É completamente comum nos sentirmos ansiosos quando coisas boas — ou pessoas boas — surgem em nossas vidas. Quando vi as entradas para o ‘Recital de Poesia Clássica’ a venda em uma das livrarias, não contive minha alegria ao comprar um par de ingressos para mim e Yunhyeong. Poesia foi algo que comecei a admirar com a ajuda da professora de literatura de alguns anos anteriores na escola. Era incontrolável o sentimento bem que inebriava toda minha mente quando as palavras aquarelas perdiam sua confusão e passavam a me apresentar inúmeras interpretações e significados.
Sentir um arrepio perturbar a mim enquanto os poetas recitam suas próprias criações ou de algum antigo escritor foi algo que senti uma única vez em um passeio escolar, que não foi tão aproveitado assim por conta da impaciência de todos para irem logo ao parque, mas que eu gostaria tanto de poder sentir novamente.
Ando para casa com os pequenos papéis laminados em minhas mãos. Yunhyeong está me esperando, sei disso pela mensagem que recebi a poucos minutos, o que me causa certo nervosismo e ansiedade. Afinal, ele não gosta muito de quando ele fica a sós em casa, afirma que não é ‘bom’ que eu saia sozinho por tanto tempo.
Quando eu o vejo, encontro seus olhos escuros que me fitam de maneira que não consigo decifrar, e suas mãos que estão comprimidas em punhos, a felicidade que sinto se reduz e temo que ele não esteja contente.
Ainda assim, sorrio da melhor forma que posso.
— Yum… — O apelido carinhoso me escapa facilmente quando me aproximo. Gosto de nos imaginar andando de mãos dadas e assistindo ao recital juntos, sorrindo. — Tenho uma novidade.
Seu rosto não mostra a ansiedade que esperei encontrar. Engulo a insegurança com certa dificuldade e mostro os ingressos prateados em minha mão.
— Comprei ingressos para irmos à um recital de poesias! — Minha animação transborda. Sinto que não é recíproco. — Podemos ir juntos.
Song solta um suspiro. Nem ao menos percebo quando suas mãos arrancam os ingressos das minhas e seus olhos afiados leem as informações com um tédio quase palpável.
Quero dizer que sempre desejei poder ir a um evento como esses e que a chance é quase que única, no entanto, permaneço quieto e analisando seu comportamento temperamental.
— Poesias, Jeongguk? — Ele volta a se jogar no sofá, suas mãos balançando e segurando os papéis sem cuidado algum. — Podemos ir para algum local mais divertido, não? Duas horas para ouvir um bando de idiotas falando coisas sem sentido. Não parece um passeio bom.
Meu sorriso murcha com suas afirmações.
— Mas, Song... — Tento novamente, me aproximando. — Sempre quis ir a um, podemos ir juntos. Vai ser divertido.
Song parece perder a tal da paciência quando termino de falar. Um bufar seu e logo vejo os pequenos papeis que me custaram um bom dinheiro serem partidos ao meio por suas mãos. Os ingressos são rasgados sem pena alguma por ele.
Uma súbita vontade de chorar me atinge, no entanto, a única coisa que consigo fazer é permanecer quieto e surpreso com suas ações cruéis.
— Não me contrarie novamente, Jeongguk. — A frieza em seu tom é assustadora. Não o contrário. — Vamos ir a uma balada, clube, qualquer coisa é mais interessante que isso.
A força que faço para sorrir é imensa. Dói, muito.
— Claro, amor.
12.3
Está frio lá fora, o vento parece meio revoltado, jogando as cortinas da sala de um lado para o outro, como se quisesse conversar com alguém, mas sem palavras. Mamãe não está em casa, o que nem é a novidade esplêndida do universo. Talvez, só talvez, se ela estivesse aqui me contando sobre suas experiências nos plantões de sexta-feira, meu corpo não desejasse chorar descontroladamente. É só uma lembrança. Só algo que não deu muito certo nessa minha vida, deveria ter sido mais sensível sobre os gostos do Song.
E para piorar, estou com fome e meu estoque de coisas gostosas para momentos como esse simplesmente sumiram magicamente do armário, até porque participo de uma dieta em conjunto com o Song, para restabelecer meu corpo. Ele diz que besteiras não fazem muito bem, mas no momento, a única coisa que eu quero é um saco de doritos e uma latinha de coca-cola.
Mamãe sempre deixa dinheiro de reserva, então me agasalho e finjo que as lágrimas que se acumulam em meus olhos só estão temendo o clima gelado. Tem uma pequena conveniência aqui perto, talvez umas duas quadras, provavelmente, a essa hora do dia, nenhuma alma que se preze se meteria no vento frio para comer idiotices. Mas eu sou um idiota, não me importo.
Conecto meu spotify, já colocando os fones de ouvido, penso em buscar a playlist que o Song fez para mim, mas só consigo clicar na “Estação 12.3”, onde eu salvei Jam Jam, fiz questão de criar a playlist, mesmo que como um instinto maluco.
A música se repetiu umas três vezes e meia, e já cantarolava a melodia gostosinha quando entrei no espaço quentinho do local, até solto um suspiro, percebendo a lufada de ar escapar por meus lábios. Preciso ser rápido, Song quer passar a noite comigo, de novo, assim que voltar de seu compromisso com sabe-se lá quem.
— Doritos, doritos… — começo a procurar pelo pacote vermelho, quero o grandão, me melecar por inteiro com o seu pó artificial de cor laranja. — Ah, olha você aí! — Viro algumas poucas prateleiras, afinal o lugar é bem pequeno, quase ao centro, um aglomerado de salgadinhos coloridos já me causa felicidade.
— É o melhor salgadinho do mundo, não é mesmo? — Essa voz. Provavelmente teria pulado de susto se ele não estivesse bem à minha frente, sorrindo como da última vez que nos encontramos, deitados naquele chão. — E... oi. Parece que estamos meio conectados né, nos encontrando em lugares tão esquisitos.
Não quero nem imaginar se o Song pense nessa possibilidade, como namorado eu deveria negar, não é? Dizer que meu corpo é apenas da pessoa que eu amo, mas apenas solto um risinho nervoso, principalmente em ver o mesmo pacote preso em seus dedos.
— Gosto de quando ele fica preso nos dedos, é tão legal. — Prudência, Jeon, tenha um pouco de prudência. — E, olá, hyung.
— Você estava chorando? — Ele se aproxima de mim, ao focalizar sua atenção em meu rosto, Taehyung, seu nome fica brincando na minha cabeça, me faz recuar quase com um pavor. — Opa, sinto muito, é que… você está triste.
— Não...
— Sabia que eu tenho um detector de mentiras na minha cabeça? Sei quando a pessoa está tentando me enganar! — Seu tom é de brincadeira, e para minha surpresa, ele pega outro pacote grande de doritos e coloca nos braços cobertos pelo agasalho gigante. — E outra coisa, somos companheiros de doritos, nossos dedos alaranjados não conseguem enganar um ao outro.
— Mas meus dedos estão limpinhos… — ergo minhas mãos, deixando o celular dentro do bolso do moletom. — Olha, olha.
— É por pouco tempo, só espera a gente sentar para comer isso, que logo, logo vamos começar a conversar telepaticamente! — Ele toca meu rosto com a ponta do dedo indicador, com a sua mão livre. Por um instante, vejo Song em minha mente, querendo reafirmar algo apertando minha pele com força, e acabo recuando ainda mais, completamente trêmulo. — Nossa, o que foi? Você ficou pálido, fiz algo de errado? Parece que lembrou de algo ruim…
Eu lembrei do Song, não é algo ruim, né?
— É foi só uma lembrança, só... é. — Suspiro, o que eu faço agora?
— Tudo bem, então que tal sentarmos no banco perto daquele teatro que tem aqui perto, o que acha? Se der frio, a gente se esquenta.
Concordo. Taehyung e seu sorriso possuem esse talento de te fazer assentir com qualquer pedido e nos dá a sensação de familiaridade. Quando ele paga pelos dois sacos de Doritos e as duas latas de refrigerante, eu não o contesto e muito penso no que Song diria ao ver que estou acompanhado de um garoto cuja gentileza é algo notável.
Gosto de aproveitar a calma que sua presença passa, e por isso meus passos não hesitam em acompanhá-lo lado a lado, seu sorriso sendo mais do que necessário para que me sinto confortável.
Ele ainda carregava a sacola transparente com nosso lanche quando passamos a andar pelo piso de pedrinhas da praça em frente ao teatro municipal, seus pés chutando uma pequena pedrinha que ele localizou após atravessarmos a rua.
O ar esbranquiçado que escapa por nossas bocas me distrai, enquanto penso novamente na lembrança que me fez chorar a pouco tempo atrás. Meus dedos se apertam dentro do bolso do casaco e meus lábios se fecham quando o choro parece querer escapar de minha boca novamente.
Ao sentar ao lado de Taehyung, ele parece notar o desânimo que acompanha cada movimento meu, pois seus dedos não demoram muito a abrir os sacos das guloseimas salgadas e gordurosas que compramos.
— Minha mãe me ensinou que ainda que não seja bom para nossa saúde, esse tipo de comida é a única coisa que consegue expulsar o choro.
Um riso me escapa tão naturalmente que até mesmo me assusta. Taehyung parece notar que suas palavras conseguiram mexer com alguma parte de mim quando ele enche sua boca dos salgadinhos alaranjados e bebe um gole grande da bebida doce.
Eu como um único nacho do pacote, mastigando lentamente. Song brigava comigo quando me via comer rapidamente, dizendo que se mastigasse lentamente e com pouca quantidade, me satisfaria logo e comeria menos. Por isso, como um único salgadinho por vez, ainda que minha cabeça me implore para que eu lote meu corpo com toda aquela comida.
Taehyung parece ser hipnotizado pelo Doritos, comendo desesperadamente tudo que está dentro da embalagem. Me assusto quando vejo ele lamber os próprios dedos, buscando comer as migalhas que sempre se acumulam em algum cantinho traiçoeiro de dentro do pacote. Seus lábios estão alaranjados, assim como seus dedos.
Ainda estou no começo, enquanto ele já comeu tudo. Seus olhos brilham como de uma criança ao encarar a embalagem em minhas mãos, ainda cheia. Taehyung se arrasta, até conseguir sentar mais perto de mim. Quero dizer para que ele se afaste, que Song provavelmente me denegriria por deixar outra pessoa se aproximar tanto, no entanto, o calor natural que seu corpo traz é algo que me faz desejar e pedir por mais.
Seus dedos ágeis roubam alguns salgadinhos de mim, no entanto, só consigo rir com o quão divertido é ver ele com as bochechas cheias por conta da quantidade absurda de comida em sua boca.
Coloco mais um salgadinho, o ‘crac crac’ dominando o silêncio entre mim e Taehyung, enquanto me distraio em observar tudo ao nosso redor.
— Acho que devia ter comprado mais desses salgadinhos pra mim. — Taehyung exclama ao pegar mais um punhado de doritos meus, as bochechas inchadas pela quantidade de comida em sua boca. — Isso é bom demais.
Me pergunto se o Kim se incomoda de a única coisa que faço com suas falas aleatórias é rir, pois meu sorriso quando estou em tua presença é quase que automático, uma coisa um tanto estranha, mas que continua sendo boa de qualquer forma.
— Talvez. — Me arrisco em falar. Que ele não julgue minhas falas como Song constantemente faz. — Mas você pode comer mais do meu. É melhor para mim, não quero engordar tanto, meu corpo já não está um dos melhores…
De repente, não ouço mais os ‘crac crac’ — sim, eu gostei de pronunciar esses barulhos — e encaro Taehyung que me olha de forma séria. Seus olhos permanecem nublados, me impedindo de saber o que se passa por sua cabeça. Seus dois dedos formam um círculo e se direcionam até minha testa, quando menos espero recebo um peteleco be dado nela.
Meu rosto se contorce em uma careta e minha mão se direciona até o local atingido fracamente pelo Kim.
— O que foi isso? — Minha voz sai baixa. Será que Taehyung é como Song? Por que ele fez isso?
— Olha para você, Jeongguk! — Do nada Taehyung grita, suas mãos gesticulando para o meu corpo. — Você é o típico galã de dorama que as meninas suspiram.
Quero lhe dizer que não, não sou nada do que ele enxerga. Meu corpo é feio e desproporcional, ao menos foi o que vim me convencendo. No entanto, a empolgação que sai na voz grossa de Taehyung me faz acreditar que ele não está mentindo, que ele realmente pensa que minha aparência é a de um galã de dorama.
É impossível conter o risinho envergonhado, e um pouco feliz até, que sai de mim quando suas palavras afetam meu peito e dão uma aquecida nele. Me sinto confortável em sua presença e quero agradecê-lo por isso. É só um elogio diferente, acho que nem deveria estar acumulando isso sobre Taehyung dentro de mim, não sei se Song iria colaborar com isso.
— Quer andar por aí? Sabe? Correr no meio da rua, encarar poças de água…
— Parece meio perigoso!
— Parece divertido, venha, venha! Dê-me sua mão quentinha. — não parece certo, preciso ficar repetindo isso o tempo todo para tentar me conter, minhas mãos estão cheias de pó laranja, uma crosta crocante em minha derme. — O quê? Não está com medo de mim, né? Eu dividi o melhor salgadinho do mundo com você, temos um elo, lembra?
Estou sorrindo, acho que não deveria. Pegar na mão dele me parece meio errado, então apenas me levanto, procurando um lugar para depositar nossas latinhas de refrigerantes, sujar tudo aqui ainda mais me faz sentir estranho. Para minha surpresa, Kim Taehyung ao menos protesta, porém, quando faço a mínima menção de caminhar pela calçada, o hyung me carrega para o meio da rua. Tão maluco.
Tudo ao meu redor é como sempre: cinza com alguns pontos em verde. Geralmente, me sinto um idiota-anormal caminhando por aí, sentindo os olhos do mundo cravarem minhas costas. Song diz que isso só significa que eu sou alguém que as pessoas gostam, mas acho tão difícil de acreditar. Todavia, hoje só é divertido.
— Você mora por aqui, imagino… — Jeon Jeongguk puxando assunto com alguém, esse é nova!
— Sim, sim. — Espero que ele continue, mas recebo apenas o silêncio e o som gostoso de seus dentes chocando-se com o crocante. Idiota, você.
— Fiz alguma pergunta errada?
— Por que você acha que sempre está fazendo algo de errado? — ele para, meio bruscamente e acabo fazendo o mesmo, por puro instinto. Espero mesmo que não apareça um carro, isso seria um tanto constrangedor, e que ninguém dessas casas todas opacas apareçam em suas janelas cobertas. Pode existir algum conhecido do Song aqui. — E sobre a minha casa, é só complicado. E eu adoraria te contar tudo, só não é o momento.
— É que eu geralmente faço tudo errado… — Jeon Jeongguk, o que deu em você? Fecha a sua boca. Respiro fundo, umas duas ou três vezes e retorna a caminhada, no final de tudo, Song está certo, o melhor lugar para mim é dentro de casa, com as músicas que ele escolhe com tanto amor para mim.
Eu deveria gostar delas, não é mesmo?
Não sinto mais vontade de comer, mesmo tendo alguns poucos no saco; mas, algo em especial me chama a atenção, o nome dessa rua: Jung-gu. Estamos em Myeongdong, conheço muito bem meu bairro e sua quantidade excessiva de lojinhas e casinhas abarrotadas, se sei um pouquinho de direção que aprendi nas aulas de Educação Física, é daqui duas quadras, exatamente.
Estou animado de um jeito maluco.
— Jeon?
— O Courtyard Seoul fica aqui perto, não é? Umas duas quadras, estou certo? — procuro seu olhar, apenas para que ele me convença de que eu não estou tão idiota a ponto de ficar animado com uma simples rua. — Então, Hongdae é naquela mesma rua. Será que está tendo algo agora? Que dia é hoje?
Estou pensando em voz alta, pagando um mico do caramba. Taehyung limpa sua mão direita na calça jeans e caminha lentamente em minha direção: — Você quer ir lá? Provavelmente está sim, aquele lugar nunca fecha! Vi que eles estão fazendo uma coisa legal com poesias…
Se o Song tivesse aqui ele teria essa atitude com as minhas cafonices?
— Eu nunca fui lá, mas se você quiser, eu vou todo feliz com você! — A voz do Taehyung deixa o clima tão gostoso, quase me sinto derretendo como um queijo gostoso. E agora estou fazendo comparações estranhas.
— Não quero incomodar…
— Não está me incomodando! Agora vamos, sei que temos que comprar as entradas! Poesias são profundas não é… combina com você. E isso é lindo.
Corremos que nem malucos pelas poucas ruas até encontrar Hongdae, o prédio meio medieval que se destacava das outras lojinhas e restaurantes que existem por aqui. Quase desisto ao encarar o pequeno segurança, cabelos castanhos e lábios carnudos, sorridente e convidativo, porém, a presença de Taehyung se faz ainda mais presente, seus dedos roçam as pontas dos meus e isso é como uma carga diferente.
— Divirtam-se. — é o que o rapaz, que ao julgar tem a mesma idade que o Taehyung, diz assim que o hyung compra nossas entradas. Quando a porta se abre, uma música linda me aquece como um cobertor fofinho.
Se estou escondendo alguma coisa, é você
Se algo tocar, é você
Em algum momento, os dedos que se esbarravam com os meus buscam se entrelaçar e Taehyung dá um passo para ficar mais próximo a mim. Engulo em seco meu nervosismo, o medo rasgando a felicidade que sinto por estar em um momento de tanta paz. Me sinto feliz, e essa felicidade parece aumentar ao compartilhar o momento com Taehyung.
Enquanto olho para você
Deixo sair um suspiro quente
Sentindo como se eu estivesse ferida
É por sua causa
Escuto mais um trecho, a voz feminina é suave e leve, o que me ajuda a voltar com a tranquilidade.
— Essa música é da IU. — A voz grave está próxima a mim. Naquele momento, meu coração parou. — O nome dela é Heart, é uma das minhas favoritas…
Taehyung sorri ao terminar sua confissão. Acabo sorrindo por ver uma coisa em comum entre nós dois. Sou grande fã da cantora que inebria nossos ouvidos, no entanto, já não escuto com tanto frequência pois a playlist de meu namorado não envolve músicas com batidas calmas.
— Gosto da IU. — Confesso baixo, como se fosse um segredo a ser guardado. — As músicas dela me deixam bem.
Taehyung sorri. Sinto sua mão apertar a minha, que ainda permanece entrelaçada a dele, quando ele solta um suspiro leve, como se toda a situação o deixasse feliz. Suas próximas palavras me dão uma sensação nova no coração, algo que me deixou nervoso e contente, uma sensação inexplicável.
— Estar com você me deixa bem.
Não consigo respondê-lo. Acho que ele meio que entende minha dificuldade para pôr claramente as sensações e os sentimentos para fora, por que mesmo não falando mais nada, ele ainda continua a sorrir quando me guia até a primeira fileira de frente para o pequeno palco, sentando ao meu lado.
Não quero soltar sua mão, e isso fica claro tanto para mim quanto para ele quando ele tentou se separar e, inconscientemente, eu apertei seus dedos. Sua presença me passar certa segurança, algo que não posso pôr em palavras.
Taehyung continua a me fitar e, incrivelmente, não deixo de olhá-lo também.
Minhas divagações são interrompidas quando as luzes se apagam, deixando somente os pequenos holofotes do palco acesos quando o menino que nos recepcionou na entrada sobe sorridente. A expectativa e ansiedade que se alastra por mim em antecipação do show de poesia é sensacional, algo que explica bem o quão maravilhado e encantado eu ficava a cada recital, uma poesia superando a beleza da anterior.
A jovem menina que entra, e é anunciado ser a última, carrega somente um papel amarelado - diferente de todos os outros que entraram com seus cadernos de poesia - e seu olhar carrega mágoa, algo que surpreendentemente me lembra meu próprio olhar.
Sua voz pigarreia antes de parar no centro do palco, sequer sorrindo uma única vez.
Me desculpa ter gritado e empurrado você, mas é que você me deixa muito nervoso.
Me desculpa por te fazer tirar aqueles shorts, mas você ativa meu senso de proteção.
Me desculpa por te proibido de conversar com seus amigos, mas eles me deixam raivoso.
Me desculpa ter arrumado os roxos no seu corpo, mas preciso marcar meu território.
Me desculpa por ter te trancado naquele quarto, mas tenho que te manter no escuro.
Me desculpa por pedir tantas desculpas, mas entenda, faço tudo isso por que te amo.
Suas palavras me assustam. De repente, a aflição toma o lugar e sinto pequenas lágrimas brotarem em meus olhos. Por que palavras de um poema qualquer me fazem chorar? Sinto as palavras me invadirem, seu sentido parecendo próximo demais de mim. Quero ver o porquê de ficar tão atingido com suas palavras, o porquê de elas conseguirem me tocar e atacar de forma inigualável.
A imagem de Song retorna a minha cabeça como uma pancada, e em um reflexo solto a mão de Taehyung, secando minhas lágrimas que insistem em se multiplicar. Não quero chorar, no entanto, sinto a necessidade de fazer. Meu rosto vai umedecendo aos poucos, as lágrimas molhando minha pele, você não deveria mostrar esse tipo de reação em público, Jeon. Yunhyeong sempre deixou isso tão claro, porque eu nunca o ouço?
É que… eu sinto aquelas palavras. Elas me deixam com dor de cabeça, confuso, quero vomitar.
Será que levantar daqui é errado? Estão todos tão concentrados ao meu redor, poderia até dizer que ninguém está dando a mínima para mim se não fosse o olhar preocupado de Taehyung, seus olhos brilham, quase penso que existem duas estrelinhas ali, mas me iludo completamente com isso, ele também está chorando. O poema também o deixou emotivo?
— Respira fundo e pensa em um doritos dançando… — a voz dele é um sussurro, só que meio engasgado — não tem problema algum em chorar, você só não pode prender.
Antes que eu pense em impedir, seus dedos tocam meu rosto e as lágrimas parecem me deixar aos poucos, acontece alguma espécie de palmas, só que é tão baixo que é até musical, contudo, não me levanto para agradecer aquela intérprete, só me deixo envolver por aqueles dedos quentinhos com gosto de salgadinho de queijo.
Pode parecer loucura, mas foi um dos momentos mais maravilhosos da minha vida, na maior parte do tempo eu ficava encantado com a criatividade deles, a mão de Taehyung entrelaçada na minha foi um dos melhores momentos, apertava os dedos dele de um jeito tão desnecessário que achei que ele iria me xingar, mas não, nem ao menos tentou soltá-la. Em um determinado instante, encostou a cabeça em meu ombro e fechou os olhos, absorvendo a música que iniciara no pequeno intervalo.
Eu queria que não tivesse acabado, mas as duas horas se passaram como um simples segundo, um ponteiro de um relógio que me odeia. Está chegando a despedida, ficamos sentados por um tempinho até o lugar se esvaziar completamente, e então, ainda de mãos dadas, nos levantamos. O jovem baixinho simpático pede nosso retorno e é o hyung que responde.
— Em breve, piquetuxo. — o rapaz não ficou chateado, apenas sorriu.
Caminho ao lado do hyung por uns instantes em completo silêncio, nossas mãos balançando de um lado para o outro. É só um encontro de amigos, não é? Somo apenas isso, mesmo que meio inusitado e um tanto confuso. Estou provavelmente cheirando a doritos.
— O que eu falei foi sério tá, podemos voltar em breve. — estamos em uma esquina, minha casa fica para o lado esquerdo, preciso ir até ela, pegar meu celular, lembrar que eu tenho um namorado que pode se irritar muito em saber disso. Ficará em segredo, como a rádio, como minhas playlist’s secretas. Song não precisa saber sobre isso. — E quero dividir um doritos com você novamente, me promete que não vai me evitar?
— Prometo, prometo sim.
Sei que irei me arrepender, mas não ligo muito para isto no momento. É uma despedida esquisita, não sei se a casa do hyung é para o lado direito ou reto ou sei lá o que, mas apenas finjo que ele não mora na mesma direção que eu, e caminho sozinho como sempre, mas sentindo aquela quentura gostosa dos seus dedos melecados no meu. Kim Taehyung parece estar em mim de um jeito confuso.
Nem percebo estar tão próximo quando observo Song sentado em um dos degraus da minha casa, sinto um arrepio terrível, como se eu estivesse com medo. Que loucura. Eu não fiz nada de errado, sei disso, os dedos do Taehyung só quiseram me confortar, como um melhor amigo preocupado com o choro do outro, nada de muito interessante, nada que Song possa se preocupar.
— Onde você estava? — ele não fala comigo, ele rosna — Eu tentei falar com você sabia? Jeon Jeongguk… que cheiro é esse?
Sua aproximação é como um vulto para mim, em um segundo estava distante o suficiente para que eu corresse, e no outro, segurando meu braço esquerdo e me carregando para dentro. Está doendo, quero dizer. Estou quase tropeçando, eu posso cair. Só que eu me mantenho em silêncio até a porta se fechar atrás de mim, já sinto minha enxaqueca voltando. A mão dele ainda me prende.
— Eu só fui na conveniência.... — não respondi direito, seu olhar em mim me deixou sem voz, mas ainda tentei, mesmo que sabendo ter falhado.
Seus dedos tocam meus lábios rudemente, logo sentindo o que seja que tenha na minha face. Por favor, que não seja o doritos, isso só me daria problemas com ele, e não quero isso. Song faz a mesma coisa com os dedos de minha mão, e em seguida, aproximando o nariz da minha blusona de esquentar o frio, eu nem pensei na merda que eu fiz, e agora estou sentindo as consequências.
Será que ele está me revistando por que me ama? Tem medo que algo tenha dado de errado?
— Esse cheiro… você estava com alguém! Me diga quem, Jeon!
— Eu só fiquei conversando com o caixa, Song, nada…
— Não mente para mim! — queria que a porta estivesse fechada, talvez cair de bunda no chão tivesse doído menos, mas não, é como se eu quisesse sangrar, mas não fosse possível, algo em mim estava impedindo. Meu corpo se chocou com a madeira e senti a maçaneta cravar em mim, mesmo não entrando, ou até mesmo arranhando. É agoniante. — Está vendo o que você me faz fazer, Jeon Jeongguk?
Song está me deixando sem ar, suas mãos não envolvem meu pescoço e nem nada, mas é sufocante, é como se existisse uma garra de monstro envolvendo meu braço, querendo arrancá-lo fora por algo de errado que eu fiz. Tenho que pedir desculpas, eu sei. Eu vou.
— Sin-sinto mu-muito. — não sei quanto dura, parecem horas, aquele coisa ruim me consumindo, é como uma eternidade. Sinto falta das poesias, do doritos… do Taehyung e da sua mão cheirando a queijo. — Song, me de-desculpa.
Ele me carrega até o sofá, perto de uma pequena mesinha onde guardo um dos meus objetos preferidos de toda a vida, adoro sentar naquela poltrona e ouvir qualquer coisa que toque nas estações, é uma das coisas que me deixa bem, quase refrescante, como uma chuva de fim de tarde. Song não me toca mais, e isso é tão bom.
— Eu vou tomar banho antes que eu faça uma loucura! Não acredito que você não honra o amor que eu sinto por você, Jeongguk. Não acredito! — e ele some. Simplesmente, jogando as coisas no chão, batendo às portas da minha própria casa. Quero chorar.
Noto estar prendendo a respiração somente quando ouço o som da água se chocando contra o chão, voltando a respirar, ainda que meu coração deseje sair pela boca tamanho o medo que me domina. Minhas pernas fraquejam e caio sobre o sofá, as lágrimas correm livremente pelo meu rosto contorcido em puro temor. O que diabos acabou de acontecer?
Minhas mãos tampam minha boca antes mesmo que o grito de puro pavor sair junto ao choro descompensado. Me pergunto em que momento chorar se tornou algo tão banalmente comum em meus dias, e isso dilacera minha alma em cortes profundos e lentos.
Não sei por que estou chorando tanto, afinal, fui eu quem causou toda a confusão, certo? A culpa é minha. Song disse isso e ele não costuma mentir para mim. Por que ser idiota é algo que faço comumente? Desejo poder retornar a horas atrás, onde a risada e o sorriso de Taehyung me contagiaram uma alegria única, e suas palavras gentis me confortavam minhas inseguranças e meus desejos. Não quero pensar no porque penso nele em um momento de desentendimento com meu namorado. Entretanto, não consigo de parar desejar ter sua mão junto a minha e seus dedos limpando minhas lágrimas novamente.
Patético, Jeongguk. Você é patético.
Minhas mãos trêmulas se dirigem ao meu rádio, o meu tão amado instrumento velho, mas que vem sendo o melhor que já tive em toda minha vida. Se me perguntassem a única coisa que gostaria de levar para toda a vida, esse carinha velho e tocante com certeza seria o primeiro da minha curta lista.
Giro os botões lentamente, sintonizando com cuidado na rádio que Taehyung me recomendou a dias atrás, e que acabou por se tornar uma de minhas favoritas. Quando consigo sintoniza-la, meus olhos se fecham e minhas lágrimas são involuntárias. Ali, eu me encolho ao abraçar minhas pernas e voltar a chorar.
Assusto-me quando a voz que sai do rádio se faz presente em meio ao silêncio doloroso, me fazendo prestar atenção em algo que não seja minha própria dor.
— Hoje foi um dia especial. Encontros inesperados nos podem fazer sorrir e chorar, mas quando acontecem, são inesquecíveis. Consegui sentir isso e gostaria de nunca esquecer a sensação… Até mesmo desejo que possam sentir um dia… Fazer pessoas importantes felizes me deixa bem.
As palavras me afetam de forma desconhecida. Sequer consigo raciocinar direito, pois tudo o que penso é interrompido pela melodia lenta e suave que preenche meus ouvidos, a medida que acalma meu pranto descontrolado.
Quando a escuridão infinita, vem de repente
Quando você não consegue dar um passo
Já que você não consegue ver nada a frente
Quando você está só esperando
Já que não consegue alcançar
Quando você cair, eu vou segurar sua mão
A música me faz diminuir o aperto que realizo entre minhas pernas, o choro se torna silencioso.
Eu ouço sua voz no escuro
Eu posso ouvir sua voz, seu coração partido
Lembre-se mesmo se tudo desaparecer
Eu sempre estarei ao seu lado
Sempre
Eu sempre estarei ao seu lado
Sempre
Eu vou te fazer sorrir, lembre-se
Sempre
Sempre
Lentamente, as lágrimas vão se acabando, a tensão interna se esvai pouco a pouco.
Quando a tristeza infinita vem de repente
Isso só piora
E seu coração fica coberto
Quando você está segurando suas lágrimas
Porque você não pode contar a ninguém
Quando você cair, eu vou segurar sua mão
Eu ouço sua voz no escuro
Sinto a música como uma amiga próxima. Ela parece me consolar com sua letra, seu toque pacífico que me conforta e acolhe. Sinto-me menos temeroso, ainda que assustado, a música parece reduzir. Meus dedos limpam o choro recente.
A letra me hipnotiza e presto atenção em cada trecho. O sorriso de Taehyung e seus olhos profundos que me fitam enquanto ele se livra de minhas lágrimas voltam a minha cabeça como um lampejo forte.
Eu sempre estarei ao seu lado
Assim, para sempre
Fique do meu lado assim
Sempre
Sempre
A música se termina, levando com ela meus gritos de desespero.
Assusto-me quando ouço passos pesados, a sensação de alívio deixando de existir por completo ao fitar os olhos ainda irritados que me analisar com cautela, parecendo olhar minuciosamente o quão assustado estou.
— Que música irritante é essa, Jeongguk? — Song pergunta sem paciência. Mais uma vez me culpo por ser tão estúpido e o ter deixado tão irritado assim.
— Foi algo que estava passando e… — Gaguejo. Minhas mãos começam a suar nervosamente e meus olhos se desviam de sua figura. — Eu só… Estava apreciando.
— Apreciando? — Ele ri, sinto um pouco de sarcasmo em sua voz. Provavelmente coisa de minha cabeça idiota. — Deixe essa merda para lá.
Não consigo dizer nada que o impeça de atirar o rádio contra a parede, o estraçalhando em vários pedaços, tantos que sequer consigo pensar. Minha boca não consegue reproduzir um mísero som sequer, as mãos tremendo o os olhos arregalados são as únicas coisas que demonstram que ainda estou vivo, pois meu corpo inteiro travou.
Sinto vontade de chorar novamente, e desejo me xingar por isso.
— Olha isso! A culpa é sua, Jeongguk! — Song me acusa novamente. — Você quem faz as coisas errado e me obriga a fazer isso! Quer saber… Não vou dormir aqui hoje, não estou com cabeça para isso. — Ele pega o casaco que usava antes de entrarmos e se dirige até a porta de entrada. — Pense no que fez hoje, a culpa é sua.
Permaneço ainda imóvel, as lágrimas patinam com maestria novamente. Sinto como se uma força puxasse toda a força de meu corpo e a única coisa que consigo me permitir fazer é buscar pelo meu celular, entrando novamente no aplicativo de música.
Mordo o lábio quando um soluço me escapa. Sinto frio, no entanto não consigo me mover. Meus dedos tocam a tela coberta pela película de vidro rachada, buscando pela letra que escutei a pouco. Tenho vontade de sorrir ao encontrar o que procurei pelos poucos minutos, mas minha tristeza não permite.
Voice, Standing Egg.
Salvo.
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