História Girl Meets Love - Rainha Intocável

  Taeyeon

  O sol estava forte. A garota tentava, com dificuldade, se esgueirar por entre aquele mar de estudantes. Estava nervosa, e esse nervosismo só servia de empecilho para a sua situação atual.

  Por sorte, ninguém parecia prestar atenção na pequena. Todos estavam ocupados demais tentando chegar aos amigos, ou distribuindo folhetos do que provavelmente seriam convites para os mais diversos clubes.

   Pelo menos isso, pensou. Taeyeon nunca gostara de aparecer, e quanto menos atenção atraísse para si, melhor.

  Por fim, em meio a colisões e pedidos de desculpas que pareciam inaudíveis, conseguiu sair daquela multidão, ao seu ver tão desesperadora.

   Se deu conta então de que aquele não era seu único problema.

   Ela não fazia ideia de onde ficava a sua sala.

  Parada no meio do corredor, vasculhou sua bolsa, tentando de algum modo encontrar os papéis que havia recebido da diretoria mais cedo.

   - Ah, achei...

   Aflita, abriu o papel rapidamente, e passando os olhos por sobre as pequenas letras impressas, encontrou o que precisava.

   Sala 3-B.

   Nada mais do que isso.

   Ela definitivamente precisava de ajuda.

   O único jeito lhe pareceu ser conversar com algum dos alunos. Ela olhava ao seu redor, mas todos pareciam ocupados demais.

   Decidiu apelar para primeiras impressões, observando com mais cautela cada pessoa naquele lugar, a fim de achar a que mais lhe agradava. Isso acabou a levando para uma outra garota, que no momento tentava guardar uma excessiva quantidade de livros em um pequeno armário.

   Suspirou, ainda nervosa, e seus pés começaram a traçar, tímidos, um caminho até a outra.

   - Hmm, com licença?

   A menina agora colocava o último livro dentro do compartimento.

   - Finalmente consegui... - ela murmurou, e em seguida, se virou para a loira. – Ah, não vi você aí. Precisa de alguma coisa?

   - Na verdade, preciso sim... Pode me ajudar a achar minha sala?

   A garota lhe lançou um olhar de dúvida, que depois de um tempo pareceu se esclarecer.

   - Já entendi, você é nova aqui... Como se chama?

   - Sou Kim Taeyeon.

   - Prazer, Taeyeon – a morena exibiu um sorriso largo. – Meu nome é Yuri.

   - Yuri... Então você pode...

   - Em que sala você vai ficar?

   - 3-B. Consegue me levar até lá?

   - Parece que hoje é seu dia de sorte. Essa é a minha sala.

   Ao ouvir aquilo, uma súbita felicidade se fez presente para a loira. Agora ela não seria mais uma total desconhecida no meio dos outros alunos. Não conseguiu evitar retribuir o sorriso de antes.

   - Obrigada!

   - Para com isso Tae. Posso te chamar de Tae? – a pequena assentiu, tímida. – Bom, então vem, vou te mostrar a sala. Já é quase a hora da aula.

   As duas garotas então, lado a lado, começaram a fazer seus caminhos até a referida sala. Taeyeon não escondeu sua animação, olhando curiosa e um tanto distraída todos os lugares pelos quais passavam. Distração essa que lhe rendeu uma quase batida com a parede, impedida apenas por um “Cuidado!” de Yuri.

   Porém, esse aviso não serviu para uma segunda vez.

   Ao dobrarem um dos corredores, alguém acabou dando de encontro com Taeyeon, o que causou um breve impacto entre as duas pessoas.

   Não foi forte o bastante para derrubá-la, mas o suficiente para fazer com que a Kim desse alguns passos para trás, um pouco desnorteada.

   - Desculpa, eu...

   Começou a falar, desesperada, mas assim que levantou a cabeça, ela própria se permitiu ser interrompida. Seu olhar pareceu se prender na beleza daquela a sua frente. Era uma morena alta, e vinha acompanhada de outra garota. A baixinha não pode deixar de se arrepiar diante a brisa daqueles olhos tão gélidos, e ao mesmo tempo tão... Tristes.

   Taeyeon não percebera, mas tudo havia parado ao seu redor. Agora todos observavam pasmos aquela troca de olhares, aquele emaranhado de expressões que tomava a face de ambas.

   Enquanto a pequena tinha adoração, a castanha tinha surpresa, e encarava a outra por cima, de certa forma incrédula com aquela repentina atitude.

   - Você... Só saia.

   Sem dizer mais nada, continuou seu caminho anterior, esbarrando levemente em Taeyeon, ato esse que veio acompanhado de uma olhadela feia da garota que antes acompanhava a mulher.

   À medida que andava, todos os olhares acompanhavam a morena, silenciosos, e assim que sumiu de vista, cochichos e sussurros preencheram o corredor.

   - Tae, eu disse para tomar cuidado! Viu o que acabou de fazer? – Yuri disse, chamando a atenção da amiga, que parecia não ouvir. – Ei, você tá me escutando?

   - Yuri... Quem é aquela?

   - Qual delas, a que você distraída acabou de esbarrar? Ela é Tiffany Hwang, garota de gelo, ignorante, como preferir chamar. Por que quer saber?

   - Tiffany...

   A baixinha estava quase num estado de transe, enquanto aquele nome ecoava em sua cabeça, fazendo com que a cena anterior se repetisse continuamente, sem cessar.

   - Ei, o que foi?

   - Nada... Eu só... Nada.

   - Você é bem estranha, Tae. Sabia disso?

   Taeyeon respondeu com um sorriso, e as duas enfim puderam seguir para a sala.

  Não queria admitir, nem para ninguém, muito menos para si mesma, mas naquele momento, desejou poder reviver aquilo mais várias e várias vezes.

  E tudo isso apenas para que pudesse sentir novamente o que sentira quando seus olhos encontraram os daquela mulher pela primeira vez.

 

 

 

   Tiffany

   Inverno. O mais frígido inverno. Muitas vezes, calmo. Calmo, porém congelante. Vez ou outra, nevascas ocorrem, destruindo tudo ao seu redor, sem hesitar. Tiffany era esse inverno.

   Pelo menos a maioria das pessoas a via assim.

   O frio é uma coisa desgostada por todos. Existem as pessoas que dizem odiá-lo, e existem as pessoas que dizem amá-lo, mas na verdade também o odeiam.

   E a castanha costumava pensar que, se essas pessoas realmente o amassem, não usariam cobertores. Não usariam cobertores para se aquecerem, muito menos roupas grossas e excessivas. Se elas gostassem realmente, apenas sentiriam a invernia sobre seus corpos.

  Quando passava pelos corredores, sua frieza poderia ser sentida por qualquer um. A maioria das pessoas não gostava disso. Ninguém se aproximava. Ninguém a tocava. Talvez apenas tivessem medo de que se o fizessem, a neve acumulada cairia, resultando em uma nevasca gigantesca. Em razão disso, nunca se permitiu amar.

   Tanto por fora quanto por dentro, ela era...

   Intocável.

   Quem a via pela primeira vez, logo se encantava. De fato, ninguém poderia negar que sua beleza era incomparável. Mas Tiffany no fundo sabia. Sabia que essas pessoas não eram nada além de gente que nunca havia visto a neve. Não eram nada além de crianças cujos sonhos seriam ver os pequenos flocos preenchendo tudo em que tocassem. Quando percebiam que essa neve não era assim tão bela por dentro, logo desistiam, e procuravam outro sonho para seguir.

   “Por que é tão fria, Tiffany?”

   Essa de longe era a pergunta mais frequente durante todo o tempo em que passava com pessoas.

   Não gostava disso. Não gostava de ser chamada disso. E isso tudo porque por dentro, ela sabia que era a mais completa verdade.

   Desde mais nova, a morena havia construído um fino manto de gelo para envolver seu corpo. Manto esse que depois de um tempo, passou a ser parte dela própria. E para quê? Na sua cabeça, a resposta era simples.

   - Tiffany! Ei, Tiffany! - a Hwang andava apressada, com a outra garota ainda a seguindo, já irritada por estar sendo ignorada repetidas vezes. - Será que pode me responder?!

   - Não estou muito a fim de conversar agora, Jessica. Tenho aula.

   Claramente, uma mentira. Jessica conhecia Tiffany muito bem, e sabia que não era de seu feitio tratar as coisas daquele modo. Ela era ignorante na maior parte do tempo, claro, mas uma mudança de humor tão repentina era rara de ocorrer.

   - Tiffany, o que tá acontecendo com você?! Vem aqui e fala comigo!

   - Não é nada.

   - Ah, claramente é alguma coisa!

   - Alguma coisa que claramente não te interessa.

   - Ei! – sem resposta. – EI!

   Sem se importar com as súplicas da Jung, apenas continuou a ignorá-la, retomando o seu caminho até a sala de aula.

   Quase escancarando a porta ao entrar, a morena não demorou a se sentar em seu devido lugar, e assim que o fez, começou a fazer desenhos aleatórios na madeira da mesa, tentando, em vão, se acalmar.

   Droga, Tiffany, o que aconteceu com você?

   Minutos depois, Jessica entrou na sala, seguida do professor, e a aula teve início.

   A morena não disse uma palavra sequer.

   O tempo parecia não passar, e o tédio já dominava todos. Ainda era a primeira aula do dia, e o que era para ser cinquenta minutos de pura chatice acabou se tornando uma eternidade. Tudo o que fez foi agradecer mentalmente o silêncio por parte da amiga.

   E se praguejar por não ter conseguido parar de pensar naquela pequena loira por toda essa pequena eternidade.

 

 

    Taeyeon

   O dia da Kim havia sido o que se pode chamar de... Inconveniente. Na mesma hora em que pisou dentro da faculdade, já havia dado de cara com uma parede e com Tiffany Hwang. A única coisa que a salvou disso tudo foi Yuri.

   - Você veio pra cidade sozinha? – ela disse, um tanto impressionada. Taeyeon concordou. – Mas então onde vai ficar?

   - Ainda não sei... Não tenho uma casa, passei a noite num hotel aqui perto.

   A morena ficou calada por um tempo, como se estivesse analisando a situação. Por fim, se virou para a pequena.

   - Eu posso dividir meu dormitório com você.

   Taeyeon parou onde estava.

   - O-o quê?

   - Você entendeu muito bem. Mas claro que vou entender se não quiser.

   - Não é isso... – a loira de fato precisava de um lugar para ficar. O dinheiro que tinha no momento só lhe renderia no máximo mais três noites naquele hotel. – Não vai te atrapalhar?

   - Quantas vezes vou ter que dizer pra parar com isso? Vem.

  Yuri não cedeu tempo para qualquer resposta de Taeyeon. Apenas envolveu sua mão na da outra e a puxou em direção à escadaria que levava aos quartos.

   As aulas haviam terminado, e o espaço estava praticamente vazio, com exceção dos poucos alunos que também habitavam os dormitórios. Todo o resto já tinha ido embora.

   Taeyeon olhava pelas janelas enquanto era levada pela amiga. Estava escurecendo, e o sol quase não deixava vestígios de que um dia já estivera ali.

   Agora a noite era fria.

 

 

 

   Tiffany

  Suave.

  Tiffany pensava, enquanto seus dedos passeavam pelo pano macio que revestia a pequena boneca. A morena costumava observar aquele rosto inanimado, sempre impressionada com as emoções que mesmo assim ele conseguia exibir.

   Emoções talvez mais reais do que as dela própria.

   Pingo.

   - Você é tão... Desprovida de problemas, não é? Não tem nada com que precise se preocupar. Tão... Independente de tudo...

   Caindo.

   A casa estava silenciosa. Aquele monólogo reverberava, muito maior e mais real do que qualquer conversa que a castanha  já tivera com alguém.

   Sumindo.

   Mas mesmo naquele ambiente tão taciturno, era impossível ouvir suas lágrimas.

   Eu só queria você de volta.

   Pingo.

  Subitamente, uma memória recente de horas atrás surgiu em seus pensamentos, fazendo com que sua cabeça começasse a se desconcertar aos poucos.

   Não é nada, não pode ser nada... Não pode ser...

 Já estava quase anoitecendo, e quando o crepúsculo enfim chegou, o sol desaparecendo sob o horizonte a uma velocidade enlouquecedoramente lenta, a brisa gélida se fez presente, refrescando o ar. Tiffany agradeceu em silêncio, feliz pelo alívio daquele calor, que por algum motivo lhe era tão causticante.

   A passos lentos, caminhou até o quarto, o corpo parecia pesar sobre os pés descalços. Estava exausta. Não era uma exaustão de todo física, mas sim emocional em sua maioria. Tudo o que queria fazer era se deitar e tentar se esquecer de seus problemas, por pelo menos um pequeno bocado de tempo.

   Não se importou em arrumar as inúmeras cobertas espalhadas pela cama, e apenas se jogou entre elas, afundando a cabeça num dos travesseiros.

    - Hmm...

   Resmungou, enquanto se virava de costas.

   Aos poucos, a nuvem de cansaço que dominava sua cabeça foi se esvaindo, dando lugar à mais completa escuridão.

   Escuridão essa que não seria mais tão completa assim.

  Tiffany não percebeu no momento, mas no meio de todo aquele manto negro, há muito inabitado, agora havia uma pequena estrela.