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História Girls and Blood - Reimagined Twilight - Seventeen


Escrita por: Azrael_Araujo

Capítulo 18 - Seventeen


— Biers! — Gritou Charlie assim que saiu do carro.

Eu me virei para a casa, acenando para Riley sair da chuva e ir comigo enquanto corria para a varanda. Ouvi Charlie resmungar ruidosamente atrás de mim.

— O que está acontecendo aqui?

— Preciso falar com ela. — disse Riley enquanto eu destrancava a porta e acendia a luz da varanda.

Charlie suspirou, irritado.

— Claro que precisa. — foi a primeira vez em que o vi sendo sarcástico.

Mas o que fucking estava acontecendo?

— Eu posso saber o que está havendo?

Olhei para Riley, mas ela encarava Charlie. Olhando de perto, era possível perceber que ela parecia mal. Realmente mal. Seus olhos possuíam um tom vermelho, irritado, choroso. Seu lábio inferior tremia, o que poderia ser considerado pelo frio — se não fosse pela jaqueta jogada em seus ombros.

— Por favor, chefe Swan. — ela disse.

Charlie respirou fundo, coçando os olhos com força.

— Vou estar lá dentro. — ele pousou a mão sob a arma, ainda no coldre, e se virou abruptamente em direção a entrada. Deixou a porta aberta.

Ele não olhou pra mim.

Fitei uma Riley que eu desconhecia — seus olhos estavam escuros e  lampejaram para mim de novo, a expressão indecifrável.

— Você... Hã... está com fome? — apontei para a casa com o polegar — Posso te oferecer algo?

Ela permaneceu em silêncio. Suspirei.

— Quem... Com quem você pegou carona?

— Edythe Cullen.

Para minha surpresa, ela riu. Olhei para ela, que parecia meio constrangida.

— Acho que isso explica, então — disse ela. — Estava me perguntando o por que da sensação estranha no meu estômago... Quando te vi descer daquele carro.

— Não gosta dos Cullen?

— Essa não é a questão. — ela rebateu, qualquer sinal de bom humor se esvaindo de seu rosto.

Droga.

— E qual é?

— A questão é que você estava descendo do carro dela. — Riley disse, elevando o tom. Arqueei uma sobrancelha, como se perguntasse É sério?

Ela analisou meus olhos por um longo minuto, suas narinas infladas. Esperei até que ela parecesse mais calma, os ombros relaxando minimamente.

Tentei alcançar uma de suas mãos, mas ela recuou.

— Ouça, Riley. — falei — Converse comigo, okay? Vamos esclarecer as coisas.

— Esclarecer? — ela cuspiu — Porque não esclarecemos o fato de que afastou de mim? Completamente. Essa sua obsessão maluca pela Cullen te levou a algum lugar, não é? Está se divertindo com ela?

Seu olhar estava cheio de ódio.

— Ela até roubou o apelido que eu te dei. — ela bufou.

A encarei com a boca aberta. Isso não podia estar acontecendo.

— Porque está falando essas coisas? — perguntei. Porque ela estava sendo tão má?

Meus olhos queimaram de um jeito estranho.

Droga. Nada de lágrimas, Swan. A voz de Lauren me repreendeu.

Em um movimento súbito, Riley segurou meu rosto, com força, com as duas mãos. Ela era alguns centímetros mais alta e me vi obrigada a subir o olhar para o seu.

Seus olhos — antes coléricos — agora estavam quase suplicantes. Eu não conseguia me adaptar a essa súbita bipolaridade.

— Bella... — ela sussurrou. Suas mãos grandes acariciaram as minhas bochechas, sua pele queimando em contato com a minha.

— Riley... Huh... Será que se importa...

— Shh. — ela encarava meus lábios agora. Oh, não, não.

— Riley... — comecei a sentir desespero.

— Bella. Eu só queria que você entendesse... — seus olhos se fecharam — Quando vi vocês, juntas... Quando vi a forma como você olhou pra ela... — eu quase podia tocar a dor em suas palavras — Doeu, Bella. Doeu porque... Você me olhava daquela forma antes.

O seu tom de súplica me arrepiou por inteira.

Em algum lugar, no fundo da minha mente, registrei o fato de que a porta da sala estava aberta e estávamos quase em frente a janela — e Charlie poderia estar observando essa estranha cena.

Riley pressionou minhas bochechas com as palmas da mãos, olhando-as em seguida e rindo.

Franzi a testa, aproximando-me um pouco mais para tocar meu nariz em seu lábio inferior.

Álcool.

Tentei me afastar, mas seu aperto continuava mantendo-me perto.

— Riley, o que você... — nem tive tempo de concluir meu pensamento. Ela balançou a cabeça em negação, fechou os olhos e pressionou os lábios quentes com força contra os meus.

Sua mão esquerda viajou em direção a minha cintura, apertando-me contra seu corpo. Seus lábios tinham um gosto estranho, amargo e quente, sua língua tentando entrar na minha boca.

Um arrepiou que não tinha nada a ver com o frio cobriu meu corpo e eu agarrei o colarinho de sua jaqueta por um segundo antes de começar a empurrá-la para longe. Riley se afastou, ofegante, os lábios vermelhos.

Eu rugi e entrei, batendo a porta com força e correndo em direção às escadas.

Mas Charlie estava no meio do caminho, me interceptando.

— Isabella. Espere. Tudo bem?

Ele havia tirado o uniforme, mas a arma continuava em mãos.

Eu não respondi.

— Não tive a chance de conversar com você esta noite. Como foi seu dia?

— Foi bom. — Hesitei com um pé no primeiro degrau, procurando detalhes que pudesse partilhar com segurança.

— Querida. — ele usou aquele velho tom de sermão — Você e essa garota...

Eu neguei com a cabeça.

— Posso apenas ir pro meu quarto?

Ele me encarou por um segundo e assentiu.

 

Quando acordei na manhã cinza-pérola, estava quase eufórica de tão otimista que era meu estado de espírito.

A noite tensa com Riley ainda me rondava, mas parecia bem inofensiva — decidi me esquecer completamente dela por enquanto.

Eu me peguei assoviando enquanto passava um pente pelo cabelo e de novo ao descer a escada aos saltos. Charlie percebeu.

— Está animada esta manhã — comentou ele no café.

Dei de ombros.

— É sexta-feira.

Corri para ficar pronta para sair logo depois de Charlie. Minha mochila estava preparada, as botas estavam calçadas, os dentes, escovados, mas embora eu tivesse corrido para a porta assim que me certifiquei de que Charlie estava fora de vista, Edythe foi mais rápida. Ela estava esperando com as janelas abertas e o motor desligado.

Dessa vez, não hesitei ao me sentar no banco do carona. Ela sorriu e mostrou as covinhas, e meu coração teve aquele miniataque cardíaco. Não consegui imaginar nada mais bonito: deusa ou anjo. Não havia nada nela que pudesse ser melhorado.

— Com você dormiu? — perguntou ela, sorridente, mas havia algo estranho em seu rosto. Seus olhos pareciam... Com dor.

Imaginei se ela tinha alguma ideia de como sua voz era irresistível e se ela falava assim de propósito.

— Bem. Como foi sua noite?

— Agradável.

— Posso perguntar o que você fez?

— Não. — Ela sorriu. — Ainda é a minha vez.

Ela hoje queria saber das pessoas: mais sobre minha mãe, seus passatempos, o que fazíamos juntas em nosso tempo livre — algo que não acontecia. E depois sobre a única avó que conheci, meus poucos amigos da escola, e fiquei vermelha quando me perguntou sobre Lauren e namoradas. Fiquei meio aliviada de não ter namorado sério ninguém, então essa conversa específica não podia durar muito. Ela ficou surpresa com minha falta de história romântica.

— Então nunca conheceu ninguém que quisesse? — perguntou ela, num tom sério que me fez indagar o que ela estava pensando.

— Já. — suspirei, olhando pela janela — Mas foi diferente.

Seus lábios se comprimiram num traço fino.

A essa altura, estávamos no refeitório — a Biers não havia aparecido. O dia voou, num padrão que estava rapidamente se tornando rotina. Aproveitei a breve pausa para dar uma mordida no meu sanduíche natural.

Eu sou fitness.

— Eu devia ter deixado você vir de carro hoje — disse ela de repente.

Eu engoli.

— Por quê?

— Vou embora com Archie depois do almoço.

— Ah. — Pisquei com decepção. — Está tudo bem, não é uma caminhada tão longa.

Ela franziu o cenho para mim com impaciência.

— Não vou deixar você ir a pé para casa. Vamos lá pegar seu carro e deixar aqui para você.

— Não trouxe a chave. — Eu suspirei. — Não me importo mesmo de ir andando. — O que me importava era não ter meu tempo com ela.

Ela balançou a cabeça.

— Seu carro estará aqui e a chave estará na ignição, a não ser que tenha medo de que alguém possa roubar. — Ela riu da ideia.

— Tudo bem — concordei.

Eu tinha certeza absoluta de que a chave estava no bolso de uma calça jeans que usei na quarta-feira, debaixo de uma pilha no cesto de roupa suja. Mesmo que ela invadisse minha casa, ou o que quer que estivesse planejando, nunca a encontraria. Ela pareceu sentir o desafio em meu consentimento. E sorriu com malícia e um excesso de confiança.

— E aí, aonde vocês vão? — perguntei com a maior despreocupação que pude.

— Caçar — respondeu ela, sombriamente. — Se vou ficar sozinha com você amanhã, preciso tomar todas as precauções. — Seu rosto ficou triste... e suplicante. — Sabe que pode cancelar a hora que quiser.

Olhei para baixo, com medo do poder persuasivo de seus olhos. Eu me recusava a ser convencida a dispensar nosso dia juntas, mesmo que o perigo fosse real. Não importa, repeti em minha cabeça.

— Não — sussurrei, olhando novamente seu rosto. — Não posso.

— Talvez tenha razão — murmurou ela. Seus olhos pareceram escurecer enquanto eu olhava.

Mudei de assunto.

— A que horas amanhã? — perguntei, já deprimida com a ideia de que ela fosse embora agora.

— Isso depende... É sábado, não quer dormir mais um pouco? — propôs ela.

— Não — respondi, rápido demais, o que a fez sorrir.

— A mesma hora de sempre, então?

Eu assenti.

— Onde devo pegar você?

— Eu vou passar na sua casa, também como sempre.

— Hã, não ajudaria na situação com Charlie se um Volvo inexplicávelmente ficasse parado na porta de casa.

O sorriso dela estava superior gora.

— Eu não pretendia ir de carro.

— Como...?

Ela me interrompeu.

— Não se preocupe. Vou estar lá sem carro. Não há chance de Charlie ver nada fora do normal. — A voz dela ficou dura. — E aí, se você não voltar para casa, o mistério vai ser completo, não vai?

— Acho que vai — respondi, dando de ombros. — Talvez apareça no noticiário e tudo.

Ela fechou a cara para mim e eu a ignorei e comi mais um pouco do meu almoço.

Quando o rosto dela relaxou, mesmo que ela não parecesse feliz, eu perguntei:

— O que vocês vão caçar hoje?

— O que encontrarmos no parque. Não vamos muito longe. — Ela olhou para mim, meio frustrada e achando um pouco de graça por minha referência casual à vida incomum dela.

— Por que você vai com Archie? Você não disse que ele estava sendo irritante?

Ela franziu a testa.

— Ele ainda é o mais... favorável.

— E os outros? — perguntei, com hesitação, sem ter certeza de que queria saber. — São o quê?

Sua testa se enrugou.

— Incrédulos, na maior parte do tempo.

Olhei na direção deles. Estavam olhando em direções diferentes, exatamente como na primeira vez que os vi. Só que agora eram quatro; a irmã perfeita de cabelo cor de bronze era minha, ao menos naquela hora.

— Eles não gostam de mim — conjecturei.

— Não é isso — discordou ela, mas seus olhos estavam inocentes demais. — Eles não entendem por que não posso deixar você sozinha.

Eu franzi a testa.

— Nem eu.

Ela sorriu.

— Você não é como ninguém que eu conheça. Você me fascina.

Parte de mim teve certeza de que ela estava zombando de mim, a parte que não conseguia fugir do fato de que eu era a pessoa mais entediante que eu conhecia.

— Não consigo entender isso — falei.

— Com as vantagens que tenho — murmurou ela, tocando a testa com o dedo — tenho uma apreensão da natureza humana maior do que a média. As pessoas são previsíveis. Mas você... você nunca faz o que espero. Sempre me pega de surpresa.

Virei a cara, e olhei na direção de sempre, para o canto dos fundos do refeitório, onde a família dela se sentava. Suas palavras fizeram com que eu me sentisse um experimento científico. Eu queria rir de mim mesmo por esperar outra coisa.

— Essa parte é bem fácil de explicar. — Senti seu olhar em meu rosto, mas ainda não consegui encará-la. Eu tinha certeza de que ela veria a familiar confusão em meus olhos. — Só que tem mais — prosseguiu ela — e não é tão fácil de colocar em palavras...

Eu ainda olhava distraidamente os Cullen enquanto ela falava. De repente, Royal se virou para me olhar. Não olhar, encarar, com os olhos escuros e frios. Eu queria virar a cara, mas fiquei paralisada por conta do antagonismo aberto até Edythe interromper sua frase no meio e soltar um barulho de raiva baixinho, quase um sibilar.

Royal virou a cabeça, e fiquei aliviada por estar livre.

Olhei novamente para Edythe, de olhos arregalados.

— Aquilo era aversão — murmurei.

A expressão dela era de sofrimento.

— Desculpe por isso. Ele só está preocupado. Entenda... não é perigoso só para mim se, depois de passar tanto tempo com você tão publicamente... — Ela olhou para baixo.

— Se?

— Se isto terminar... mal.

Ela apoiou a cabeça nas mãos, claramente sofrendo.

Senti vontade de reconfortá-la, de dizer que nada de ruim aconteceria a ela, mas não sabia que palavras usar.

Automaticamente, estiquei a mão para tocar o cotovelo dela, que estava usando só uma camiseta de manga comprida. Na mesma hora o frio passou para a minha mão. Ela não se mexeu, e, enquanto eu estava ali parada, comecei a perceber que o que ela disse deveria me dar medo. Esperei que o medo viesse, mas só o que senti foi mágoa pela dor dela.

Ela ainda estava com a cabeça apoiada entre as mãos.

Tentei falar num tom de voz normal.

— E você tem que ir embora agora?

— Tenho. — Ela baixou as mãos. Fiquei com a minha no antebraço dela. Ela olhou para o ponto onde nos tocávamos e suspirou. De repente, seu humor mudou e ela sorriu. — Deve ser melhor assim. Ainda teremos que aguentar quinze minutos daquele filme horrível na aula de biologia. Acho que não suporto mais.

Dei um pulo e puxei a mão. Archie, mais alto do que pensei, o cabelo só uma sombra no couro cabeludo, os olhos escuros como tinta, apareceu de repente atrás do ombro de Edythe.

Edythe o cumprimentou sem tirar os olhos de mim.

— Archie.

— Edythe — respondeu ele, imitando-a com um tom de deboche. A voz dela era um tenor suave, aveludada como a dela.

— Archie, Bella. Bella, Archie. — Ela nos apresentou, um sorriso torto na cara.

— Oi, Bella. — Seus olhos brilharam como diamantes negros, mas o sorriso era simpático. — Que bom finalmente conhecer você. — Com uma leve ênfase no finalmente.

Edythe disparou um olhar sombrio para ele.

Não foi difícil acreditar que Archie era um vampiro. A sessenta centímetros de mim. Com olhos escuros e famintos. Senti uma gota de suor escorrer pela minha nuca.

— Ah, oi, Archie.

— Está pronta? — perguntou ele.

A voz dela estava fria.

— Quase. Encontro você no carro.

Ele saiu sem dizer mais nada; seu andar era tão fluido, tão sinuoso, que pensei em dançarinos de novo, embora não fosse tão humano assim.

Engoli em seco.

— Devo dizer “divirtam-se” ou é o sentimento errado?

— “Divirtam-se” serve tão bem quanto qualquer outra coisa. — Ela sorriu.

— Então, divirtam-se. — Tentei parecer animada, mas é claro que não a enganei.

— Vou tentar. E você, fique bem, por favor.

Eu suspirei.

— Ficar bem em Forks, que desafio.

O maxilar dela se contraiu.

— Para você, é um desafio. Prometa.

— Prometo tentar ficar bem — recitei. — Eu pretendia lavar roupa... ou é uma tarefa perigosa demais? Eu posso cair dentro da máquina, sei lá.

Ela apertou os olhos.

— Tudo bem, tudo bem. Vou me esforçar.

Ela se levantou, e eu também.

— A gente se vê amanhã. — Eu suspirei.

Ela deu um sorriso melancólico.

— Parece muito tempo para você, não é?

Eu assenti mal-humorada.

— Estarei lá de manhã — prometeu ela, e andou até o meu lado, tocou de leve nas costas da minha mão e se virou para ir embora. Fiquei olhando até ela desaparecer.

Eu não queria mesmo ir à aula e pensei em ser saudável e matar, mas decidi que seria irresponsabilidade. Eu sabia que, se desaparecesse agora, Mike e os outros iam concluir que fui com Edythe. E Edythe estava preocupada com o tempo que passamos juntas publicamente... se as coisas dessem errado. Eu me recusei a pensar no que isso podia querer dizer e no quanto seria doloroso. Só pensei nas formas pelas quais podia tornar as coisas mais seguras para ela. O que queria dizer ir à aula.

Eu tinha certeza — e achava que ela também — que o dia seguinte mudaria tudo para nós. Ela e eu... se íamos ficar juntas, tínhamos que enfrentar isso. Não podíamos ficar tentando nos equilibrar na beirada precária desse “quase juntas”. Cairíamos para um lado ou para o outro, e tudo dependia dela. Eu queria mergulhar de cabeça, antes mesmo que tivesse escolhido conscientemente, e estava determinada a ir até o fim. Porque não havia nada mais apavorante para mim, mais excruciante, do que a ideia de nunca mais vê-la.

Não tê-la ao meu lado na aula de biologia não ajudou muito minha concentração. A tensão e a eletricidade não estavam presentes, mas minha mente estava mergulhada demais no dia seguinte para eu prestar atenção.

Na educação física, Mike pareceu ter me perdoado. Disse que esperava que eu me divertisse com  Riley. Expliquei cuidadosamente que tinha cancelado nossos planos.

Ele ficou mal-humorada de repente de novo.

— Vai levar Edythe ao baile?

— Não. Eu falei que não vou ao baile.

— O que vai fazer então?

Menti, alegremente.

— Lavar roupa, e depois tenho que estudar para a prova de trigonometria, senão vou tomar bomba.

Ele franziu a testa.

— Edythe vai ajudar você a “estudar”?

Consegui ouvir as aspas que ele colocou na última palavra.

— Quem dera — falei, sorrindo. — Ela é muito mais inteligente que eu. Mas foi passar o fim de semana fora com o irmão. — Era engraçado como as mentiras estavam vindo com mais naturalidade do que de costume. Talvez porque eu estivesse mentindo por outra pessoa, não por mim.

Mike se animou.

— Ah. Sabe de uma coisa, você ainda pode ir ao baile com nosso grupo. Seria legal. Vamos todos dançar com você — prometeu ela.

A imagem mental da cara de Jeremy deixou meu tom mais cortante do que o necessário.

— Eu não vou ao baile, Mike, está bem?

— Tudo bem — disse ele com rispidez. — Foi só uma proposta.

Quando a aula de educação física terminou, fui para o estacionamento sem entusiasmo nenhum. Não queria ir para casa a pé na chuva, só que também não conseguia imaginar como Edythe teria pegado meu carro. Mas havia alguma coisa impossível para ela?

E ali estava, na mesma vaga em que ela estacionara o Volvo de manhã. Balancei a cabeça, incrédula, enquanto abria a porta e via a chave na ignição.

Havia uma folha de papel branco dobrada no banco. Eu a peguei e fechei a porta antes de ler. Duas palavras estavam escritas em sua caligrafia elegante.

Tome cuidado.

O rugido do motor me assustou, e eu ri de mim mesma.

Quando cheguei em casa, a porta estava trancada, o cadeado, aberto, como eu deixara pela manhã. Lá dentro, fui direto para a lavanderia. Estava exatamente como eu a deixara também. Procurei minha calça jeans e, depois de encontrá-la, verifiquei os bolsos. Vazios. Talvez afinal eu tivesse pendurado a chave, pensei, balançando a cabeça.

Charlie estava distraído no jantar, preocupado com alguma coisa do trabalho, imaginei, ou talvez com um jogo de basquete, ou talvez só estivesse curtindo a lasanha. Era difícil adivinhar com Charlie.

— Sabe de uma coisa, pai... — comecei, interrompendo seus devaneios.

— Que foi, querida?

— Acho que tem razão sobre a Riley. — mordi o lábio — Acho que vou cancelar com ela.

— Ah — disse ele, surpreso. — Ah, tudo bem. Então, quer que eu fique em casa?

— Não, pai, não mude seus planos. Tenho umas cem coisas para fazer... dever de casa, lavar a roupa... Preciso ir à biblioteca e ao mercado. Vou entrar e sair o dia todo... Vá e divirta-se.

— Tem certeza?

— Absoluta, pai. Além disso, o freezer está ficando perigosamente sem peixe. Estamos com quantidade pra só dois ou três anos.

Ele sorriu.

— É fácil conviver com você, querida.

— Posso dizer o mesmo de você — falei, rindo. O som da minha gargalhada foi estranho, mas ele não pareceu perceber. Senti-me tão culpada por enganá-lo que quase aceitei o conselho de Edythe e disse a ele onde estaria.

Quase.

Enquanto executava a tarefa fácil de dobrar as roupas, me perguntei se, com essa mentira, eu estava escolhendo Edythe em detrimento do meu pai. Afinal, eu a estava protegendo e deixando que ele enfrentasse... exatamente o quê, eu não sabia. Eu desapareceria? A polícia encontraria algum... pedaço de mim? Eu sabia que não conseguia avaliar o quanto isso seria arrasador para ele, que perder uma filha, mesmo um que ele não viu muito na última década, era uma tragédia maior do que eu conseguia entender.

Mas, se eu contasse que estaria com Edythe, se a implicasse no que viesse em seguida, como isso ajudaria Charlie? A perda ficaria mais suportável se ele tivesse alguém para culpar? Ou só o colocaria em mais perigo? Eu me lembrei da raiva no olhar que Royal lançou para mim hoje. Lembrei-me dos olhos pretos cintilantes de Archie, dos braços de Eleanor, como linhas longas de aço, e de Jessamine, que, por um motivo que eu não conseguia definir, era a mais assustadora de todos. Eu queria mesmo que meu pai soubesse de alguma coisa que fosse fazer com que eles se sentissem ameaçados?

A única coisa que realmente poderia ajudar Charlie seria se eu grudasse um bilhete na porta amanhã dizendo Mudei de ideia, depois entrasse no carro e pegasse Riley Biers em casa e deixasse-a me levar para Deus sabe onde. Eu achava que Edythe não ficaria com raiva, que parte dela torcia exatamente para que eu deisistisse.

Mas também sabia que eu não escreveria esse bilhete.

Não conseguia nem me imaginar fazendo isso. Quando ela chegasse, eu estaria esperando.

Acho que eu estava sim escolhendo-a. E apesar de saber que devia me sentir mal, errada, culpada, arrependida, não era assim que eu me sentia. Talvez porque não parecesse uma escolha.

Mas tudo isso seria para o caso de as coisas irem mal, e eu tinha quase noventa por cento de certeza de que não iriam. Parte da certeza era por eu ainda não conseguir sentir medo de Edythe, nem quando tentava imaginá-la como a Edythe com dentes compridos e afiados do meu pesadelo. Eu estava com o bilhete no bolso, e fiquei pegando-o para reler repetidas vezes. Ela queria que eu tomasse cuidado. Dedicou bastante esforço pessoal ultimamente para garantir minha sobrevivência. Não era assim que ela era? Quando todas as medidas de segurança estivessem fora da jogada, não era essa parte dela que venceria?

A roupa não era o melhor trabalho para manter minha mente ocupada. Por mais que eu tentasse me concentrar na Edythe que conhecia, na que amava — pensar nisso me causou euforia —, eu não conseguia deixar de imaginar como acabar mal podia ser. Eu já tinha visto muitos filmes de terror e tinha noções preconcebidas, e não parecia o pior jeito de as coisas acontecerem. A maioria das vítimas parecia inerte e inconsciente enquanto era... sugada. Mas aí, me lembrei do que Edythe disse sobre ursos, e acho que a realidade de ataques vampiros não era muito parecida com a versão de Hollywood.

Mas era Edythe.

Fiquei aliviada quando ficou tarde o bastante para ser admissível ir para a cama. Eu sabia que não conseguiria dormir com tanta loucura na cabeça, então fiz uma coisa que não fazia há tempos. Deliberadamente tomei remédio para gripe, sem necessidade — do tipo que me nocauteava por umas boas oito horas. Eu sabia que não era a escolha mais responsável, mas o dia seguinte já seria bem complicado sem que eu estivesse doida por não ter dormido além de todo o resto. Enquanto esperava que o remédio fizesse efeito, ouvi a playlist de metal de novo. Os gritos familiares foram estranhamente reconfortantes, e, em algum momento no meio, eu apaguei.

Acordei cedo, tendo dormido profundamente e sem sonhar graças a meu uso desnecessário do remédio. Embora estivesse descansada, fiquei agitada e ridiculamente nervosa, e quase entrei em pânico em alguns momentos. Tomei banho e me vesti em camadas de roupa por puro hábito, apesar de Edythe ter prometido sol. Dei uma olhada rápida pela janela; Charlie já havia saído e uma camada fina de nuvens brancas como algodão cobria o céu, mas parecia ser temporário. Comi sem sentir o gosto, limpei tudo correndo depois que terminei. Eu tinha acabado de escovar os dentes quando uma batida baixinha me fez voar escada abaixo.

Minhas mãos pareceram de repente grandes demais para a tranca simples, e demorei um segundo, mas finalmente abri a porta, e ali estava ela. Respirei fundo. Todo o nervosismo sumiu e fiquei totalmente calmo.

Ela no início não sorriu; seu rosto estava sério, até cauteloso. Mas ela me olhou de cima a baixo e sua expressão se aliviou. Ela riu e disse:

— Bom dia!

— Qual é o problema? — Olhei para baixo para me certificar de que não tinha esquecido nada de importante — como a calça.

— Nós combinamos. — Ela riu de novo.

Ela estava com um suéter azul marinho — escuro como o meu esmalte — com decote profundo, uma camiseta branca por baixo e calça jeans. Meu suéter era exatamente do mesmo tom, apesar de ter um decote menos revelador, assim como minha camiseta branca. Minha calça jeans também era do mesmo tom de azul. Só que ela parecia uma modelo, e eu sabia que eu parecia alguém saindo de um reformatório.

Tranquei a porta de casa enquanto ela seguia para o Tracker. Ela esperou ao lado da porta do carona com uma expressão de martírio que era fácil entender.

— Fizemos um acordo — lembrei-lhe enquanto destrancava a porta e abria para ela.

Ela me lançou um olhar sombrio ao entrar.

Eu também entrei e tentei não fazer uma careta quando liguei o motor, que ganhou vida com um barulho reconfortante.

— Para onde? — perguntei.

— Coloque o cinto. Já estou nervosa.

Revirei os olhos, mas fiz o que ela pediu.

— Para onde? — repeti.

— Pegue a um-zero-um norte.

Foi surpreendentemente difícil me concentrar na estrada ao sentir o olhar dela em meu rosto. Compensei dirigindo com mais cautela do que de costume pela cidade ainda adormecida e logo estávamos fora dos limites da cidade. Uma grossa vegetação rasteira e a floresta densa substituíram os gramados e casas.

— Vire à direita na um-um-zero — instruiu ela assim que eu estava prestes a perguntar.

Obedeci em silêncio.

— Agora vamos seguir até o final da estrada asfaltada.

Pude ouvir um sorriso em sua voz, mas estava com medo demais de sair da estrada e provar que ela tinha razão para olhar e me certificar.

— E o que tem lá, no final do asfalto? — perguntei.

— Uma trilha.

— Vamos andar?

 

— Não se preocupe, são só uns oito quilômetros e não estamos com pressa.

Permaneci em silêncio, focando meu olhar na rodovia a frente.

— No que está pensando? — perguntou ela, com impaciência depois de alguns minutos.

Dei de ombros.

— Só me perguntando aonde estamos indo.

— É um lugar aonde gosto de ir quando o tempo está bom. — Nós duas olhamos pela janela para as nuvens finas.

— Charlie disse que hoje faria calor.

— E você disse a Charlie o que ia fazer? — perguntou ela.

— Não.

— Mas deve ter dito alguma coisa para Jeremy, certo? — disse ela, pensativa.

— Não.

— Ninguém sabe que você está comigo? — Agora ela estava com raiva.

— Isso depende... Imagino que você tenha contado a Archie, não?

— Isso é muito útil, Isabella. — rebateu ela.

Fingi não ter ouvido.

— É por causa do tempo? É transtorno afetivo sazonal? Forks deixou você tão deprimida que ficou suicida?

Suicida? Oh, se você soubesse...

— Você disse que podia causar problemas para você... se nós estivéssemos juntas publicamente — expliquei.

— Então você estava preocupada com os problemas que pode causar a mim... se você não voltar para sua casa? — A voz dela ainda estava irritada, com um sarcasmo amargo.

Assenti, mantendo os olhos na estrada.

Ela murmurou alguma coisa baixinho, falando tão rápido que não consegui entender.

Fiquei em silêncio pelo resto da viagem. Eu conseguia sentir as ondas de fúria e reprovação vindas dela e não consegui pensar no jeito certo de pedir desculpas quando não tinha nada a lamentar.

A estrada terminou em uma pequena placa de madeira. Consegui ver a trilha estreita que entrava na floresta. Estacionei no acostamento e saí, sem saber o que fazer porque ela estava irritada e eu não tinha mais a direção como desculpa para não olhar para ela.

Agora estava quente, o dia mais quente desde que eu chegara a Forks, era quase sufocante sob as nuvens. Tirei o suéter e joguei dentro do carro, passando as mãos pelo meu rabo de cavalo e fiquei feliz por ter vestido a camiseta por baixo — em especial se eu ainda tinha oito quilômetros de caminhada pela frente.

Ouvi a porta dela bater e vi que ela também tinha tirado o suéter e prendido o cabelo em um coque desgrenhado. Ela agora só estava com uma blusa fina.

Estava de frente para mim, olhando a floresta, e consegui ver as formas delicadas das omoplatas dela quase curvadas como asas sob a pele pálida. Os braços eram tão finos; era difícil acreditar que continham a força que eu sabia que havia ali.

— Por aqui — disse, olhando para mim por sobre o ombro, os olhos ainda irritados. Ela entrou na floresta escura diretamente a leste da estrada.

— A trilha? — perguntei, enquanto contornava correndo o carro para acompanhá-la.

— Eu disse que havia uma trilha no final da estrada, e não que íamos pegá-la.

— Não vamos pela trilha? É sério?

— Não vou deixar você se perder.

Ela se virou então, com um sorriso debochado, e não consegui respirar.

Eu nunca tinha visto tanta pele dela. Os braços pálidos, os ombros estreitos, as clavículas com aparência frágil, os vazios vulneráveis acima, o pescoço de cisne, a curva gentil dos seios — não fique olhando, não fique olhando — e as costelas que eu quase conseguia contar debaixo do algodão fino. Ela era perfeita demais, percebi com uma onda esmagadora de desespero. Não havia como essa deusa pertencer a mim.

Ela me encarou, chocada com minha expressão torturada.

— Quer ir para casa? — perguntou, falando mais baixo, uma dor diferente da minha saturando sua voz.

— Não.

Avancei até estar bem a seu lado, ansiosa para não perder um segundo sequer das horas contadas que tinha com ela.

Ela analisou meu rosto.

— Vou levar você para casa — prometeu, mas não consegui entender se a promessa era incondicional ou restrita a uma partida imediata. Obviamente, ela achava que era medo da minha morte iminente que me incomodava, e fiquei feliz por ser a única pessoa cuja mente ela não conseguia ouvir.

— Se quiser atravessar esses oito quilômetros pela selva antes do pôr do sol, é melhor começar a andar — falei, com azedume.

Ela franziu o cenho para mim, lutando para entender meu tom e minha expressão. Desistiu depois de um momento e seguiu para a floresta.

A maior parte do caminho era plana, e ela pareceu satisfeita de seguir meu ritmo. Duas vezes, tropecei em raízes, mas em cada uma ela esticou a mão e segurou meu cotovelo antes que eu caísse. Quando ela me tocava, meu coração disparava, como sempre. Vi a expressão dela na segunda vez que aconteceu e tive certeza de que ela conseguia ouvir.

Tentei não olhar para ela; cada vez que eu olhava, sua beleza me enchia de tristeza. Na maior parte do tempo, andamos em silêncio. De vez em quando, ela me fazia uma pergunta qualquer que não incluíra nos dois últimos dias de interrogatório. Perguntou-me sobre meus aniversários, meus professores na escola — assunto perigoso —, meus animais de estimação da infância — e tive que admitir que depois de matar três peixes seguidos, desisti de criá-los. Ela riu disso, mais alto do que eu estava acostumada, e os ecos tilintados voltavam em meio às árvores.

A caminhada tomou boa parte da manhã, mas ela não demonstrou impaciência. A floresta se espalhava à nossa volta em um labirinto de árvores idênticas, e comecei a ficar com medo de não encontrarmos o caminho de volta.

Ela estava perfeitamente à vontade no labirinto verde, sem jamais aparentar dúvida quanto à direção que tomávamos.

Depois de várias horas, a luz verde que se infiltrava pelas copas das árvores ficou amarela. O dia ficou ensolarado, como prometido. Pela primeira vez desde que começamos, senti empolgação de novo.

— Ainda não chegamos? — perguntei.

Ela sorriu por causa da mudança no meu humor.

— Quase. Está vendo aquela claridade ali?

Olhei a floresta densa.

— Hmmm, deveria?

— Talvez seja cedo demais para os seus olhos.

— Hora de ir ao oftalmologista. — Eu suspirei e ela sorriu.

Mas então, depois de mais uns cem metros, pude ver nitidamente um clarão nas árvores adiante, um brilho que era esbranquiçado e não esverdeado. Acelerei o ritmo, e ela me deixou seguir na frente e foi atrás sem fazer barulho.

Cheguei à beira da fonte de luz e passei por cima da última franja de samambaias, entrando no lugar mais lindo que já vira.

A campina era pequena, perfeitamente redonda e cheia de flores silvestres — violetas, amarelas e brancas. Em algum lugar perto dali, pude ouvir o som borbulhante de um riacho. O sol estava a pino, enchendo o círculo de uma névoa de luz cor de manteiga. Andei devagar pela relva macia, pelas flores e pelo ar quente e encantador.

Depois daquele primeiro minuto de espanto, eu me virei, querendo partilhar isso com ela, mas Edythe não estava atrás de mim, onde pensei que estivesse. Girei o corpo, procurando com um súbito sobressalto. Por fim, encontrei-a, ainda sob a sombra densa da floresta, na margem da clareira, observando-me com olhos cautelosos, e me lembrei do motivo de estarmos ali. O mistério de Edythe e o sol, que ela prometeu explicar para mim hoje.

Dei um passo para trás com a mão esticada na direção dela. Seus olhos estavam cautelosos, relutantes — estranhamente, me fizeram pensar em medo de palco.

Sorri para encorajá-la e comecei a andar na direção dela.

Ela ergueu a mão num alerta e eu parei, oscilando sobre os calcanhares.

Edythe respirou fundo, fechou os olhos e caminhou em direção ao brilho intenso do sol do meio-dia.


Notas Finais




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