Eleanor rolou impaciente na cama, tentando dormir. O dia já devia estar quase amanhecendo e ela não tinha conseguido cochilar nem por cinco minutos. Sua cabeça estava a mil. A explosão da TV e das janelas, os xingos de seu pai, sua repentina demonstração de poderes, e para piorar, o beijo de Damian não a deixavam ter um minuto de sossego.
Ela nunca tinha sido beijada por ninguém antes. Era uma coisa completamente nova, principalmente quando o causador de todas as sensações que tinha sentido era o menino que sempre implicara com ela. O que ele queria, afinal? Era algum tipo de aposta ou brincadeira apenas para envergonhá-la?
- Saco – a menina murmurou, empurrando todos os cobertores para fora da cama. Rapidamente, ela saiu do quarto e foi até a cozinha para tomar um copo d’água. Ainda estava escuro do lado de fora da Torre e o relógio da sala marcava 3h17. – Não posso demorar... Se eu perder a hora de ir para a escola meu pai vai me matar... Ele já está tão bravo comigo, e...
- Falando sozinha? – ela escutou alguém perguntar. Quando acendeu a luz da cozinha, percebeu que Ravena estava sentada no balcão de granito, segurando um pote de sorvete napolitano. – Nova desse jeito e já está ficando louca...
- Você me assustou, Rachel!
- Você também me assustou, menina. Que tipo de pessoa anda pelos cômodos da casa falando sozinha? Isso é coisa de filme de terror.
Eleanor revirou os olhos e foi até a geladeira pegar o vidro de água. Nem o inverno mais extremo era capaz de fazê-la tomar água quente.
- Não está frio demais para tomar água gelada? – Ravena perguntou, levando uma colher de sorvete à boca.
- Não está frio demais para tomar sorvete?
- Eu estava com... Desejo.
- Desejo? –Eleanor perguntou com o cenho franzido. – Como as mulheres grávidas?
- Não... Você não tem noção de como os desejos da gravidez são muito mais intensos...
- E como você sabe disso se nunca teve filho?
- Eu já li sobre isso em alguma revista. – ela respondeu rapidamente, voltando sua atenção para o sorvete.
Eleanor concordou com a cabeça e tomou um gole de sua água.
- Então... – Ravena começou a falar. – Por que você estava resmungando sobre o seu pai estar com bravo com você? Aprontou de novo?
- Não. Quer dizer... Mais ou menos. – a menina suspirou. – Ele reclamou do meu cabelo hoje de novo e quando eu perguntei o motivo dele estar tão bravo com isso, ele gritou na minha cara.
- O que ele gritou?
- Que eu estou igualzinha a minha mãe.
Ravena arregalou os olhos e umedeceu os lábios com a língua.
- E... Para ele isso é uma coisa ruim, certo? – ela perguntou como se não soubesse a resposta.
- É uma coisa péssima. Tipo... Proibida. Eu posso ficar parecida com um palhaço, mas não posso ficar parecida com a minha mãe.
- Eu não gosto de palhaços. Não fique parecida com um se quiser continuar com essa nossa quase amizade.
- Eu também não gosto de palhaços – Eleanor riu. – Enfim... Para mim não faz diferença... Eu não sei se estou mesmo parecida com ela. Nunca tive oportunidade de saber como ela realmente era.
- Sério? – Ravena perguntou com uma expressão de quase pena.
- Aham. – a menina deu de ombros. – Meu pai só me mostrou fotos de péssima qualidade durante toda a minha vida. Não dava para ver direito nem a cor do cabelo dela... Sabe quando você só consegue enxergar as formas? – Ravena concordou com a cabeça. – Então.
- Bom... Eu aposto que o cabelo dela era... Escuro.
- Por quê?
- Não sei. É só um palpite.
- Posso te perguntar uma coisa, Rachel? – Eleanor perguntou enquanto olhava no fundo dos olhos da mulher.
- Acho que sim, menina.
- Por que você pinta seu cabelo de roxo?
- Eu gosto da cor. – Ravena riu, torcendo para que a mentira fosse convincente. – Gosto tanto que tenho até lentes de contato. Mas... E você? Por que tem essas mechas roxas?
- Eu sempre as tive. Quando eu era menor, meu cabelo era mais claro, mas com o tempo ele ficou dessa cor e as mechas roxas apareceram. Tia Kori diz que elas são como o cabelo da minha mãe.
- Pensei que nenhum dos Titãs tivesse autorização para falar sobre a sua mãe.
- Eles não falam. Mas ás vezes... Acaba escapando.
Ravena suspirou e comeu mais um pouco do sorvete enquanto Eleanor se sentava ao seu lado no balcão.
- Você viu o Damian na escola hoje?
- Não.
- Ah. Pensei que ele tivesse te visto com esse corte de cabelo novo...
- Não. – Eleanor respondeu seca. – Eu não quero falar sobre isso.
- Tudo bem...
- Por que você está aqui? Não conseguiu dormir?
- Eu nem dormi, menina.
- Sério? Por quê?
- Precisei ajudar um amigo – Ravena mentiu. – Ele teve alguns problemas e me ligou para desabafar.
- Isso é bem legal da sua parte, Rachel. – a menina falou.
- Eu sei.
- Bom... Eu vou voltar para o meu quarto. Tenho aula cedo e preciso dormir. Boa noite.
Eleanor desceu do balcão e pôde sentir os olhos de Ravena em cima dela. O caminho até a porta da cozinha pareceu longo e interminável.
- Você realmente acha que eu não sei o que está acontecendo com você, Eleanor? – a mulher perguntou, fazendo-a parar de andar. Eleanor a olhou com os olhos arregalados, pensando que ela sabia sobre o beijo e seus poderes.
- Vo-Você sabe?
- Bom... Não – Ravena fez uma careta e Eleanor suspirou aliviada. – E honestamente, eu não me importo. Boa noite.
Mutano andou até a cozinha esfregando as têmporas. Por sorte, o dia estava nublado e a claridade do sol era mínima, mas mesmo assim, qualquer tipo de iluminação o incomodava.
- Bom dia, amigo Garfield! – Estelar exclamou quando ele se sentou na cadeira ao seu lado. – Dormiu bem?
- Kori... Será que você pode... Falar mais baixo? – Mutano murmurou, fazendo uma careta.
- Mas não estou falando alto...
- Não se preocupe, amor – Asa Noturna se intrometeu. – Ele só está de mau humor porque bebeu mais do que devia.
- Você devia ser o oráculo de Jump City, Dick. – o metamorfo ironizou. – Já pensou em começar a prever o futuro?
- Alguém acordou afiado hoje – Ravena riu, entrando na cozinha.
- Não enche, Ravena.
- Uou. – ela falou baixinho. – Me chamou de Ravena... Você definitivamente não está bem, Garfield.
Mutano bufou e andou até a geladeira, pegando um saco de gelo para colocar em sua cabeça.
- Cara – Cyborg disse assustado. – O que você fez ontem à noite?
- Nada. Só parei em um pub depois da luta com o Plasmus... Depois disso não me lembro de mais nada.
Ravena soltou um suspiro aliviado e se sentou ao lado de Cyborg. As coisas ficariam realmente complicadas se Mutano se lembrasse da noite anterior... Ela tinha sido sincera até demais e isso não podia acontecer. Nunca.
- É bom você dar um jeito de melhorar dessa ressaca – Asa Noturna exigiu. – Se nós tivermos algum chamado urgente...
- Já sei, já sei – Mutano o interrompeu. – Eu preciso estar na minha melhor forma. Depois de 18 anos essa sua conversa acabou ficando chata.
- Tenho certeza de que ele vai estar novinho em folha depois do almoço. – Cyborg garantiu.
- Por falar em almoço – o metamorfo começou a falar. – Cadê a Eleanor?
- Já foi para a escola. – Ravena deu de ombros enquanto comia um iogurte. Todos a encararam com curiosidade e ela sentiu o rosto esquentando. – O quê? Isso é óbvio! Se ela não está aqui...
- Rachel tem razão – Estelar concordou. – A Els já deve estar quase chegando. Vou fazer o almoço... Perdemos a noção da hora hoje.
Mutano bufou e saiu da cozinha, voltando para o quarto. Cyborg foi trabalhar no T-Car e Asa Noturna decidiu ligar para o prefeito da cidade. O metamorfo se jogou na cama e fechou os olhos com força na esperança de que a dor de cabeça fosse embora.
- Garfield – ele escutou Ravena o chamando na porta do quarto. – Você está bem?
- O que você acha? – ele perguntou sem olhar para ela.
- Eu não sei... Você sempre foi estranho com essas coisas. – ela riu, entrando no quarto e fechando a porta. – Sempre foi acostumado a beber.
- Olha Rav... Rachel. Se você quiser ficar aqui, vai ter que ficar calada.
- Tudo bem. Eu trouxe uma aspirina para você.
Ela entregou o remédio para ele e sentou-se na cama.
- O que aconteceu ontem à noite? – Mutano perguntou desanimado.
- Nada.
- Mentirosa.
- O quê? – Ravena arregalou os olhos. – Eu não estou mentindo! Não aconteceu nada.
- Então, nós não... Transamos?
- Por Azar, Logan! É claro que não!
- Ah, que alivio.
Ravena o encarou incrédula e balançou a cabeça negativamente.
- Achei seu brinco agarrado no meu travesseiro quando acordei hoje... – Mutano contou. – Pensei que tivéssemos feito alguma coisa.
- Com tanta roupa para tirar, você acha mesmo que eu tiraria um brinco?
Mutano riu alto e puxou Ravena para perto. Ela franziu o cenho e deitou a cabeça no peito dele. Ele enfiou a mão por baixo do moletom que ela usava e acariciou sua barriga, fazendo-a se arrepiar.
- Não. – ela o empurrou de leve. – Não posso fazer isso.
- E por que você não pode, Rachel?
- Porque é errado. E você sabe disso.
- Desde quando você liga para o que é certo ou errado? – ele depositou um beijo demorado na mandíbula dela, suspirando logo depois. Ravena fechou os olhos com força e agarrou o lençol da cama com força. – Sua boca diz ‘não’... Mas seu corpo implora por ‘sim’.
- Chega! – Ravena exclamou, se livrando depressa dos braços dele. Ela tentou colocar os pensamentos em ordem, lembrando-se de que ela estaria fora dali em menos de uma semana. – Eu... Eu... Vou ajudar a Kori com o almoço. É. Vou fazer isso.
Ela bateu a porta do quarto com força, fazendo Mutano soltar uma risada debochada. No final das contas, a vida não passa de um baile de máscaras. Quem consegue esconder o que realmente é até o final da noite, ganha o prêmio maior. E ele seria esse ganhador.
Depois de algumas horas, cada Titã estava ocupado com uma coisa. Estelar conversava com Ravena no quarto de hóspedes sobre casamento e damas de honra; Cyborg e Mutano estavam jogando vídeo-game e Asa Noturna analisava alguns documentos. Tudo estava na mais perfeita paz quando um grito ensurdecedor vindo do quarto de Eleanor preencheu a Torre.
- O que aconteceu? – Mutano perguntou assustado, entrando no quarto da filha. Os outros Titãs e Ravena o seguiram, igualmente preocupados.
- Eu esqueci o meu notebook na escola, e preciso dele para terminar de assistir Supernatural. – Eleanor lamentou.
- Você só pode estar de brincadeira – Ravena ralhou com a mão no peito. – Você quase matou todo mundo do coração.
Cyborg riu alto e fez um high-five com a sobrinha.
- Eu te entendo, Els – ele riu. – Supernatural é vida.
Mutano revirou os olhos e bufou impaciente.
- Amanhã você pega ele de volta.
- Mas pai... Hoje é o último episódio dessa temporada. Por favor, se você me levar lá na escola... Eu prometo não demorar.
- Nem pensar.
Estelar suspirou com a expressão triste da sobrinha.
- Eu posso emprestar o meu carro para a Rachel e ela pode te levar até a escola. – ela sugeriu.
- Não, eu não posso.
- Por favor, Rachel – Eleanor implorou. – Não vamos demorar, eu prometo.
Ravena bufou e cruzou os braços.
- Você é uma mimada, menina.
- Isso é um sim? – Asa Noturna perguntou confuso.
- Você vai ter 5 minutos para pegar esse notebook, entendido? – a empata perguntou impaciente e Eleanor concordou com a cabeça. – Vamos logo. Cyborg disse que hoje é a noite de filmes daqui da Torre e eu quero assistir Indiana Jones.
Após alguns minutos, Ravena estacionou o carro em frente ao colégio de Eleanor.
- Vai logo.
- Você vai ter que ir comigo, Rachel.
- Por quê?
- Tecnicamente a escola já está fechada para os alunos do turno da manhã. São 16h30.
Ravena bufou impaciente e saiu do carro, sendo seguida de perto por Eleanor. Elas andaram pelos corredores da Jump City High School até a sala de matemática, onde o computador estava. Rapidamente, a menina pegou o notebook e elas começaram a sair da sala.
- Puta que pariu! – a empata exclamou, puxando Eleanor para outro corredor, que não as levaria até a saída da escola. – Droga!
- O que foi? – Eleanor perguntou assustada.
- Nada, nada. – Ravena a puxou até um armário de vassouras e colocou o dedo indicador nos lábios para que ela fizesse silêncio.
- Por que nós estamos nos escondendo?
- Por nada, menina!
Eleanor revirou os olhos e cruzou os braços. Ravena suspirou e torceu para que Barry Allen fosse embora da escola o mais rápido possível. Se ele a visse com Eleanor, poderia colocar tudo a perder com sua boca grande e falta de noção.
- Então... – Ravena falou para que o tempo passasse mais rápido. – Já fez as pazes com o seu pai?
- Não. Ele não vai me desculpar tão cedo, ainda mais depois de ter visto o Damian me beijando e... – Eleanor tampou a boca com as mãos e arregalou os olhos.
- Ele te beijou?
- Si-Sim.
- E o seu pai viu?
- Sim.
- Estou começando a achar que você precisa se benzer... Parece que você tem mais azar do que a Jinx!
Eleanor corou e encarou os próprios pés.
- Você gostou? – Ravena perguntou, esboçando um sorriso. A menina concordou com a cabeça. – Foi seu primeiro beijo?
- Foi.
- Bom... Parabéns... Eu acho.
- O-Obrigada.
Ravena deu de ombros e sorriu sem que Eleanor visse.
- Rachel... Você acha que o Damian pode gostar de mim?
- Se ele te beijou... É óbvio que ele gosta.
- Mas e se isso não passar de uma brincadeira ou aposta? – a menina perguntou triste.
- Se isso for uma brincadeira, nós duas podemos dar uma boa surra nele.
- Nós duas... Você e eu?
- Não – Ravena revirou os olhos. – Eu e essa vassoura aqui. É claro que eu estou me referindo a você e eu.
Eleanor riu baixinho e abraçou Ravena, assustando-a com o gesto repentino.
- Por que não deixa as pessoas verem o seu lado bom? – ela perguntou.
- Porque quando as pessoas o veem, esperam coisas boas – Ravena respondeu, devolvendo o abraço. – E eu não quero ter que atender as expectativas de ninguém.
Antes que a menina pudesse responder, Ravena a soltou e abriu a porta do armário de vassouras, voltando para o corredor.
- Vamos embora logo. – ela riu. – Ficamos aí dentro por quase duas horas.
- Eleanor? – uma voz masculina chamou, fazendo com que as duas parassem de andar. Eleanor virou-se o dono da voz e abriu um sorriso. – Lembra de mim?
- Tio Barry!
- Você cresceu tanto, Els!
- Eu sei – ela riu. – Você me viu pela última vez quando eu tinha 8 anos.
Barry Allen sorriu e olhou para Ravena.
- O que vocês duas estão fazendo aqui?
- Viemos buscar o notebook da Eleanor, mas já estamos voltando para a Torre. – Ravena respondeu seca.
- A Torre, hein? – Barry arqueou uma sobrancelha. – Estou com saudade daquele lugar.
- Por que você não vem com a gente, tio? – Eleanor perguntou. – Hoje é a noite de filmes, você pode assistir com a gente e...
- Não precisa me chamar duas vezes, Els – ele sorriu. – É claro que eu topo.
Barry passou o braço pelos ombros de Eleanor e os dois andaram juntos até o carro, fazendo Ravena revirar os olhos.
- Então, Rachel – ele falou. – Você foi a escolhida para acompanhá-la?
- Eu fui obrigada. – ela respondeu.
- Ah, qual é, Rae! Aposto que você gosta dela.
- Não.
- A Rachel é assim mesmo, tio. Não demonstra muito bem os sentimentos.
- Exatamente como uma menina que eu conheci anos atrás. – Barry provocou.
Depois de algum tempo, Ravena já tinha se acostumado com o jeito imperativo de Barry Allen, e os dois conversavam sobre vários assuntos. Ela parou o carro na garagem da Torre e Eleanor desceu correndo para informar que eles tinham visita.
Barry passou o braço pelos ombros de Ravena e colou o nariz no tela, fazendo carinho. Quando ele percebeu, todos os Titãs os encaravam.
- Ahn... Ei pessoal. – ele sorriu. – Encontrei essas duas perdidas na escola e as trouxe de volta para casa.
- Que cavalheiro! – Estelar exclamou, abraçando-o.
Ravena saiu do abraço dele e andou até Mutano, ficando ao seu lado.
- Que ceninha foi essa? – o metamorfo perguntou.
- Do que você está falando? – ela devolveu a pergunta.
- Não se faça de desentendida, Roth.
- Eu não estou... Quer saber? Não é da sua conta.
Ela andou até Barry e sentou-se ao lado dele no tapete, esperando o terceiro filme do Indiana Jones começar. Mutano a encarou incrédulo e ela sorriu satisfeita. Seria uma noite bem longa para ele.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.