo. Sem dúvida tratava-se de um Não-Morto. Seriam eles parentes? Aquele homem que a incomodara também estava presente na casa. Eles se conheciam? Por que queriam o Jackson? Algumas coisas começaram a clarear; o “homem do capuz”, desde o início, não estava atrás de si. Ele queria Percy. E quem sabe já o vigiasse há certo tempo, sendo assim, caso tenha presenciado a loira e o moreno juntos, julgou correto aproximar-se da Chase, o caminho mais curto para obter o que desejava.

    Parecia extremamente clichê, mas a mente funciona com princípios clichês, sendo estes os propulsores para novas realidades. Faça um refém, e terá o herói na palma da mão. Contudo, o bordão foi rompido. O herói sobrepujou-se primeiro.

    Tudo era realmente confuso. Não o fato de que o mundo em que vivia parecia na verdade uma história de ficção saída dos livros de Bram Stoker*, mas sim pelo mecanismo que movia as pessoas. Em pleno século XXI elas ainda se depravavam da maneira mais supérflua possível. Por que o ódio as movia? A cobiça, a raiva, amargura? Ambição, orgulho e egoísmo? O mundo é das exceções. Aqueles que se destacam, alteram a história, tanto bons quanto maus.

    Tudo seria tão mais simples se elas apenas cuidassem do próprio umbigo!

    Depois que seu mundo virou de cabeça para baixo, descobriu que não havia um Deus único e benevolente, existiam mais. E eles colonizaram a Terra para manter o equilíbrio do universo, então mais formas de vida poderiam ser encontradas em outros planetas, provavelmente. Os mitos sempre explicaram de maneira mais fácil que os cientistas o surgimento do mundo. Pesquisadores querem ter a ideia de que conseguiram desvendar um mistério, quando alguém já o havia desenhado nas paredes há muito tempo. Os mitos contam, os cientistas explicam, e o que não sabem é dado como indefinido, como bem pode-se perceber atualmente...

    E esses deuses criaram criaturas para cuidar da Terra, concluir o que esquematizavam. E num equívoco, seres semelhantes a eles surgiram. Matar ou sentir-se ameaçado? Escolheram prosperar. Ao invés de aniquilar as pseudodeidades, foi-lhes concedida uma chance, viveriam perante a vontade dos deuses, contanto que guiassem os Humanos em sua missão no planeta.

   E isso parecia no mínimo absurdo. Por que os deuses não davam um jeito na bagunça que criaram? Talvez buscassem nos Visionários essa oportunidade indireta de limpar os delitos escondidos embaixo do tapete mundial.

    As coisas giravam basicamente da seguinte forma: Guardiões corrompidos carecendo de um lugar para viver, humanos ignorantes que não sabiam da existência dos Seres da Noite, caçadores para manter a paz; coisa que as duas primeiras espécies não fizeram, e ela, a Annabeth, uma Visionária encarregada dos humanos. Sem dúvida uma grande responsabilidade pendia sobre seus ombros.

    E tinha Percy com seu passado oculto. De todos os momentos que passaram juntos, notou que em nenhum deles realmente conhecia Perseu Jackson, o governante da Transilvânia, o Não-Morto, o cara que gostava de dias chuvosos, mas sim Perseu Jackson, o seu cliente que adorava provocá-la. O tio da gravata turquesa. Engomadinho cortês. Almofadinha cabeça de alga.

    Essa curiosidade de querer saber mais sobre ele a alastrava. Movida por esse sentimento, acreditava poder fazer qualquer coisa.

    Quem sabe estivesse sendo tola ao cogitar que poderia salvá-lo, mas se pensasse bem... Se não se arriscasse uma vez na vida, de que servia ser uma Visionária? Pacatez diária e prudência nas ações englobavam seu mundo, entretanto, nunca presenciara uma mudança tão drástica do seu cotidiano como quando Percy o invadiu. E era tão diferente!

    Checou as horas mais uma vez, iria apostar numa fuga inesperada, e talvez a sorte de principiante a ajudasse.

    Sacou o livro da bolsa e pôs-se a folheá-lo. “R” deve ter passado por várias coisas para poder escrevê-lo. Coletar informações sobre os Visionários... Por que alguém faria tanta questão?

    Parou em uma página cujo título do capítulo era: “Os Prodígios de Perséfone”.

 

(...)

 

    Antigamente, era costume de os povos acreditarem em divindades. Poderosas, sublimes e benevolentes. Temidas e amadas ao mesmo tempo. Seus atos eram a mais pura verdade, incontestável, os quais todos se orgulhavam.

    Até seus erros eram poupados. Aliás, se erravam, era porque planejaram tudo nos mínimos detalhes.

    Sabemos que atualmente isso não se encaixa.

    Olhando do outro lado da moeda, deuses não serviam para nada a não ser depósito de crenças e esperanças. Hoje não passam de mitos taquigrafados em livros.

    Os gregos podiam até ser os mais devotos quanto a esse assunto, todavia, pecar era o que mais faziam. Atribuindo o nome do santo ao imperador, cometiam o erro mais impudico desta época. E aí as coisas desandavam mesmo. Guerras, mortes, roubos... tudo em nome de Deus.

    Os egípcios também beiravam a paranoia. Faraó sendo o representante de Deus na terra. Bah! Depois se perguntam a causa da peste negra.

    Entretanto, por qual motivo afirmar-se-ia sobre a existência deles, se não fosse verdade?

    E é.

    As enciclopédias postulam o nome de todos os deuses ao redor do mundo, mas sequer uma única pessoa os viu até hoje.

    Se não viram, qual o motivo dos rumores?

    Pois é.

    A prova mais óbvia é a nossa existência. E, lógico, os artefatos que presentearam os Humanos.

   Desde os primórdios da humanidade, os deuses têm nos ajudado incansavelmente, sem que notássemos. Ptolomeu nos deu o fogo (apesar de ele não ser propriamente uma divindade...), Zeus nos deu os raios... provavelmente. Poseidon, os cavalos. Atena, a Oliveira. Dionísio, o vinho. Ártemis é nossa deusa patrona. Entre outros que me recuso a citar. Contudo, o mais importante – embora não tenha tanta importância assim – são as pérolas de Perséfone. Pequenas e esverdeadas, podem levá-lo a qualquer lugar. Mentalize o que deseja e as esmague. Puf! Você vai ser imediatamente pulverizado e teletransportado. Incrível, não? Havia pelo menos três destas ao redor do mundo. Diziam que era porque ela deixara cair na Terra, e o sortudo que as recolhesse teria direito a um pedido. Minha avó falava isso. Mas acho que era porque Hades a mantinha trancada no Submundo, então ela meio que precisava de visitas, às vezes, vai saber...

    Durante a Idade das Trevas, todas elas foram recolhidas e levadas à Organização. Estão guardadas dentre os diversos outros artefatos místicos, na Sala de Treinamento, no local mais improvável de se encontrar. Como o disco espelhado capaz de teletransportar partículas subatômicas que criei.

    Das três, resta apenas uma.

 

[...]

 

    Edifício Berkeley Brow

    Luke (Teimosia) Castellan

 

    - Um cordeiro para três lobos.

    - Três lobos para um cordeiro.

    - Morte, morte, morte.

    Eu olhei para o lado umas três vezes, buscando por uma saída. Só havia a silhueta do maldito vaso de planta jogado debilmente sobre o chão. Eu estava lascado. Lascadinho. Lascado total. Mas que diabos eram aqueles homens? Gangsteres? 

    O formato dos pingentes era-me familiar, só podiam ser os três mosqueteiros. Eu até ponderei uma ajuda vinda deles, todavia, mudei de ideia com as frases ditas anteriormente. Só acho que hoje não é meu dia de sorte. Não posso morrer, sabe? Preciso superar meu término e arranjar uma namorada. E, logicamente, só morrerei em paz quando todos os HQs do Batman – Os Novos 52 – forem lidos por mim.

    - C-com licença – gaguejei, visivelmente nervoso. – Acredito que tenha ocorrido um blecaute... se os senhores não se importarem, vou chamar o síndico...

    - Um cordeiro para três lobos.

    - Três lobos para um cordeiro.

    - Morte, morte, morte.

    A saliva desceu raspando por minha garganta, como se um ouriço-do-mar resolvesse dançar samba lá dentro.

    O que eu acho meio impossível, mas ok.

    Estava frio, tive de esfregar os braços algumas vezes. Os passos dos três se aproximando preteriam ecos toados no corredor, calmos e fúnebres.

    - Vo-vocês... o que estão fazendo?

    - Morte.

    - Morte.

    - Sangue.

    Fez-se silêncio por um minuto. Talvez estivessem digerindo o porquê de um dos membros ter errado a fala. Assassinos devem treiná-las antes. Deve ser isso. Entretanto, essa efêmera espera repercutiu em calafrios por toda a base de minha coluna, e comecei a suar.

    Um resmungo tirou-me dos devaneios.

    - Tsc... Dan. – Suspirou o que me parecia ser a voz do José – vulgo Dominic. O escuro me impedia de vê-lo, então o que enxergava era um breu completo e a silhueta da janela oposta, de frente para a rua. – O que você sabe sobre a escolhida, humano?

    Franzi o cenho. Parecia que Papyrus* de Undertale estava falando comigo.

    - Não sei o que quer dizer – consegui ao menos estabilizar parte da voz. Afastei-me cuidadosamente, utilizando a parede como anteparo para meu corpo.

    - Ah, eles nunca sabem. – Darius sussurrou pausadamente.

    - Vamos, humano, lhe daremos mais uma chance...

    O frio ao meu redor aumentou, o som produzido pelos estalidos de seus lábios era assustador, severo e cortante como navalha, custei a equacionar minha respiração. Sentia meus pelos se arrepiarem e meus dentes rangerem uns contra os outros. Mesmo que não visse, podia sentir o vapor escapando da minha boca e chocando-se contra meu nariz, meu interior lutando para se aquecer, numa atividade biológica.

    De repente, não havia mais o brilho dos pingentes. Nada. Estávamos apenas eu e o escuro.

    Foi aí que o medo subiu.

    Sentado, deslizei as mãos por toda a extensão do anteparo até alcançar o que deduzi ser o batente de uma porta. Vasculhei com os dedos, chocando-os contra um buraco mais ou menos na altura da minha cabeça. Movi-os para baixo e para cima, tentando definir do que se tratava, e logo a palavra “vão” me veio à mente. No lugar da maçaneta havia um vão. Não sabia para onde os caras haviam ido, a resposta para minha pergunta veio logo em seguida.

    Duas fortes mãos agarraram meus ombros e me puxaram para trás. Tombei e fui arrastado pelo chão como a um pinguim, minha blusa quase sendo retirada no processo.

    - Nos diga onde ela está! – Um rosnado ao pé de meu ouvido paralisou-me de medo. O que estava acontecendo? Quem eram aquelas pessoas?

    Por que eu achava que se referiam à Annabeth?

    De soslaio, a silhueta do vaso de planta se destacou, agarrei-o com os pés e tentei jogá-lo para trás, com toda a força que o medo me permitia ter. Ele se chocou contra a parede num som horrível.

    - Que inútil. Vamos apenas matá-lo. – Dan ergueu-me pelos cabelos e, meu Deus, aquilo doeu demais. Gritei, esperneando descontroladamente para que me soltasse. Meu pedido foi concedido após desferir um chute em alguém. Às cegas sai à procura da porta sem maçaneta.

    Que diabos, estava encurralado por três psicopatas com força descomunal na merda de um prédio.

    - O que quer que seja, eu não tenho! – Brami desesperado enquanto tropeçava nos próprios pés para alcançar meu destino. – Por favor, vão embora!

    - Sempre a mesma reação – um riso psicótico reverberou pelo corredor, e eu juro, por tudo que é sagrado, que o motivo de eu ter estacado naquele lugar não foi por vontade própria. Um comichão invadiu-me os ossos a medida que aqueles três acercaram-se de mim. Podia sentir a pressão esmagadora emanando de trás, e não ousava olhar, temendo o pior com o ato. Permaneci estático, mudo, enquanto dedos finos tocavam a pele do meu pescoço, numa massagem aliciadora.

    As unhas traçaram um caminho invisível até a aorta, desenhando círculos por cima desta.

    - O coração dele bate tão forte! – Um suspiro de êxtase me arrepiou por completo. Que tipo de mentecaptos eram aqueles?

    Busquei deveras mover os músculos, mas a única alternativa era controlar a respiração descompassada.

    Algo úmido tocou meu pescoço, estremeci. Um estalido e meus braços, alteados um de cada lado do meu corpo, pressionaram-me para baixo, obrigando meus joelhos a tocarem o chão. Cada célula minha vibrava em agonia, a voz não mais saia e eu rezava vinte Ave Marias por segundo. Sentia que algo muito ruim estava prestes a acontecer e eu não conseguiria evitar.

    As mãos que me prendiam eram demasiadamente fortes, forçando minha estadia naquela posição.

    O discurso fúnebre recomeçara.

    - Um cordeiro para três lobos.

    Alguma coisa afiada fixou-se contra minha bochecha, talvez unha, girando incansavelmente, para depois traçar um risco pérfido até meu queixo. Grunhi, comprimindo as pálpebras com força.

    - Três lobos para um cordeiro.

    A pele do meu rosto parecia queimada em brasa, e algo que a fazia arder mais ainda escorreu pelos ferimentos.

    - Morte... morte... morte.

    Berrei com força, desesperado, assustado, sentindo aquelas mãos envolverem meu pescoço num aperto. Debati-me, ato errôneo, pois mais dois cortes se abriram em algum lugar do meu rosto, ardendo com o inferno.

    Fui virado bruscamente, batendo a cabeça contra o peitoral de um deles. Meu queixo foi erguido sem dó, como se contemplassem o estrago inicial que causavam.

    - Ande logo com isso – Darius ciciou, parecendo entediado.

    Pensei em todas as coisas que ocorreram comigo ao longo daquele ano. Quantas coisas eu poderia ter feito ou deixado de fazer. Acho que isso era o que chamavam de retrospectiva da sua vida. Não que receba esse nome, mas, sabe, quando sua vida passa diretamente sobre seus olhos. O mais engraçado foi que a primeira pergunta pululante em meu interior era:

    Você tem medo de morrer?

 

...

 

    Nessas situações, sim.

    Cogitei ser abusado ou quem sabe torturado por eles quando a boca do rapaz foi de encontro ao meu pescoço, entretanto, o som de algo cortando o ar, como um relâmpago, fê-lo se afastar e me largar.

    Alguém havia disparado.

   Contudo, não se tratava de uma bala, o objeto que jazia ao meu lado, brilhante, cravado na madeira lustrosa da porta, era uma flecha.

   

 

    Dizem que a pessoa que menos esperamos encontrar é exatamente aquela com quem nos esbarramos, ou que vem diretamente até nós. O som tenro da voz anosa flutuou num manto sutil sobre meus ouvidos.

    - Entre, agora.

    Aquiesci, mesmo sabendo que Quíron não poderia me ver e levantei, corri coxeando até o apartamento e me debrucei sobre a porta, abrindo-a com força e apanhando qualquer objeto pesado o suficiente para emperrá-la por dentro. Assim feito, empurrei o sofá para que eu me escondesse entre ele e a estante da televisão. Abracei os joelhos pranteando para que a sensação ruim e a dor passassem. Fechei os olhos, balançando os pés nervosamente. Ruídos ecoavam do lado de fora, gritos esganiçados, horríveis, arrepiando minha espinha. Não conseguia acreditar que aquilo estava acontecendo. Apavorado, no mínimo, era o que me descrevia.

    - Meu Deus, meu Deus, meu Deus! – Afaguei o rosto com as mãos, ofegando contra as palmas suadas e machucadas. O liquido que antes o manchava agora as coloria de rubro. Esfreguei-as no jeans, levando-as em seguida à cabeça e repuxando alguns fios, inquieto.

    Até que finalmente os sons pararam.

    Silêncio total.

   Relutei em remover as mãos, não queria deparar-me com o ocorrido externo. E se Quíron estivesse ferido? Ou pior! E se ele tivesse... morrido?

    Sobressaltei-me com o barulho do toc toc. A batida seguinte veio acompanhada da voz do velhote, e qual não foi meu alívio quando ele pediu para que eu abrisse. Em resposta, ainda trêmulo, engatinhei até a frente do sofá, alteando a cabeça para espiar pelo vão. Recostei-me na madeira e dei um longo suspiro, meu coração sairia pela boca a qualquer minuto.

    - Qu- Quíron? Você está bem?

    Puxei o vão, aturdido, precisava vê-lo e certificar-me de que estava bem. E qual não foi minha surpresa ao contestar o velhote mais intacto do que eu, sem arranhão algum, enquanto eu estava em fiapos, para não dizer molambento.

    - Não diga nada – ele meneou a cabeça, calando-me ao afagar meus ombros e analisar cada centímetro do meu rosto. Seus olhos resplandeciam em preocupação, mas sua face era severa e rígida. – Eu disse para não retornar, não disse?! – Tascou o tapa em minha orelha.

    - Desculpe, não sabia que hoje era dia de garotos inocentes serem atacados!

    Ele bufou e recolheu o braço, trocando o peso do corpo de um pé para o outro. Antes que pudesse pronunciar-se, interrompi, despejando minhas interrogações como uma cachoeira.

    - Quem eram aqueles? O que acabou de acontecer? Que flecha era aquela? Meu rosto dói!

    Quíron suspirou e retirou um lenço do bolso, passando a esfregá-lo carinhosamente sobre o meu rosto.

    - Vamos primeiro cuidar desses ferimentos... o resto vem depois.

    - Tud-

    Eu planejava terminar a fala, mas Quíron pareceu transfigurar-se em minha frente, a visão embaçada, a respiração entrecortada. As coisas estavam estranhas demais para mim, confusas demais.

    Então eu caí, e não recobrei a consciência por um longo tempo.

 

[...]

 

  Annabeth inspecionara toda a Sala de Treinamento, mas nada de encontrar a tal pérola. Pretendia usá-la para escapar da Organização, uma alternativa contundente e mais eficaz que simplesmente invadir o Conselho dos Anciões procurando pela passagem secreta, quando as probabilidades de ser pega eram altíssimas.

   Poucas pessoas perambulavam por ali, e as que faziam rumavam imediatamente para o Campo de Treinamento. Vez ou outra parava o processo e cumprimentava um caçador curioso. Era incrível como até mesmo de noite pareciam dispostos a treinar, visando o fortalecimento a fim de honra com o lema que tanto pregavam; “salvar humanos”.

  As proposições no livro dos Visionários indicavam que a joia repousava no lugar mais improvável de se encontrar. Não compreendia, pois analisara qualquer extensão que lhe parecesse suspeita o suficiente para guardar um objeto de grande valor.

    À sua direita jazia a passagem para o Campo, a brisa fresca da madrugada penetrava o cômodo tornando a tarefa menos árdua. À esquerda se encontrava a porta de entrada, enquanto que à frente, fileiras de estantes carregadas de armamentos prostravam-se alinhadamente. Percorreu com os olhos toda a área possível, nunca negligenciando os mínimos detalhes, mas o artefato não parecia estar em lugar algum. Em cada corredor que sucedia uma estante, um candelabro de querosene o alumiava com a luz amarela fraca. Observou todos, caminhando por entre a artilharia sem despregar os olhos dos objetos.

   O que diferenciava o último candelabro dos demais era o enfeite verde que de longe parecia um colante. Aproximou-se e enfim compreendeu o significado da frase do livro; tratava-se de uma sátira. Na realidade, Sherlock Holmes teria encontrado a pérola com mais facilidade. Entretanto, se a pessoa tivesse assistido Scooby-Doo na infância, saberia que um candelabro ou um livro seriam os primeiros indícios de uma passagem secreta. Por ser óbvio que se tornava improvável de se encontrar.

    Contornou com o indicador o buraco onde a pérola fora inserida. Do tamanho de uma bola de gude, parecia que nuvens pequenas transcendiam em seu interior, era bonito de ver, o completo oposto do estado precário do candelabro. Riscos rodeavam o metal como se já houvessem tentado tirá-la dali. Forçou-a para fora com as unhas, sem sucesso, então a pressionou para dentro. A pérola escorregou para o fundo com um ploc e saiu pelo outro lado. Annabeth segurou-a desajeitadamente antes que se espatifasse contra o chão.

    Limpou-a na blusa, mantendo-a firme entre os dedos.

    - Achei que seria mais difícil – deu de ombros e caminhou até a saída.

    Um passo.

    Dois passos.

    Três.

    Um alarme soou.

    Seu coração falhou uma batida.

    Grades grossas e resistentes caíram sobre a porta, fazendo a loura se afastar rapidamente para que não fosse atingida. A visão do Campo de Treinamento foi completamente taxada quando correntes saltaram de suas extremidades, entrelaçaram-se umas nas outras, num perfeito “x” retendo sua fuga. As estantes, antes perfeitamente imóveis, mergulharam para dentro das paredes conforme estas se abriam, como se estivessem com medo de que os artefatos fossem saqueados. Os candelabros giraram 360°, revelando um compartimento com uma flecha prestes a disparar.

    E todas elas miravam em Annabeth.

  Para piorar, o som estridente do alarme misturou-se com o de passos apressados percorrendo o corredor do lado de fora, crescendo exponencialmente conforme se aproximavam.

    A loura mordeu a língua e distribuiu soquinhos em sua têmpora.

    - Foi só eu falar – praguejou.

    Batidas irromperam pela entrada, seguidas de um grito.

    - Quem está aí, renda-se me nome dos Anciões!

  Inconscientemente, ela alteou as mãos, mesmo que não a pudessem ver. Logo as abaixou. Um ruído de algo se movendo acompanhou o processo, e de soslaio reparou que as flechas perscrutavam seus movimentos, o que significava que se se mexesse demasiado acabaria com uma flecha no crânio.

    Estalou a língua, aturdida.

    Mesmo que fosse bem-sucedida na fuga, nada a impedia de ser seguida pelos caçadores até os confins do mundo. Cogitou denunciar seu nome, assim quem sabe eles compreenderiam o mal-entendido. “Ah, era só a Visionária dando uma volta”, ou coisa do tipo.

    Uma voz, anunciada de alto-falantes, reboou por todo o cômodo.

    “A pérola subtraiu-se”.

    Certamente aquilo não daria certo. Observou o local, fazendo o que melhor realizava: analisar. Analisou todas as possibilidades e formas de escapar, entretanto, havia 80% de chance de ser perseguida, e os outros 20% eram relativos, oscilando entre a probabilidade de dispersá-los ou ser capturada.

    Como é interessante o poder das palavras. As mediria daí em diante.

    Nota mental: Guarde os pensamentos para você, Annabeth.

    Porém, ainda tinha a joia consigo. Certificando-se que de a mochila estava fixa em seus ombros, rezou para que as informações obtidas no livro anteriormente fossem verídicas. Saiu dos devaneios quando a porta começou a se abrir, mãos a penetraram, forçando-a para os lados, e ela aos poucos cedia.

    Num movimento rápido e calculado, soltou a pérola sobre sua perna, vendo-a deslizar pela calça de maneira retida e desferir uma parábola em seu pé, até finalmente tocar o chão, alguns centímetros distantes. Mentalizou seu destino como fora-lhe instruído e focou no objeto brilhante. Respirou uma, duas vezes, então a esmagou com força.

  Teve medo de que nada acontecesse e acabasse com uma flecha cravada nas costas, mas então seus membros, um a um, começaram a desvanecer em névoa cinzenta como a fumaça de um cachimbo. Arregalou os olhos ao contestar o sumiço de suas mãos, seguidas de seus pés. Sua visão esquerda logo foi vetada, e com o olho direito viu aquela neblina inebriar-se dela.

    A porta finalmente cedeu e as grades foram levantadas, os caçadores estacaram no lugar, estupefatos, discernindo a Visionária ali na frente. O aglomerado foi logo se dispersando, dando espaço a uma Thalia aturdida que vinha em sua direção. Entretanto, diferentemente do que ponderou, a melhor amiga não apresentava surpresa, emanava calma e indiferença como sempre, parecendo nem um pouco surpresa... Talvez a única coisa que lhe alterava o semblante eram os cabelos bagunçados e um curativo na bochecha. Annabeth quase se esquecera de que a Organização enfrentava Sub-Humanos em suas fronteiras.

    Desmantelou-se por completo, não antes de seus olhos encontrarem-se com os de Thalia, num sussurro de encorajamento.

    As flechas dispararam, mas não acertaram nada que não fosse o ar naquela sala.

    A Visionária havia fugido.

 

[...]

 

    Os ventos naquela região eram amenos. Pouco movimento se percebia nas ruas, o que era de praxe. Algumas pessoas, as mais corajosas, venciam a languidez do dia e matracavam pelo comércio com sacolas fartas, porém pequenas, pendendo de seus braços agitados. As mãos ávidas dançavam entre o débito de uma dívida e o recolhimento dos trocados de um produto.

    Mesmo que o metalismo – ouro e prata – de forma vagarosa, tenha abandonado o cotidiano daqueles europeus há muito tempo, o costume pelos bigodes atrofiados, cartolas, bengalas e pincenês* erradicava-se nos poucos homens apegados àquela herança cultural. As moças mais modernas riam-se jubilosas destes ao cruzá-los no caminho, recebendo piscadelas e cortejos. Essa animosidade transcendia o território da Transilvânia e, inclusive as casas, não perdiam o ar de chalé iluminados por lamparinas a gás.

  Como uma figura empírica, cobrindo toda a vasta vegetação arbórea ali constituída, o castelo da família Jackson emergia esplendorosamente sobre o mar de árvores que o engolia como o Leviatã* e seus enormes tentáculos.

    Anteriormente, podia-se convictamente denominar a Transilvânia como o “eixo”, sendo ascendente e proeminente, sublevando-se por toda a Europa. Não havia um único forasteiro que não tivesse ouvido falar dela, ou que não reconhecesse sua grandiosidade por conta das conquistas múltiplas, as quais incorporaram braçadas de terras sucessivas. Porém, sua magnitude restringe-se aos livros antigos, de história, mofados em alguma biblioteca qualquer.

    Com o passar do tempo e a ascensão do primeiro Jackson, o (antes) rei, promoveu a devolutiva das terras conquistadas, firmando alianças e acordos com as potências locais.

    O monopólio sempre fez um reino. Quanto mais riqueza e latifúndios este possuía, maior sua hegemonia.

    Portanto, embora marcado por boas intenções, o antigo reino da Transilvânia foi perdendo clamor, escorrendo gradativamente na escala social, até ser concedida à família dominante o título de conde, deixando de ser um sistema régio.

    Essa lacônica narrativa cravou-se na vida do povo romeno, e embora a autonomia lhes pertença agora, ainda há na bagagem o devido respeito àqueles que lhe governaram com dedicação por muitos anos.

    O povo, sim, costumava ser próximo aos condes, mas sofreu uma secessão abrupta quando o filho do meio da família passou a cometer atrocidades.

    Poder.

    Todo o desejo do rapaz resumido nessa palavra.

    A coroa geralmente é concedida ao primogênito num sistema real, entretanto, mesmo que ali não usufruísse disso, o governo continuaria a ser comandado pelo primogênito, assim como condiz a hierarquia.

    A família Jackson era composta de condes, e embora não reinasse como antigamente, alguns artifícios foram mantidos para a ordem regional. Para que não houvessem confusões, a hereditariedade foi mantida.

    Tranquilidade resplandecia na Romênia até o primeiro surto: o desaparecimento de Zeus, o filho mais velho e, consequentemente, aquele que a governaria. Durante um longo período, o clima do castelo foi abalado por tristeza, com exceção de Hades, a criança do meio.

    Contudo, como se já não fosse mais injusto, Poseidon, o último dos três grandes, se encarregaria da árdua tarefa de Zeus.

   A razão para tal mudança repentina era a hesitação presente nos pais dos puros-sangues. Eles bem conheciam as ações de Hades, e talvez ele não fosse uma boa escolha para manter a ordem que vinham estruturando por vários anos.

   Segundo surto: Poseidon foge. Falsamente classificado como morto, tal qual o irmão mais velho, buscou a felicidade nas coisas ínfimas.

    Obviamente o povo era o mais leigo no quebra-cabeça. Não compreendia o motivo de todo o estardalhaço. Para seu bem, os pais dos três grandes julgaram correto mascarar o sumiço dos dois filhos, não obstante, cada km² da região já havia sido revirado. Então, os jornais cuspiram a notícia de uma morte misteriosa.

   E nesse meio tempo, as ações de Hades não poderiam mais serem perdoadas. A princípio, cogitou-se que o garoto agisse de forma estranha por conta da perda dos irmãos, mas este não era o problema.

    Hades era verdadeiramente mal.

    Talvez tão mal quanto o próprio adjetivo descreva.

    O terceiro surto foi o assassinato do conde e da condessa.

 

_

 

   

    E agora, após séculos, o mesmo ser ímpio vagueia silenciosamente entre as sombras das árvores e casas, seus olhos-vinho quase demoníacos refletem o desejo ardente de sua alma cada vez que as torres de pedra são avistadas ao longe.

    Sua forma sobrenatural não parece tocar o solo, por conta da velocidade incomensurável com que suas pernas se movem.

    E ele vai, cada vez mais obcecado por seu lugar de direito. Não há mais ninguém em seu caminho. Está livre para prosseguir.

   Ventos fortes de outrora farfalham as folhas brutalmente, espantando os pássaros e sacudindo os enormes portões de ferro. As gárgulas conservadas o fazem sorrir cinicamente.

  O Leviatã ergue-se em sua frente, concedendo-lhe a melhor das boas-vindas. Transilvânia inteira parece sentir o terror que a apodera lentamente, como uma praga, de forma cancerígena.

    O filho do meio retornou para assumir o trono.

 

[...]

 

    Não sabia exatamente por quanto tempo aguardou naquele caixão. Suas pálpebras pesavam e seus olhos estavam cravados na cruz. Seu corpo logo adormeceria e, mesmo que a consciência permanecesse, não conseguiria mais mover-se, tal processo começava a ser sentido dentro do seu organismo, irradiando-se lentamente para todos os membros do corpo. Os dedos não se moviam mais, e o que o circundava eram as paredes amadeiradas, sempre sendo vigiado pelo objeto sacrossanto. 

  Encontrava-se definitivamente sozinho, sem barulho externo, sem ruídos de vozes, o som dos suspiros, das risadas, sem esperança. Seu corpo regenerava-se de maneira lenta e dolorosa, e não compreendia o porquê de tal fato, talvez o crucifixo fosse poderoso demais. Em circunstâncias normais, já teria saído dali e capturado seu tio. Sentia-se fraco e isso o incomodava. Não por ser egocêntrico, longe disso, mas por recordar-se de seu passado, quando podia ter evitado vários acontecimentos se possuísse mais força.

   Era torturante fitar a mesma coisa por horas e horas seguidas. A garganta ardia e as gengivas doíam, clamando pelo néctar da vida que era inacessível no momento. As mãos perdiam a textura macia de outrora, sucumbindo à aspereza.

    A sua maior tortura era reconhecer que não podia fazer nada.

    Talvez morresse ali. Ninguém sentiria sua falta, porém.

   

  Quando estamos completamente sozinhos, nosso cérebro necessita de uma âncora para manter-se ativo. Portanto, qualquer barulho mínimo é transformado em máximo, como o som dos ponteiros de um relógio, ou a batida do coração, e até mesmo um zumbido distinto que pode representar sua circulação sanguínea. Caso contrário, o organismo achará que estás inerte. E isto pode tornar-se prejudicial.

   Mesmo que a audição do moreno não estivesse completamente ausente, tinha consciência que aos poucos ela o abandonava, sem remorso. O coração de nada adiantava, já que não passava de um órgão incapacitado, afogado no óbito, dentro da caixa torácica.

   Perguntava-se se alguém sentia sua falta. Se precisavam de si em algum lugar. A âncora que o sustentava era este pensamento: ponderar que alguém precisava de sua pessoa. Que Annabeth precisava, e que talvez sofresse se partisse.

    Estava exausto.

    Não sabia o que se sucedera com o Di Ângelo. Estava ele ainda presente?

    Proferiu um muxoxo baixo, a garganta seca impossibilitando-o de falar avidamente.

  Bateu algumas vezes na madeira esperando uma resposta, que não veio. Hades o havia matado? Ou se encontrava sob os escombros da casa?

    Imergiu em pensamentos, levando as pálpebras à um encontro soturno, coisa que virara rotina naqueles últimos dias, e aguardou por uma ideia, uma luz que o tirasse dali.

    Já começava a perder as esperanças.

 

 

    O caixão negro era sustentado pelo catafalco empoeirado, cujas extremidades eram oxidadas pelo tempo. Parte do teto desabara, assim como as paredes, denegridas ao simples pó. Hades fizera questão de destruir o cômodo, cobrindo ambos o filho e o sobrinho nos escombros. As pedras e tábuas podres armavam-se sobre a caixa escura tal qual uma cabana, e logo ao lado, nos entulhos, uma mão ensanguentada projetava-se para fora, esforçando-se para retirar o resto do corpo. Nico empurrou com força até ver-se finalmente livre, o rosto empapado de carmesim e os olhos fechados por conta da poeira. Os fios negros roçavam-lhe a testa, e ele os afastou com as mãos. Seus ferimentos cicatrizavam com mais rapidez que antes, repelindo a dor.

    Coxeou até o caixão, chutando as toras e amparando-se sobre ele. Destravou-o e lançou o tampo para longe, sustentando o olhar surpreso do primo. Sem nada dizer, puxou-o pelo colarinho, o arremessando no chão e se aproximando.

    - O que você... – Percy alteou o punho para lhe socar a face, mas Nico segurou sua mão, torcendo-a.

    O Jackson grunhiu.

    - Isso vai acelerar... a regeneração.

    Não havia nenhuma centelha de emoção na voz do primo. Percy emudeceu.

    Nico se agachou, apoiando as mãos no joelho. O mais velho podia sentir a instabilidade nos movimentos do Di Ângelo. Observou-o arregaçar a manga direita e levar o pulso à boca, cravando as presas na carne macia.

    Percy arregalou os olhos.

    - O que estás fazendo?! – Sobressaltou-se.

    O outro largou o braço e o concedeu a ele.

    - Beba.

    - O quê?! Enlouqueceste?! – Repeliu a mão com repúdio.

  - Há muito tempo. – Analisou um filete de seu sangue escorrer e colorir o chão cinza. - Não estou pedindo, Jackson, estou mandando. – Vociferou rouco, fitando-o nos olhos. – Papai está a caminho do Castelo, você precisa detê-lo.

    - Por que não o fazes, en-

    Nico puxou-o pelo pescoço, forçando o pulso contra os lábios do maior. Percy resmungou alguma coisa, tentando se afastar, e o aperto na nuca aumentou.

    - Beba antes que eu o mate. – Cravou as unhas ali.

   O cheiro lentamente invadia-lhe as narinas, sugando sua sanidade, mas não podia ceder, era errado. Seus olhos resplandeciam num escarlate lustroso, e embora relutasse, clamava por aquilo ao mesmo tempo.

    Engoliu em seco.

    Não posso.

    Não queria se rebaixar novamente àquele nível.

    - Eu mandei beber! – Nico tencionou os músculos, e as gotículas respingaram sobre a língua de Percy.

    O sangue de outro puro agora misturava-se com o seu. Apertou o braço do menor e pressionou os caninos ali, completamente inebriado.

   Aquilo era tão bom e ao mesmo tempo tão pecaminoso, mas revigorava-lhe as forças como uma vitamina revigora a de um enfermo.

    Percy bebeu até estar satisfeito, vendo Nico apoiar-se trêmulo em uma das mãos, talvez tivesse exagerado. Soltou-o e o amparou, levantando e repetindo internamente quão grato estava, mesmo que não conseguisse mirá-lo no momento.

    Todos os seus sentidos estavam aflorados, e aquela essência alastrava seu ser.

    Seguiu até a saída, suspirando de alívio por estar finalmente fora daquele lugar.

   Uma vibração esdrúxula no ar fê-lo estacar, voluteando a cabeça para analisar. Parecia vir de todas as direções, foi quando avistou uma névoa cinzenta entre as árvores vindo em sua direção. Ela parou há alguns metros, bruxuleando, dando espaço para um par de pernas femininas e, posteriormente, uma cabeleira loura.

   A mulher encarou as mãos, vendo seus dedos condensarem-se novamente, ainda surpresa com toda a situação. Respirava apressadamente, como se sua vida dependesse disso.

  Seus orbes ágeis varreram o lugar até encontrarem quem tanto procurava. Seu coração falhou uma, duas, três batidas, estabilizando-se em seguida.

    Andou um passo, seguido de outro, e correu. Correu para onde Percy estava.

    O moreno se encontrava num estado de torpor por ver sua amada em sua frente, mas seus olhos não se despregavam da enorme sombra da coruja com asas abertas que se projetava atrás de Annabeth.

    Então ele compreendeu o que ela realmente era.


Notas Finais


* Bram Stoker: Abraham "Bram" Stoker foi um romancista, poeta e contista irlandês, mais conhecido atualmente por seu romance gótico Drácula.
* Papyrus: Personagem do jogo Undertale, como ele é um esqueleto, costuma chamar o jogador de "humano".
* Pincenês: Óculos sem haste que se prende ao nariz por meio de uma mola.
* Leviatã: Um monstro semelhante à um polvo, descrito por Thomas Hobbes como a forma de um rei estruturar o reino com seus "tentáculos", ou seja, o governo central seria uma espécie de monstro - o Leviatã - que concentraria todo o poder em torno de si, ordenando todas as decisões da sociedade.

ENTÃO GENTEM, ESSE CAPS NÃO TEM CAPA u.u Fiquei com preguiça de fazer :v

Pois bem...
QUEM AÍ SACOU A SOMBRA DA CORUJA?

Uma coisa que percebi é que, provavelmente, os autores devem ter algum tipo de especialização política em pedir desculpas, porque são tantas que a gente pede, que os políticos teriam inveja :v

ENTAUM, pessoal, queria agradecer mais uma vez. Sério, se um dia eu vê-los na rua, vou pegá-los e guardar num potinho.

Quem quiser interagir, meu twitter é: @goiaba_san.


BEIJOKAS NOS SEUS ALVÉOLOS PULMONARES :*

Arrivederci.


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