“Agora estou olhando para o teto, bem acordado
cara, a merda fica real quando se está sozinho
(me pergunto se algum dia você saberá)
Há essas vozes na minha cabeça
há palavras gritantes que eu deveria ter dito
mas eu não sei
não posso deixar para lá"– Close Your Eyes
É um pouco perturbador me lembrar que a casa Baxter fica tão longe da região central de Londres. Não que isso seja mais perturbador do que a situação e todas as suas nuances.
Faz pouco mais de cinco minutos desde que o carro entrou em movimento e até agora, nenhuma palavra foi dita, mal consigo respirar e o clima é sufocante. Eu tento respeitar a quietude de Jared, principalmente porque ele ainda deve estar assimilando tudo, mas é difícil controlar a necessidade angustiante de tentar explicar tudo, ou pelo menos consertar um pouco desta situação.
– Alexandra Baxter, hã? – Sua voz é como uma navalha.
– Jared, eu sinto…
– Não. – Jared me corta antes mesmo de eu conseguir completar uma sentença. – Eu não quero ouvir nada de você. – Me parece que ele está lutando muito para manter seu autocontrole. – Claro que eu sabia que você estava escondendo coisas de mim, mas mentir? Não é querer soar clichê Srtª Baxter, mas tem alguma coisa desde o dia em que eu te conheci que foi o mais remotamente próximo da verdade? – Ele está tagarelando agora, e em qualquer outro dia eu riria disso. – Não responda, eu não acreditaria em você de qualquer maneira.
– Jared, eu sei que nada que eu te falar agora vai mudar o que está passando pela sua cabeça, mas você tem que acreditar que você é a pessoa que mais me conhece no mundo inteiro. – Fico aliviada com o fato de não ser interrompida. – Eu mudei de sobrenome por razões diversas, mas a principal é que eu estava fugindo. Você não conseguiria compreender todas as nuances em que a minha vida é uma bagunça, mas eu nunca menti para você sobre nada além do fato de eu ser uma Baxter. E um dia, quando você estiver disposto a me escutar, eu vou dizer todos os meus motivos, mas por hoje eu só posso agradecer por você ter aceitado me acompanhar, porque, por mais que soe como uma mentira para você, é nisso em que meu controle está se agarrando.
– Eu não estou fazendo isso por você.
– E eu não ligo, eu estou agradecida mesmo assim. – Não percebo que minhas unhas estão cravadas no banco de couro do carro, a dor me faz soltar e colocar as mãos nas pernas. – Eu não menti sobre nada ontem Jared, você realmente me tem, de corpo e alma.
Vejo seus olhos vacilarem por um segundo, mas como esperado, ele não se permite demonstrar nada a não ser o gelo.
– Seu pai fez você trabalhar comigo?
– Deus, claro que não! – Exclamo surpresa. – Eu estava fugindo, até ele resolver começar a trabalhar com você, eu achava que ele não sabia onde eu estava.
Ele apenas grunhe em resposta.
– Você precisa entender que eu e Robert… A única relação nossa está no fato que eu sou sua filha.
– Então sua desculpa é que você tem problemas paternos?
Engulo em seco.
– Duvide o quanto quiser, eu não teceria uma teia de mentiras se eu não tivesse minhas razões.
– Você poderia por favor, calar a boca? Não estou interessado.
Mordo a língua com a vontade de respondê-lo, mas a razão está do seu lado agora, e eu sabia que isso ia acontecer, mas não é como se eu pudesse realmente me preparar para as suas atitudes. Embora que eu tenha que admitir que ele pegou bem mais leve comigo do que eu esperava.
Disposta a obedecer sua vontade de não ouvir a minha voz, decido me manter calada durante o enorme trajeto. A agonia do inesperado parece corroer todas as minhas entranhas como ácido. Haviam tantas coisas que mudaram desde que fugi de casa, tantas coisas que eu varri para debaixo do tapete, que é impossível não me perguntar como eu lidaria com elas agora, e principalmente na frente de Jared.
Eu não estou procurando por um salvador, uma testemunha ou alguém que me diga que estou certa e sou uma vítima. Eu apenas queria que tudo isso fosse embora e eu pudesse voltar á minha vida normal com Jared, porque eu podia lidar com todas as consequências de olhos fechados e braços abertos se eu não perdesse ele, se nosso relacionamento ficasse intacto. Droga, eu contaria um milhão de mentiras, se fosse esse o caso. Se Jared nunca me deixasse.
Mas claro que agora, isso é apenas pura suposição, porque na verdade, posso ver em seus lindos olhos que acabou. Ele não precisava dizer as palavras para que eu soubesse, e pra ser sincera, eu prefiro que ele não diga. Meu coração está muito perto de um ponto sem volta. Eu me agarro na esperança que seja passageiro e que eu tenha uma chance de me redimir e recuperá-lo.
– Você tem uma bela casa. – Murmura com cinismo, me fazendo perceber com desgosto que tínhamos estacionado na entrada da Mansão Baxter.
– Essa não é minha casa.
Por questão de minutos chegamos depois de Robert, o que significa que houve tempo suficiente para que todos se posicionassem em uma perfeita pose de família tradicional como recepção. O tempo frio parece parar o suficiente para que eu pudesse ler cada expressão, em cada rosto ali. Parece surreal que eu fugi tanto para voltar para cá deliberadamente.
Finjo que eu e Jared não estamos pendendo em uma corda bamba prestes a arrebentar e sorrio para ele, que devolve o mesmo sorriso simpático.
– Por favor, não se engane. – Sopro baixo em seu ouvido. – Isso não é uma família, não importa com o que se pareça.
Trocamos um breve olhar e por um instante eu juro ver um reflexo de preocupação e apoio em suas íris.
– Oh meu deus. – Óbvio que minha mãe é a primeira a se pronunciar. – Alexandra querida, você está tão elegante!
Chego a dar uma risada verdadeira. Essa mulher não põe os olhos em mim faz anos, nunca me ligou, nem ao menos sabia se eu estava viva ou não e tudo o que ela tem pra me falar tem relação com a aparência. Não sei se são realmente as palavras que ela quer dizer ou se foi o que escolheu para tratar com naturalidade toda a situação na frente de Jared.
– De volta pra você mãe, está radiante! – Ela murcha um pouco quando nossos olhares se cruzam, mas como uma boa atriz, ela simplesmente estica mais os lábios.
– Sr. Leto, é um prazer finalmente te conhecer. – Eliza Baxter joga todo o seu charme para ele. – Fico feliz em saber que Alexandra teve a oportunidade de trabalhar com você.
– Alexandra é uma ótima funcionária, muito discreta. – Sua voz é polida, mas eu pude sentir o sarcasmo por detrás de sua escolha de palavras.
– Venha, deixa eu lhe apresentar meus meninos. – Minha mãe puxa Jared pela mão e o arrasta até os dois homens que eu tenho o azar em dividir o mesmo sangue, os mesmos pais e o mesmo sobrenome.
– Esse é Carter Baxter, o mais velho. – Os olhos de Carter faíscam violentamente com aquela força sádica que eu conheço tão bem. – E esse é Owen, acredito que vocês tenham se conhecido antes.
Jared muda sua expressão corporal perto dos dois e me pergunto se é apenas reação a áurea pesada que os envolve ou se ele consegue captar que algo não está certo com os dois.
– Oh, sim. – Jared concorda com um murmúrio seco. – Acredito que já trocamos algumas palavras durante o mês passado.
– Não sei como te agradecer por trazer a nossa garotinha de volta ao lar. – Carter sorri perverso e eu sinto meus músculos se retesarem. – Faz muito tempo, Alex.
– Realmente, você foi um bônus em todo esse projeto. – Owen acena com a cabeça, fazendo uma mímica exata do sorriso diabólico.
– É realmente uma pena que eu e Alexandra não possamos estender a nossa estadia por Londres. – Por um segundo, me preocupo com as minhas expressões faciais, porque Jared me lança um olhar cúmplice e eu tenho um pequeno pavor de que talvez, ele esteja muito perto de chegar a conclusões, e Deus nos ajude se for perto da verdade.
– Ah não! – Minha mãe se pronuncia novamente enquanto nos guia para dentro da casa enorme. – Eu estava contando que pudessem nos fazer companhia por mais dias.
– Infelizmente. – Jared toma as rédeas na conversa, provavelmente porque eu esteja há anos luz daqui. – Mas tenho certeza que haverão novas oportunidades.
– Definitivamente. – Robert concorda. – Alexandra, porque não dá um pequeno tour pela casa com Jared, enquanto terminamos por aqui?
Eu não tinha dúvidas que haveria uma pequena discussão sobre nós enquanto eu faria isso. E eu também soube reconhecer o sentimento que me apossou enquanto eu e ele subíamos as escadas, era medo.
Aquele maldito sentimento que já foi muito familiar e depois se tornou meu nêmesis, a coisa de que eu fugia e mesmo assim, lá estava aquele medo gelado, esperando o momento certo para me apertar em seus braços como se nunca realmente tivesse ido embora.
Já no segundo andar, eu fico dividida entre me calar ou realmente apresentar a casa.
– Isso parece mais com um lar do que a sua casa. – Resmunga. – Veja só, temos fotos de verdade aqui.
É impossível segurar a risada.
– Já falei para não acreditar em nada do que vir por aqui.
– Ah eu não acredito, pelo menos não mais do que eu acredito em você agora.
Engulo em seco, sem ter o que responder de verdade. E com a cabeça anuviada e sentindo como se algo maior me puxasse, percebi que meus pés me levaram em frente á maciça porta branca, com adesivos de letras rosa formando meu nome. Minhas mãos estavam espasmáticas ao girar a maçaneta dourada, abrindo o palco e cenário de cada pesadelo, cada lembrança que ameaçava tomar o resto da minha sanidade por grande parte da minha vida.
Era como uma cápsula do tempo infernal. Tudo parece intacto.
A mobília rosa, os brinquedos organizados, a maldita colcha floral.
E então ali em cima do criado mudo ao lado da cama, estava ela. Fechada e inocente, mas ao mesmo tempo ácida, como se estivesse zombando de mim, como se dissesse “Não era você a fugitiva com um plano de desaparecer? Parabéns vadia!”
Minha mente pareceu ser desligada enquanto meus olhos ardiam a cada passo que eu chegava mais perto da maldita caixa de música branca. Minhas mãos incertas a seguraram como se fosse uma coisa profana, mas não parece que eu tenha algum controle sobre o que acontece agora, tudo o que sei é que uma fração de momento depois, aquela música está tocando e a pequena bailarina desgraçada está rodando como se estivesse em um terremoto, mas o tremor vem das minhas palmas vacilantes.
– Caralho Alexandra. – Sua voz só faz com que meus olhos dobrem a quantidade de lágrimas. – Porra, o que aconteceu? – Jared segura aquele símbolo demoníaco em suas próprias mãos antes de arremessá-lo no chão, fazendo com que a bailarina voe contra a parede e a música cesse.
Torço meus dedos contra a gola de sua camisa e aperto meu rosto contra o seu peito. Não importa se ele me arremessar longe como fez com a caixa ou se ele falar as coisas mais horríveis. No momento ele é a minha única salvação dessa loucura.
– Shhh. – Ele murmura suavemente contra o meu cabelo. – Eu estou aqui querida, não vou deixar nada acontecer com você.
Por algum motivo suas palavras me fazem soluçar ainda mais forte, é como se todos os anos varrendo a sujeira para baixo do tapete estivessem cobrando o preço alto agora.
O tempo passa de maneira diferente aqui, de modo onde eu não consigo distinguir quanto tempo fico agarrada em Jared como se ele fosse o meu bote salva vidas no alto mar agitado. O alívio de sentí-lo comigo faz com que o meu coração dê uma pontada estranha.
– Alex, por favor fale alguma coisa. – Ele implora com a voz grossa e eu balanço a cabeça em negação. – Você está me enlouquecendo, eu não sei o que fazer, baby.
Meu choro cessa, mas os tremores ainda reverberam pelos meus músculos cansados.
– Posso te pedir uma coisa? – Não tenho coragem de encará-lo ainda, não depois de eu perder o controle sobre as emoções de uma maneira tão poderosa assim.
– Você sabe que sim.
– Por favor, me tira daqui. – Espremo seu torso em meu abraço, dando ênfase a essa necessidade estrondosa de fugir daqui novamente. Não me importava se isso desencadearia um novo inferno na minha vida ou na vida de Jared também. Eu só me enganei achando que eu poderia passar por isso. Talvez esse seja um preço que eu tenha que pagar até o fim, mas não fazia diferença nenhuma agora.
Eu tinha que ir, pelo bem da minha saúde mental.
– O que essa pessoas fizeram com você? – Não consigo ter certeza se ele falou isso para si mesmo, ou eu deveria responder, desta vez o silêncio era a melhor resposta, havia muito o que dizer, simplesmente não é o momento certo.
Usando de toda a minha honestidade, eu não saberia explicar a sequência de fatos depois que Jared abraçou meu ombros me me guiou de volta ao segundo andar. Só voltei á consciência depois que eu estava me aquecendo dentro do carro alugado de Jared enquanto ele discutia com s Baxter, suas mãos gesticulavam freneticamente para os lado e eu não podia distinguir sua expressão, já que ele está de costas.
Mas por uma fração de segundo, os olhos de Robert Baxter parecem conseguir enxergar por detrás das janelas escurecidas do carro, porque é como se me encarasse com fúria antes de abrir um sorriso discreto o suficiente para passar despercebido para os outros, porém sanguinário o bastante para que eu entendesse exatamente o que ele significava.
Guerra.
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