"Minhas pernas doem de tanto trabalhar!" Estava saindo do restaurante quando me deparo com Shiro, que estava com seus cotovelos relaxados no encosto do banco.
-Você não para de me perseguir! - Falei enquanto fechava a porta principal.
- Não é perseguição se eu combinei com você de estar aqui. - Pegou uma chave do bolso e me olhou com esperanças.
Sua personalidade me intrigava, ele parecia mais profundo do que era, mas não transparecia, não mostrava que na verdade era uma pessoa totalmente diferente por dentro, mas de alguma forma eu conseguia enxergar isso, ou ele me permitia ver, em momentos comuns ele era sério, porém ao direcionar a palavra para ele, seu sorriso abria.
- Você quer que eu ande de carro com um completo estranho? – Menti ao falar que era um total estranho, e na mesma hora o vi cruzar os braços, parecia decepcionado.
- Eu te contei um dos meus piores segredos, e ainda não confia em mim?
- Eu não te forcei a nada. Você apenas contou! - O imitei cruzando os braços.
Por algum motivo eu confiava nele, me sentia segura. Só queria o fazer rir, mas nunca fui boa com isso.
- Verdade! Eu apenas contei. - Me olhou com um sorriso grande e bonito. O sorriso era sua marca.
Me sentei no banco velho e comprido, ao seu lado.
- Por favor não me sequestre, já basta de problemas na minha vida. - O olhei, ele parecia mais feliz do que durante nossa pequena conversa no parque.
- Não posso prometer nada! – Levantou as duas mãos com ar de brincadeira.
- Tutorial de como afastar uma mulher! Você é algum profissional na área?
- Aparentemente, sim!
Depois de um tempo conversando, entramos no carro e eu fiquei me perguntando o quanto eu posso ser estúpida, "O que eu estou fazendo? Porque eu estou em um carro com uma pessoa que nem conheço direito?!", ele poderia ser perigoso, mas algo nele me atraia, algo que me dava confiança, como se eu tivesse finalmente encontrado algo a me apegar além de Yun.
Durante o trajeto, meus pensamentos fluíam. Já que eu tinha avisado para Yun que eu iria fazer uma curta “viajem” para um lugar que era especial para mim, quando criança, estava despreocupada, apesar de ter mentido, eu precisava me encontrar e eu sentia que aquele era o caminho para isso.
- Quando tudo aconteceu naquela noite, você ficou parado. Porque? – Uma das perguntas que “martelavam” em minha cabeça surgiu para quebrar o pequeno silêncio que se formou ente nós.
- Eu... eu paralisei, queria poder me mover, mas foi exatamente como minha família se foi, e eu não pude fazer nada, simplesmente fiquei parado ali observando as coisas acontecerem, como sempre, um inútil. - As juntas das suas mãos ficaram brancas de tanto que apertava o volante.
- Me desculpe, não era a intenção te fazer lembrar dessas coisas. - Observei seus dedos folgarem a direção, me fazendo ficar mais calma.
- Tudo bem, se eu contar para você não tem problema. - Suspirou profundamente e soltou todos seus músculos contraídos – Sempre fui assim, um idiota sem movimentos, que sempre deixou a família para segundo plano, pensava apenas em trabalho. E em uma noite triste e melancólica, diria eu, enquanto voltava do trabalho no escritório, recebi uma ligação desesperada de minha mulher, dizia ela que nossa filhinha havia sumido. – Sua expressão tomou uma forma triste.
- Sua filhinha? – Não sabia o que dizer, só queria o ajudar mesmo que já fosse tarde para isso.
- Ela teria nove anos de idade, se estivesse viva. – “Se estivesse viva. ” Essas palavras me penetraram com uma fisgada no peito.
- O que aconteceu? – Por trás daquela mascara sorridente estava um homem que mentia constantemente para si mesmo, um homem que fingia ser feliz para não se machucar ainda mais.
- Aquele infame levou meu pequeno anjinho. Tentamos o encontrar, eu e minha mulher, mas a única coisa do qual nos deparamos foram seus malditos capangas. – Ele se referia a alguém, provavelmente alguém da máfia japonesa, pensei. “Mas porque a máfia japonesa iria sequestrar uma pobre criança? ”.
- Porque não contatou a polícia? – Perguntei enquanto olhava pela janela o céu já escuro com seus tons azulados, quase todo coberto por nuvens tão nubladas quanto minha mente.
- A polícia não seria capaz de nada. – Voltei meu olhar que antes estava na paisagem que se passava rapidamente pela janela ao seu rosto, incrédula.
- Porque você acha isso? – Pelos céus, eu precisava encontrar alguém que me contasse o que estava acontecendo, de uma vez por todas.
- Não acho, eu sei! Eles não são comuns, eles são os YOUKAI, ou mais popularmente, Yokai. Não sei quando começou, mas eles sempre tiveram esse nome, o mesmo significa espirito ou monstro. Não tinham feito nenhuma atrocidade em anos, até nossa filhinha nascer. Sempre tinha lenda sobre eles, “Sobre-humanos que possuem a habilidade incrível dos Denkis e um prazer destrutível de poder, capazes de matar como um monstro e ferir como um espirito amaldiçoado.”. – “Yokai, seres que devo evitar a todo custo! ”, pensei assim que ele terminou de falar.
Encostamos o carro em um lugar seguro e ele resolveu que ir andando era a melhor e mais rápida forma de chegarmos lá.
- Porque eles queriam sua filha? – A conversa estava rendendo tanto que levamos ela para a caminhada.
- Nunca soube exatamente o porquê, mas sempre me diziam que a Ayu era uma menina privilegiada. Tolos. Tolos por acharem que ela era sortuda, tolos por pensarem que ela seria feliz, tolos, assim como eu. – Ouvi sua respiração pesar, ele chorava.
- Me perdoe por fazer tantas perguntas Shiro, isso deve te machucar! – Me senti egoísta, fazia tantas perguntas, nem pensava em como ele poderia se sentir ao me falar aquelas coisas.
- Obrigado! – Me assustei, “Como ele pode me agradecer? ” – Isso foi libertador, desde que levaram minha mulher, desde que estou sozinho, nunca me abri assim com ninguém! Na realidade nunca me senti seguro o suficiente para falar o nome dela novamente. Ayu. Ayu. Ayu. – Repetia inumeradas vezes o mesmo nome.
- Você é muito mais forte do que parece! – E o silêncio reinou novamente.
[...]
Depois de uma boa caminhada, chegamos ao local, era uma escuridão de arrepiar cabelos.
Uma brisa gelada passou por nós enquanto eu analisava o arredor. Era uma espécie de casarão, porém não tinha nada de riqueza ou luxuria, pelo contrário, aquilo estava quase caindo aos pedaços
Entramos na velha mansão, a porta reclamava de cansaço com seus chiados, o ar estava poluído de poeira, as paredes pedindo socorro, eu tinha certeza que queriam desabar.
- O que estamos fazendo aqui? – Olhava ao redor, com medo – E se tiver algum morcego aqui?
- Tenho certeza de que ele não te mataria, no mínimo faria suas necessidades na sua cabeça! – Se aproximou de uma parede e acendeu as luzes.
Supreendentemente o lustre velho se acendeu, iluminando assim, aquela sala repleta de mobilhas velhas.
A visão era espetacular, um local tirado dos filmes mais fantasiosos. Haviam estantes de livros para todo o lado, aparentava ser uma grande biblioteca.
- O que estamos fazendo aqui? – Agoniada, perguntei novamente, para obter uma resposta.
- Vou te explicar tudo, desde o início.
- Então porque não explica logo? – O segui com os olhos, ele estava agitado.
Pegou um livro grande que estava no alto de uma prateleira e me mostrou sua capa.
“YOUKAI”.
- É exatamente o que vou fazer! – Sorriu sapeca, logo se sentando em uma das mesas folheando o livro velho.
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