História Hetero!? - Você é uma vergonha

Segunda-feira.

O dia amanheceu nublado em Londres, o que não era uma novidade. Mas realmente pareceu que uma tempestade cairia e o vôo que Louis havia marcado precisaria ser cancelado. Mas não foi.

Harry chegou pontualmente ao endereço que havia recebido por mensagem. Vestia roupas parecidas com as que vestiu para a entrevista, a diferença era que usava um sobretudo preto no lugar do blazer para se defender melhor do frio e que já não estava com uma feição cansada no rosto (ele havia dormido as merecidas quase vinte horas seguidas, sim). Carregava no ombro direito uma mochila grande com seus pertences.

O rapaz se surpreendeu ao perceber que estava em um hangar exclusivo da empresa. Haviam três galpões com três jatos brancos há uma pista de distância de onde estava. O lugar ao seu redor o fez pensar se a mesma pessoa que fez o projeto da sede da empresa também havia feito o projeto daquele lugar, pois era tão grandioso, bonito e de vidro quanto o prédio. Ele estava em uma espécie de área de espera, que lhe pareceu bem confortável, mas não ficou ali por muito tempo.

Uma mulher o cumprimentou de forma séria e o acompanhou até o galpão da ponta direita, o informando que o Sr. Tomlinson já o esperava na aeronave. Harry checou seu relógio de pulso, se certificando de que não estava atrasado, antes de entregar sua "mala" a um homem que argumentou que ela seria bem guardada e subir as escadas.

Louis estava sentado em uma poltrona que parecia bem confortável. Não se levantou ao ver seu, talvez, novo funcionário. Apenas disse "bom dia" e indicou a poltrona de frente para a sua, voltando a dar atenção ao seu celular.

- Normalmente nós saímos uns trinta minutos depois do marcado, mas hoje, por conta da chuva prevista, teremos que sair em cima da hora. Só estávamos te esperando. - Foi o que Tomlinson disse, ainda sem tirar sua atenção do aparelho. Tudo o que Harry conseguia pensar era "Gay. Gay. Gay." e fazer caretas imaginárias.

- Eu não sabia. Na verdade, até pensei que o vôo fosse ser cancelado. Ouvi no rádio que tem uma tempestade vindo do norte.

- Nós vamos contorná-la fazendo uma rota que vá pelo sudoeste. Vai fazer o vôo ser um pouco mais longo, mas nós vamos chegar a tempo. No máximo, a gente vai pegar um turbulência, coisa mínima. - Tomlinson explicava como se fosse a coisa mais simples pra si. Ele parecia o próprio piloto. "Gay. Gay. Gay."

- Se me permite perguntar, senhor, a tempo de quê? - Harry estava se irritando. Ele gostava de olhar nos olhos das pessoas enquanto conversava, mas o outro não desviava a atenção do celular.

- Uma conferência com algumas empresas do ramo tecnológico. Nós queremos novas ideias pra repaginar a empresa antes dos próximos projetos. - O outro acenou em entendimento, mas Louis não viu. Seu olhar, finalmente desgrudou do celular que tinha em mãos, apenas para pegar uma caixa ao seu lado, de outro aparelho celular. - Esse é o celular padrão de funcionários da empresa. É claro que você pode continuar com o seu para assuntos pessoais, mas assuntos de trabalho devem ser tratados com esse. Você pode usar ele em aviões, porque trabalha em uma frequência independente, e não tem perigo de interferir no rádio. Ah, ele também tem sinal em praticamente qualquer lugar no mundo. - Louis o entregou a caixa. "Gay. Gay. Gay." - Nós podemos evitar os lugares sem sinal. - E então ele sorriu pela primeira vez no dia. - Tem uma lista com os números de todos os celulares da empresa aí, que é atualizada sempre que necessário.

A conversa se encerrou ali. O avião decolou e a viagem se seguiu sem imprevistos. O silêncio não foi quebrado. Louis resolvia assuntos no celular ou anotava coisas em um bloco que estava ao seu lado, enquanto Harry explorava seu novo celular com o mesmo pensamento quanto a seu chefe.

"Gay. Gay. Gay."

...

No hotel, que havia sido reservado para os convidados da conferência, um andar de cinco quartos estava reservado para a Tomlinson's Corporation. Harry insistiu em ficar no quarto mais próximo ao de Louis, mesmo que a ideia não o agradasse. Ele faria seu trabalho direito, não importava a contradição de suas ações com seus ideais. 

Styles recebeu uma mensagem de seu chefe no seu novo celular corporativo, dizendo que queria vê-lo. Aproveitou, então, que continuava com suas roupas sociais e seguiu ao quarto de seu possível contratante, deixando seu sobretudo para trás. Miami era mais quente que Londres, mesmo que ambas estivessem na primavera.

Harry ouviu um "Entra." muito abafado do outro lado da porta quando bateu, e assim o fez. O quarto de Louis era exatamente igual ao seu, então não se concentrou nestes detalhes, se concentrou no barulho do chuveiro e na constatação de que Tomlinson estava no banho. Esperou ali, em uma postura séria.

- Desculpa a demora, Harry. - Louis disse saindo do banheiro apenas de toalha. Harry continuou olhando para sua frente, ele não conseguia entender qual era o problema do outro se trocar na sua frente ("Gay. Gay. Gay."), afinal, ele e seus colegas se trocavam juntos depois de jogos ou qualquer coisa do tipo, sem problemas. Mas Louis era gay. Talvez fosse apenas medo de ser atacado por ele ou algo assim.

- Tudo bem, senhor. - Tentou ignorar o outro se secando, mas não foi tão bem sucedido. Acabou desviando o olhar ao menos um pouco e disso pôde observar que Tomlinson tinha um corpo curvilíneo, que exalava masculinidade e mesmo assim era delicado. Sua boca secou. "Gay. Gay. Gay."

- Eu te chamei só para dizer que esta noite nós iremos a uma confraternização dos membros da conferência, e com isso quero dizer que vamos a uma festa. - Despreocupadamente pegou uma boxer na cama e vestiu, como se estivesse sozinho. - Não vamos ficar muito tempo e também não acho que seja necessária uma equipe pra nos acompanhar, é um lugar tranquilo.

- Certo, senhor. Nós vamos que horas? 

- O carro vai estar esperando na frente do hotel daqui cinquenta minutos. Você tem vinte pra se arrumar, porque nós vamos comer lá embaixo, assim você pode conhecer o restante da sua equipe. - Pela fala tranquila, nem parecia que Louis estava se espremendo dentro de uma calça preta extremamente apertada, que marcava suas coxas. ("Gay. Gay. Gay.") - Só mais três coisas, Harry. Primeiro, sua licença para armas é internacional e está em dia, certo?

- Sim, senhor. - Harry respondeu tentando entender aquele sentimento de frustração ao ver Louis colocando uma camisa pólo que cobriu suas curvas e suas tatuagens. E então seu pensamento mudou, ele não se atormentava com a sexualidade de Louis, mas com a sua. Sem prever ou saber o motivo, sua mente começou a exclamar. "Você é hétero. Hétero. Hétero!" 

- Segundo, eu quero que você troque a munição, nada de balas de verdade hoje à noite. Você pode escolher entre tranquilizante e arma de choque, apenas. Mas isso você vai resolver com o restante da equipe antes de sairmos. - Tomlinson havia se sentado na cama para calçar um sapato qualquer preto.

- Como quiser, senhor.

- Pare de me chamar de senhor, está começando a ficar irritante. Já disse que prefiro Louis. - Levantou sua cabeça apenas para ver se Harry havia entendido, depois terminou de amarrar seu sapato.

- Desculpe... Louis. - Quando o mais baixo se levantou e passou perfume, Styles chegou a conclusão de que aquele cheiro era muito bom e que nunca havia sentido nada igual. ("Hétero. Hétero. Hétero.") 

- Enfim, terceiro... - O homem se levantou e ficou de frente para o mais alto o encarando de forma a deixar claro que aquele era o ponto mais importante. - Eu sei que você tem problemas com a minha orientação sexual, Harry, mas isso não é da sua conta. O trabalho que eu te ofereci é para cuidar da minha segurança, não da minha vida. - Harry acenou em concordância. Naquele momento, ele não estava preocupado com a opção sexual de Louis, estava preocupado com a proximidade entre eles. "Hétero. Hétero. Hétero." - Eu estou acostumado com pessoas de mente fechada e desde que você não me cause problemas por isso, nós vamos nos dar bem. Mas, independente de qualquer coisa, meus clientes, sócios e pessoas que convivem comigo, devem se sentir bem, então não os deixe desconfortáveis. Estamos entendidos? - Harry concordou, mesmo não absorvendo nada. - Agora vamos. Você vai se arrumar e eu estarei lá embaixo esperando para comermos algo. Enquanto isso eu resolvo algumas coisas. - Styles seguiu Louis para fora do quarto. - Não se atrase, eu odeio atrasos.

Tomlinson seguiu até o elevador e Harry o observou por alguns segundos antes de entrar no seu quarto. Ele simplesmente não entendia como um homem poderia ter uma cintura daquelas.

"Hétero. Hétero. Hétero!!!"

...

Harry conheceu sua equipe, eles não lhe chamaram muita atenção, mas pareceram dedicados e lhe deram algumas instruções para o novo serviço.

Styles estava no salão da confraternização há mais ou menos uma hora, e se enganou ao pensar que seria uma coisa mais intimista. Parecia muito com uma balada lotada. Ele tentava não perder Louis de vista, mantendo uma distância considerável para não deixar ninguém desconfortável.

Seu chefe parecia conhecer todo mundo ali, mas em certo momento, ele simplesmente pareceu cansado e foi em direção ao bar, se acomodando em um banco alto. 

- Senta aí. Pede alguma coisa. - Tomlinson gritou para facilitar que Harry o ouvisse e ele se sentou, pedindo apenas uma água sem gás e com gelo. - Sabe, quando eu disse sem álcool, não era pra você levar tão a sério. A não ser que você seja muito fraco pra bebida. - Louis disse divertido próximo ao ouvido do outro.

- Eu tô bem assim. - Harry respondeu olhando pra frente, mas sabia que o outro ouviria. ("Hétero. Hétero. Hétero.") 

- Você que sabe. - Deu de ombros, se afastando para pedir um dry martini ao barman, logo voltando. - É impressionante, sabe, o seu currículo. 

- O que te impressionou? - Harry indagou, mesmo sabendo que aquilo poderia ser apenas uma forma de puxar assunto, mas ele se sentiu curioso.

- Você tem muitas experiências trabalhistas interessantes. Seu currículo daria inveja em muitos chefes de segurança e você tem só vinte e nove anos. Se eu te visse na rua, te imaginaria como um administrador jovem, não como um guarda costas ou algo assim. - Styles não sabia se podia abusar da liberdade mas resolveu falar a verdade.

- Sinceramente, você parece novo demais pra administrar uma empresa do porte da TC. - Bebericou sua água, porque sua garganta secou em nervosismo.

- Eu tenho vinte e sete anos e sou realmente novo demais para administrar um empresa deste porte. Só estou nessa posição, porque meu padastro começou a empresa pra mim. Mas isso é assunto pra outro dia... - Louis sorriu em agradecimento quando sua bebida foi posta no balcão. - Como a gente tá nessa de expor os pensamentos, você não me parece homofóbico.

- Não sou homofóbico. - "É sim." - Não tenho problemas com homossexuais. - "Tem sim." - Mas não significa que eu goste de me cercar deles. - "Que fiquem bem longe." - Você não me pareceu gay num primeiro contato.

- Eu nunca disse que sou gay. - Louis rebateu simples.

- Mas eu pensei... Quer dizer. Você atendeu seu namorado ontem no telefone, não foi? - Louis gargalhou e algo derreteu dentro de Harry. "Hétero. Hétero. Hétero." 

- É complicado. Quer dizer, eu tenho um namorado, mas também tenho uma namorada. E mesmo assim, sou livre pra ficar com quem quiser. - Um nó se formou na cabeça de Styles, e ele não entendeu como o outro conseguiu dizer aquilo de forma simplista.

- Não vou fingir que entendo, mas é a sua vida, então... - Tomlinson gargalhou outra vez.

- Um último comentário sobre a impressão que você me causou... É uma pena que eu tenha errado e você seja hétero. - Ele se aproximou de Styles, seus rostos estavam a centímetros de distância. "Maldita hora pra virar o rosto. Hétero. Hetero. Hétero." - Você realmente poderia ser gay e não leve isso como um insulto a sua masculinidade. - Sussurrou.

Foi engraçado como tudo aconteceu, porque Louis parecia ser atraído para Harry, enquanto este não conseguia se mover. Seus lábios estavam tão próximos. "Hétero." Louis queria acabar com aquela distância e estava bem próximo disso quando percebeu a burrice que estava fazendo.

- É melhor a gente ir embora. Já fizemos o que deveríamos fazer. - Disse de forma lenta, sem se afastar, encarando os lábios do maior. - Vou ligar pro motorista. - Completou rápido, se afastando mais rápido ainda. Harry suspirou, o que ele estava fazendo?

...

O caminho para o hotel foi silencioso e constrangedor, eles evitavam até mesmo se olharem.

No hotel, Tomlinson foi direto para o seu quarto e Styles checou tudo antes de ir para o seu. 

Já deitado na cama que seria sua pelos próximos dois dias, sem roupas desnecessárias, ele sentia ódio de si mesmo. Se pudesse, ele se bateria muito.

"O que o seu pai diria, Harry?  Você é uma vergonha. Que tipo de pessoa nojenta você se tornou? Você é hétero." Era o que passava em sua mente enquanto o sono demorava de encontrá-lo.

"Hétero. Hétero. Hétero!?"