Você gosta do que ver, acena para mim no show mesmo sabendo que não estou olhando para ti. Ainda sim você acena, todos acenam, eu vejo todos, todos veem aquilo que desejaram, mandaram, impuseram implicitamente e explicitamente, vocês estão felizes em ver o seu boneco agindo como esperado? Claro que estão, é seu egoísmo humano, insano que me aniquila a cada dia. Mas quem liga?
Meus pais contam a todos sobre o filho rapper, compositor, produtor que têm. Tão orgulhosos daquilo que colocaram no mundo, mas quando me veem no feriado não sabem como agir perto do meu novo ‘eu, esse que a mídia esculpiu. Eu vejo que temem esse Yoongi, mas ainda sim, vocês sorriem para mim, me acolhendo em vossos braços quentes, porque o sangue nos liga eternamente, mesmo que no fundo não queiramos.
Por isso não os visto, pois, não sei dizer palavras boas o suficiente para lhes confortar desse desastre que sou; vocês sabiam desde os meus dezoito anos que eu não seria mais igual ao garotinho de três anos que sorria sem preocupação ao ganhar um doce. Esse Min Yoongi morreu, eu sei que ainda vivem esse luto, só lamento, porque os mortos não ressuscitam, essa é a lógica da vida real.
Os amigos do passado lamentam a distância deles do Yoongi atual; mas eles pouco se importam em saber como estou, só choramingam por não terem persistido em serem meus amigos, pois, hoje eles poderiam desfilar nas redes sociais com a minha imagem ao seu lado, com um sorriso e um abraço “cordial”. Malditos interesseiros!
Eu era uma criança idiota, burra, acreditava que a música me salvaria dos meus medos, mas por ironia do destino, virou aquilo que me destruiu
Fome, humilhação, passei para estar no topo; conseguindo o melhor carro, a melhor roupa, relógios caríssimos, e diferentes objetos assinados por idiotas aclamados, — até conseguindo o melhor estúdio. Eu batalhei, lutei, nada me foi dado como em um livro encantado. Era tudo pela música, era tudo para liberar os meus ideias embutidos,descontando nos rappers rápidos ácidos o quão fodido eu fui, o quão fodido eu estava. Mentiras, mais mentiras eu contei para encobrir os versos da verdade.
A fama chegou, a música antes gritava em meu peito, agora sugava gradativamente a minha alma, sendo colocado no lugar um ‘cara metade humano, metade ganância. Pequei, continuo pecando contra mim e contra todos que engano com o meu sorriso. Eu estou no meio de todos, mas perdido dentro de mim. Sem uma luz sequer no final desse túnel existencial.
Minha noção da realidade se perdeu, os remédios apareceram; e escondido no banheiro eu lamentava, desejando que os meus colegas de trabalho não me descobrisse ali. Eles não poderiam ver a minha fraqueza; eu era representação da sabedoria, do homem velho, do pai; virando sinônimo de persistência, eu tenho essa aura que todos se inspiram. Coitados, sinto-lhes informar, mas eu sou nada daquilo que tanto criam. Entretanto, talvez seja melhor que pensem assim, não quero decepcioná-los.
Eles me moldam por mais que eu grite, me moldam sem ligar para o sangue que escorre de minha alma. Me chamam de frio, mas quem sabe eu seja, baby! Como ser quente, e colorido quando se anda na escuridão? Como ser quente quando os seus sentimentos mais puros já escorreram de suas mãos? Como ser quente quando se é apenas um boneco articulado?
Minha juventude é impregnada nas muitas maquiagens e intervenções cirúrgicas que me obrigam a fazer. Seja “Peter Pan”, os homens de terno na grande poltrona disseram, com seus charutos cubano na boca, sorrindo para a sua ferramenta. Seja sempre jovem, quem envelhece não tem utilidade, Yoongi! Eu fingia entender, e sentia o bisturi me cortar mais e mais. Seja bonito, alguém em minha própria consciência dizia.
Eu sorria para a foto, desejando que o flash não captasse o meu choro interno. Eu gritava pra caralho, eu ainda grito, mas ninguém pode me ouvir, não confio em ninguém para me fazer audível. Todos eles, eu não queria está com todos eles, mas eles estão ao meu lado, eu queria correr, fugir, mas eu fui enjaulado quando assinei aquele contrato.
Muitos me dizem para sair, mas, querida, a fama é a doce maçã do paraíso, em que o diabo envenenou. Eu não posso mais voltar a vida de antes, porque dela não sobrou nada. Como se volta para algo que não existe mais?
Sou só mais um boneco da mídia; só mais um que não tem direito de desistir, não tem direito de reclamar, pois os números no banco são a justificativa para que eu fique em silêncio;. Minha boca, minha garganta, estão lotadas de notas de won, sufocando todas as minhas reclamações, abafando os meus choros.
Felicidade? Talvez em outra vida, querida.
Usem minha imagem, editem, falem de mim, criem suposições, fragmente cada parte desse Yoongi que tanto gostam.
Agora sorria, pois direi mais um rapper com as minha dores que você não irá entender, ou captar que é real, porque sou seu boneco perfeito que, não passa por nada disso que digo. E assim continuarei sendo seu boneco perfeito, nem que para isso eu continue oco, morto a rimar.
Seu boneco perfeito serei até que a velhice me pegue, e a mídia lhe dê outro boneco para colocar na sua estante para amar. Me fazendo somente parte de sua lembrança da juventude nos pôsteres envelhecidos, jogados na caixa de papelão em seu sótão. Lá serei somente papel amarelado de alguém que um dia existiu como miragem, que o deserto da vida engoliu, desaparecendo para sempre.
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