Maldito despertador. 6:30 da manhã. Maldito turno da manhã.
-JUUUUU, BOOOM DIAAAA- meu pai gritava radiante da cozinha, cheiro de café, ali meu dia começava a melhorar.
Aos poucos volto a me lembrar que dia era hoje: COMEÇO DO ENSINO MÉDIO, 1° COLEGIAL, AAAAAAAA. eu estava tão ansiosa pra esse dia que mal consegui dormir, mentira, dormi como um anjo. Liguei o celular, mensagem de tamanduá silvestre, ou melhor, Luísa, minha melhor amiga:
"BOM DIA SUA VAGABUNDA, SÓ VEM PRIMEIRAO, KIKIKIUUUU"
"puta que pariu Luísa, 6:00??? vai dormi cacete! KKKKKKKKKK para com essa merda de kikikiu, bicho do mato"
"porra Juliana, acorda de bom humor poxa, nem parece que é você"
"Luísa, sabe que te amo, mas não tem como acordar de bom humor 6:30 da manhã"
"vai tomar seu café e só volta a falar comigo quando estiver melhor, idiota KKKKKKKKKK"
Eu entrava as 8:00, então tava tudo tranquilo, parei na frente do espelho, cabelos pretos curtos, 1,73 de altura, bumbum avantajado, peitos nem tanto, cintura fina, olhos azuis escuros, sardas e um sorriso maravilhoso. Enfim conquistei o que tanto procurava: amor próprio. Entrei no banho, àgua fria para acordar, como eu amava aquele shampoo com cheiro de morango. Gostava de banjos longos para refletir: quem sou EU? Juliana Martins? Uma adolescente de quase 15 anos, paulista? A estudante brilhante do Santa Maria? A amante de livros, jeans surrados e tênis quase sempre masculinos? A indie conceitual que gosta de coisas extremamente estranhas? A menina que passou o fundamental 2 todo se odiando? odiando seu corpo? a doidinha que arma esquemas pra todo mundo e nunca namorou? só quebrou a cara achando que nunca era o suficiente pra ninguem? no momento eu era só a Juliana QUE PASSOU 30 MINUTOS NO BANHO AAAAAAAA.
Jeans surrado, all star vermelho, blusa amarrotada, umas viradas no cabelo, rímel e perfume doce, colar de metade de um coração, aqueles de melhores amigas, que eu dividia com o tamanduá silvestre da minha vida, a Lu. Por que eu estava tão ansiosa? Porra Juliana, o mesmo colégio que você estuda desde sempre, as mesmas pessoas que você conhece há anos, o que tem de diferente? Sinceramente, não sei, mas minha intuição não se engana, alguma coisa vai acontecer.
-JULIAAAAAANA, JÁ SE ATRASANDO NO PRIMEIRO DIA? DESCE LOGO
-JÁ TO INDO CALMAAAAA CACETEEEEE
-OLHA A BOCA CARALHO, NÃO TE EDUQUEI ASSIM
Meu pai era o homem que eu mais admirava, depois que minha mãe morreu, no meu parto, ele me criou sozinho e superou sozinho as piores dificuldades, sem duvida a pessoa mais importante da minha vida. NOSSA MANO, 7:20, CORRE JULIANA, peguei minha bolsa e sai correndo, quase caindo da escada, mas tudo bem.
-Poxa pai, o café ainda ta quente?
-Ei bonita, se atrasa pra caramba e ainda quer café quente? Pega logo e corre se vai querer carona.- e me entregou uma caneca com café quente.
-Não quero carona não velho, vou com a Lu, ela disse que lá pelas 7:45 tava aqui, daqui a pouco to descendo.
-Vo te falar quem é velho, beijos, se cuida
-Beijooooo te amo, vo só pega meu celular e o fone lá em cima e já vou.
Subi as escadas na velocidade da luz, peguei celular, fone e sai correndo, literalmente.
-PUTA QUE ME PARIU JULIANA, TAVA DANDO O CU???- já cheguei lá na porta do prédio com Luísa gritanto.
-Cala a boca seu animal silvestre, para de gritar.
-Ala o ônibus, a gente vai perder ele.
Subi no ônibus, paguei a passagem e reservei dois lugares no fundo.
-Porra, essas passagens estão cada vez mais caras ein
-Vai a pé então Luísa.
-NOOOOSSA, que mau humor ein, que que foi?
-Sei lá cara, to com uns pressentimentos estranhos
-Billy? HAHAHA, falando com espíritos agora?- sim, nós duas somos muito fãs de American Horror Story.
- Como você é burra cara, pressentimento não tem nada com espírito.
-Mano, a gente ta indo pro mesmo colégio de sempre, pra ver as mesmas pessoa de sempre, só muda o setor, fica tranks
- Ah cara, sei lá.
-Ou, já chegou, boooora carai
Descemos do ônibus, e a mesma cena de sempre: a entrada centenária do CSM, os mesmos garotos lindos do 2° colegial, que agora estavam no 3°, mas que para a Lu, não tinham graça nenhuma, já que o negócio dela era buceta, ela era lésbica desde sempre, como a mesma diz, mas a primeira menina que ela beijou foi uma professora substituta de português do 7° ano, sim, parece doidera, e é, lembro até hoje do rosto vermelho e da respiracão ofegante dela quando chegou na sala:
"NOSSAAAAA LUISA, por que a demora??"
"cala a boca e me escuta, eu beijei a Rafaela"
"OI? QUE?"
" é mano, eu sempre tive atração por garotas, sabe, mas ai eu tava no banheiro e ela tava na pia lavando a mão, e rolou"
"mas ela não vai embora essa semana?"
"Juliana, foi só um beijo, não vou casar com ela, mas foi um bom começo como lésbica"
"uau desapegada"
Quando voltei a realidade estava no portão do colégio, empacada, com um menino incrivelmente lindo, gostoso e aaaa Meu Deus eu tava no caminho dele, que nem uma idiota. Mas uma coisa me chamou atenção nele, uma certa melancolia nos olhos, não sei direito.
-Ei, tudo bem? Com liçenca- ele tinha uma voz grossa, sotaque do interior.
-Nossa, desculpa, eu brisei legal agora
-Sem problemas, aliás, lindos olhos
-HAHAHA, obrigado- eu deveria estar vermelha pra cacete- e como você chama?
-Renan. E você?
-É... hm... Juliana, até mais então Renan!
-Até mais Ju- caralho, que sorriso maravilhoso, mas ainda trazia aquela melancolia.
-EEEEEI JULIANA, ENTENDI SEU PRESSENTIMENTO, PRESSENTIU ROLA NOVA NÉ SAFADA- como eu odiava os escândalos dela.
-CALA A BOCA EM NOME DE JESUS! ele é novo?
-Ihhh fia, é, veio do interior, Rio Preto.
-Percebi pelo sotaque, mas onde caralhos fica isso? e como você descobriu?
-Descobri descobrindo Juliana, e deve ficar bem perto do inferno mesmo, me falaram que lá é quente pra porra. Agora bora pra dala, tudo isso aqui ta um caos, pelo amor.
E assim eu fui pra sala, mas minha cabeça ainda estava no novato gostoso e naqueles olhos, aquele sorriso, aquele jeito, aaaa. Eu posso dizer que vi a felicidade, e ela tem olhos castanhos.
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