Taehyung pôs a sacola com os lanches sobre a mesa.
Abriu-a distribuiu as embalagens com os hambúrgueres pela mesa de modo que pudesse ler o sabor de cada um.
Entregou o lanche de sabor Bacon a Dean.
— Eu não sabia qual sabor pedir para o seu irmão, então pedi um Da Casa. É o que eu e Jungkook normalmente pedimos.
Dean assentiu.
Taehyung andou até a sala. Sorriu ao ver o modo desengonçado que o noivo se encontrava deitado no sofá. O braço de Jungkook pendia para além do estofado, os lábios estavam entreabertos e a bochecha esmagada contra uma almofada.
Aproximou-se e tocou o ombro do Jeon de leve.
— Gukkie — chamou.
O rapaz se remexeu, encolhendo-se sobre o estofado.
— Amor, hora do jantar — disse e o chacoalhou sutilmente. — Guk...
Jungkook abriu os olhos devagar e piscou algumas vezes, como se acordasse de um sono profundo.
— Eu pedi hambúrguer. Você precisa comer, nós mal almoçamos hoje — argumentou Taehyung, tentando convencer Jungkook a se levantar.
Sabia que Jungkook não vinha dormindo bem desde o início dos incidentes – agora vistos por si como manifestações de Samael. As últimas noites decerto não haviam sido tranquilas como as quais estavam habituados.
No entanto, se o moreno não estava dormindo bem, quem dirá se alimentando como deveria. Taehyung se viu no direito de acordá-lo. Não sabia como seria de fato o exorcismo, mas, pelo que vira em filmes, a pessoa (ou será vítima?) costumava sair completamente exausta e desgastada. Jungkook precisava comer.
O mais novo murmurou algo e tentou puxar Taehyung para deitar-se consigo.
— Guk! — repreendeu Taehyung, rindo baixinho. — Vem, vamos.
A muito custo, Jungkook levantou-se e se espreguiçou.
A campainha tocou. Taehyung andou até a porta e a abriu, dando de encontro a Sam.
— Eu dirigi por todos os quarteirões próximos, mas parece que todos os mercados e lojas já estão fechados porque já passa das seis — falou Sam, frustrado por não ter conseguido comprar o espelho e tinta de que precisariam para o exorcismo.
— Não tem problema, posso comprar amanhã. Obrigado mesmo assim — sorriu breve. Certo que estava ansioso para livrar Jungkook das garras de Samael e ter sua vida comum de volta, mas Sam fizera o que pôde; não tinha do que reclamar. — Entre. Dean está na cozinha.
Sam adentrou a casa e Taehyung fechou a porta em seguida. Caminharam até a cozinha.
Jungkook e Dean já estavam sentados em torno da mesa à espera dos dois.
Taehyung sentou-se ao lado do noivo e Sam ao lado do irmão. Abriram as embalagens e puseram-se a comer os hambúrgueres.
Conversaram pouco enquanto comiam. Tentavam evitar falar sobre Samael e o exorcismo que fora adiado para a manhã seguinte. Todavia, não tinham muito o que conversar sem ser sobre tal assunto.
Após terminarem, jogaram fora as embalagens descartáveis dos lanches e seguiram para a sala.
Os Winchesters despediram-se do casal de noivos. Iriam dormir no quarto de hotel que haviam alugado próximo dali, para não darem mais trabalho aos moradores da casa. Avisaram que retornariam cedo no dia seguinte para darem continuidade ao caso.
Assim que a dupla de irmãos saiu, Taehyung suspirou. Estava preocupado quanto ao adiamento do ritual. Permitir que Samael continuasse no corpo de Jungkook por mais tempo não lhe parecia uma boa ideia. Contudo, teria de contentar-se com aquilo.
Sentiu os braços do mais novo lhe rodeando por trás. Jungkook deixou alguns selares por seu pescoço, fazendo um sorrisinho tênue surgir aos poucos em seu rosto.
— Preocupado? — Perguntou Jungkook, repousando o queixo no ombro do Kim.
Taehyung assentiu, pondo suas mãos sobre as dele.
— Acho que preciso dormir um pouco. Descansar — replicou.
— Você acha que é seguro dormirmos juntos? Quer dizer, eu posso acabar fazendo algo ruim a você — murmurou Jungkook, chateado.
— Você nunca iria me machucar — Taehyung girou-se em meio ao abraço. — Eu confio em você.
Jungkook sorriu, apoiando sua testa na de Taehyung.
— Eu sei. Mas Samael ainda está aqui, eu... — mordeu o lábio, nervoso. — Eu sinto. Sinto que tem algo de errado. Às vezes sinto vontade de tirar a algema, de fazer coisas ruins. É como um impulso. Como se ele ainda estivesse se esforçando para me controlar. Eu tenho medo de que isso machuque você — deslizou os dedos gentilmente pelas marcas arroxeadas no braço de Taehyung.
— Por que não me contou? Poderíamos ter dito isso a Dean e Sam, talvez eles pudessem ajudar — argumentou Taehyung, entrelaçando seus dedos aos de Jungkook, impedindo-o de continuar examinando os machucados em seu braço.
Sabia que Jungkook se via como sendo o responsável por aquelas marcas de ematomas. Não queria que ele prosseguisse se martirizando por algo do qual não tivera culpa alguma.
— E o que mais eles poderiam fazer? Colocar mais um par de algemas em mim? Me amarrar de novo?
Suspirou. Taehyung aproximou-se mais e lhe deu um abraço apertado.
— Você precisa dormir tanto quanto eu — disse Taehyung, soltando-se do abraço. — Vamos, vai ficar tudo bem. Prometo ficar de olho em você — brincou o mais velho, sorrindo diminuto.
Jungkook hesitou. Todavia, após um momento, seguiu junto a Taehyung até o quarto.
Por mais que a ideia de Samael lhe obrigar a fazer algo o assustasse, não queria ficar sozinho. Era contraditório, mas ao mesmo tempo que queria Taehyung longe, mantinha-o perto. Precisava do apoio do noivo em um momento tão difícil.
Taehyung apagou a luz do quarto e embrenhou-se na escuridão até encontrar a cama. Deitou-se e esperou que Jungkook o imitasse.
Assim que o moreno se deitou ao seu lado, cobriu-o com um dos cobertores.
— Hyung, feche a outra para mim — pediu Jungkook, lhe estendendo as mãos.
Taehyung pensou em questionar, mas descartou a ideia. Sabia que Jungkook só dormiria bem se fizesse o que ele havia lhe pedido. Fechou a outra algema no pulso livre de Jungkook.
Em seguida tornou a se ajeitar no colchão e segurou a mão do mais novo.
[...]
No dia seguinte, Jungkook fora despertado pelo som da campainha tocando diversas vezes de forma consecutiva. Abriu os olhos, e, ao ver ambas as mãos algemadas e Taehyung dormindo tranquilo ao seu lado, são e salvo, sorriu.
Os Winchesters haviam dito que retornariam cedo no dia seguinte; decerto eram eles a tocar a campainha.
— Taehyungie — chamou, fitando o rapaz de um jeito amável. — TaeTae.
Aguardou. Taehyung não moveu um músculo sequer.
— Hyung...? — Insistiu, se remexendo na intenção de chegar mais perto de Taehyung. — Taehyung — falou, dessa vez alto o suficiente para que o outro acordasse. No entanto, nada aconteceu.
Jungkook trincou os dentes, sentindo o desespero tomar conta de si como se injetado em sua veia.
Taehyung não parecia mais estar apenas dormindo.
— Taehyung, acorda! — Gritou, chacoalhando-o com as mãos ainda algemadas.
Arregalou os olhos ao ver as marcas arroxeadas debaixo das tiras metálicas que envolviam os próprios pulsos.
Havia forçado as algemas. Provavelmente tentara tirá-las. O fato de não se lembrar de mais nada após deitar-se junto a Taehyung contribuía para seu nervosismo.
— Taehyung — chamou, o chacoalhando freneticamente para os lados. — Por favor, Tae...
Ouviu o som da campainha ao fundo.
— Dean! Sam! — Gritou, torcendo para que fossem eles a tocarem a campainha naquele instante.
Apesar das algemas o atrapalhando, Jungkook girou-se e se levantou. Correu pelo corredor e desceu as escadas o mais rápido que pôde. Comemorou ao ver a chave presa à fechadura. Girou-a e abriu a porta depressa.
— Ah, finalmente! — comemorou Dean. — Nós-
— O Tae não acorda — falou, ouvindo o desespero em sua própria voz.
A dupla de irmãos se entreolhou por uma fração de segundo, antes de correr para dentro da casa.
Subiram as escadas e entraram no quarto. Taehyung permanecia deitado sobre a cama, aparentando estar dormindo.
— Taehyung — chamou Dean, chacoalhando o rapaz pelo ombro.
— O que vamos fazer? Chamar uma ambulância? — Perguntou Sam.
Dean ergueu a blusa de Taehyung, e em seguida repetiu o feito após tê-lo virado de costas.
— Ele não tem marca nenhuma, não há nada de errado, e ainda está respirando. Isso não é caso de hospital — sibilou o loiro, voltando a virar Taehyung de barriga para cima.
— Então o que vamos fazer? — Questionou Sam.
Jungkook se aproximou. A preocupação estampava seu rosto enquanto observava o Kim ainda apagado na cama.
— Precisamos falar com Castiel — disse o mais velho, assumindo um semblante firme. — Castiel — berrou. — Castiel, precisamos da sua ajuda — gritou, alternando o olhar entre a porta do quarto e Taehyung.
Sam frisou os lábios, angustiado.
— Dean, não adianta, Castiel nunca aparece quando está ocupado com missões envolvendo outros anjos...
— O que foi, Dean?
Todos olharam para o canto do cômodo, aliviados em ver a figura de Castiel. O anjo caminhou até eles.
— É bom que seja importante, eu estou no meio de um conflito entre os anjos. O céu está um caos, eu preciso voltar e...
— Ele não acorda de jeito nenhum — interrompeu Dean, olhando para Taehyung com a face esbanjando seriedade e apreensão. — Não sabemos o que há de errado.
Castiel aproximou-se mais e parou ao lado da cama. Dean se afastou para lhe dar mais espaço.
Castiel pôs uma das mãos sobre a testa de Taehyung e fechou os olhos. Quando tornou a abri-los, seu olhar voltou-se de imediato para os homens que aguardavam por sua palavra.
— A alma dele está muito fraca — contou, abaixando o olhar para o corpo em repouso do Kim. — Ele precisa de mais força ou vai morrer.
Os Winchesters sentiram os músculos tencionarem-se. A garganta de Jungkook pareceu fechar e seus olhos marejaram. O Jeon cravou as unhas curtas contra as palmas das mãos, dopado pela angústia e pelo medo.
“Ele precisa de mais força ou vai morrer.”
Não suportaria viver com a culpa pela morte do amado pesando-lhe os ombros. Taehyung precisava ficar bem. Pensar em estar tão perto de perdê-lo o deixava arrasado. Estava engolindo o choro.
— Pode ajudá-lo? — Perguntou Dean.
— Não tenho certeza. Ainda não me recuperei da luta que tivemos com Samael, mas posso tentar.
Castiel voltou a fechar os olhos, ainda com a mão sobre a testa de Taehyung.
Os outros três assistiam-no aflitos. Jungkook mordia o lábio, com os nervos à flor da pele.
Após alguns segundos, Taehyung piscou os olhos devagar. Castiel afastou a mão que antes o tocava. O anjo respirou fundo, parecendo exausto.
Jungkook ajoelhou-se ao lado da cama e de Taehyung, olhando-o com os olhos brilhantes e úmidos.
— O que aconteceu? Por que estão todos olhando pra mim? — Taehyung olhava em volta confuso, estranhando todos aqueles pares de olhos presos em si. — Gukkie — chamou baixinho pelo moreno ao seu lado, ao vê-lo com os olhos brilhantes de lágrimas. Acariciou o rosto pálido.
— Você me assustou, hyung — murmurou o mais novo. — Assustou todo mundo — disse por fim, deixando um selar na bochecha alheia, aliviado.
Jungkook ergueu-se e se virou para os Winchesters e para Castiel.
— Muito obrigado — falou, intercalando o olhar entre as três faces. — Castiel, eu nem sei como te agradecer — sorriu torto, porém alegre.
— Disponha — falou o anjo, curvando os lábios em um sorriso mínimo.
Aquilo era muito vindo de alguém sério como Castiel.
— Sabe o que causou isso? — Perguntou Sam, voltando-se para Castiel.
— O hambúrguer de ontem que não foi — satirizou Dean, olhando de relance para Jungkook.
O mais novo se retraiu. Dean desviou o olhar para Castiel enquanto este falava.
— Algo se alimentou da força dele. Foi muita sorte ter restado o bastante para mantê-lo vivo — explicou o anjo, com a voz serena e levemente questionadora.
Taehyung ouvia a tudo atento, tentando entender o que se passara consigo para que todos estivessem tão pensativos e apreensivos.
— E se Samael resolveu recarregar as energias nele? — Ironizou Dean.
— Isso faz todo sentido — respondeu Castiel. — Jungkook pode ficar mais vulnerável a ele quando adormecido.
— É a hora que a consciência se desliga e o subconsciente entra em cena — acrescentou Sam.
— Significa que Samael está mais forte — deduziu o mais velho dos Winchesters. — Droga — praguejou ao que Castiel e Sam assentiram.
Enquanto os três discutiam sobre como fariam para enfrentar um Samael que se encontrava ainda mais forte, Jungkook permanecia ajoelhado rente à lateral da cama.
— Eu pensei que fosse perder você – disse, apoiando a testa no ombro de Taehyung. Queria poder fazer carinho no Kim, abraçá-lo, mas as algemas o impediam de realizar tais desejos. — Você não acordava de jeito nenhum, fiquei muito preocupado.
Taehyung sorriu, acariciando as madeixas escuras com delicadeza.
— Eu ainda estou aqui — falou, e Jungkook sorriu.
— Está. Está aqui comigo – replicou, pouco antes de sentir um par de lábios sobre os seus.
Moveu os lábios devagar contra os de Taehyung, dando início a um beijo calmo.
— Sinto muito atrapalhar os pombinhos, mas temos que fazer o exorcismo — interviu Dean.
Taehyung encerrou o beijo de imediato (as bochechas avermelharam-se quando ele o fez) e se levantou.
— E o espelho e a tinta?
— Compramos no caminho para cá — replicou Sam.
— Chega de enrolação, vamos fazer logo isso — disse Dean, martirizando-se por ter permitido que Samael permanecesse no corpo do Jeon pela noite passada, pois isso serviu para torná-lo ainda mais forte.
[...]
— As algemas machucaram na hora de dormir? — Perguntou Taehyung, ao ver as marcas arroxeadas nos pulsos do noivo.
Jungkook negou, suspirando.
— Eu devo ter as forçado enquanto dormia.
Taehyung assentiu, firmando o último nó da corda. Novamente, tivera que amarrar Jungkook à cama, e um pentagrama tornou a ser desenhado no teto sobre esta por Sam, já que o desenho antigo havia se tornado fosco e falhado. Cortesia da tinta spray barata que usara.
— Prontinho — murmurou Taehyung.
Jungkook engoliu em seco, fechando as mãos em punho. Estava nervoso, pois pelo que havia lhe sido dito pelos Winchesters, esse exorcismo haveria de dar certo.
— Podemos começar? — Pediu Dean, afobado.
— Só tem um detalhe — interrompeu Sam, trazendo o espelho em uma das mãos. — Alguém precisa ficar dentro do círculo segurando o espelho, já que Samael não pode fugir para fora da armadilha.
— Eu vou — Castiel surpreendeu-os ao se oferecer para a tarefa.
— Castiel, não precisa se arriscar. Este é o meu trabalho, eu vou — disse Dean, com o semblante sério.
— Você e Sam são os únicos que sabem ler o exorcismo do jeito certo, não podem arriscar interromper o ritual. E não vou deixar que Taehyung fique em perigo de novo. Me deem o espelho — argumentou Castiel, estendendo a mão para Sam.
A dupla de irmãos relutou mas, por fim, entregou o espelho a Castiel. O anjo tinha razão, era o mais apto dali para fazê-lo.
Dean adentrou o círculo uma última vez antes do exorcismo começar. Abriu as algemas de Jungkook, fazendo o rapaz arregalar os olhos.
— Por que fez isso?! Eu não posso...
— Como espera que Samael saia do seu corpo se ele estiver trancado dentro de você? Temos que tirar as algemas — Dean parecia impaciente.
— Então por que não as tirou da última vez?
— Porque da última vez nossa intenção era mandar Samael de volta para de onde ele veio e não fazê-lo entrar em um espelho. Para conseguirmos isso, ele precisa se desprender de você.
Jungkook assentiu, não querendo dar continuidade ao assunto. Dean se afastou, levando consigo as algemas.
Ficou a uma distância segura do desenho circular feito acima da cama, checando para ver se Sam e Taehyung faziam o mesmo.
— Preste atenção — ordenou Dean, olhando para Taehyung de um modo beligerante. — Não importa o que ele diga ou faça — apontou para Jungkook —, fique longe do círculo, ou tudo que fizemos terá sido em vão.
Taehyung assentiu.
O mais velho dos Winchesters observou Castiel se pôr de pé dentro do círculo, com o espelho voltado para Jungkook.
Engoliu em seco, ignorando o aperto angustiante que sentia em si. Algo ruim, que fizera-se presente no instante que vira Castiel adentrar aquele maldito círculo com o espelho.
Algo chamado preocupação.
Era perigoso permanecer no círculo junto de uma entidade como a que estavam lidando.
Talvez por isso estivesse estressado. Ver Castiel vulnerável daquela forma o deixava nervoso. O anjo poderia se machucar — ou pior, visto as circunstâncias em que estava.
— Dean — chamou Sam. — Podemos começar?
O loiro assentiu, voltando seu olhar às letras rasuradas no antigo diário que um dia pertenceu a seu pai.
— Exorcizamus te, omnis immundus spiritus — os irmãos começaram a ler simultaneamente. — Omnis satanica potestas, omnis incuriso infernalis adversarii...
Jungkook arqueou minimamente as costas, se remexendo inquieto. Abria e fechava as mãos, apertando os dedos em torno das cordas.
— Omnis legio, omnis congredatio et secta diabolica… Ergo…
Jungkook gritou. Foi um grito de dor que fez Taehyung arregalar os olhos e desejar que tudo acabasse rápido para que o amado não sofresse mais.
— T-Taehyung — chamou Jungkook, fechando os olhos com força e trincando os dentes.
Aparentava estar sofrendo. As mãos puxavam para baixo incessantemente, como se estivesse desesperado para se soltar.
— Hyung! — Jungkook gritou enquanto seu rosto se retorcia pincelado de dor. — TaeTae, me ajuda — choramingou, arqueando as costas.
De seus olhos surgiram lágrimas que escorriam por seu rosto até tocarem o travesseiro.
Taehyung mordeu o lábio inferior com força, apertando as unhas contra as palmas das mãos, ferindo-se.
Assistir Jungkook sofrendo de tal modo o fazia sentir como se a dor estivesse em si e não nele. Queria com todas as forças correr até ele e ajudá-lo. Impedir que continuassem o torturando. Acabar com sua dor e acalentá-lo até que este se sentisse bem e protegido em seus braços.
Mas não podia. Se desejava algum dia poder realizar tais façanhas, então teria de permanecer ali, parado, apenas assistindo.
Doía. Taehyung sentia seu coração apertado e seu corpo inteiro lutando para o fazer correr até o moreno.
Jungkook se contorcia, gritando alto como se estivessem arrancando-lhe uma parte do corpo.
Ainda assim, Taehyung permaneceu parado, torcendo para que acabasse logo. Uma lágrima desceu por seu rosto, mas ele não a enxugou. Temia que se movesse um músculo apenas, não aguentaria mais ficar ali parado ouvindo os lamentos de dor de Jungkook.
Entretanto, de repente, o Jeon parou. Parou de se lamentar, se contorcer e clamar por ajuda.
Apenas parou. E então sorriu.
Um sorriso maldoso, porém cansado. Os olhos se abriram, exibindo orbes de um negrume profundo e macabro.
Taehyung engoliu em seco, assustado.
Aquele que pedia sua ajuda não era Jungkook.
— Perditionis venenum propinare. Vade, satana,
inventor et magister omnis fallaciae. Hostis humanae salutis.
— Cala a boca! – Gritou o Jeon, mas com toda certeza não era Jungkook quem falava.
A voz estava distorcida e furiosa. Samael decerto via-se encurralado e com os segundos contados.
De repente, a risada maliciosa de Samael ecoou junto das palavras em latim.
— Humiliare sub potenti manu dei. Contremisce et effuge.
— Ah!
Dean ergueu o olhar ao ouvir o gemido de dor de Castiel. Viu-o com as costas curvadas como se estivesse caindo aos poucos.
— Castiel!
— Dean, termine o exorcismo — ordenou o anjo, esforçando-se para falar como se aquilo exigisse muito de si.
O Winchester olhou para Samael, vendo-o sorrindo diabólico com os olhos presos em Castiel.
— Dean! – Chamou Sam. — Ele está muito forte, preciso que leia comigo!
Dean voltou a olhar para as palavras rascunhadas na folha que constituíam o ritual.
— Invocato a nobis sancto et terribile nomine. Quem inferi tremunt…
Castiel tornou a gritar, dessa vez mais alto. O caderno tremulava nas mãos de Dean.
— Ab insidis diaboli, libera nos, domine. Ut ecclesiam tuam secura tibi facias...
Sem conseguir se segurar, Dean Winchester tornou a erguer o olhar.
Castiel estava de joelhos, escondendo-se atrás do espelho.
— Dean! — Berrou Sam, ao que o irmão parou de ler consigo e agora tremulava.
Com muito esforço, o loiro abaixou o rosto até o caderno que segurava junto a Sam. Terminaria aquilo logo.
— Libertate servire, te rogamus, audi nos.
E então tudo aconteceu num piscar de olhos. Algo rachou o vidro do espelho, deixando-o craquelado porém sem o quebrar. Jungkook tossia incessantemente.
Sam pegou a pequena lata de tinta — que já se encontrava aberta e pronta para ser usada — e correu até o espelho. Cuidando para não olhar seu próprio reflexo neste, despejou toda a tinta sobre o espelho de uma só vez.
Ele e Dean haviam optado por comprar um espelho emoldurado por uma borda de alto relevo, o que impedia que a tinta escorresse para o chão.
Tirou-o das mãos de Castiel — que caiu ao chão ao se ver livre do fardo de ter de segurar o espelho — e o virou sutilmente para os lados, de modo a fazer a tinta deslizar por toda a superfície refletora.
Quando o espelho enfim se mostrava totalmente coberto pela tinta verde-escuro que comprara junto do irmão, Sam deitou o objeto no chão com cautela. A tinta era de secagem rápida. Deixaria que secasse para então partirem para a segunda etapa: enterrar o espelho.
Dean largou o caderno deixando-o cair no chão e correu até Castiel.
Taehyung fizera o mesmo, parando ao lado da cama onde Jungkook permanecia amarrado.
— Posso soltá-lo? — Perguntou Taehyung, sentindo todo o desespero que contivera durante o exorcismo para que não fizesse nenhuma besteira, demonstrando-se naquele instante.
— Pode — replicou Sam.
Taehyung começou a desamarrar os pulsos de Jungkook. Suas mãos tremiam. Jungkook continuava tossindo, mas a tosse parecia parar aos poucos.
— Amor, tudo bem? Se machucou? — Pediu, ajudando Jungkook a se sentar na cama. — Guk...
— Estou bem — respondeu o mais novo, sem conseguir ao certo se estabilizar.
Jungkook estava zonzo, tudo parecia girar a sua volta e ele sentia como se algo houvesse sido arrancado à força de si. Samael não queria deixar seu corpo. Fora arrastado para fora pelas palavras fortes lidas com precisão pela dupla de irmãos.
— Eu me sinto esgotado — confessou, rindo soprado. — Mas estou bem.
Taehyung sorriu e o abraçou. Um abraço apertado e carregado de sentimentos.
Enquanto isso, a alguns passos dos dois, as coisas não estavam indo tão bem para Dean. O loiro havia se agachado e posto a cabeça de Castiel sobre sua perna. O anjo aparentava estar (e de fato estava) muito fraco.
— Anda logo, Castiel, reage — Dean falava enquanto segurava-o pela gola da camisa. — Você vai ficar bem, não vai?
— Dean, eu... — a voz de Castiel vacilava entre uma palavra e outra. Os olhos piscavam devagar, como se a qualquer minuto pudessem não se abrir mais.
— Castiel! — Gritou. Seus olhos estavam marejados. — Não faz isso comigo.
— Dean, a pena... — murmurou, o rosto se contraindo em cansaço e dor.
— Pena?...
Dean arregalou os olhos. Deitou Castiel às pressas no chão e correu para fora o mais rápido que suas pernas podiam aguentar. Ao ver-se na calçada, destrancou o carro e abriu o porta-luvas.
Tirou de lá uma de suas típicas revistas eróticas e a folheou.
Lá estava ela.
Escondida em um lugar onde sabia que o irmão jamais pensaria em mexer.
A pena que ganhara de Castiel quando o mesmo declarou que era seu melhor amigo.
O último vestígio de que aquele homem intitulado de anjo, um dia, antes de cair, tivera asas de verdade.
Pegou-a depressa e correu de volta para dentro da casa. Em menos de um minuto, já estava no quarto.
— Aqui, a pena — disse ofegante.
Pegou uma das mãos de Castiel e o fez segurar a pequena e macia pena. A seus olhos aquilo parecia inútil, mas se Castiel lhe pedisse naquele instante para que fosse a outro país buscar um grão de areia, ele iria sem pensar duas vezes.
Faria qualquer coisa para ajudá-lo.
Castiel fechou os olhos e apertou a pena em sua mão. Dean podia jurar que vira algo mudar no rosto de Cass.
Parecia estar se recompondo aos poucos.
Quando Castiel abriu os olhos e largou a pena, Dean se surpreendeu. A pena antes clara e branca como algodão, agora estava escura, acinzentada.
Mas Castiel estava visivelmente melhor.
Dean alegrou-se e o puxou contra seu corpo. O abraçou.
De uma forma desajeitada, os braços de Castiel se ergueram e ele levou as mãos às costas de Dean. Segurou-se ali como se não houvesse amanhã. Era fácil aproveitar o momento como se fosse o último para alguém cuja realidade passara perto disso.
Quando o calor confortável e aconchegante do corpo de Castiel se afastou do seu, Dean o fitou.
Os olhos verdes toparam com os azuis e Dean se viu perdido naquele azul límpido e claro feito o céu.
— Castiel, eu... — pigarreou. O olhar firme de Castiel o deixava ansioso, sem saber ao certo o que dizer ou como agir. — Qual é o lance da pena? — Desviou-se do assunto.
— A pena se desprendeu de uma de minhas asas antes que eu tocasse o chão. Ela era pura, e continha um pouco da minha graça. Eu a usei para repor minhas forças, ao menos um pouco.
Dean assentiu, pensativo.
— Se ela era assim tão poderosa e importante para você, por que a deu para mim?
Castiel respirou fundo. Seus olhos voltaram a se encontrar com os de Dean.
— Porque eu confio em você, Dean. Mais do que em mim mesmo.
O mundo parou para os dois naquele instante. Castiel o puxou para mais perto, encerrando a distância entre seus rostos.
E então ele o beijou.
Foi simples, rápido, muito menos do que Dean já havia feito em seus casos de uma noite, e ainda assim ele sentiu como se fosse além de tudo que já fizera.
Porque era a primeira vez que beijava alguém que gostava.
Alguém pelo qual o afeto conseguia ser maior que os princípios e regras das quais zelava desde que se entendia por gente.
Estava caindo de amores por um anjo, e ainda assim não via aquilo como sendo errado.
Castiel era certo para ele.
Afastaram-se logo, ambos com sorrisos discretos e animados. Dean deixara de lado o semblante sério de instantes atrás, e agora tinha uma expressão leve.
Quando o loiro ergueu-se do chão, Sam fingiu estar prestando atenção no espelho coberto de tinta, como se não tivesse visto nada do que acabara de acontecer ente o irmão e o anjo.
Castiel também se levantou, batendo o pó inexistente de seu sobretudo, sem saber como se portar exatamente.
Dean sentiu que desmaiaria ao ver Taehyung e Jungkook olhando para ele e para Castiel com sorrisos imensos.
— Estão olhando o quê? — Questionou, rude. — Temos muito o que fazer, nós ainda precisamos... precisamos...
— Enterrar o espelho — disse Sam, segurando o riso.
— Isso! Precisamos enterrar o espelho — repetiu Dean, e em seguida pigarreou. — Vamos, ao trabalho.
Jungkook riu alto e Taehyung cutucou seu braço, porém nem mesmo o Kim estava conseguindo disfarçar o sorriso.
Sam ajuntou o espelho após constatar que a tinta já havia secado. Bom, não secara completamente, alguns pontos ainda estavam um pouco úmidos, mas era o bastante para que pudessem carregar o espelho sem mais problemas.
— Estamos indo para o carro, vocês vem? — Falou Sam, olhando para o casal asiático que permanecia sentado lado a lado na cama.
Jungkook assentiu, pronto para se levantar, porém Taehyung segurou seu braço o impedindo de continuar.
— Já vamos — anunciou Taehyung.
Sam assentiu, deixando o quarto.
Taehyung tornou a olhar para Jungkook. O mais novo sorriu com uma das sobrancelhas arqueadas.
— O que voc...
Jungkook calou-se quando os lábios de Taehyung tocaram os seus. Foi um beijo intenso, com direito às mãos de Taehyung em sua nuca e ombro. Sorriu ao que o mais velho mordiscou seu lábio inferior, puxando-o sutilmente.
— Como eu senti falta disso — murmurou Taehyung, e Jungkook alargou ainda mais o sorriso.
— Eu também — sibilou, fazendo com que Taehyung também sorrisse. — E obrigado por tudo, hyung. Obrigado por ficar do meu lado — falou, distribuindo uma série de selares pelo rosto bonito do Kim.
Taehyung se permitiu beijá-lo mais uma vez antes de irem para o carro de Dean, onde os outros três os esperavam.
— Onde vamos enterrar o espelho? — Perguntou Jungkook, curioso.
Queria distância do objeto que continha a raiz de seus problemas enfim solucionados.
— Bem, bem longe — replicou Dean, sentado ao volante.
Taehyung deitou a cabeça no ombro do noivo. Jungkook passou um dos braços por trás das costas do outro, acolhendo-o melhor. Finalmente se sentia ele mesmo de novo. Sentia-se enfim livre para aproveitar a vida ao lado de Taehyung.
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