Capítulo IV
Percy olhou para a porta aberta com o cenho franzido. Annabeth teria motivos para sair no meio da noite? Às vezes esquecera algo no hall de entrada. Recordou o que sentiu, há algumas horas, parado no mesmo lugar. Fechou a porta e utilizou as escadas de emergência. Com um salto, já estava no fim e percorria o andar inferior. Os números do elevador reluziam na tela próxima aos botões. Neste exato momento ela passava pelo andar que se encontrava. Percorreu as outras escadas com urgência, e em segundos localizava-se no hall. O elevador avançava, agora próximo ao saguão.
Não havia ninguém ali, a entrada estava disponível, e os seguranças que costumavam permanecer em vigília à noite não se encontravam em lugar algum.
Concentrou-se, fechando os olhos. Permitiu que sua consciência vagasse pelo prédio. Não sentiu presença nenhuma, sequer de Annabeth. Então, quem estava no elevador?
Estendeu a mão espalmada e descreveu um arco no ar, abaixando-a. O elevador desativara. Se realmente alguém jazia ali dentro, gritaria ou tentaria abri-lo, o que não ocorreu.
Transpôs os portões e percebeu um vulto esbranquiçado virando a esquina. Rapidamente alcançou-a e puxou-a pelo pulso. Com uma força descomunal, ela agarrou seu braço e o impulsionou para frente, lançando-o ao chão, a face rígida e impassível. Suas costas colidiram contra a superfície, provocando uma rachadura na calçada. Ela lhe aplicara um golpe de Judô? Percy não sofrera dano algum, embora não pudesse afirmar o mesmo do pobre pavimento. Ele reparara os orbes da loura; não possuíam mais o brilho vivaz e jovial, estavam opacos e oblíquos.
Annabeth continuou, os pés desnudos e macios tocando o solo frio. Percy levantou-se rapidamente, agarrou-a por trás, evolvendo-lhe a cintura e tapando seus olhos com a outra mão. Ela se debateu, tentando se livrar inutilmente.
Não era ela, alguém a estava controlando.
Aproximou sua boca do ouvido dela.
- Annabeth, escute-me – ela desferiu uma cotovelada em seu estômago. Reforçou o aperto, colando-a mais ainda a si. – Annabeth – sussurrou. Aos poucos uma letargia apoderou-se de seus músculos. – Annie... volte para mim – ela parou de se contorcer e, fraca, despencou nos braços de Percy.
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Ele a carregava firmemente nos braços enquanto caminhava ao condomínio. A luz da Lua refletia nos cabelos louros da garota. Percy conteve-se para não olhar mais para baixo do pescoço dela. Annabeth remexeu-se e proferiu um muxoxo, enlaçando os braços ao redor de Percy em um abraço padecido.
Ele estacou, perplexo. Annabeth presumivelmente estaria sonhando, porém, definitivamente aquilo o surpreendera. Trincou o maxilar e focou-se apenas em levá-la em segurança.
Chegou ao quarto dela e a deitou cuidadosamente sobre a cama, sentando-se na beirada. Avistou um pequeno caderno preto entre as cobertas e o apanhou, folheou algumas páginas. Tratava-se de um diário, fechou-o e o depositou no mesmo lugar.
Meneou a cabeça. Precisava fazer aquilo, senão teria problemas.
- Annabeth... – tocou-lhe a bochecha, acariciando-a com o polegar. – Acorde – ela se mexeu e acabou puxando-o para perto de si, ele caindo ao seu lado.
- Cupcakes azuis... – ela murmurou, apertando-o mais.
Ele riu, depois permaneceu em silêncio.
- Ah, Annie...você está me convidando? – Frisou. Afastou seus braços delicadamente e a fitou. – Annie, acorde – chacoalhou-a de leve.
A garota abriu os olhos subitamente. Percebendo não estar sozinha, arregalou-os.
- AAAAH! – Ela de fato sabia como gritar. Apanhou um travesseiro e o jogou em Percy.
- Ei! – Ele desviou.
- PERVERTIDO! SOCORRO! – Lançou tudo que encontrou pela frente.
- Pervertido!? – Bufou, indignado. - Você não está sendo muito gentil para uma garota que me abraçou duas vezes no mesmo dia – ele revirou os olhos.
- Te... abracei...!? – Ela fitou suas vestes, enrubescendo ao ponto de uma fumaça escapar-lhe da cabeça.
Percy não acreditava que uma mulher pudesse gritar tanto.
- Annabeth, larga esse abajur! – Estendeu as mãos em defesa.
Ela jogou o abajur e Percy agarrou-o.
- Como você fez isso? – Annie o encarou.
- Mais importante do que isso, Annabeth – ele depositou o objeto na escrivaninha em frente a cama. – Você se lembra de algo?
Ela aquietou-se e cobriu-se com o cobertor. Seus olhos vagaram pelo quarto, incertos e hesitantes. Mordeu o lábio inferior.
- Alguém me chamava, então eu... – Algo estalou em sua mente. – Você me chamou! – Apontou para ele. – Eu o escutei!
- E você voltou para mim.
Annabeth riu forçadamente, nervosa: – Não...
- O que mais? – Induziu-a a prosseguir.
- Não me lembro. – Ela ergueu a cabeça, encarando o teto. – Não me lembro...
Sem perceber, ele aproximara-se e a tocara.
- O que você...
- Sabe, você deveria sair mais vezes de camisola.
- O QUÊ?
- Perdoe-me, mas você irá esquecer o que aconteceu – passou a mão em frente aos olhos acinzentados. Annabeth mergulhou em um sono profundo.
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Deixei-a descansar. Apesar do que acontecera, havia um resquício de olheira em seus olhos. Alguém a chamara? Quem? O sorriso daquele homem volveu-me a memória. Ele teria alguma ligação com o ocorrido? Seu ato fora sugestivo demais, como uma premonição. O apartamento de Annabeth tinha um cheiro peculiar, o mesmo que impregna minhas mãos e lábios, meu passado, presente e futuro, marcado para sempre na minha história.
Permaneci até o sol raiar em frente à sua porta, velando-a. Assim que os primeiros raios penetraram as janelas, adentrei meu apartamento e tranquei-o de modo ortodoxo. Retirei meu sobretudo e o pendurei no cabideiro. Em algumas horas ela se aprontaria para encontrar Luke no local marcado.
Deitei-me no sofá, posicionando as mãos atrás da cabeça.
A minha vinda estaria relacionada com o acontecimento?
Foi maravilhoso reencontrá-la...
- Cupcakes azuis? – Abafei um riso.
Fechei os olhos, o sono ninando-me e amenizando o vazio em meu peito.
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- É um bom lugar – Luke avaliou, fotografando-o mais uma vez.
- É sim – disse.
- Quem é esse cara, hein, Annie? Esse tal de Percy. – Ele perguntou. – Quero dizer, ele é meio esquisito.
- Não é só você que acha isso – argumentei, rindo. – Bom, segundo Quíron, é descendente de uma família de nobres, ou de qualquer maneira que a chamem, da Transilvânia.
- Então é de posses – olhou-me de soslaio.
- Algo do tipo – dei de ombros.
- Espera, você disse Transilvânia? – Ele franziu o cenho.
- Uh-hum.
- Ele é o Conde Drácula por acaso? – Balançou a cabeça, rindo. Dei-lhe tapinhas no ombro.
- Você e eu pensamos de maneira parecida, Luke – ri.
- Precisaremos de muitos tijolos se iremos fazer igual ao seu esboço – ele anotou um número em seu bloco de notas. – Vai ficar um absurdo de caro – ele passou as costas da mão na testa.
- É pedido do cliente. E ele aprovou o esboço, faremos daquele jeito mesmo. – Peguei uma planilha de minha mochila e mostrei-lhe.
- Certo. Por que ele não pediu um castelo logo, hein? – Luke redarguiu.
- Acho que é porque ele já tem um.
Saímos de lá uma hora depois, e enquanto esperava por um táxi, meu celular vibrou dentro da bolsa. Pesquei-o e atendi ao número desconhecido.
- Alô?
- Annabeth, é o Percy – Arqueei as sobrancelhas, surpresa. Ele não!
- Sim, Percy, posso ajudá-lo? – Suspirei, encostando-me numa árvore.
- O prefeito autorizou a construção – exclamou.
- Bom isso.
Ficamos em silêncio por um momento.
- Annabeth, você se lembra de alguma coisa?
Franzi os lábios. Lembrar-me do quê?
- Do que está falando, Jackson? – Perguntei, incisiva.
- Isso é bom. Não é nada que precise se preocupar. Até logo. – E desligou.
Fitei a tela do celular. Percy sempre fora antissocial em ligações? O que ele queria dizer com “lembrar-me de alguma coisa”?
Aliás, como ele sabia o meu número?
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Newspaper New York Gazzete
Hoje de manhã o fotógrafo da revista “Os Olimpianos”, Leonardo Valdez, enviou à editora duas imagens peculiares, tiradas há duas semanas atrás. A primeira capturava uma cena ocorrida a noite, na qual uma mulher de branco percorria as ruas de Nova Iorque. Esta imagem está chamando muita atenção na internet, e ficou conhecida como “A Mulher de Branco”. A segunda fotografia foi retirada logo em seguida, onde há uma grande fissura no pavimento da calçada da rua Cleveland. Leo afirmou ter visto três pessoas no ocorrido, mas por algum motivo não conseguiu fotografar dois deles.
“Eram dois homens e uma mulher. A Mulher de Branco. Foi sinistro, um rapaz de sobretudo correu até ela com uma velocidade que meus olhos não puderam captar. Ela simplesmente puxou-o e aplicou-lhe um golpe de Judô - ao modo que ele a tocara. Ele caiu e chocou-se contra o chão, rachando-o. Foi como uma luta de videogame. Incrível! ” – Explanou o rapaz. Questionamos sobre o terceiro espectador, e ele respondeu: “Um homem estranho. Observava os dois do alto de um prédio. Usava um casaco e calças folgadas, o rosto coberto pelo capuz. Tinha uma aparência desleixada. Entretanto, além disso, não consegui distinguir nada. Ah, suas roupas eram escuras. ” – Afirmou.
Outro acontecimento insólito. Ressarciremos sua sanidade, senhor Valdez!
A polícia afirma não possuir provas suficientes sobre o ocorrido, e o FBI persiste em sua investigação no caso Rodriguez. Tampouco podemos provar que as fotografias de Leonardo sejam verídicas.
O FBI recebeu ontem uma carta da empresa da maior rede de lutadores UFC, redigida por Clarisse La Rue, 20, filha do dono da companhia, Ares. No documento, jurava solenemente que faria o possível para prejudicá-los se a investigação no caso Rodriguez não obtivesse retornos. Segundo nossos informantes, senhorita La Rue teria relações com o estudante de jornalismo.
O mundo está cada vez mais doido!
Da edição,
New York City.
❤
Três anos atrás
Fevereiro, 21
- Incomodo-o? – Agatha abriu a porta de seus aposentos.
- De modo algum – sorriu-lhe.
- Aonde está indo, senhor? – Agatha inclinou a cabeça, espiando o que fazia
- Vou à Nova Iorque em uma rápida visita à uma conferência de nobres, e depois à exposição de arte lusitana no Museu Olimpo – disse, guardando seu passaporte em uma valise de couro. – Conde Byron solicitou minha visita.
- O senhor vai utilizar o transporte aéreo? – Ela exclamou, tocando os lábios com o indicador. – O senhor não suporta aviões!
- Conde Byron custeou minha estadia e minha ida para a cidade, não posso regozijar-me a contrariá-lo, sendo que fora gentil comigo quando visitei sua morada na última vez, em 1979.
- Compreendo perfeitamente, senhor – curvou-se, subordinada.
- Agradeço, Agatha. Você é sempre deveras cordial e complacente... – Ele abriu a porta por completo e inclinou-se para frente, tocando-lhe os ombros. – Se importaria se...? – Seus olhos rúbeos já diziam tudo. Ela apenas aquiesceu, afastando as madeixas carameladas para o lado e aproximando-se dele. – Obrigado...
Ele cravou as presas no pescoço moreno de Agatha. Ela soltou um muxoxo, mordendo o lábio inferior, sentindo suas forças exaurindo-se junto de seu sangue. Era uma sensação prazerosa, porém.
Percy afastou-se e passou o polegar sobre o ferimento, limpando o filete escarlate que ainda escorria. Virou-se e foi embora, sem dizer mais nada.
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- Fico feliz que tenha vindo, Lorde Jackson! – Conde Byron cumprimentou-o.
- Agradeço o convite, conde – meneou a cabeça.
A conferência chegara ao fim, após meia-hora de reunião. Conde Byron dirigiu-se aonde Percy estava.
- Dante e Virgílio no Inferno, 1850, de William-Adolphe Bouguereau – apontou com a taça de vinho a pintura que Percy analisava. – Um gênio.
- Certamente, um gênio.
- O que achou da obra?
Percy inspirou, o semblante sério e frio como uma estátua.
- Bouguereau sabia de nossa existência, por isso realizou esta pintura. Principalmente após ver ele pessoalmente. – Ele proferiu a palavra com certo desgosto. Relou no rosto de um dos homens retratados. – Este foi baseado nele, a semelhança é notável. O nariz aquilino, o porte físico, é o mesmo olhar maligno e hediondo. O mesmo modo de dominar suas presas.
- O senhor se refere ao conde Drácula?
Percy relanceou um olhar severo e grave ao mais baixo, seus membros rígidos.
- Nunca mais diga o nome dele – disse, ríspido. Adotou uma expressão mais austera.
- Mas ele é seu tio! – Byron recuou um passo.
- Ele não é – respondeu viperino. – Trata-se de uma criatura odiosa e repugnante. Nunca mais... diga o nome dele em minha presença.
- Está bem, perdoe-me. – O conde pigarreou, estupefato. – O carro está pronto para nos levar ao museu.
- Ótimo – o homem de olhos esmeraldinos redarguiu, seguindo o motorista que o chamava.
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Perseu vislumbrava as obras e monumentos lusitanos com um sorriso arrebatado de circunspecção até o pescoço. Tudo era muito bonito, e podia sentir a emoção que as obras transmitiam. Enquanto caminhava por um saguão estreito, onde os turistas fotografavam as exposições, uma guia turística gesticulou para que seu grupo se aproximasse. Indagou-os se conheciam o lugar, e uma garota de cabelos ondulados e louros, no final da fila, ergueu a mão.
- Sim, senhorita? – A guia sorriu, posicionando as mãos na cintura.
A garota prontificou-se, apertando a alça da bolsa.
- O Museu Olimpo foi construído em 1956, em homenagem aos semideuses que lutaram nessa região... – ela colocou uma mecha atrás da orelha e arrumou os óculos de grau sobre o nariz. – Embora pareça uma história mitológica, há relatos de que Nova Iorque, no passado, atraía o que, nas lendas, chamamos de monstros inferiores, pois o próprio Olimpo encontrava-se aqui, acima das nuvens. – Apontou para o teto. - E num certo dia, semideuses e monstros travaram uma batalha para proteger o Olimpo e evitar que Cronos, o Titã, volvesse à vida. Por isso o museu tem esse nome.
A guia bateu palmas, maravilhada.
Percy a mirara atônito. Não sabia se estava impressionado pelo que ela sabia ou se por sua beleza singular. A garota trajava um vestido preto de bolinhas brancas, um salto e um óculos de armação escura. Ela virou-se e ele notou que seus orbes possuíam uma cor peculiar, que nunca havia visto em ninguém até o presente momento.
Eram cinzentos e brilhantes, como tempestades de uma noite fria de inverno.
Os cílios eram longos, as feições finas e delicadas. Ficou ali estático, fitando-a. As pessoas passavam por ele, às vezes esbarrando, mas ele não se importava.
- ... Jackson? – Conde Byron chamou-o pela quinta vez. Percy lembrou-se de como era piscar, e o fez concomitantemente, desculpando-se com ele. – Está tudo bem, senhor. Venha, vamos. É hora de ir.
- Ah, certo. Sim, é claro – sorriu-lhe amarelo.
Ele olhou mais uma vez para trás, mas a garota não estava mais lá.
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