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História Ei! Tem alguém aí? - O jardim


Escrita por: doyun

Capítulo 2 - O jardim


Fanfic / Fanfiction Ei! Tem alguém aí? - O jardim

Lembro que subi de novo para meu quarto e sentei numa cadeira em frente à janela. Acho que eu estava querendo saber se existia vida em algum planeta lá no céu, ou se a nossa Terra era a única do universo. Eu, sem dúvida, era o único ser vivo na casa inteira naquele momento, e senti um pouco de tédio.

 

Enquanto fiquei ali sentada, lá fora começou a clarear um pouquinho. O céu já não estava negro como nanquim; agora estava azul-escuro. A casa estava tão quieta que dava para ouvir as ondas marulhando lá embaixo, na prainha, batendo em algum barco que vinha ancorar.

 

Na verdade, eu não tinha medo do escuro. Como vivia construindo naves espaciais e módulos lunares, estava bem acostumada em pensar no espaço sideral. Mas nesse exato momento aconteceu algo que me fez pular de susto: de repente, uma estrela cadente riscou o céu. Parecia que ia aterrissar no jardim bem na minha frente.

 

Eu já tinha ouvido dizer que uma estrela cadente atravessa o céu cada vez que alguém nasce. Será que aquela estrela era a minha irmãzinha?

 

Só lembro que vi uma estrela cadente e pensei na minha irmãzinha, que estava prestes a vir ao mundo. Assim, o que realmente aconteceu não posso dizer. Mas foi então que...

 

De repente escutei um barulho vindo da macieira do jardim. Por um segundo achei que eram mamãe e papai voltando do hospital com minha irmãzinha. Mas não foi o que ouvi. Debrucei-me na janela, espiei lá fora e vi uma menininha dependurada pelo elástico da calça num galho da macieira. Era Nayeon!

 

Só muito depois percebi que Nayeon teve uma sorte enorme. Não só caiu bem em cima daquela grande macieira, como sua calça sem enganchou num galho e ela ficou pendurada de cabeça para baixo, balançando. Se tivesse batido no chão, teria se machucado muito. E se tivesse caído no canteiro de rosas da mamãe, teria sido pior ainda.

 

Eu não sabia nada sobre sua nave espacial. Mais tarde fiquei sabendo que ela tinha aberto a portinhola de sua minúscula nave quando percebeu que estava se aproximando de um planeta com vida.

 

Simplesmente chispei escada abaixo, saí correndo pelo jardim e cheguei até aquela menina pendurada na árvore.

 

"Deve ser um sonho!", disse Nayeon.

 

Essas foram as primeiras palavras que ela disse, e achei muito estranho, pois eu estava bem acordada.

 

Desde essa época, muitas vezes já parei para pensar como é que Nayeon sabia falar a minha língua. Ninguém sabe se há vida em algum outro lugar do universo. E se houver, ninguém sabe se os seres vivos de lá sabem falar. Mas se existirem seres vivos em outros planetas, e se algum deles souberem falar, duvido muito que falem uma língua igual à nossa!

 

É como o ovo de que falei no início. É bem provável que existam ovos em outros planetas; isso não seria tão surpreendente. Mas não há muitas chances de que as aves e os animais que saiam desses ovos sejam esses que nós já conhecemos.

 

Por sorte, eu era tão pequena naquela época que nem fiquei tão espantada quando Nayeon falou comigo na minha língua. Quando uma menina de verdade, vivinha, cai do céu no quintal da gente, não faz muita diferença a língua que ela fala. O mais espantoso é que ela seja capaz de falar!

 

 "É só um sonho!", repetiu ela.

 

Nessas alturas eu estava completamente desnorteada, com uma porção de coisas zunindo na minha cabeça ao mesmo tempo. Quem era essa menininha na árvore? E se era um sonho, seria um sonho dela - ou meu? E se era um sonho dela, como era possível que eu estivesse acordada?

 

Ela continuava dependurada na árvore, balançando, com a calça enroscada no galho. Girava devagar, dando voltas e mais voltas. Acho que a minha cabeça começou a girar um pouco também.

 

Eu não sabia o que dizer. Mas lembrei de algo em que pensei quando estava sentada no meu quarto, olhando as estrelas. Pensei que estava chato ficar sozinha em casa. E dali a um momento, lá estava uma garotinha dependurada na macieira! Nem todos os desejos se realizam assim tão depressa...

"Quem é você?", perguntou ela.

 

Essa mesmíssima pergunta estava na ponta da minha língua, por isso achei meio injusto que ela tivesse passado na minha frente. Afinal, não fui eu que caí de repente no jardim dela - ou no planeta dela!

 

"Meu nome é Jeongyeon", falei.

 

"E eu sou Nayeon. Por que você está de cabeça para baixo?"

 

Não pude deixar de rir. E acho que ela ficou meio envergonhada, pois de repente enfiou o polegar na boca e começou a chupar o dedo feito um bebê. Isso me fez cair na risada outra vez.

 

"É você que está de cabeça para baixo!", falei.

 

Nayeon tirou o polegar da boca e começou a esticar e abanar todos os dedos. Daí falou:

 

"Quando duas pessoas se encontram e uma delas está de cabeça para baixo, não é tão fácil dizer qual delas está na posição certa."

 

Fiquei tão perplexa diante dessa resposta que não consegui pensar em nada para dizer.

 

Ela apontou para o chão.

 

"Mesmo assim, seria muito bom se você me ajudasse a subir até o chão deste planeta!"

 

"Descer!", exclamei.

 

"Não, subir!", disse Nayeon.

 

Lembrei da pesada tesoura de jardim que mamãe usava para podar as rosas, e corri até a caixa de jardinagem para pegá-la. Achei também um velho caixote, pus debaixo da árvore e subi. Daí cortei a tira e ajudei Nayeon a descer do galho.

 

Por um momento ela ficou com a cabeça apoiada no chão e as pernas para cima. Ainda nessa posição, consegui enrolar uma longa tira de pano que lhe saía da barriga. Lembro que fiquei tremendamente impressionada ao ver que ela conseguia ficar de cabeça para baixo sem se apoiar nas mãos!

 

Seus olhos giraram depressa, depois se moveram de um lado para o outro várias vezes. Acho que ela estava tentando assimilar tudo o que havia em torno. Daí avistou o céu lá em cima, e só então baixou as pernas para o chão. Ficou um momento de joelhos, depois levantou-se e olhou em volta, espantadíssima.

 

 Nayeon apontou para a grama.

 

"Achei que isso aqui fosse em cima."

 

Daí apontou para o céu.

 

"E achei que aquilo fosse lá embaixo."

 

Começou de novo a ondular os dedos. Disse:

 

 "Bom, não há dúvida de que fui subindo até bater de cabeça neste planeta!"

 

Ficou um longo tempo apontando para o chão - e de novo para o céu lá em cima. Por fim apontou para a Lua.

 

"Já reparei que este planeta tem uma lua. Quando vocês viajam até lá, vão para cima? Ou para baixo?"

 

"Para cima", falei.

 

A primeira pessoa havia pousado na lua poucas semanas antes, por isso eu sabia bem do que estava falando.

 

Nayeon pôs o dedo na boca de novo. Acho que só tirou porque queria fazer outra pergunta.

 

"Mas quando vocês pousam na Lua, vocês não tem que descer até a superfície?"

 

Agora eu precisava pensar muito bem.

 

 Fiz que sim.

 

 "E quando vocês estão lá na Lua, não olham para cima para ver este planeta?"

 

Eu mesma nunca tinha ido para a Lua, mas tinha visto na televisão todos os programas sobre o pouso na Lua.

 

 Concordei de novo.

 

 "Sendo assim, em algum ponto no caminho entre a Terra e a Lua, o embaixo passa a ser em cima, e o em cima passa a ser embaixo. Certo?"

 

Nessas alturas eu estava tão confusa que não sabia o que dizer. Mas refleti bem no que ela disse, e me pareceu muito certo.

 

 "Sim, acho que deve ser isso mesmo."

 

Ela falou então, pensativa:

 

Acho que encontrei o lugar exato onde acontece essa grande mudança."

     De repente ela saiu dando saltos pelo jardim feito um canguru. Primeiro ensaiou alguns pulinhos cuidadosos, mas logo depois passou a pular o mais alto possível. Daí falou:

 

"Este planeta não pode ser tão grande!"

 

         De novo ela tinha dito algo estranho. Será que tinha pulado tão alto a ponto de ver o tamanho da Terra?

 

         Mas ela explicou: "Bem, pelo menos não tem muita gravidade. Olha só - aqui eu consigo pular duas vezes mais alto do que lá no meu planeta. Se você fosse comigo até lá, acho que não conseguiria dar nem um pulinho!"

 

       Isso me deu o que pensar. Não era injusto que ela conseguisse pular mais alto que eu, só porque vinha de um planeta com mais gravidade?

 

            Assim que Nayeon acabou de testar a gravidade, ficou de quatro no chão e examinou a grama. Primeiro cheirou, depois arrancou uns tufos verdes e pôs na boca. Sem dúvida, o gosto não lhe agradou, pois logo cuspiu a grama fora.

 

            "Isso não serve para comer", falei.

 

          Ela cuspiu de novo, várias vezes. Fiquei com um pouco de pena. Se ela estava viajando fazia meses e meses, vindo lá de outro planeta, devia estar com muita fome! Pensando nisso, corri até a árvore e apanhei uma bela maçã do chão. Achei melhor tentar recebê-la bem, em nome do meu planeta.

 

           "Pode comer uma maçã", falei, oferecendo-lhe a fruta.

 

          Foi como se ela estivesse vendo uma maçã pela primeira vez. Primeiro só cheirou, depois arriscou uma dentadinha.

 

          Daí exclamou: "Nham-nham!", e deu uma grande mordida.

 

          Perguntei: "Você gosta?".

 

           Ela se inclinou bem para frente, fazendo uma reverência.

 

           Eu queria saber que gosto tem a primeira maçã que alguém come na vida. Perguntei de novo:

 

          "Que gosto tem?"

 

          Ela fez outra reverência.

 

          Perguntei: "Por que você está se inclinando?"

 

          Nayeon se inclinou mais uma vez. Fiquei tão perplexa que só consegui perguntar de novo:

 

         "Mas por que você está se inclinando desse jeito?"

 

          Agora foi a vez de Nayeon ficar confusa. Acho que ela não sabia se era melhor se inclinar mais uma vez, ou só responder.

 

       "Lá de onde eu venho, explicou ela, "nós sempre fazemos uma reverência quando alguém faz uma pergunta fascinante. E quanto mais profunda for a pergunta, mais profundamente a gente se inclina."

 

         Tzuyu, essa foi uma das coisas mais malucas que eu já ouvi na vida! O que havia numa pergunta que merecesse uma reverência?

 

           "Nesse caso", perguntei, "o que vocês fazem quando querem se cumprimentar?"

 

          "Tentamos pensar numa pergunta inteligente."

 

          "Por quê?"

 

       Primeiro ela fez uma reverência rápida, já que eu tinha feito mais uma pergunta; daí falou: "Tentamos pensar numa pergunta inteligente, para fazer a outra pessoa se inclinar."

 

          Essa resposta me impressionou tanto que fiz uma profunda reverência, me inclinando ao máximo. Quando levante os olhos, vi que ela estava chupando o dedo. Houve uma longa pausa até ela tirar o polegar da boca.

 

        "Por que você me fez uma reverência?", perguntou ela, num tom quase ofendido.

 

        "Porque você me deu uma resposta superinteligente para a minha pergunta", respondi.

 

        Daí, numa voz bem alta e clara, ela disse algo que eu haveria de lembrar pelo resto da vida:

 

         "Uma resposta nunca merece uma reverência. Mesmo que for inteligente e correta, nem assim você deve se curvar para ela."

 

         Fiz que sim, rapidamente. Mas me arrependi no mesmo momento, pois Nayeon poderia pensar que eu estava me inclinando para a resposta que ela acabara de dar.

 

         "Quando você se inclina, você dá passagem", continuou Nayeon. "E a gente nunca deve dar passagem para uma resposta."

 

        "Por que não?"

 

       "A resposta é sempre um trecho do caminho que está atrás de você. Só uma pergunta pode apontar o caminho para frente."

 

          Achei que havia tanta sabedoria nas suas palavras que precisei segurar bem firme meu queixo para não fazer outra reverência.

 

           Nesse exato momento o sol começou a se levantar, trazendo um novo dia. Nayeon me puxou pela manga e apontou para aquele contorno vermelho.

 

      "Como se chama essa estrela?"

 

                "Ë o Sol."

 

       Nayeon começou a esticar e abrir todos os dedos. Daí falou:

 

         "Todo sol é uma estrela e todas as estrelas são sóis. Só que nem todas as estrelas têm planetas girando em torno, portanto não há ninguém para chamá-las de sol!"

 

           Percebi que ela tinha razão, e fiquei com vontade de também falar alguma coisa inteligente:

 

            "Acho que deve dar muita solidão ser uma estrela sem ter nenhum planeta para iluminar. Se uma estrela não tem nenhum planeta aonde jogar a sua luz, então não há ninguém para vê-la nascer num outro dia!"

 

           Nayeon me lançou um olhar de desafio.

 

          "Você pode olhar para ela."

 

          "Eu?"

 

        "Sim, você mesmo! Você pode olhar para uma estrela solitária como essa, quando ela se levanta numa nova noite."

 

         Foi só aí que compreendi o que ela quis dizer.

 

        "Quanto mais escura a noite", continuou ela, "maior a quantidade de sóis que podemos ver no céu. Durante o dia só conseguimos enxergar o nosso próprio sol."

 

           E foi assim meu primeiro encontro com Nayeon.

 

           Ela chupava o polegar quando estava imersa em seus pensamentos, e abanava os dedos quando queria explicar alguma coisa. Sempre que eu fazia uma pergunta esperta, ela se curvava numa reverência. E quando eu respondia ela ouvia atentamente, para ver se conseguia me rebater com outra pergunta.

 

       Mas só percebi também que ela era uma grande malandrinha, capaz de ficar emburrada e mal humorada, quando o telefone tocou...



 


Notas Finais


tocom fome


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