- Kim JongIn –
Se passaram exatamente 6 horas e Chanyeol ainda não tinha voltado – ou seja, estava na madrugada do dia seguinte. Eu ainda estava no corredor, não conseguia me levantar. Devo ter desmaiado entre esse tempo, mas eu tinha certeza de que se passou tanto tempo por causa do relógio que tinha na parede.
Às vezes eu gritava por meu irmão, mas não ouvia qualquer barulho em resposta. Talvez eu realmente estivesse sozinho.
Respirei fundo e tentei reorganizar meus pensamentos.
Chanyeol estava ligando para nossos pais, um deles atendeu e meu irmão estava contando tudo o que ele achava que tinha acontecido comigo - o que incluía ser "alvo" de Do Kyungsoo e toda as coisas estranhas que ele via acontecer de manhã.
E eu não pude explicar que ele estava errado.
Bem, Kyungsoo realmente tinha machucado, dito todas aquelas coisas desnecessárias, mas não era como se fosse o primeiro, ou o último. Mas diferente dos outros, ele não parecia realmente estar fazendo aquilo por vontade própria. Era estranho, mas eu via que conseguia desarmá-lo quando falava e que, toda a doutrina, ou seja, lá o que aquilo fosse, desmoronava. Por isso os xingamentos aumentaram e, por isso, ele teve que fazer algo mais violento.
Sim, ele precisava me manter longe, ou toda a realidade que ele sempre esteve iria sumir de vez.
Mas então por que ele voltou mais cedo? Por que cuidou de mim, por que se deu ao trabalho de me seguir até o andar em que eu moro e fazer toda aquela confusão com Chanyeol só por mim?
Mas não foi por você
Eu começava a lembrar dos detalhes, das coisas que vi e ouvi quando no meu estágio entorpecido
Pelo menos ele não o machucou tanto... talvez estivesse sem cigarros...
As palavras vinham se forma desconexa e eu não conseguia montar um sentindo nela
... só nas costas?
A punição.... leve
Eu acabei rindo ao lembrar daquilo. Podiam ser só fragmentos, mas aquela parte, só ela, me soava como uma grande piada.
Se for jogado no chão e atingir exatamente o ponto da coluna em que eu estou ferrado é uma punição leve, queria muito ver qual é a grave.
Minha cabeça doía, mas eu tinha que me lembrar de algo. Sentia isso.
Era como se uma peça chave para toda a minha confusão, do porquê de Kyungsoo, de uma hora para outra, se importar tanto comigo.
Não foi você
Meus pensamentos insistiam em dizer, mas aquilo não fazia lógica.
Ele foi até mim
Ele bateu no meu irmão
Ele insistiu em ficar do meu lado
Ele cuidou de mim
Lembrei de como ele batia em sua cabeça repetidamente, parecendo não se lembrar de algo.
Não, não era se lembrar. Era esquecer.
Mas ele queria ou não esquecer? E esquecer o que?
Luhan
O nome veio em minha mente como se já estivesse ali há muito tempo.
E realmente estava.
Luhan
Era esse o nome e o motivo. Consegui ver, agora, como tinha sido precipitado.
Ele foi até ele
Ele bateu no agressor dele
Ele insistiu em ficar do lado dele
Ele cuidou de dele
Ou era isso que pensava estar fazendo.
- Isso é surreal - pensei em voz alta. Aquilo era realmente plausível ou minha mente estava tão perturbada que começava a inventar aquilo?
- JongIn - uma voz surpresa se fez ouvir e, antes de levantar a cabeça, senti braços me rodearem - TAEMIN - gritou e eu logo soube onde Chanyeol havia ido - O que aquele alucinado fez com você? Por que não está na cama? Meu Buda, JongIn...
- Appa, eu estou bem - tentei dizer, mas ele gritou de novo e eu não sei se ouviu ou não o que eu disse - Appa - chamei de novo, mas não tive chance de falar
Taemin havia parado ao lado de MinHo e sua expressão era indescritível.
- Leva ele para o quarto, MinHo - ele falou e senti meu corpo ser erguido na mesma hora, acabei deixando um gemido de dor escapar e eles franziram a testa juntos - Acho que é melhor levar ele no médico.
- Você acha? - Appa ironizou, mas ele estava bem sério - Não sei como Chanyeol o manteve aqui por tanto tempo e ainda sem dizer nada.
- Nem para mim ele contou, amor - meu outro appa disse soando triste, apesar de estar tentando consolar o marido - Se bem que quem deveria ter dito tudo era você, JongIn
- Eu estou bem - voltei a repetir, mas eles continuaram conversando sem me dar atenção
- Channie disse que as costas dele estavam horríveis, Min - Taemin falou e, antes que eu pudesse protestar, MinHo me colocou de bruços na cama e minhas costas ficaram completamente a mostra.
Ouvi o som do ar sendo preso e depois de um tempo, mãos passando com delicadeza pelo hematoma, mas logo as retirando com o som de dor que emiti.
- Eu vou matar esse desgraçado - MinHo disse e eu o ouvi abrir a porta, mas ela foi fechada em seguida - ME LARGA, TAEMIN
- SE ACALMA - Taemin gritou de volta - Vamos cuidar de JongIn primeiro, ele precisa de nós. Depois resolvemos o que fazer com aquilo - disse com desprezo se referindo a Kyungsoo.
- Eu tenho que fazer alguma coisa - MinHo dizia inquieto e eu não conseguia ver se ele e appa estavam perto de mim, mas comecei a me levantar - Eu não vou conseguir deixar isso passar..
- Não estou dizendo que nós vamos deixar isso de lado. Só que precisamos cuidar de uma coisa de... - Taemin parou de falar assim que me viu sentado, ele e MinHo vindo em minha direção na mesma hora, como se eu fosse quebrar
- Não precisa. Eu consigo ficar sentado - disse erguendo a mão antes que um deles tentasse me deitar, e eu sabia que iriam - Ao invés de continuarem falando sobre mim como se eu não estivesse aqui, por que não me perguntam o que realmente aconteceu e o que eu estou sentindo?
Eles me olharam por um tempo e parece que finalmente entenderam o que eu estava querendo dizer e como estavam sendo precipitados. Sentaram cada um de um lado da cama, finalmente se acalmando e eu esperei. Por mais que meus pais fossem mente aberto e compreensivos, eram muito protetores e eu sabia que todo cuidado era pouco. Uma palavra em falso e tudo ia ser perdido.
- Pode falar, JongIn – MinHo disse e eu comecei a narrar.
Disse como os lutadores implicavam comigo, como o chefe sempre ficava em cima para que nada mais sério acontecesse e que, apesar disso, eu sabia que os outros eram disciplinados e suas palavras só eram ofensivas, mas que eles nunca iriam realmente me agredir – Kris tinha deixado claro quem eu era e quem eram meus pais.
Contei a mesma mentira que tinha dito para Chanyeol sobre o que aconteceu com minhas costas – que bati em um ferro exposto no trabalho, sem perceber - mas dessa vez admiti que era falso e contei a verdade. Pelo menos parte dela.
- Deixa ver se eu entendi – Taemin me interrompeu – Você estava dançando, o chão estava muito encerado e você cai. Então ficou com esse roxo enorme nas costas e quase não conseguia sair da cama por 3 semanas? – ele me perguntou incrédulo e eu comecei a pensar em como precisava melhorar minhas mentiras.
- Sim – confirmei e soei confiante, coisa que eu agradeci internamente à Buda – Eu sei que é surreal, mas...
- Então me dê uma boa explicação do que aquele professor de luta estava fazendo aqui – MinHo quem falou agora e eu senti um pouco tenso – Vamos, JongIn. Não queria que ouvíssemos? Estamos aqui.
- Ele só veio cuidar de mim. Viu Chanyeol tentando me bater e, como não o conhecia, achou que ele iria mesmo me machucar – eu mesmo não conseguia acreditar que estava dizendo tudo aquilo.
- Me poupe, Kim JongIn – MinHo falou irritado se levantando – Chanyeol disse que ele arrombou a porta e o jogou para fora, deixando-o desacordado. Você estava gritando no quarto antes dele conseguir voltar para o apartamento com os amigos dele. Você mesmo consegue acreditar nessas mentiras? – me questionou e soltou o ar com força – Você nunca defendeu essa gente, muito menos os que agrediam você. O que tem de diferente agora? Ele te intimidou tanto que você esqueceu que não precisa passar por tudo isso?
Eu senti um baque com aquelas palavras. As lembranças de quando eu era adolescente voltaram – as pessoas que meus pais fizeram questão de caçar e punir por terem feito tudo aquilo comigo, e eu não me arrependia de nada. Era mais do que justo para aquele tipo de gente.
Mas Kyungsoo era diferente.
Eu ainda não sabia se era coisa da minha mente ou se realmente tudo o que pensei no corredor poderia ser certo, mas só de lembrar o estado de extrema confusão que ele estava, eu tinha certeza que ele poderia mudar. Que ele não era realmente assim.
- Ele é diferente – falei depois de um tempo e vi meus dois pais revirarem os olhos – Por favor, vocês mesmos sabem que eu nunca defendi nenhum deles, então sabem que não estou fazendo isso sem propósito
- Quem nos garante que você não está sendo influenciado com tudo isso, JongIn? Essa atitude é muito estranha de você – Taemin falou e segurou minha mão. Ele era muito mais calmo que meu outro pai e tentava ouvir tudo antes de tomar uma decisão, apesar de ser muito cabeça dura – Eu não consigo acreditar que pense realmente isso.
- É que... Eu... Eu não sei explicar, mas, por favor, não se preocupem. Eu realmente sei com quem estou lidando e como devo resolver isso – determinei. Taemin me olhava profundamente e, depois de longos minutos, pareceu ver a sinceridade com que eu falava. MinHo estava virado para a janela e eu não conseguia ver sua expressão, mas sabia que não era nada boa. Ele nunca foi tão tranquilo assim.
- Chanyeol nunca nos chamou. Nem mesmo quando te encurralaram naquele beco e quase te mataram – MinHo falou e senti um calafrio só de lembrar daquele dia – Eu fiquei com tanta raiva que Taemin teve que me trancar no quarto para não ir para cima dele, JongIn – ele se virou para mim e eu vi que sua expressão, ao contrário do que eu pensei, estava tranquila como a do meu outro appa – Mas dessa vez ele chamou. E não só ligou como nos mandou vir aqui.
- Chanyeol é muito exagerado...
- Chega – ele me interrompeu – Eu não sei o que está acontecendo com você, mas eu também não quero saber. Nós vamos para casa – declarou e eu quase me levantei, mas Taemin me prendeu na cama – Ficar se exaltando só vai te piorar. Eu te carrego se for preciso, mas você não vai mais ficar aqui, muito menos perto daquilo – assim que terminou a frase abriu a porta do quarto e saiu, me deixando sem direito de resposta, como sempre.
- Appa, por favor – olhei para Taemin, mas ele já estava com aquela expressão séria de novo – Por favor, pelo menos você – tentei, apesar de saber que era inútil.
- Você ouviu seu pai – foi tudo o que ele disse antes de levantar e ir para a porta, parando poucos segundos na soleira – Chanyeol vai arrumar suas coisas. Devemos partir hoje
E quando a porta de fechou, eu já sentia as lágrimas escorrerem pelo meu rosto. O desespero finalmente liberado.
Eu tinha os melhores pais do mundo, eles me encontraram na rua há anos e me adotaram. Já tinham Chanyeol naquela época e eu fui como seu maior presente – ele sempre quis um irmão, mas nossos pais não podiam mais pagar as barrigas de aluguel e, como eram homens, não podiam engravidar. Meu irmão sempre teve aquele jeito muito parecido com MinHo. Gostava de sair a noite, se vestir como rapper e até mesmo compunha algumas coisas – as vezes me mostrava quando eu o pegava sobre o piano no pequeno estúdio do porão.
Mas eu era diferente.
Eu tinha que gostar da dança, do que todos consideravam feminino.
Chanyeol nunca iria ouvir ou sofrer as mesmas coisas que eu passei. Ele era o “homem” da nossa família, enquanto eu era o típico “filho influenciado pelos pais gays”.
Eu nunca me importei quando ouvia esse tipo de coisa quando era menor, nem mesmo sabia o que significava – mas eu aprendi. E da pior forma.
Foi naquele dia do beco. Eu estava saindo da aula, tinha ficado com preguiça de tirar o collant, então só coloquei a calça larga e fui embora.
Eu não sabia se eles já estavam me esperando, se eram os mesmos que sempre faziam piadas ou se simplesmente me viram naquele dia e se sentiram ofendidos demais para me deixar passar. O que realmente importa é que, quando eu estava no meio do caminho, dois deles passaram por mim, batendo em meus ombros e, quando eu ia me virar para reclamar, me puxaram para um dos becos ali perto.
Nunca consegui lembrar exatamente o que aconteceu naquela noite. Não sabia dizer se Chanyeol havia me encontrado com Kris – seu melhor amigo –enquanto ou depois que eles se revezavam dentro de mim, e eu nunca quis saber, de qualquer forma.
Só o que eu tinha a mais plena certeza do que havia acontecido era que eram 6 homens e eles me bateram até que eu desmaiasse. Eu só soube que eles tinham me estuprado, também, por causa das dores e do sangue que escorria nos dias que passei no hospital. Era engraçado ouvir alguns dos médicos dizendo que eu havia pedido aquilo, por causa do meu jeito de bicha metida e por causa das minhas roupas. Eram as mesmas desculpas que usavam para estupro de mulheres, mas eu me sentia ainda mais sujo por que, talvez, eles estivessem certos.
Eu tenho força, não tenho? Sou homem, não é? Então eu deveria ter lutado contra os outros 6. Deveria ter trocado as roupas no vestiário e ido feito homem para a rua. Assim nada daquilo teria acontecido, não é?
Não sei.
Não gostava de pensar naquilo. Parecia estar me vitimizando, me colocando no lugar de milhões de mulheres que passaram por aquilo e dizendo que senti a mesma dor que elas, que passei pela mesma coisa e que sabia como era.
Mas eu passei
Reprimi o pensamento. Era complicado demais e eu não iria lidar com aquilo agora, talvez nunca.
De qualquer forma, foi a partir daquele dia que meus pais pararam de ouvir.
Não que eles me ignorassem nem nada, mas a minha imagem naquela cama de hospital e tudo o que Chanyeol havia contado mais tarde – como me encontrou, onde eu estava e o que havia acontecido – os deixaram desnorteados. E aquilo os fez ficarem super-protetores de uma forma que, no primeiro mês eu não pude sair de casa.
No segundo eu só poderia ir até a esquina, e se pelo menos um deles ou Chanyeol estivesse comigo. Não recebíamos visitas, quando os sócios de appa MinHo vinham eu precisava ficar no quarto até que eles fossem embora.
Demorou um ano para que Chanyeol pudesse trazer Kris de volta para a nossa casa, e mesmo assim meus pais brigaram com ele mais tarde, apesar de ter sido Kris quem me ajudou a ir para o hospital.
Eu não sabia se aquela super-proteção era somente isso ou se havia crescido para um tipo de paranoia obsessiva, mas com o decorrer dos anos, o que aconteceu naquele beco ficou mais distante, mais esquecido, e eles conseguiram voltar ao normal.
Quase.
Quando eu pude voltar para as aulas de dança, nosso motorista particular me levava e trazia e, geralmente, Chanyeol estava lá para assistir minhas aulas e ficar comigo. Eu ainda ouvia piadas – não escapava delas nem mesmo dentro do instituto de dança, mas eu conversava com Chanyeol e pedia para que ele não dissesse nada, por que não queria preocupar nossos pais – e aquilo não passava de ofensas sem real ameaça.
Tinha momentos que eu não conseguia convence-lo e, em uma dessas, meus pais me tiraram do instituto e eu passei a ter aulas particulares em casa com uma das melhores bailarinas do país.
Eu mal saia de casa naquela época, não precisava já que “tudo o que eu tinha estava ali”.
Mas aquilo me sufocava.
Eu tinha amigos, mas eles não conseguiam se aproximar de mim e nem eu deles, por que meus pais tinham medo de que algum deles fosse ser como os homens do beco, ou que colocassem na minha cabeça que eu “queria sair”, assim me tirando da sua proteção.
Foi minha professora que me convenceu a fazer a prova. Naquele ponto eu já não estava tão paranoico quanto meus pais e não saía de casa há tanto tempo que só a ideia de pisar fora de casa me era estranha.
Eu vou estar com você, JongIn. Nada vai acontecer
Se quiser podemos falar com Chanyeol e ele pode ir conosco até lá, mas vai ter que ficar do lado de fora
Eu lembrava de cada palavra que ela tinha dito, as vezes elas voltavam a minha mente como uma lembrança muito boa. Eu sempre adorei Seulgi e, como ela era meu único contato com o mundo externo e tinha minha total confiança, aceitei a proposta.
Eu tinha achado melhor não falar com Chanyeol. Ele não me acobertava em mais nada naqueles dias e eu sabia que tinha uma chance única. Se fosse pego com Seulgi, ela seria demitida e, provavelmente, meus pais colocariam as grades de volta nas janelas – eles diziam que não era para me impedir de sair, e sim impedir que os outros entrassem, mas eu sabia que era um pouco dos dois.
E na tarde em que era a prova, Seulgi me esperou uma quadra depois da minha casa. Eu fui com algumas roupas de Chanyeol e corri tanto que só lembro de ter praticamente me jogado contra o carro, fazendo minha professora abrir apressada e dar partida achando que alguém tinha me visto. Eu nunca contei que tinha sido por medo.
Naquele dia eu entrei no teatro principal da cidade pela portas dos fundos e vesti meu collant, ficando de frente para pessoas que não eram minha família ou minha professora. Era a primeira vez em 3 anos que eu via rostos diferentes e, apesar de estar com uma ansiedade tremenda, tudo pareceu evaporar quando a música começou, e logo meu corpo entrava em movimento.
Com Seulgi eu havia aprendido que a dança era uma forma de deixar sua alma completamente exposta, apesar dos outros não conseguirem captar isso. Eu achava que já conseguia fazer isso quando estava no instituto, mas percebi como eu estava limitado pela técnica que eles queriam que eu tivesse, pelos passos que eu precisava aprender.
Eu aprendi a me libertar através da dança e ela era, com certeza, a minha maior confidente em tudo. A que sabia de tudo o que eu pensava e sentia durante os anos que estive “preso” em casa.
E naquele dia eu expus todos aqueles longos 3 anos, a noite no beco, os xingamentos e as palavras que eu também ouvia de meus pais – apesar deles não perceberem como a proteção deles me machucava também – para aqueles jurados a minha frente. Se eu não passasse, pelo menos tinha dado meu grito por ajuda e, assim, alguém poderia me resgatar. Me tirar daquela sobrevivência e me deixar, finalmente, voltar a viver.
- Eer... Eu, eu posso?... – disse apontando para a porta
Lembro de ter dito aquilo depois de ficar 5 minutos em pé, após ter terminado a apresentação. Seulgi havia sido clara ao dizer que eu só poderia deixar o palco quando me desse permissão, mas os jurados estavam simplesmente parados, me olhando, sem nem mesmo anotar em seus papéis.
Eles cochicharam por um tempo e eu me senti ainda mais inquieto. Queria ir para casa, o ar condicionado estava muito frio, a luz do palco me cegava agora e aqueles múrmuros pareciam estar ecoando na minha cabeça, e isso me irritava.
Um dos jurados se levantou e começou a descer do lugar que estava na plateia do Teatro e vir em direção ao palco. Eu o observava e senti um suor frio escorrer sobre minha testa. Olhei para cima e os outros 2 jurados ainda estavam sentados. Olhei para trás a procura de Seulgi, mas encarei o vazio – ela não podia entrar ali comigo. Talvez eu pudesse derrubar aquele ali, se tentasse alguma coisa. Os outros estavam longe demais, então eu iria conseguir correr antes que conseguissem fazer alguma coisa.
Eu estava com todos os meus planos feitos quando o jurado finalmente subiu ao palco e sorriu para mim, esticando a mão. Eu hesitei bastante e devo ter parecido rude, mas depois do que me pareceram ser horas, consegui erguer a mão e apertar a do outro, sentindo um aperto forte.
Meus parabéns, você não conseguiu
Eu não entendi suas palavras no começo e, quando elas se fizeram claras, me afastei e devo ter feito uma expressão muito engraçada, por que ele riu de mim e voltou a se aproximar.
Mas agora você é o bailarino principal do Teatro.
Isso se quiser.
Mais uma vez eu não consegui assimilar as palavras que ele havia dito. Eu tinha ido fazer uma prova para participar como corpo de baile de uma das peças do final de ano e agora eles me ofereciam o maior cargo?
Eu não lembro se respondi, só que corri para fora da sala e gritei por Seulgi, que veio ao meu encontro na mesma hora. Não sei como ela entendeu algo que saiu a minha boca, as palavras eram nervosas e eu mesmo não conseguia compreender, mas ela segurou minhas mãos e me arrastou de volta para o palco. O jurado ainda estava lá e ela conversou com ele – talvez tenha contado alguma coisa pessoal para explicar por que eu tinha saído daquele jeito, mas no final de tudo eu estava dentro.
Eu consegui.
Daquele dia em diante havia ganhado notoriedade. Meus pais quiseram matar Seulgi quando souberam de tudo aquilo, mas eu, pela primeira vez em anos, discuti com eles e levantei realmente a voz e me fiz ser ouvido. Chanyeol ficou do meu lado, ele também achava que eu precisava, finalmente, sair daquela vida em que eles me colocaram.
E eu ganhei prêmios, mesmo não fazendo nada de mais para conquista-los.
Foi quando vieram me fazer uma entrevista que eu percebi como as coisas estavam crescendo mais do que eu imaginava.
Em uma avaliação com os melhores professores, fui votado como o melhor do país e todos pareciam acreditar piamente naquilo, apesar de eu não querer mais do que continuar a dançar pelo resto da minha vida.
Eu podia sair de novo, meus velhos amigos – os verdadeiros – voltaram para mim e eu consegui reafirmar laços que achei estarem perdidos.
Quando completei 21 decidi sair dos holofotes. Pelo menos por enquanto.
Os repórteres estavam cada vez mais em cima do que eu fazia, de quem eu era e de como tinha sido minha adolescência e infância. MinHo appa era empresário e me garantia de que nada do que havia acontecido seria vazado, mas eu não conseguia confiar naquilo por completo – e sabia que ele também não. Taemin appa é dono de uma das mais importantes advocacias do país e me garantiu que, se eu quisesse sumir, poderia.
E eu sumi.
Vi que estavam interessados em abrir aulas de dança em uma academia de luta há quase 5 cidades de onde eu estava, mandei meu currículo e fui aceito na mesma hora – combinando um salário bastante inferior ao que recebia, mas com a garantia de que seria mais tranquilo do que o que eu vivia agora.
Eu gostava da agitação, do palco. Tudo isso mantinha minha mente distraída e longe de tudo, mas sempre havia o medo e ele sempre se modificava. Antes eram as pessoas, depois sair de casa e, naquele momento, era que todo meu passado fosse exposto.
Então eu sumi como appa tinha me prometido e, uma das condições, mantinha contato todos os dias, deixando claro que estava bem e que nada tinha acontecido. Chanyeol se mudou para a mesma cidade algum tempo depois, havia conseguido uma chance de trabalhar com um artista estrangeiro em uma gravadora renomada e começou a morar comigo.
Eu me sentia feliz, os mesmo insultos e provocações que sempre ouvi, ouvia na academia, mas isso não me importava. Eu me sentia em paz, realizado, mas tudo isso mal durou um mês.
Teria que deixar tudo aquilo de lado e voltar para casa. E sabia que, mesmo se quisesse, não iria pisar no Teatro nem tão cedo.
Relembrando tudo isso, as lágrimas ainda caiam e eu não ouvi quando a porta do meu quarto se abriu e Chanyeol entrou carregando uma mala grande – a mesma que eu usei na mudando que havia feito para aquele apartamento.
- Vamos hoje – foi tudo o que disse e ele abriu meu armário, tirando as roupas e colocando-as dentro da mala.
Eu não disse uma palavra sequer, sabia que não valia a pena. Talvez Chanyeol fosse pior que meus pais, por que eu pensava que podia contar com ele, mas no fim, ele também não me ouvia e continuava a me tratar como uma criança, assim como eles.
Eu não tinha direito de querer algo que fosse agredir o que eles achavam não ser seguro para mim, algo que pudesse me machucar de novo. Mas quem mais me machucava agora eram eles.
- Sehun disse que não vai poder estar aqui antes de irmos, mas assim que Luhanne estiver melhor, irá com ela até nossa casa e...
- Eu vou ficar – falei e o vi parar por alguns segundos, mas longo continuar
- Te ver – completou – Acho que vai gostar de Luhanne, ela é muito gentil, apesar de ser agressiva as vezes. Se os appas deixarem podermos até chamar aquela sua professora...
- Seulgi
- ... Para fazer companhia para ela enquanto a gente joga vídeo game ou sei lá – ele continuava a falar, fingindo que eu não estava falando nada – Talvez ele fique para a noite, então eu deixo ele ficar no meu quarto com Luhanne enquanto durmo com você – Chanyeol deu uma pausa breve – Talvez seja melhor dormir com você por enquanto. Taemin appa tinha dito que tirou as grades semana passada e...
- EU NÃO SOU UM ANIMAL – acabei gritando e já ouvia passos da cozinha vindo para o quarto. Esperei que meus pais abrissem a porta e, antes que conseguissem dizer algo, voltei a falar – Eu estou cansado de só obedecer tudo o que vocês falam enquanto tenho minhas vontades reprimidas e sou tratado pior que um doente, por que pelo menos quando ele diz que quer algo, ganha isso. Eu não vou voltar, não vou ficar trancado em casa, não vou ficar atrás de grades, não vou ficar sobrevivendo. Eu já disse isso mil vezes e vou repetir: E vou ficar aqui, não me importa o que vocês pensem que é bom ou não para mim. Eu já respondo por mim mesmo e se tentarem mais alguma coisa de novo, vou na imprensa eu mesmo e digo que estou sendo mantido em cárcere, o que não vai ser nenhuma mentira. E vou ter diversas testemunhas para comprovar isso, podem ter certeza. Agora, por favor, me deixem viver minha vida – pedi e os vi me olharem estupefatos. Eu não sabia se conseguiria o que queria com aquilo, mas tinha que tentar alguma coisa, eu não aguentava mais e não podia depender da ajuda dos outros para ir atrás do que eu queria para sempre.
Eles se mantiveram em silêncio e se olharam, como se conversassem por ali. Eu não sabia se aquilo era bom ou não, e eu não conseguia tirar nada de suas expressões, então tive que esperar para ver.
Eu estava prestes a dizer mais alguma coisa, mas a campainha do apartamento tocou e Chanyeol foi o primeiro a se mover, saindo do quarto rapidamente. Talvez aquilo tenha sido combinado na mente deles.
- JongIn – Taemin quem começou a falar e eu já sabia que tudo o que tinha dito foi por água a baixo, mas então ele foi interrompido por gritos.
Nos olhamos nervosos, mas todos continuaram no quarto, até Chanyeol entregar tudo.
- VOCÊ NÃO VAI ENTRAR AQUI DE NOVO
E isso foi o suficiente para todos nós sabermos quem estava na porta.
E, é claro, em poucos minutos, Kyungsoo estava na porta do quarto, Chanyeol logo atrás dele, mas isso parecia não ser nada para ele.
- Kim JongIn – ele disse e eu ainda estranhava meu nome saindo de sua boca ao invés de “vadia” ou “bichinha” – Precisamos conversar
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