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Os movimentos eram sincronizados e a cada vez que os pés batiam juntos no tatame um barulho oco retumbava pelo salão.
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- HÁ - gritaram juntos e conseguia-se ouvir as mãos, fechadas em punhos, quebrando o ar de forma precisa.
Aquele havia sido o último movimento e, com suor escorrendo pelo rosto, voltaram sua atenção ao sensei. O homem estava com a expressão fechada, havia feito os mesmos movimentos que seus alunos, mas nem sequer ofegava. Permanecia impassível, como sempre.
Depois de um tempo apenas mantendo aquele olhar, o homem se curvou, a turma logo o imitando.
- Dispensados - limitou a dizer e se retirou antes que lhe abordassem, o que era mais comum do que achava necessário.
Os alunos relaxaram na mesma hora em que o viram sair, alguns sussurrando o quanto aquilo era estranho e até mesmo um pouco intimidador, mas a maior parte já estava acostumada.
Já sabiam que o maior campeão de judô da Coréia, Do Kyungsoo, não agiria de outra forma. Alguns diziam que era pela responsabilidade e treinamento pesado que, hoje, agia daquela forma; outros que talvez o homem tivesse certo pacto, criando uma áurea mística sobre ele.
De todas as formas, Do Kyungsoo não se importava com nenhum dos rumores. Tudo o que queria, desejava profundamente, era aquele campeonato. Aquele prêmio.
Assim finalmente mostraria para eles que era capaz. Que havia mudado.
- E mudei - murmurou com a testa franzina. Não gostava de remoer aquilo, então tratou de deixar os pensamentos morrerem.
Não tinha tempo para aquilo agora.
Atravessava o corredor com as mãos atrás das costas, depois de anos não conseguia mais relaxar nem mesmo fora das aulas e competições. A disciplina já tinha sido implantada profundamente em sua rotina.
Quando chegou a sua sala - sala em que havia ganhado da Academia para seu treino pessoal - procurou as chaves em seu kimono, mas quando iria colocar a chave na fechadura, ouviu algo.
Poderia ter ignorado, afinal já esta a acostumado a fazer isso com os sussurros sobre si nos corredores, fazia o mesmo nas competições e quando iria visitá-los.
Mas o som vinha de dentro. Da sua sala.
Com o cenho franzido, já irritado com quem estaria ali - e o que diabos estavam fazendo - entrou de vez na sala.
A música invadiu seus ouvidos e agora as notas leves do piano eram mais claras.
Clássico
Pensou com desprezo. Nem mesmo o diretor iria convencê-lo em não jogar quem quer que estivesse ali na rua.
Quando atravessou o pequeno corredor, que tinha como final a espaçosa sala em que usava para seus treinamentos, encontrou a fonte de toda a sua irritação.
O tatame que, antes, cobria toda a sala, agora, estava somente pela metade - os que haviam sido retirados se encontravam entulhados em um canto - e o piso de madeira que ficava abaixo agora era visível.
O som estava apoiado em uma mesa, a qual não estava ali antes, e, em frente aos espelhos, um homem dançava ao som da música.
O lutador observou o dançarino como quem observava um de seus adversários. O homem usava roupas pretas e largas, os cabelos castanhos e grandes eram jogados de acordo com os movimentos delicados que fazia e seus olhos estavam fechados, como que absorto no que fazia.
Kyungsoo andou lentamente até o local em que o outro estava se aproximando da mesa e desligou o rádio - o "invasor" de sua sala parando no mesmo momento.
O homem o olhou confuso, mas logo muito a expressão para como todos geralmente o olhavam - apreensão, receio.
- Por que... - ele começou a dizer, mas logo foi interrompido.
- Quem é você? - Kyungsoo perguntou sem rodeios. Sua voz soava de forma profunda autoritária.
O silêncio foi o único a responder e os dois mantinham o olhar elevado, o dançarino começava a fechar a expressão e a apreensão que sentiu inicialmente se desfazia.
- Kim JongIn - disse e pensou em estender a mão, mas não queria dar o braço a torcer - E você é...?
- O dono dessa sala, que você invadiu e bagunçou - respondeu seco, olhando para o monte de tatames no canto, logo trazendo sua atenção de volta para o homem a sua frente - Não sei como permitiram um drogado entrar aqui, mas...
- Eu não sou um drogado! - Jongin o interrompeu agora mais irritado - Tive total permissão de usar essa sala e, até onde fui informado, ela não é exclusivamente de ninguém - enfatizou a palavra, percebendo o cenho ainda mais franzido do outro - Não sei como permitiram um lunático entrar aqui, mas posso te indicar um psiquiatra para tratar isso.
Terminou de falar, deixando as palavras um pouco mais lentas enquanto o olhava como se fosse mesmo um louco. Kyungsoo estava estático, nunca havia sido tratado daquela forma - não por um mero estranho - e só teve noção da raiva que sentia quando percebeu que estava perfurando sua mão com as unhas.
Ele se aproximou bem do rosto do outro, encarando-o com todo o ódio que sentia dentro de si, mas ainda tendo a lúcidez de que não havia motivos para atacá-lo. Aquelas provocações eram só palavras, não iria, e nem podia, levá-las para o lado físico.
- É muito engraçado ver um veadinho como você falar feito homem - Disse com um sorriso sacana, a expressão de JongIn retesou na mesma hora e se transformou em algo indecifrável - Talvez, se largar essa dancinha sua, tenha chance de...
Ele não conseguiu completar a frase, pois foi atingido no rosto com um soco. O golpe o pegou de surpresa, mas mesmo assim seus instintos já treinados fez com que desviasse - o punho do outro se arrastou em seu maxilar, sem tocá-lo de forma mais violenta.
Kyungsoo suspirou e revirou os olhos. Aquele garoto não sabia mesmo com quem estava lidando.
JongIn viu seu punho passar de forma ilesa sobre o outro. Sentia o sangue ferver e sua vista estava começando a ficar embaçada. Ele não estava daquela forma por ser chamado de veado, sempre ouvia comentários como aquele desde que havia começado a fazer jazz, e só piorou quando começou o balé; O que o irritava era o jeito que o estranho menosprezou a dança. O jeito como falava com desgosto, como se fosse uma doença ou algo pernicioso.
Poderiam ofendê-lo de todas as maneiras, mas nunca iria permanecer indiferente quando atacavam a coisa que mais amava na vida.
Ele se precipitou novamente sobre o outro, mas dessa vez Kyungsoo não se limitou a desviar. O mestre judoca segurou o braço do outro e aplicou o golpe, derrubando-o no chão de madeira, causando um imenso barulho quando seus corpos atingiram o chão.
O dançarino gritou assustado e gemeu de dor quando sentiu as costas atingirem a madeira, sem a proteção do tatame, mas sentia que poderia ter sido pior. O lutador havia absorvido a maior parte do impacto.
- Talvez não tenha salvação mesmo para você - Kyungsoo voltou a falar, agora imobilizando o outro no chão - Além de se alterar na primeira vez que é criticado, geme desse jeito até quando recebe um machucadinho - ele bufou em deboche, sentindo o outro se remexer inquieto embaixo de si - É só mais uma mulherzinha mesmo - deixou as palavras saírem com ainda mais desprezo e fixou seu olhar com o do outro.
- Talvez seja você, já que está tão preocupado em tocar em mim - rebateu vendo como o lutador tocava em seu corpo, apesar de saber que estava procurando a melhor forma de imobilizá-lo.
Ambos se olharam no final daquelas palavras. Naquele contato sentiram quão nervosos estavam. Uma estática parecia pairar no ar e, a qualquer momento, iria engolir os dois. Kyungsoo iria falar mais alguma coisa quando a porta do salão foi aberta com violência e passos apressados atravessaram o pequeno corredor até chegar onde estavam.
- Sensei, posso saber o que está fazendo? - a voz grave soou e Kyungsoo não precisou olhar para saber que era o diretor da Academia e que falava diretamente consigo.
- Imobilizando um drogado - respondeu como se fosse óbvio e ouviu o suspiro atrás de si. Logo sentiu a mão do homem sobre seu ombro.
- Por favor, Kyungsoo, solte o novo professor - pediu e aquilo fez com que o mestre judoca arregalasse os olhos.
- Novo professor? - perguntou incrédulo e deixou uma risada escapar - Não seja ridículo, Kris. Ele estava dançando quando entrei...
- Por que eu sou professor de dança, seu lunático! - JongIn falou ainda enfurecido abaixo do outro, se movimentava violentamente para se livrar do aperto, mas a técnica do outro não permitia que ele se movesse.
- Isso é uma academia de luta! Pare de dizer coisas absurdas!
- Pelo amor de Deus, Kyungsoo. Sai de cima dele - Kris falou começando a puxá-lo para trás - Se ele se machucar você vai receber um processo tão grande que vai entrar em falência
- E quem disse que ele não me machucou também? - Kyungsoo rebateu, mas deixou que o maior o tirasse de cima do dançarino, que se sentou na mesma hora.
- Se ele tentou alguma coisa pode até ser, mas tenho certeza que não te causou absolutamente nada - o diretor disse firme e ajudou JongIn a se levantar - Até por que, se conseguisse, também estaria falido - completou olhando de forma séria para o novo professor, que se limitou a sustentar o olhar - Creio que já devem ter se apresentado, de uma forma ou de outra, então só vou esclarecer as coisas para os dois: Antes éramos unicamente uma academia de artes marciais - ele viu Kyungsoo concordar avidamente e logo continuou – Mas agora, abriremos um espaço para artes e dança - e foi a vez de JongIn afirmar olhando desafiadoramente para o outro.
- O QUE? - Kyungsoo perguntou incrédulo - Mas que palhaçada é essa, Yifan? Está mesmo me dizendo que vai transformar esse lugar em um ponto para essas bichas acharem que tem talento? - ele disparava as palavras de forma rápida e não conseguia parar de encara JongIn, como se tudo aquilo fosse culpa dele - Sabe como esse contato vai ser ruim para os lutadores? Como vai incomodar todos nesse lugar?
Ele teria continuado a falar, mas Kris ergueu uma de suas mãos em um pedido mudo para que parasse.
- Eu não terminei - disse de forma fria, encarando-o de forma nervosa, impaciente - Como ainda não temos estrutura para abrigar a nova turma, decidimos que metade dessa sala será usada...
- ISSO É UM ABSURDO - Kyungsoo gritou. Estava completamente exaltado, o que assustou um pouco Kris - EU NÃO IREI ACEITAR ISSO, KRIS.
Geralmente o pequeno sensei de judô passava a imagem de sério e durão, mas Kris sabia que era uma pessoa tranquila e, a maior parte da sua vida foi para agradar e dar orgulho aos pais. Raramente se irritava e quando acontecia não era nada do que estava presenciando agora. Nunca ouvira sequer Kyungsoo gritar e achava muito estranho vê-lo fazer isso com algo que considerava supérfluo.
- Eu não estou pedindo nada, sensei Kyungsoo. Estou avisando - O diretor respondeu depois de um tempo em silêncio, assimilando o que acontecia - Se, se sente tão incomodado, pode se retirar completamente da sala - ditou firme e viu a expressão do menor fechar novamente.
Kyungsoo sabia que Kris não poderia ameaçá-lo mais do que aquilo. A academia nunca aceitaria que o diretor demitisse um profissional como ele, mas o judoca entendeu que - para o diretor estar praticamente tirando sua sala de treino os sócios também não estavam dispostos a perder JongIn.
O lutador se limitou a respirar fundo e acenar olhando para Kris. Arrumou seu kimono, que ainda estava bagunçado, e lançou um último olhar significativo para ele, virando-se em de costas para os dois homens a sua frente e indo para a porta.
- Volto para a aula de 15h - avisou antes de bater a porta e ir embora, a cabeça turva em pensamentos e os punhos cerrados.
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