Depois que a dor aliviou um pouco - é claro que não passaria tão cedo -, fui à sala de jantar. Todos já estavam lá, exceto America. Depois de seu súbito ataque, ordenei a ela que jantasse em seu quarto. Será que fui muito rude?
- Boa noite, querido - minha mãe disse com carinho, me tirando de meus devaneios.
- Boa noite, mãe - respondi com um beijo em sua bochecha.
- Onde está America?
- Ela jantará em seu quarto hoje - respondi, sem olhar para ela.
- Algum problema?
- Não. Acho que ela quis ficar por lá esta noite - achei melhor esconder o ocorrido, já que havia decidido deixá-la ficar.
- Como foi seu primeiro encontro?
- Foi... Surpreendente - respondi, prendendo o riso. Por que eu achava aquilo engraçado?
Minha mãe sorriu e voltou ao seu jantar.
Assim que terminei, decidi ir para o escritório adiantar alguns relatórios. Sabia que meu pai não estaria lá e, inconscientemente, fiquei grato por isso. Tentei, de todas as formas, me concentrar no que estava fazendo, mas foi inútil. Só conseguia pensar na ousadia de America e na minha vontade de, ainda assim, deixá-la ficar. Meia hora foi o suficiente para que eu percebesse que aqueles relatórios não renderiam nada naquela noite, então voltei para o meu quarto.
Abri a porta da sacada e fui até o guarda-corpo. Senti a brisa tocar meu rosto, observei o jardim e parei os olhos no banco em que me encontrara com America no primeiro dia que a vi. Ainda me intrigava que ela tivesse entendido completamente errado a minha intenção naquela tarde, mas ainda ficava admirado com sua coragem. Durante anos meu pai me agredia, e eu jamais tive coragem de reagir, enquanto America, ao primeiro sinal - ainda que falso - de que eu fosse fazer algo contra a vontade dela, não hesitou em me dar uma joelhada na coxa. Ela era, realmente, uma garota diferente. Precisava me aproximar mais dela, precisava conhecê-la melhor.
Depois de um tempo pensando em tudo que estava vivendo - no reinado que assumiria em breve, na seleção, na quantidade de garotas que eu decepcionaria quando mandasse de volta para casa e, é claro, em America -, me deitei e não demorou muito para que eu dormisse.
Acordei, incrivelmente, com o som de pássaros cantando - o que não entendi muito bem, porque sempre tive um sono muito pesado. Acho que todos aqueles acontecimentos estavam realmente mexendo comigo. Fui até o closet para me vestir, e então me lembrei de que havia deixado uma caixa com três calças e um bilhete para America em seu quarto, antes do nosso encontro de ontem. Ri ao lembrar que seu pedido havia sido usar calça. Quem no mundo pediria isso, tendo tantas outras coisas mais atraentes à disposição?
Durante o café, percebi que America tinha uma expressão de dúvida em sua face, provavelmente se perguntando por que ela ainda estava ali. Eu também me perguntava como o sentimento de humilhação havia saído tão rápido de dentro de mim. Estávamos no meio do café, quando ouvi um barulho vindo do corredor. Logo me dei conta do motivo: havia rebeldes no palácio.
- Para o fundo da sala, senhoritas! - meu pai gritou, correndo até uma das janelas para descer a persiana de metal.
Corri para fazer o mesmo, assim como minha mãe, enquanto as garotas iam em direção à mesa principal. Então vários guardas adentraram a sala, fecharam e trancaram as portas. O militar Markson veio até meu pai para deixá-lo a par da situação.
- Eles invadiram a propriedade, Majestade, mas conseguimos conter o avanço. Seria bom que as senhoritas saíssem, mas estamos muito próximos da porta...
- Entendido, Markson - meu pai o interrompeu.
Algumas meninas perceberam o que estava acontecendo e correram para baixar as persianas. Ouvi um grito e, quando olhei para trás, vi America caída. Saí correndo em sua direção.
- Você está ferida? - perguntei, preocupado.
Ela se observou por um segundo e respondeu:
- Não, estou bem.
- Para o fundo da sala. Agora! - ordenei a todas, enquanto ajudava America a se levantar.
Quando vi que ela estava realmente bem, corri para ajudar as meninas que estavam paralisadas a irem até o fundo da sala. O lugar estava um caos: meninas chorando desesperadamente - o que me deixava desesperado também -, outras em estado de choque e tinha até uma desmaiada, Tiny. Fui até onde meu pai estava.
- ...mas eles estão agindo lentamente dessa vez. Creio que conseguiremos detê-los logo - disse o guarda que conversava com ele.
- Excelente - ele respondeu. - Manterei as garotas aqui até que se tenha certeza de que não há perigo. Diga aos outros guardas para que vasculhem cada canto do palácio, para que não haja enganos.
- Certamente, Majestade. Com licença - o guarda fez uma reverência e saiu.
- Algum problema grave, pai? - perguntei.
- Até o momento, não. Os rebeldes não estão avançando muito dessa vez. Mas me incomoda que esses ataques estejam ficando cada vez mais frequentes. Preciso dar um jeito nisso.
Apenas assenti. Algo em sua fala me fez pensar que sua preocupação maior não eram as garotas inocentes que estavam ali morrendo de medo, e isso me incomodou. Virei-me para minha mãe.
- A senhora está bem?
- Sim, meu amor. Estou bem. Mas parece que algumas meninas não estão tão bem assim. Você devia ir até elas e dizer que está tudo sob controle - aconselhou-me carinhosamente. Ela era tão diferente do meu pai...
- Claro, farei isso agora mesmo.
Dei um beijo em sua testa e fui em direção às garotas que choravam desesperadamente, mesmo sem ter a mínima ideia de como acalmá-las. Aproximei-me de Kriss.
- Olá, senhorita Kriss - falei com calma.
- Olá, Alteza - ela disse entre algumas lágrimas. - Como está a situação? É muito grave?
- Não, minha querida. A situação está sob controle, os guardas logo conseguirão deter os rebeldes. Estamos a salvo.
Ela apenas assentiu. E eu estava nervoso por estar perto de uma mulher chorando.
- Preciso acalmar as outras garotas. Você vai ficar bem?
- Sim, Alteza - respondeu gentilmente.
Beijei sua mão e fui até Amy, que chorava compulsivamente. Ela logo percebeu minha chegada. Dessa vez seria mais complicado.
- C-como estão as c-coisas? É m-muito g-grave? Nós v-vamos morrer? - perguntou entre soluços.
- Não, querida - falei calmamente, apesar de estar altamente nervoso vendo-a chorar desse jeito. - Está tudo sob controle. Os guardas irão se assegurar de que nenhum rebelde entre no palácio. Estamos a salvo aqui.
- E-entendo. M-mas eu não s-sei se c-conseguirei continuar, A-alteza. Eu p-poderia ir p-para c-casa?
Mais choro. Mais soluços. Céus, como isso é difícil!
- Claro, minha querida, jamais a obrigaria a ficar aqui contra sua vontade. Porém tente se acalmar, está bem? Logo isso vai passar, talvez você mude de ideia e queira ficar - disse, forçando um sorriso consolador.
Fiquei com ela até ela se acalmar um pouco. Depois conversei com mais algumas meninas que choravam e estavam em choque. Não aguentava mais ver tanta mulher chorando, então fui até aquela com quem a conversa fluía facilmente: America.
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