História Lírio Branco - Frésia

•°* Jung Hoseok *°•

Aquelas palavras gravadas naquela folha faziam meu interior revirar.

Estéril. Oficialmente estéril.

Senti meus olhos arderem e sem perceber as lágrimas escorriam livremente pelo meu rosto. Aquele aperto no peito, aquele formigamento que se espalhava por cada parte minha deixava a certeza de um futuro sozinho se tornar ainda mais claro perante os meus olhos. No fundo eu sabia que seria assim, não devia ter criado expectativa.

— O que aconteceu? — Yoongi me encarava preocupado. Lhe lancei um sorriso limpando meu rosto com as costas de minhas mãos.

— Isso aconteceu. — suspirei prendendo meus olhos para um horizonte que se traçava na minha cabeça enquanto estendia o documento para o alfa. — É oficial. Eu nunca poderei ter filhotes. — divaguei. — A partir de hoje eu sou oficialmente estéril. — engoli a vontade de chorar e tentei não desabar ao ver a feição de completa pena do mais velho.

— Eu... eu sinto muito. — neguei com a cabeça, aquilo não era necessário. Me levantei segurando o capacete emprestado.

— Tudo bem. Não deveria ser surpresa, eu... eu tenho só que aceitar e respeitar o espaço dos outros ainda mais agora que é oficial. — dei de ombros. — Esse lugar é muito bonito, eu agradeço muito por ter me trazido até aqui; mas por agora eu só quero voltar para casa. — pedi tentando soar o mais natural possível. Aquele olhar ainda continuava a me perfurar como agulhas pontiagudas, e logo ele estava caminhando ao meu lado de volta para sua Harley.

Tudo foi no mais completo silêncio; a partida daquele campo bonito, a chegada em casa e o enfurnar de cada um em seu próprio quarto.

Devo ter ficado trancado naquele quarto durante, pelo menos, duas horas. Na minha cabeça se passava em um looping quase infinito todos meus relacionamentos fracassados, a preocupação dos meus pais e o quanto foi difícil suportar todos os apelidinhos no começo — mesmo agora já estando devidamente calejado com os mesmo.

Mesmo com tudo isso, ainda era chocante ver ali, comprovado com todas as letras a veracidade da minha impossibilidade de dar continuidade ao sangue da minha família.

Mais uma vez eu suspirava de uma maneira pesada e dolorida.

Sobressaltei com as batidas na porta, me surpreendendo ainda mais ao ver o alfa tatuado ali, com a cabeça dentro do meu quarto e com aquela expressão suave me encarando todo moribundo jogado em cima do colchão e cobertores fofinhos.

— Eu pedi pizza e como só temos eu e você, vim te chamar para comer. — aquele sorriso tímido tão incomum para alguém como Yoongi deixava nítido que ele estava se esforçando para tentar me animar um pouquinho. — Você vem?

— Eu… — fiquei ali a pensar se deveria sair do meu quarto e daquela atmosfera pesada e sufocante de tristeza que os últimos acontecimentos me forçaram a criar. — Eu quero ficar aqui. — o alfa suspirou de maneira cansada.

— Por favor, Hoseok. Eu sei o quanto você está triste, mas se enfurnar nesse quarto não vai mudar as coisas. — Yoongi era tão sincero que doía um pouquinho. — Seokjin te pegaria pela orelha e te arrastaria, mas eu não vou fazer isso se você cooperar e vir por vontade própria. — ele deu de ombros de forma brincalhona, então vencido pela estranha mudança de humor do mais velho eu me levantei  e fui me arrastando até o andar de baixo.

Percebendo que a pizza estava na sala, não demorei a me acomodar no sofá, colocando os pés no estofado e abraçando meus joelhos ainda pensando na mesma coisa das últimas horas.

— Toma. — mal percebi que o mais velho havia tirado um pedaço e estendido para mim.

— Obrigado, hyung. — agradeci ainda meio desnorteado e me coloquei em perna de índio para comer. Yoongi estava extremamente sociável e eu gostaria que ele continuasse assim, então, sem desfeitas.

Eu comia com uma animação inexistente, e meu estado estava tão crítico que nem o gosto da fatia de pizza eu estava sentindo direito. E bem, minha feição e aura não passou despercebida pelo alfa, que agora me encarava com o rosto contorcido em uma expressão preocupada.

— Não fica assim… — o garoto soltou metade do pedaço que comia em cima de seu prato na mesinha de centro.

— Desculpe ficar dando trabalho para você. — disse de maneira tímida, dando uma mordida para logo abandonar o pedaço ali, próximo ao de Yoongi.

— Não precisa disso. É normal que se sinta assim, você é bem forte para conseguir segurar essa barra, e eu sei que só precisa de um tempo para ficar bem. — o alfa sorriu pequeno, e eu peguei me pensando no quanto eu estava parecendo frágil para despertar esse lado no Min. — Porém, por hoje, vamos apenas deixar isso de lado, ok?

— Tudo bem, mas você vai ter de me distrair bastante para que eu não fique pensando nisso. — acabei dando o braço a torcer, recebendo aquele repuxar de lábios em um sorriso gengival. Yoongi às vezes me tirava o fôlego facilmente.

— Não seja por isso.

Aquele restante de tarde seguiu de maneira tranquila. Yoongi me contava várias histórias de quando era mais novo e sobre suas peripécias adolescentes.

O tempo passou voando, e quando dei por mim, a pizza havia acabado e estávamos bem próximos um do outro no sofá enquanto um filme qualquer rolava na televisão. Estava ficando escuro quando entornávamos as latas de cerveja esquecidas na geladeira. Yoongi era uma companhia agradável; prestava total atenção ao que eu falava e até mesmo ria das minhas piadas sem graça — resultado de algumas latas vazias sobre a mesa.

— Então você fez sua primeira tatuagem com 15 anos? — perguntei quando iniciamos tal assunto, Yoongi levantando a manga da camisa para mostrar o lobo de olhos vermelhos vibrantes em seu braço. Ele assentiu.

— Isso. Pode parecer clichê, um alfa tatuando um lobo, mas quando eu vi o desenho não pude deixar de querê-lo eternizado em minha pele. — disse olhando para o mesmo.

— É muito bonita. — confessei enquanto tomava liberdade para tocar a derme desenhada. Além de sentir a textura e maciez da pele do alfa, aquele eriçar também não passou despercebido por mim. Yoongi se arrepiou com o meu toque, e isso refletiu em meu próprio corpo.

Quando nossos olhares se encontraram eu não consegui desviar mesmo com os vários segundos se estendendo. Aquele alfa me envolvia em sua aura de um forma que não me era possível ignorar. Alguma coisa nele, naquele momento, me atraia como um imã.

Em que momento a distância foi se tornando menor? Em que momento o batucar em meu peito se tornou tão desesperador?

Eu não poderia dizer; a única coisa que eu conseguia lembrar com precisão foi aquele toque no celular de Yoongi que me fez pular levemente no estofado onde eu estava.

— A-alô? — atendeu um tanto quanto desnorteado. Parecia entender tanto quanto eu o que estava acontecendo antes daquele telefonema. — Ah, oi Namjoon. — revirou os olhos. — Que sorte, não é mesmo? — disse com aquele deboche tão dele. — ‘Tá, ‘tá, não precisa me dar detalhes do passeio de vocês…. Pode deixar, vamos nos comportar…. É claro que eu vou cuidar dele! Q-quero dizer.. vamos ficar bem até vocês voltarem. — eu podia ver o rosto antes tão branquinho, em um vermelho cada vez mais intenso. Adorável.

Enquanto ele continuava a conversar com o outro alfa, eu aproveitei e fui deixar a louça suja na pia da cozinha e as latas e caixa de pizza — agora vazia — no lixo. Assim que retornei com mais algumas latas de cerveja, vi que o Min encerrava a ligação.

— E aí, eles voltam quando? — perguntei voltando ao meu lugar de antes abrindo uma lata e sorvendo o líquido gelado, ignorando a vergonha daquele quase beijo; tentado a todo custo ignorar aquele frio na barriga por estar próximo ao mais velho novamente.

— Amanhã à noite. — suspirou não se demorando para pegar mais uma cerveja e passar a bebê-la. — Por alguma coincidência do destino, o treesome esbarrou com o casal vinte e eles estão todos juntos naquela pousada alugada pelo Namjoon. — acabei rindo pela forma como o alfa repassava as informações. — Hoseok, você ‘tá rindo de mim? — seu cenho estava franzido.

— Não. É só que você fica engraçadinho bravo desse jeito. — ele então arqueou a sobrancelha.

— Como assim engraçadinho? — perguntou curioso.

— Ah, é um engraçadinho de um jeito bom, sabe? Você fica fofo. — fechei momentaneamente os olhos, só então refletindo sobre o que eu acabara de dizer. — Quer dizer…

— Então você me acha fofo? Eu, um alfa todo tatuado, revoltado e com cara de mau encarado? Min Yoongi agora é fofo? — seu tom era em total brincadeira. Ele estava tirando uma com a minha cara sem arrependimento.

— Aigoo! Retiro o que eu disse! — dei um soquinho em seu ombro e com um biquinho me deixei levar por sua risada gostosa, logo batendo nossas latinhas em um brinde de cumplicidade. Yoongi e eu parecíamos amigos de longa data.

— Sabe, amanhã eu marquei um horário no estúdio, vou fazer mais uma tatuagem. Quer ir comigo? — perguntou e eu me surpreendi por um momento. Seria nosso primeiro “passeio” por livre e espontânea vontade juntos se eu aceitasse. — Você precisa se distrair, e outra, vai que você se interessa e não começa a pintar o corpo também? — soltou uma risadinha e eu não pude deixar de corar. — E aí, o que me diz? — seu olhar era repleto de expectativa por um sim.

— Bom, não garanto que farei alguma, mas eu adoraria sim, ir com você. — lhe sorri e ele devolveu o repuxar.

Conversa vai, conversa vem, somadas de latas e latas vazias, a noite não demorou a chegar, e depois de acompanhar — apenas observando — Yoongi em seu último cigarro do dia, lavamos a louça e subimos as escadas com alguns tropeços. Quando paramos nas portas de nossos respectivos quartos, nos encaramos contendo algumas risadinhas.

— Boa noite, Hobi. — lhe sorri e assenti.

— Boa noite, Sugar. — ele me encarou com uma feição de desgosto, mas logo deixou um sorriso aparecer logo se colocando para dentro de seu quarto.

Fiz o mesmo e sem esperar mais me joguei no colchão e me aconcheguei nas cobertas ainda bagunçadas. Ouvi algumas batidinhas na porta e logo o alfa estava ali em minha presença novamente.

— Minhas coisas ainda estão aqui. — só quando ele falou eu percebi o colchão disposto ao lado da minha cama.

— Oh, verdade. — o vi se abaixar, mas ao contrário do que eu achei que ele faria, Yoongi apenas se jogou ali e se deixou descansar. — Boa noite hyung. — lhe desejei.

— Boa noite, Hope. — disse com a voz abafada pelos cobertores.

— Boa noite. — murmurei baixinho, pensando sobre o dia de hoje até o momento e como seria o amanhã passando mais um dia inteiramente com Yoongi.