Por nem um mísero segundo pensei que fosse perder o meu lugar no ponto mais alto do pódio. Treinei por toda a temporada, doei-me por inteiro aos treinos, mais de doze horas por dia. Pit não estava satisfeito, no entanto. Para o homem, meu suor não era nada, e ele queria mais, talvez tudo. Para a minha família, eu estava cavando minha própria cova. Para os repórteres que sempre tinham direito a coletivas e perguntas pessoais após as corridas, eu era o predileto. E para o público, principalmente as mulheres, minhas noites estavam garantidas em bates e suítes luxuosas que meu dinheiro podia pagar.
Assim que parei o carro, sobre a linha de chegada, olhei pelo retrovisor, e não conseguia ver mais que os grãos de poeira que foram levantados, e bem distantes, estavam os carros que já não corriam mais. Ainda disputavam entre si, em busca do segundo e terceiro lugar. Era cômico. Um dia já estive no lugar de cada um deles, era sempre o último, a piada gratuita entre os maiores corredores da cidade que nasci e vivi. Apenas não mais. Assumi o posto de melhor das nacionais, e não tinha encontrado alguém que pudesse se livrar de mim.
Estreito meus olhos assim que escuto um ruído soar no banco de trás do carro. Estava coberto por uma manta escura que não estava ali no dia anterior, lembrava-me bem, e todos os assistentes conferiam cada milímetro do carro antes que eu me colocasse dentro dele, por questões de segurança, sabíamos sobre sabotagens. Mas, o que me faz arregalar os olhos fora a visão que alcancei de um cabelo escuro embalar-se ao mesmo tempo em que um corpo ergue-se.
Pisco algumas vezes, apenas para não pensar que as três doses de bebida da noite anterior tivesse afetado minha lucidez. Ao focar no pequeno espelho, ainda tinha uma morena no banco traseiro do meu carro. Ela esfregou seu nariz com uma de suas mãos, e pude ver apenas o alaranjado vivo em suas unhas curtas. Quando sua mão se afastou, tive a visão de seu rosto. Minha atenção voltou para seus lábios cheios, rosados e um pouco secos. Mas são seus olhos que me tiram o fôlego. Eram tão escuros que chegavam a ser enevoados, mas tão brilhantes que eu realmente poderia estar em um sonho louco.
Mesmo que ela fosse bonita demais, estava escondida em meu carro, e isso era um problema, algo que não devia acontecer. Não havia culpa em seu rosto, tão pouco em seus olhos. Ela parecia firme, e segura demais para alguém que seria punida assim que eu conseguisse me mover e deixar de olhá-la com espanto. Queria gritar com ela, exigir uma resposta para o fato de ela estar no banco traseiro do carro de um corredor. Queria exigir que ela devolvesse o que roubou.
Ela roubou algo meu, eu sabia disso. Apenas não sabia o que.
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