Ela terminava de fazer a janta quando tomou coragem para conversar com o esposo. Resolveu falar durante o jantar, pois passou o dia preocupada com o problema.
Passava das 19h quando Onofre chegou, entrando pela porta com certa dificuldade, cambaleando, fraco. As roupas estavam desalinhadas, sujas e com rasgões. Havia arranhões e pequenas feridas pelos braços e testa. Debaixo do braço, trazia um saco de papel com uma garrafa, a qual ainda bebericava. A visão foi aterradora para Letícia.
— Meu Deus!
A exclamação da mulher foi suficiente para tirá-lo do estado de tranquilidade e transtorná-lo.
— Mas que merda! — disse cambaleando em direção à esposa.
— Desculpe, é que eu me assustei.
Tentou se justificar, mas só piorou a situação.
— Se assustou comigo?
E continuou em direção a ela.
— É que me pegou de surpresa. Você quer jantar? — Tentou desviar o foco.
— Comer a porcaria da sua comida? Essa lavagem? — Pela primeira vez, ele a ofendia sem motivo aparente.
— Não diga isso.
— Tá me dando ordem? — Por vezes, as palavras saíam emboladas. — Dentro da minha casa?
E deu um empurrão na mulher, que caiu perto da mesa.
— Por favor, Onofre — Letícia pedia em meio às lágrimas —, não faça isso.
— Cale a boca! Já tô de saco cheio dessas frescuras.
Onofre bebeu todo o líquido restante na garrava e a empunhou de forma ameaçadora.
— Não, Onof…
Ele se ajoelhou sobre a mulher e abafou a sua boca, no instante em que a golpearia:
— Agora você me pa…
Mas o seu braço não desceu para acertá-la. E de repente, se sentiu leve, levitando, saindo de cima da mulher e se colocando de pé. Só então sentiu algo em sua barriga. Um braço forte e peludo. Ao olhar para trás veio a voz:
— Mãe, a senhora está bem? — Rainen abaixou-se para ajudá-la a se levantar.
A mulher enxugava as lágrimas e se sentou.
— Eu estou bem. Obrigada.
Passados instantes, ela o olhou de cima a baixo e se impressionou:
— O que te aconteceu?
O rapaz parecia mais alto, mais forte e com o olhar mais compenetrante.
— Acho que são os ares militares.
Mais sério, olhou para o pai, que permanecia amuado no canto da cozinha, e sequer conseguia encará-lo. Rainen se dirigiu a ele:
— Não vou perguntar o que acontecia aqui na cozinha, mas vou deixar claro o que não vai acontecer por aqui — quase gritou a palavra focando em Onofre. — Dentro dessa casa não haverá bebedeiras, não haverá xingamentos e não haverá desrespeitos. Eu fui claro?
Rainen se aproximou do pai, que se encolhia sem saber o que fazer com a garrafa. O rapaz, lentamente, estendeu a mão e a coletou, lançando na lixeira. Ainda sem jeito, o senhor balançou a cabeça concordando com o filho e foi ao banheiro para se banhar.
— Meu filho! — Letícia o abraçou, transbordante de felicidade. — Como você está?
— Estou bem, mãe.
— Mas você me falou que voltaria no sábado.
— Fui liberado antes do previsto, então resolvi fazer uma surpresa.
— Confesso que foi uma grata surpresa. — Ela riu tensa.
— O que está acontecendo? Meu pai tem te batido?
— Não. E depois eu te conto sobre isso. Agora quero saber sobre você. Conte-me tudo.
— É uma longa história. Te conto uma parte depois do jantar.
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