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História Estações - Segunda Temporada - Enfrentando seu próprio pesadelo


Escrita por: AleSinclair

Notas do Autor


Hiiii folks!!

Voltei pro Brasil e tudo indica que a fic vai encontrar seu rumo até o final da temporada! Isso é bom não é?

O próximo capítulo será respondendo as perguntas que fizeram no cap passado. E como a maioria foi pedindo para entrar no grupo farei isso de uma maneira mais organizada. Me mande uma mensagem com SEU NUMERO e o SEU NOME e eu adicionarei você no grupo. Só vou adicionar quem me mandar a mensagem e tiver o nome pra poder salvar no celular ok? Não vou adicionar quem postou o número no capítulo passado porque esse é o espaço reservado justamente por isso. Quem não ler nota inicial, sinto muito kkkkk.

Capítulo 26 - Enfrentando seu próprio pesadelo


Fanfic / Fanfiction Estações - Segunda Temporada - Enfrentando seu próprio pesadelo

Pov Lauren

O chamado do meu nome constante e contínuo reverberava atrás de mim. Mas isso não fazia com que meus passos, firmes e rápidos, diminuíssem o ritmo para esperar quem proclamava meu nome tão irritantemente. Minha respiração estava pesada, entretanto não tanto quanto a sensação que assolava o meu peito. Meu coração bombardeava meu peito brutalmente, exigindo que eu fosse mais rápido, ordenando que eu a alcançasse antes que fosse tarde demais.

Tudo começou pouco tempo atrás, com aquele formigamento em minha nuca e dificuldade em manter a respiração regular. Se eu odiava a sensação de calafrio que sempre alertava o meu corpo... Essa nova percepção sensorial e emocional me assustava e amedrontava a ponto de tirar qualquer linha racional de minha mente. Porque eu sabia que tinha algo de errado acontecendo com ela.

Camila estava em perigo, um perigo tão próximo à morte que me fazia sentir todo o seu desespero.

O som estrondoso da porta se abrindo bruscamente em nada se comparou a minha vontade de explodir todo aquele lugar rústico e etéreo. Só não concretizado meu desejo porque, atrás de mim, Dinah havia gritado em um tom quase alarmado um "Não destrói o lugar que ela está lá dentro". Restou-me a opção de chutar com força a porta de madeira, fazendo rachaduras aparecer por todo o material rústico.

-O que--?!

-O que diabos você fez com ela?!

Gritei contra o elfo que estava ali antes mesmo que ele terminasse a frase repleta de indignação. Porém, assim que finalmente meus olhos reconheceram a raça daquele elfo alto e velho, meu isqueiro estava na minha mão destra se desdobrando até se transformar em uma espada translucida. O elfo negro recuou e lentamente ergueu as mãos em rendição, seu olhar azulado afiado encarando o meu... Até que ele abriu um sorriso sereno.

-Imagino que você seja a amada da Camila – ele disse calmamente.

-Eu avisei que ela iria fazer isso – Dinah entrou no lugar.

-Vou perguntar mais uma vez e quero uma resposta simples e clara. O que está acontecendo aqui?! – exigi saber erguendo mais a espada ameaçadoramente em direção ao elfo negro.

Escutei o resmungo alto vindo da entrada, já reconhecia aquele som advindo da elfa Keana, ela só sabia proferir aquele som irritante desde que eu a obriguei a me trazer ao seu reino. Sim, eu sabia que Camila iria enfrentar um desafio grande... Mas eu não fazia ideia que iria quase perder totalmente a conexão com ela! Eu não conseguia transportar minha mente para perto da dela, minha alma encontrava-se mergulhada em um mar agitado de sensações alarmantes. Então eu ignorei todos os pedidos, ordens e gritos de todos ao meu redor, derrubei dois nórdicos que tentaram bloquear o meu caminho. Não pensei duas vezes em ameaçar a elfa que treinava Camila e Dinah, mas foi apenas depois de levar um choque a maldita elfa concordou em conduzir o meu caminho até ali.

-Faz parte do processo, filha de Zeus – o elfo explicou abaixando lentamente as mãos, mas eu mantive erguida a minha espada e sustentei a postura ameaçadora – Ela precisa mergulhar na própria mente para conseguir dominar qualquer que seja o desafio que ela está passando. Será temporário, independente de qual seja o resultado.

-Se alguma coisa acontecer com ela...!

-Calma Lauren! Foi uma escolha da Camila! Ela sabia disso, você sabia que ela passaria por algo – Dinah estava ao meu lado, pousando a mão sobre o meu braço – Confie na Mila, tudo vai ficar bem.

Eu não gostava disso. Eu tinha aquela sensação ruim de que algo estava acontecendo, algo que eu não podia nomear ou saber a origem, mas que gerava uma angústia fria e constante. Rosnei baixo, irritada e ansiosa para que tudo aquilo acabasse de uma vez. Tornei a transformar minha espada em um isqueiro e olhei ao redor, finalmente encontrando a piscina no meio do cômodo. Meu coração acelerou assim que meus olhos repousaram no corpo moreno que flutuava nas águas límpidas e obviamente mágicas. Com passos rápidos me aproximei da margem da piscina, ficando sobre meus joelhos ao mesmo tempo em que analisava cada detalhe de minha noiva. Ela flutuava na água, o corpo balançando lentamente como se seguisse um fluxo ou ritmo. Seus lindos olhos podiam estar fechados, mas eu podia vê-los movendo-se rapidamente por debaixo da pálpebra, como se ela estivesse sonhando. Por vezes, suas sobrancelhas se uniam formando um cenho franzido.

-Há quanto tempo ela está assim? – perguntei sem olhar para mais ninguém.

-Quase duas horas – o elfo respondeu atrás de mim.

Soltei um suspiro alto e cansado. Afinal, estava treinando com Sieg quando Dinah apareceu acompanhada com Keana. Sentei de maneira pesada, minhas pernas cruzando e meu olhar ainda atento a qualquer movimento que acontecia com Camila.

-Lauren você precisa voltar – Dinah falou em tom cuidadoso.

-Não vou sair daqui e não há ninguém que vá me tirar daqui.

-Mas---

-Eu não vou! – rosnei zangada e extremamente irritada, eu sabia que meu olhar estava faiscando na direção dela – Eu vou ficar, ela vai precisar de mim quando acordar, eu sei que vai!

-Nisso a semideusa está correta – o elfo pontuou e eu quase passei a simpatizar com ele só por causa disso.

-Louise não vai gostar nada disso – Keana murmurou cansada.

-Aquela valquíria pode ir para o inferno! Eu sei que temos uma guerra, sei que tenho de treinar. Mas também tenho o meu dever com minha noiva, nada vai me fazer mover um músculo sequer para sair daqui sem que Camila tenha voltado!

-Acredite, ela não vai sair. Acho melhor voltarmos e continuar o treinamento, isso pode demorar – Dinah falava e eu podia imaginá-la dando de ombros naquele momento.

Escutei os passos se afastando, uma conversa distante antes da porta ser fechada. Pousei minhas mãos sobre minhas coxas, eu iria ficar ali nem que se passasse uma eternidade! O que eu não sabia e ninguém mais poderia saber era que algumas horas ali era como uma eternidade para a filha de Perséfone.

(...)

Pov Camila

Eu estava correndo. Era a única coisa que eu conseguia fazer nas ultimas horas... Ou seriam dias? Semanas? Minha sensação de tempo havia desaparecido assim que as imagens jogadas por meu inconsciente. Nada mais importava, nada mais tinha valor, eu só queria escapar daquele pesadelo. Por isso eu corria. Com passos errôneos, respiração desregulada, visão embaçada pelas lágrimas constantes. Eu só corria. Sem rumo, em um desespero que apenas me tragava para baixo e deixava a sensação sufocante de que estava afogando.

Eu corria sozinha. Eu corria de mim mesma.

Tudo o que me restava era aquela sensação de abandono, de solidão. Uma sensação que consumia minha alma e que me fazia quase desistir. Saber dos meus pecados apenas reabria feridas que eu pensei ter cicatrizado e curado. Mas eu me sentia como se tivesse 14 anos novamente, quando eu não tinha absolutamente ninguém que me entendesse. Não havia Dinah com seu jeito divertido e descontraído que fazia os dias mais tristes ou tediosos algo a serem suportados. Não havia minha mãe para acalentar meus medos bobos e dizer que estava bem.

Não havia Lauren Jauregui.

Porque eu não merecia alguém como ela. Alguém tão brilhante e tão cheio de vida. Os defeitos apenas a deixavam mais humana, mais apaixonante. Meus defeitos? Apenas machucava os outros ao meu redor. Em determinado ponto eu estava convencida de que eles nunca viriam por mim. Que eu estava sozinha, condenada a ficar naquele lugar escuro e assustador. Era o que eu merecia, o que eu acreditava merecer. A dor de estar sozinha, depois de ter experimentado aquele sabor tão gostoso e amável de ter uma família tão grande quanto a que eu tinha... Era a pior das tormentas. Sentir que havia os perdidos, que nunca receberia aquele apoio me fazia apenas mais fraca e mais débil. Perdida e apenas correndo. Fugindo covardemente.

-Quando vai aprender que não pode se esconder de você mesma, Camila?

A voz. Minha voz. Tão cheia de escarnio e superioridade fez com que meu coração paralisasse quase que completamente dentro de meu peito. Segundos depois ele batia como se eu não estivesse correndo rápido o suficiente e ele quisesse partir fugir na frente. Minhas pernas já cansadas e machucadas aumentaram o ritmo mesmo que isso fosse impossível. No entanto, tudo se mostrou em vão quando uma raiz cresceu a minha frente e eu não pude desviar. Tropecei com força, uma dor aguda em meu tornozelo foi abafada quando o pouco ar que restava em meus pulmões escapou. Eu estava caindo barranco abaixo, meu corpo girando sem direção certa, a força da queda fazendo com que meus ombros batessem rudemente contra o chão terroso e cheio de galhos, meus braços abriam ainda mais feridas. Até que meu corpo parou deitado de costas. Meus olhos bem abertos não conseguiam vislumbrar o céu. Era tudo apenas escuro, terrivelmente escuro.

Ela riu divertida, como se estivesse ouvindo a melhor piada de sua vida e isso fez meu corpo inteiro encolher indefeso. Era como se nós duas fossemos completamente diferentes. Como alguém como ela podia ter vindo de mim? Ela era forte, destemida e até mesmo cruel, ela era Karla. E quanto a mim? Uma frágil e perdida criatura, tão indefesa e solitária que morria dentro de sua própria mente, essa era a Camila, quem eu era naquele momento.

-Não posso negar, isso é tão hilário!

Ao escutar a voz dela tão próximo, meu corpo reagiu por puro instinto ao sentar e começar a arrastar para trás tentando manter o máximo de distância possível. Mas logo minhas costas batiam contra o tronco de uma árvore e me deixava sem saídas. Eu escutava os passos dela cada vez mais perto. Ela estava chegando e sempre que Karla cruzava meu caminho... Era o inferno. Meu peito começou a subir a descer denunciando minha respiração rápida, era como se eu tentasse buscar ar e não houvesse oxigênio suficiente. Meus sentidos em alerta apenas me fazia temer até mesmo o som de galhos quebrando ou farfalhar das folhas secas no chão. Mesmo que fosse impossível, meu corpo ainda tentava se arrastar para trás, forçando minhas costas doloridas contra a madeira.

-Você quer saber um de seus maiores erros, pequena e doce Camila?

Então ela apareceu de trás de uma árvore. Gloriosamente sombria. Seu andar tão suave que parecia pisar naquele chão lamacento. O sorriso de canto, o queixo em postura orgulhosa. Ela era a imagem da elegância e do poder, da sedução e da fatalidade. Não havia um arranhão nela, nem mesmo um amassado em sua roupa. Ela tombou a cabeça para o lado e seus lábios cheios e bem pintados foram repuxando gradativamente em um sorriso cruel. Eu sabia o que aquilo significava, não culpava por lágrimas começarem a escorrer por minhas bochechas sujas antes mesmo que ela começasse a sua brincadeira.

As imagens começaram a surgir a minha frente. Primeiro as formas de um quarto se definiram e eu não precisei de muito para identificar meu antigo quarto na casa de Sinuhe. Depois dois corpos foram tomando forma e não foi difícil reconhecer uma versão mais jovem minha e de Lauren. Mas foi extremamente doloroso reconhecer aquela cena. Deuses, como eu pude esquecer tão rápido daquilo? Foi em um trabalho de ciências sociais, estávamos na casa de Sinuhe para pesquisar sobre um desses sociólogos já mortos. Marielle estava disputando o último pedaço da torta de limão quando eu acabei em cima dela. Claro que Lauren tinha de ter chegado exatamente naquele momento e ter ficado irada. Fomos para o nosso quarto e a filha de Zeus começou a surtar e me acusar de ter gostado de ter ficado com outra garota. A minha raiva foi tão grande que eu cedi ao impulso de bater nela. E ali, bem a minha frente, havia um replay vergonhoso do momento em que meu punho acertava Lauren com força.

Eu a havia machucado porque não tinha conseguido manter a compostura. As palavras dela podiam doer, podiam ser originadas de um mal entendido. Mas Lauren nunca, jamais, levantou a mão ou o dedo contra mim. E eu simplesmente a bati ao ponto de ter sangue em sua face. Não importa o quão ressentida e arrependida eu fiquei no momento... Porque eu mudei absolutamente nada depois disso.

-Sabia que agressão desse tipo é crime? – Karla estava mais próxima, chutando minha canela com a ponta de seu calçado como se cutucasse o lixo – É diferente da agressividade exigida em um treinamento. Isso foi abusivo e violento, bater em alguém em meio a uma discussão. Ah Camz, você machuca a Lolo até fisicamente! E tudo o que ela estava naquele momento era insegura e ciumenta. Vê como vai ser fácil manipular a garota e ainda ter uma boa noite de sexo no fim do dia?

Como em todas as outras vezes, bastava uma insinuação dela referente à Lauren que minha alma inteira se agitava. Levantei o mais dignamente que conseguia e tentei avançar. Porém a minha versão má apenas riu e desviou o corpo lentamente para o lado, deixando que o meu passasse reto e caísse novamente. Mais uma vez eu estava jogada ao chão, humilhada e fraca. Mas dessa vez Karla não me deixou degustar a minha queda, raízes envolveram o meu corpo pela cintura e tronco. Um grito escapou de minha garganta quando ela me ergueu em pleno ar usando a força das raízes que apertavam o meu corpo.

-Eu devo mostrar para você o quanto você é mimada? Tudo tem de ser ao seu tempo, como você quer, quando você quer – ela se aproximou e com falsa gentileza retirou os fios de cabelo de meu rosto – Quando você decidiu mostrar para Lauren que ela era especial no encontro feito por você, teve de ser do seu jeito e das coisas que você queria. Você a colocou até dentro de um vestido apenas porque você queria! Enquanto quando é a vez dela, Lauren faz até mesmo as coisas que não gosta apenas para te dar algum par de horas perfeitas ao seu modo – ela segurou o meu queixo e meu lábio tremeu na minha tentativa de não chorar, eu havia perdido a minha voz porque eu não podia negar nenhuma das palavras que ela proclamava – Ou no show do Ed Sheeran? Sabemos que a Lauren era explosiva e que você teria feito algo extremamente similar se flagrasse alguém tentando algo com a sua garota. Mas você fez praticamente um escândalo e você decidiu acabar com todo o esforço dela. Você. Você e só você. Não houve nem um momento Lauren, houve? Devo lembrar também que quando ela quis te animar depois de salvar a Musa ela foi até mesmo para a festa que odeia e fez coisas que ela nunca faria por ela e para ela? Mudou aparência, mudou o estilo... E você mudou absolutamente nada! – Karla deu dois tapinhas em minha bochecha e riu – Obviamente que eu vou manter isso, nada melhor do que ter alguém fazendo cada capricho sorrindo e esquecendo até mesmo de seus próprios gostos.

Quando o impulso veio eu não hesitei. Inspirei fundo, inclinei a cabeça para trás para ganhar força e cuspi em cheio no rosto dela. O primeiro ataque que eu realmente tinha conseguido atingir nela. Eu estava com nojo, com raiva e decepcionada... Contudo era um sentimento ambíguo porque aquilo, aquele ser mesquinho era o meu eu mais obscuro, mas ainda assim era apenas eu. Karla piscou os olhos lentamente e eu poderia jurar ter visto uma veia sobressaltar em sua têmpora esquerda. Fechando o semblante em um totalmente irado, ela fez com que a raiz me jogasse com tudo para o lado fazendo mais uma vez com que meu corpo rolasse e parasse em algum canto.

Foi quando eu descobri que estava no ponto mais obscuro de meu ser. Literal e metaforicamente. Abri meus olhos quando meu corpo finalmente parou e tudo o que eu vislumbrei a minha frente foi a escuridão. Não havia mais nada além da negritude, do obscuro, da escuridão. Eu senti exatamente o momento em que minha fobia cresceu e quebrou cada resto de resistência que eu tinha. Os pensamentos negativos se mesclavam com as imagens de todos os meus erros e pecados. Por que eu deveria existir? Por que eu deveria tentar continuar? Depois de tantos anos, depois de tudo eu continuava a mesma criança perdida e mimada, como eu iria mudar agora?

As vozes em minha mente gritavam. A sensação de estar sufocando apertava meus pulmões. O medo amassava o meu corpo sem piedade. Eu me sentia pequena, presa e perdida. Não conseguia mais sentir o choro, a ardência em minha garganta mal me permitia respirar. O ataque de pânico era a única coisa que me garantia que eu iria sofrer antes de tudo finalmente terminar.

Eu havia desistido. Eu não venceria nada se não conseguia nem vencer a mim mesma. Eu era fraca e mesquinha, me apoiava nas pessoas mais maravilhosas e as machucava.

Eu queria morrer.

Queria que todo aquele sofrimento passasse. Que a escuridão me consumisse porque era extremamente doloroso. Eu não merecia suavidade ou misericórdia. Então apenas deixei que a fobia dominasse minha mente, que todas as imagens se repetissem infernalmente em minha mente, consumindo minha alma já fraca.

Eu não sei dizer quando uma dessas imagens começou a surgir a minha frente. Bem ali no meio do nada escuro. Quando reconheci meu pai, Alejandro Cabello, eu soube que aquele era o golpe final e mais baixo de Karla. Era uma cena qualquer, bobo e qualquer um poderia justificar que a criança latina ali na frente estava fazendo birra. Eu queria um brinquedo apenas para conseguir finalmente me enturmar na escola, mas meu pai não tinha condições de me dá naquela semana. Então eu gritei, eu disse que o odiava apenas por causa de um maldito brinquedo. Eu poderia até imaginar a risada de Karla na minha mente e a voz dela fazendo algum comentário maldoso.

Senti quando minha respiração começou a ficar lenta e meu corpo mole. Eu estava perdendo a consciência. Eu estava mergulhando cada vez mais fundo para finalmente me deixar afogar. De uma vez por todas.

-Você não é perfeita, Camila.

A voz quase esquecida pronunciou bem a minha frente. Abri os olhos mesmo sem ter percebido que os havia fechado. Então eu o vi quase que perfeitamente, um homem na casa dos quarenta anos, mas tão charmoso e de sorriso caloroso que ninguém poderia julgar uma deusa por se deixar levar pelas mãos e coração de Alejandro. Ele estava sobre um joelho, parado a minha frente enquanto apoiava o antebraço sobre a perna flexionada. Ver aqueles olhos castanhos, aquele sorriso gentil provocou mais dor do que tranquilidade. Alejandro havia morrido, morrido por causa de meu mundo.

-Ninguém é perfeito filha, nós cometemos erros durante os anos – ele repetiu em seu tom paternal.

-M-mas eu errei tanto! Eu não... Eu não havia percebido! – minha voz saiu chorosa, doía falar, doía respirar, doía olhar para o homem que eu tanto admirei quando criança.

-Exatamente minha pequena princesa – a mão dele ergueu meu queixo e eu funguei alto – Você precisa conhecer seus piores defeitos para poder crescer.

-Mas eu não consigo derrota-la! Ela é muito forte e cruel e---

-Você nunca vai tirar essa parte de você filha. Ninguém é inteiramente bom, todos temos um lado negro dentro de nós. A diferença está em saber seus defeitos, saber quando eles vão surgir e até mesmo quando eles devem surgir. Você não os derrota... Você os controla! Isso que é amadurecer minha filha.

Eu podia sentir aquele fio de esperança crescendo, uma pequena sensação de calor tomando meu peito aos poucos, afastando aquele frio cruel e solitário. O homem a minha frente, o homem que eu admirava e que havia acabado de salvar a minha sanidade, deu o seu último sorriso antes de começar a desaparecer lentamente. Ergui minha mão na esperança de segurá-lo, de tê-lo para mim nem que fosse por alguns segundos a mais... Porém antes mesmo que minha palma alcançasse seu corpo ele desapareceu deixando a escuridão para trás. Minha respiração finalmente regulada começou a dar sinais de descompasso, meu peito começando a se movimentar mais rápido em sincero temor de que a fobia atacasse.

Fechei meus olhos e lutei para me concentrar. Minha cabeça parecia que ia explodir a nível nuclear enquanto a fobia crescia lentamente, devorando aquele fio de esperança tão frágil e vulnerável, mas atrevido por ainda estar ali.

-Eu sou... – minha voz tremeu e a garganta ardeu, engoli em seco e fechei minhas mãos em punho – Eu sou Camila Cabello – eu sussurrava para o nada, mas gritava para a minha alma quando finalmente comecei a me erguer – Eu sou filha de Perséfone, deusa da primavera – abri os olhos e encarei a escuridão. Recuei um passo sentindo o medo congelando cada célula de meu corpo. Eu tremia. Eu temia. Porém avancei esse mesmo passo – Mas também deusa do inferno! Essa escuridão está em mim, é parte de minha mente! Criação minha ou não, essa escuridão é minha e por direito e poder eu a controlo! – minha voz ia ganhando força a cada palavra dita, a minha confiança ressurgindo dentro de meu peito, reverberando em cada frase – Eu controlo a escuridão porque esse é o meu poder e não o contrário, é meu direito de nascença porque eu também sou filha do inferno!

Eu podia sentir aquela sensação fria na boca de meu estomago. O formigamento que começava na ponta de meus dedos e se espalhava por toda a minha palma e braços. A minha energia se mesclando com o meu domínio. Eu não sabia bem o que fazer, mas eu sentia o que deveria acontecer. Eu queria que aquela escuridão acabasse, que se rasgasse e se reconstruísse ao meu favor. Aquela era a minha mente, meu inconsciente, meu pesadelo e era finalmente hora de controla-lo.

Então eu gritei. Gritei com todas as forças que não tinha. Com toda a coragem que restava e era convertida na força de meus pulmões em sustentar aquele grito de libertação. A escuridão foi recuando, como se obedecesse ao meu pedido de sumir dali. O escuro total ia dando lugar a floresta ainda macabra, mal iluminada e perfeita para filmes de terror. Mas ainda assim uma floresta.

Camila, como você podia ser tão estúpida? Eu estava o tempo todo correndo e fugindo do meu ambiente mais confortável. Uma floresta mesmo que aparentasse estar morta ainda pulsava vida. Se Karla conseguia controla-la eu também poderia!

-Olha só, finalmente podemos começar?

O meu demônio estava encostada a uma grande rocha, encarava as unhas como se demonstrasse todo desinteresse ao mundo ao seu redor. Uma perfeita pose arrogante de quem já pensava que havia ganhado. Respirei fundo e fiz ajeitei a postura finalmente a encarando sem desespero.

-Você tinha razão em algo – comentei de maneira fria – Eu não posso fugir de mim mesma.

-Eu sempre tenho razão – ela piscou um olho de maneira prepotente e fez um movimento com a mão – E sempre sou melhor, princesinha.

Uma enorme raiz cresceu ao seu lado como uma serpente prestes a dar o bote. Não recuei e isso pareceu finalmente alarmar Karla. Ela arqueou uma sobrancelha e com mais um movimento de mão em minha direção, um comando de ataque, a raiz veio em minha direção veloz e certeira. Mas aquele era o meu melhor domínio e bastou milésimos de segundos para que eu também me conectasse aquele pedaço de madeira e o controlasse. Um sutil e rápido movimento de mão para baixo fez com que a parte pontiaguda da raiz entrasse na terra formando um arco com seu corpo.

Karla não esperou ou prorrogou mais o momento do combate. Ela veio com tudo desde o principio. Passos rápidos, movimentos certeiros. Há menos de um metro de meu corpo ela desferia golpes velozes com seus punhos e pés. Meu corpo machucado e mente cansada davam a ela uma vantagem irrevogável. Ela aplicou um chute alto e eu tive de defender com meus dois braços, a força do impacto me fazendo cambalear para o lado. Mas eu sabia que ela tentaria me desestabilizar, recuei para trás mesmo que aos tropeços, porém desviando de seu golpe em minha lateral. Arfante, finalmente deixei que um sorrisinho tomasse meus lábios. Eu iria apanhar muito por causa de minha condição, mas eu tinha uma vantagem também: eu conhecia cada golpe que ela dava por ser justamente todos os golpes que eu sabia.

Ela resmungou baixo e cuspiu no chão finalmente percebendo o quão sério era a batalha agora. Eu estava finalmente lutando, revidando, reagindo. Cada encontro nosso resultava em golpes defendidos ou esquivados, nenhuma das duas recuava um passo. Ela controlava a natureza ao redor, eu revidava mudando a direção dos golpes. O que ela fazia, eu também poderia fazer. Porém... Karla ainda estava em seu pleno vigor, mesmo que com um machucado aqui ou lá. Sua face não tinha um arranhão sequer e sua base de defesa continuava impecável enquanto a minha vacilava sempre por causa do tornozelo ferido. Não demorou para que eu percebesse que aquilo não me levaria a lugar alguém além do cansaço. Ela me venceria depois que eu mal conseguisse erguer os punhos.

Depois que consegui acertar um soco em seu rosto a obrigando recuar, finalmente a vi cuspir sangue. Estava arfante, suada e sendo obrigada a me afastar para conseguir manter uma boa base estável. Ela estava ainda envolta a uma aura de poder e dominância, um sorrisinho divertido sempre ali. Karla sabia que eu já mostrava sinais de cansaço, que sua vitória estava próxima por mais que eu tentasse, por mais que eu almejasse vencer... Eu perderia. Porque ela também sabia os meus movimentos e todos eram os mesmos...

Foi quando um lampejo pareceu iluminar a minha mente. Eu não iria para lugar algum se não mudasse os meus golpes, se continuasse a batalhar da mesma forma que sempre fazia. Então era hora de arriscar, mesmo que isso significasse que iria perder.

-Você pode simplesmente desistir, sabia? – Karla provocou e se posicionou – Nós duas sabemos que eu já venci.

-Eu não desisto quando defendo o que acredito – respondi também me posicionando – Eu acredito em mim, na nova versão que criarei!

Ela riu como em todas as outras vezes e avançou para mais um embate de punhos e chutes.

Eu conheci o inferno. Já estive lá duas vezes e em ambas eu tive contato com toda a origem de nosso poder: Perséfone. A deusa tinha domínio sobre a primavera, logo tudo o que envolvia a natureza se tornava mais fácil como controlar raízes e terra, a simpatia dos animais... Assim como ela também era a Rainha do Submundo. Cães infernais me obedeciam, porém, mais do que isso, eu vi minha mãe usar o transporte pelas sombras criando sombras ao seu redor. Eu experimentei isso de perto. Eu lembrava a sensação da viagem e de como a escuridão nos envolveu. E, bem, recentemente eu havia descoberto como as trevas também poderiam me obedecer.

Então eu a combati e concentrei minha mente, isso me fez receber um golpe nas minhas costelas e outro na minha panturrilha. Mas quando eu senti aquela sensação de formigamento em meus dedos eu sabia que a escuridão me obedeceria mais uma vez. Karla veio com tudo depois que recuei para trás, lendo esse movimento como uma tentativa desesperada de espaço. Um soco poderoso seria desferido em meu rosto em poucos segundos quando uma verdadeira cortina esfumaçada tomou conta de meu corpo e o fez desaparecer antes que o punho dela encontrasse meu corpo. Minha mente girou, meu estômago revirou e eu sentia cada osso meu doendo assim que meu corpo apareceu atrás dela, a penumbra ainda presente enquanto a viagem curta das sombras se findava. Mas aquela era a minha chance e eu não desperdicei. Avancei e chutei com força a parte detrás do joelho a obrigando cair no chão. Um soco certeiro na lateral da cabeça, um puxar do cabelo que a impediu de cair para frente e a trazer em minha direção. Apoiei um joelho no chão para poder envolver meu braço no pescoço dela, fazendo uma chave que a sufocaria.

Karla tentou arranhar meu braço, se debatia enquanto meu braço se fechava com força em torno de seu pescoço. Eu escutava seus resmungos sufocados, seus xingamentos morrendo na ponta da língua. Ela tentava escapar e quanto mais agitada ficava, mais o aperto aumentava. Até que seu corpo parou e um suspiro de alívio escapou finalmente tinha...

-Ah, Camila...!

De repente Karla estava se debatendo mais uma vez, mas agora com mais vigor ainda. Seu cotovelo atingiu em cheio minhas costelas já machucadas fazendo com que meu aperto finalmente afrouxasse. Ela escapou de meus braços, rolou para o lado e jogou o corpo sobre o meu, nos jogando ao chão. Um soco na lateral de meu rosto partiu abaixo da minha sobrancelha, outro soco em meu queixo e eu tive quase certeza de que um pouco mais de força ela teria deslocado toda a minha mandíbula. Tentei empurrá-la, minha mão batia em seu rosto como uma menininha faria em uma briga. Eu havia sido estúpida em pensar que a tinha derrotado depois daquilo, eu abaixei a minha guarda cedo demais! Porém ainda não era o fim, eu podia estar mal respirando, mas ainda estava viva. Então recebi mais um golpe na lateral da cabeça que me deixou zonza, mas que me fez ganhar tempo suficiente para erguer as minhas pernas e cruzá-las em seus ombros. Certamente que não foi a melhor das técnicas, pois eu não consegui tirá-la de cima de mim como pretendia, mas isso fez com que Karla parasse o festival de socos e se ocupasse em tirar as minhas pernas dela. Assim que senti meus pés no chão novamente, ergui meu corpo e nos joguei para o lado, ficando dessa vez por cima. Minhas mãos teimaram em ir na garganta, meus dedos fechando ao redor do pescoço enquanto tentava sufoca-la.

-Eu não vou matar você. Eu vou controlar você! – exclamei com fervor.

Eu podia sentir a natureza se movimentando ao meu redor. Karla estava criando um emaranhado de raízes enquanto lutava fracamente para fugir do estrangulamento. Ela iria me atacar com truques velhos e que dariam certos, eu estava praticamente esgotada! Eu não conseguiria revidar, apenas gastaria energia tentando evitar as raízes dela. Então era hora de mais um novo truque, um que a muito eu evitava treinar por me lembrar de alguém que provocava uma saudade dolorosa. Lágrimas começaram a se formar em meus olhos, mas não se atreveram a derramar, estava concentrada o suficiente para que aquela habilidade desse certo.

-Dê o seu melhor, princesinha do inferno! – Karla disse com a voz abafada.

Então as raízes vieram em minha direção ao mesmo tempo em que as pétalas de rosas negras surgiam ao meu redor. Suas laterais tão afiadas quanto metal, assim como Veronica Iglesias havia me ensinado. As pétalas voaram ao meu redor, cortando qualquer raiz que tentasse se aproximar de mim. Karla começou a sufocar e a ficar desesperada, suas unhas machucavam minha pele onde conseguia alcançar, suas raízes vinham ainda mais frenéticas e eu sentia minhas energias se esvaindo de meu corpo, eu não conseguiria manter a defesa das pétalas negras por muito tempo. Ou ela sufocaria ou eu apagaria sem forças.

Assim, naquele momento, era tudo ou nada.

(...)

Pov Lauren

Era um verdadeiro tormento aquela espera. O velho elfo ficava apenas sentado lendo um livro velho e recitando algumas coisas em élfico. Eu não havia movido um músculo do lugar, sentada na beirada daquela piscina mágica. Meu olhar acompanhava qualquer movimento que Camila fazia, desde o resfolegar mais profundo ao suspiro quase imperceptível.

Por que estava demorando tanto? Por que aquela sensação ruim apenas se intensificava?

Eu já estava pronta para exigir que o ritual fosse interrompido, que era loucura deixar Camila presa naquele desafio por tanto tempo quando tudo mudou. Foi um grito abafado, o som de algo se debatendo e a água se agitando.

Camila havia despertado e lutava para se manter na superfície. Não hesitei em saltar para aquela água sentindo o poder mágico dela me envolvendo, porém ignorei isso enquanto meus braços abriam caminho até minha noiva. Eu a envolvi com um braço e a puxei até a beirada, erguendo meu corpo antes de puxá-la finalmente para fora. A filha de Perséfone arfava e ofegava, cuspia a água que engoliu quando acordou desesperada e perdida. Seu rosto virava de um lado para o outro, seus olhos piscavam rapidamente tentando descobrir onde estava.

-Camz! – a chamei quase sufocando junto com ela – Camila, eu estou aqui, foque em mim.

Ela piscou forte uma ultima vez antes de escutar meu chamado. Os olhos castanhos me fitaram com uma intensidade que me fez estremecer. Aquele era o olhar de minha Camila, castanho e profundo, mas havia ali uma força que eu ousava dizer não existir antes, uma força que era acompanhada de uma escuridão sutil.

-Camila? – meu tom não escondia a minha incerteza.

A semideusa sustentou o olhar forte e sério, um sorriso de canto cresceu em seus lábios enquanto ela erguia a mão e tocava meu rosto com delicadeza. Havia algo de diferente, eu conseguia sentir isso. Alguma coisa havia acontecido naquelas últimas horas com a latina. No entanto o alívio que eu sentia de tê-la ali, bem e viva, sentindo sua alma novamente em conexão com a minha me fez esquecer qualquer outro por menor.

-Não me assuste mais desse jeito! – reclamei manhosa.

Ela riu baixinho como se soubesse que não poderia cumprir o meu pedido. Revirei os olhos, segurei nos ombros dela com delicadeza e a puxei para meus braços. Não importava o que havia mudado nela, ela ainda era a mulher de minha vida.


Notas Finais


bjs de luz


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