Efêmero.
"De início, nada realmente parecia passageiro. Tudo, cada sentimento ou pensamento, parecia perpétuo e continuo; nada parecia se perder. Talvez fosse porque jamais me liguei tanto a eles, eu não os notava chegar e por isso não os percebia ir.
Contudo, o tempo passou e vi que, junto dele, muitas coisas passaram. Anos, minutos, horas e dias, todos passaram tão rápido quanto um piscar de olhos e tão devagar quanto um milênio. Despontava, então, no horizonte, um mundo diferente do que eu tinha, daquele que eu pensava ter e existir.
Só assim entendi o contexto, o significado real, da efemeridade; entendi, também, que iria morrer e esse pensamento me assustou muito, ao ponto deu perder noites na mais insone dúvida.
A falsa sensação de imortalidade passou, deixando dúvidas de como proceder diante de uma realidade mais densa, pesada; mais “preto no branco”, sem os tons de cinza e as outras cores que antes eu enxergava. Ou que eu pensava enxergar.
Fiquei de frente a um abismo, sem poder dar meia volta, só tendo como opção continuar e um dia pular. Eu não sabia se continuava a caminha até o precipício e ver o que acontecia, ou se tentava evita-lo ao máximo. Descobri que estancar no lugar não era uma opção válida.
No momento que passei a ter vislumbres, descobri algo sobre a vida: ela é efêmera. E dentre todas as coisas efêmeras que vi ou possui, destacava-se ela, a minha vida.
Olhava por cima do ombro e via o quanto caminhei, e que nem era tanto assim. Infância e adolescência tinham gosto de doce, e com o tempo as coisas iam amargando, gorando.
Ao mesmo tempo que tudo parecia fazer mais sentido, nada fazia sentido. Me sentia num loop eterno de sentimentos repetidos, de sentimento de déjà-vu. Sempre que eu estava perto de uma resposta, algo acontecia e me influenciava. Graças ao medo, a rotina me pegou.
Agora eu entendo isso, sei que era a vontade de fazer uma coisa pela primeira vez. Fazia tempo que eu não fazia algo pela primeira vez.
Fiquei presa na mesmice, na rotina. Todo dia a mesma coisa, nada de novo. Não havia nada de diferente. E jamais virá a haver.
Eu perdi minha vida fazendo coisas que hoje vejo que eram tão desnecessárias. Evitei pessoas, pensamentos, sentimentos, coisas, tanta coisa! Eu evitei o amor, a saudade, a tristeza; só não evitei evitar.
Estava amarrada aos meus próprios problemas e nem vi que pessoas que eu gostava tinha os delas. E no fim, permaneci solitária. No fim, tudo não fazia sentido. A bagagem que eu carregava era lotada de grandes e pesados arrependimentos. Eu não vivi o que tinha para viver e acabei somente existindo, me arrastando loucamente pela vida, somente para ser pisoteada por uma esmagadora rotina sem graça.
Não fiz nada de extraordinário por medo. E agora... agora eu vejo que não há nada na vida além de momentos. Eu não vivi ao máximo meus momentos. A vida passou e eu continuei a mesma pessoa, uma adolescente amedrontada.
Pois cada dia a mais de vida, é menos um dia dela.
Só quero que se lembre, John, que eu amei você, amei muito; mas meu medo deixou você ir. O mais pesado e grande arrependimento que carregou agora para meu leito de morte, é o fato de jamais ter lhe dito que você é, e sempre foi, o grande amor da minha vida."
A carta não era datada, não tinha nome, assinatura ou qualquer coisa. Era totalmente diferente do modelo de uma carta. Mas ele não precisava de nenhuma especificação para saber de quem era. Mary Anne.
—John, querido? —Ouviu sua esposa lhe chamar. Virou-se para ela e sorriu cansado, as rugas nos olhos e rosto se intensificando.
—Sim, Grace? —A esposa, igualmente idosa e grisalha, sorriu bondosamente e disse:
—Vamos, querido, arrume-se, temos que ir ao enterro de Mary Anne —ele assentiu e olhou uma última vez para o envelope da carta. Concordava plenamente com tudo ali, ela só havia demorado demais para esquecer-se de seus medos e anseios, perdeu uma vida inteira para isso.
Não se casara, com medo de não ter uma boa carreira, não o amara, com medo dele não corresponder. A lista com os nãos de Mary era enorme, infindável. Enquanto ele tinha 75 anos, esposa, 3 filhos e sete netos; Mary morrera sozinha, em sua luxuosa mansão.
Enfiou-se no terno, somente para depois ir para o carro, onde sua família lhe esperava.
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