A canção que tocava ao fundo não era uma romântica, tampouco melancólica. Era a mesma discografia de sempre de algum grupo barulhento, mas não o suficiente pra sobrepujar a balbúrdia generalizada daquelas duas mentes.
Hoseok gritava.
Era em silêncio, mas notava-se pelas veias saltadas na testa e pescoço que logo o seria audível.
E Jimin apenas suspirava, incrédulo e desistente.
Um levantou-se e rumou ao quarto, o outro, porta à fora.
O que ficara, ao escutar o barulho do batente agredido forte, além de suspirar incrédulo e desistente, murmurou um palavrão desgostoso.
Por que Hoseok era sempre assim? Qual era o problema em só não fazer tempestade em copo d’água? A personalidade exagerada dele o desgastava tanto...
Jimin olhou a sua volta, levantara do leito em que estava deitado. Mesmo a contragosto e sentido o peito doer, capturou a mala de cima do armário. Sim, ele perdeu alguns segundos olhando aquele móvel de madeira entalhada que fora presente de seus pais quando se casou com o outro. Lembrou-se das vezes que fora arremessado contra aquela porta antes de ser beijado com volúpia, recordou-se das vezes que fez aquela peça de mobília imensa ser apoio para suas costas enquanto enlaçava a cintura de Hoseok com as coxas, lembrou-se de que era ali que guardavam suas coisas juntas, as camisas e calças e cuecas misturadas.
Guardavam.
Não mais.
Não teve pressa em colocar cuidadosamente cada uma das suas roupas dentro da bagagem, não tinha agilidade alguma em seus movimentos e observações naquele cômodo que guardava tanto, e quando por fim fechou o zíper da mala imensa, caminhou ainda a passos calmos até a escrivaninha que ficava sob a janela, esta que exibia graciosamente o sol forte do início do verão. De dentro da gaveta, tirou um lápis e o caderno de anotações e recados, nada muito bonito ou que fizesse alguém guardar com carinho, era só um amontoado de folhas brancas que serviam pra guardar recados mesmo, e ali, Jimin deixaria o último.
“Hobi…
Eu gostaria que essa fosse uma carta dizendo que estou indo passar um tempo na casa da minha mãe.
Eu gostaria que fosse só um recado dizendo que logo estaria de volta, que sentiria sua falta ou que eu não vejo a hora de te ver de novo.
Mas acima de todas essas vontades, estão a minha necessidade de paz de espirito e tranquilidade.
Me perdoe porque eu sei que vai doer ler isso, contudo não posso mentir: É impossível pra mim, hoje, ter qualquer coisa próxima a paz de espirito ou tranquilidade só de me imaginar estando ao seu lado.
Eu sei que é cruel dizer isso com todas as letras, mas ao longo do tempo em que vivemos juntos eu aprendi que se não desenhar exatamente tudo, da forma mais pedagógica possível, pra você, você simplesmente achará um jeito de destorcer tudo o que eu disse e transformar uma simples frase em uma grande ofensa.
Isso não é vida pra mim, Hoseok.
Eu não quero ter que passar o resto dos meus dias medindo minhas vírgulas correndo o risco de você PROPOSITALMENTE deformar o significado das minhas frases apenas pra me fazer sentir culpado ou mal ou triste.
Eu nunca traí ou sequer olhei outra pessoa de forma diferenciada desde que nos conhecemos e foi exatamente isso que você deu a entender mais cedo.
Não foi a desconfiança que doeu, eu sei o quanto você é ciumento, e por vezes, até vejo graça. O que me dói é você colocando palavras em minha boca apenas pra se inocentar.
Eu não aguento mais tensão, eu não aguento mais acordar e dar de cara com você mal humorado sempre, independente de quão boa foi na nossa noite, e eu não estou falando de mal humor matinal, estou falando desses seus modos grosseiros de me tratar todo o tempo nos últimos meses.
Eu acordo você com palavras carinhosas todos os dias, faço cafuné, te elogio e faço de tudo pra você se sentir melhor, independente dos problemas que você tenha na sua vida fora dos nossos cobertores. Eu realmente tento meu melhor mas a cada dia esse melhor parece gradativamente menos suficiente pra você sequer sorrir.
Eu tô cansado de fazer de tudo pra você, de tratar você como um príncipe e ver você me pisando, monossílabo, distante.
Foi pensando nessa série de coisas que talvez eu tenha tido a epifania do século:
Talvez você não queira.
Talvez meu amor por você não seja o bastante, talvez o cuidado e carinho que tenho contigo não seja o que você quer de mim.
Sinceramente, eu não sei o que você quer de mim de verdade, mas eu sei o que eu queria de você.
Queria...
Não mais.
Peço desculpas por ter sido inconveniente e demorado demais pra me tocar que talvez você só não me quisesse, talvez não fosse uma questão de rejeitar afeto ou preferir manter espaço pessoal, talvez fosse só distância de mim que você quisesse e a verdade é que eu nunca vou ter certeza disso.
Não vou ter certeza disso porque eu vou fazer suas supostas vontades.
Tenha uma boa vida, Hoseok.
Guarde bem o Armário que fora presente da minha família pra nós, talvez ele lhe sirva pra trancar as coisas que sua garganta segurava antes de partir.”
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