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História I am - Capítulo 3


Escrita por: Imadeleine

Capítulo 3 - Capítulo 3


A movimentação frenética na viela de calçamento de pedra era notável graças a baixa janela de vidro ao lado da mesa onde estou sentado. Dentre tantas pessoas do lado de fora, desde o comerciante da barraca de frutas com suas prateleiras amontoadas na calçada, para chamar clientes, até o pombo que persegue o homem que passa com um saco de pão, provavelmente para casa, dentre tantos e todos, nenhum deles era HyunWoo.

Adoro pessoas pontuais, sou do tipo que prefere chegar antes a chegar atrasado. Mas aí você se pergunta: Ele está atrasado? Não. A minha crise de ansiedade voltou com todas as forças me fazendo mexer e remexer a pequena colher dentro do chá de citronela já frio e balançar a perna como um tique. Com toda certeza o olhar de repreensão da mulher em frente ao notebook na mesa ao lado é pelo barulho que estou fazendo conforme a colher bate nas laterais da xícara.

Respiro fundo. Tenho de aprender a controlar isso. Apesar de HyunWoo ter escolhido um café tão reservado para nosso "passeio" - Que na minha cabeça lê-se "encontro" - Eu fiz questão de passar horas do meu dia trocando várias vezes de roupa até achar uma boa o suficiente, ou quase lá, para impressiona-lo. Não quero criar expectativas com ele, mas apesar de todas as semanas que já passaram desde que contei a ele o motivo da minha depressão e a minha verdadeira opção sexual ele não mudou comigo. Ele simplesmente continua o mesmo, digamos que até mais atencioso.

Posso estar me iludindo e o fim dessa história ser trágico, como o drama teatral que é a minha vida, mas se houver reciprocidade de sentimentos meu coração com toda certeza irá explodir de alegria e felicidade.

O cheiro de bolo vem da cozinha, me pergunto se devo ou não fazer o pedido antes dele, já que meu estômago reclama de falta de alimento.

O café não tinha um estilo próprio, muito menos um padrão americanizado de organização, limpeza e decoração. Era como uma casa de avó, ou de um escritor. Com pilhas de livros antigos e novos por todos os cantos, até mesmo no chão. Quadros de todos os tipos que mal conseguíamos ver a cor da parede de tantos. Mesas totalmente distintas com cadeiras disputando lugares com poltronas, como a extremamente confortável em que estou sentado. A iluminação do local trazia em ar calmo e uma sensação boa apesar do frio da época.

Estamos no fim do outono, e com ele o céu cinza e as decorações de rua começam a surgir. Segundo a senhora Red nossa apresentação de fim de ano está próxima e temos de ensaiar arduamente para sermos excepcionais. No meio de tanta gente no fim de tarde um sorriso inconsequente surgiu em meus lábios mesmo que eu tente controlá-lo. Alto, forte, bonito, sorridente, tanto o sorriso nos lábios quanto, literalmente, o sorriso no olhar ao me ver. Meu coração acelera de tal forma que se fosse compará-lo ao mecanismo de uma locomotiva ele estaria em potência máxima.

HyunWoo passa por entre as pessoas e o perco de vista, só escuto o sino da porta e passos pelo piso de madeira do café. Seu cheiro másculo, porém sutil, graças a um perfume provavelmente escolhido a dedo me faz até esquecer do bolo que eu estava desejando tanto. Ele sorri, como sempre sorri para mim, puxando a cadeira e se sentando. Sua mão retirou o celular do bolso e mostrou o visor para mim.

- Cinco horas em ponto - Ele riu e meu peito transbordou de felicidade com o som de sua risada.

- Digamos que nós gostamos desse horário - Brinco lembrando-me que é essa hora que acaba minha aula de balé e corro para ala onde ele ensaia.

- É uma boa hora para se viver e uma boa hora para se morrer - Ele pisca para mim.

- Você está muito mórbido hoje - Ele ri e estende a mão sobre a mesa segurando a minha.

- Eu estou só brincando - Ele sorri mais uma vez e a solta. Os poucos instantes do contato espontâneo e natural já me deixaram em êxtase ao ponto de ficar boquiaberto e sem fala até o garçom chegar próximo a nossa mesa.

- O que gostariam? - Perguntou o rapaz com uma camiseta do Rock In Rio.

- Um café não muito forte e um bolo de massa branca sabor frutas vermelhas - HyunWoo pediu tranquilamente como se soubesse o cardápio do lugar. O garçom nem notou a máscara dele, o que me deixou mais intrigado sobre a frequência com que ele vem aqui. Ainda estava avoado e desacreditado de tudo, principalmente que ele veio hoje, sendo tirado dos meus devaneios pelo jovem que me olhava com o bloco de notas em mãos.

- Ah... - Me recompus - Outro chá de citronela e um bolo de mousse de chocolate - Ele assentiu e saiu.

- Você deveria ser mais saudável - Hyunwoo tentou esconder o riso enquanto olhava para rua.

- Está me chamando de gordo? - Entrei na brincadeira colocando as duas mãos na cintura e atuando com a minha melhor cara de indignação. Ele olhou para mim e agora gargalhou com a mão na barriga. Não me contive e acompanhei sua risada.

- Não. Estou dizendo que você deveria optar por uma alimentação mais saudável.

- Okay senhor fitness - Ergui as mãos em redenção.

O garçom deixou nossos pedidos na mesa e saiu. A rapidez do atendimento é surpreendente.

- É sério - Ele recuperou o tom de voz mais ainda sorria - Muito açúcar e muito sal faz mal.

- A vida é curta HyunWoo - Levei a xícara de chá com um cheiro maravilhoso a caminho da boca - Temos de aproveitar tudo ao invés de nos policiar - Bebi um gole enquanto o olhava.

- Faz sentido - Ele pegou o garfo pensativo e começou a remexer em seu bolo.

- Hum - Resmunguei - Esse chá está delicioso. - O sabor ainda se prendia em minha boca me trazendo a sensação maravilhosa do chá - Está melhor que o primeiro.

- É porque eu cheguei - Ele brincou rindo.

- Tudo com você é mais interessante - Disse enquanto bebia mais um gole. Assim que ele me olhou abobado desviei os olhos para o bolo a minha frente - Deveria pedir um para você - Mudei de assunto.

- Não gosto de chá - Ele revelou levando um pouco do bolo até a boca e mastigando.

- Eu também não. Mas uma vez eu fiquei doente e minha mãe me obrigou a beber chá, porque segundo ela fazia bem. Citronela é o único que eu gosto - Dei de ombros.

- Eu pensei que eu fosse a única pessoa que não gostava de chá entre as que conheço - Ele sorri fraco limpando em seguida a boca suja de calda de morando com o guardanapo.

- Não - Ri baixinho - Mas café com toda certeza é a minha bebida favorita.

...

Entre nossa conversa notei que ele tem uma pintinha no pescoço, próxima ao lado direito, descobri que HyunWoo prefere praia a piscina, noite a dia, café a chá, silêncio a barulho, um abraço a uma palavra, comer do que dieta - Mesmo sendo extremamente saudável - Se exercitar a passar o dia dormindo, que ele foi educado em casa, que ele é autodidata, que ele não gosta de ter a sensação de solidão, que ele fala enquanto dorme, que ele gosta de algodão doce e pipoca com queijo, que ele nunca andou de montanha russa, que ele adora carrossel, que ele adorava ver sua mãe cantando enquanto cozinhava. Que ele tem medo da animação Coraline, que ele tinha um ursinho marrom chamado Bubbly, que ele tem pesadelos se não pede proteção antes de dormir, que ele acredita em amor a primeira vista.

Que HyunWoo nunca namorou porque não é confiante, que ele adora filmes de fantasia e superpoderes, prefere Batman enquanto eu defendo o Superman, que gosta de música clássica ao mesmo tempo em que consegue escutar alguns rocks antigos.

Que ele não gosta de peito de frango, sua fruta favorita é banana, sua mãe chamava ele de olhar sorridente, pois seus olhos fazem uma curva como a de um sorriso quando ele da risada, que sua mãe cantava canções de ninar e o levava para brincar toda terça-feira no parquinho perto da casa deles. Que HyunWoo não gosta de andar no escuro e que sua mãe ficou boba quando ele disse que não achava as meninas muito interessantes.

- Nunca imaginei que...

- Que eu fosse gay? - Ele deu de ombros - Nem eu. Eu não gostava de meninas mesmo, mas depois que eu te conheci eu tive a certeza.

- Hyun... - Parei na calçada e me virei para ele - O que você está querendo dizer? - Indaguei como a testa franzida e com um turbilhão de sensações e pensamentos passando pelo meu corpo.

- Eu nunca tive muito contato com pessoas - Ele deu de ombros e suspirou - Não havia como saber o que eu poderia sentir ou não por alguém. As únicas pessoas que eu tinha contato era com a minha tia, minha professora que tinha idade para ser minha avó e os funcionários dos teatros que nunca tinham tempo para mim. Eu era como um fantasma, uma sombra atrás das cortinas que ninguém dava atenção até você chegar. Você simplesmente não tentou subir o muro alto que me cercava você simplesmente quebrou parede que me envolvia e se tornou meu apoio. Eu nunca tinha sido tão próximo de alguém da minha idade e...

- Não confunda sentimentos... - Tentei intervir com um tom manhoso desacreditado do que ele estava dizendo, porém ele prosseguiu.

- Como posso confundir? Toda vez que você entra por aquela porta com um sorriso cheio de vida no rosto, toda vez que você me abraça, toda vez que você me motiva, toda vez que você demonstra afeto, carinho, atenção, toda vez que você encosta a cabeça no meu ombro, toda vez que você me faz rir, toda vez que você me faz sorrir pelo simples fato de estar ao meu lado meu coração dispara, minha boca seca, minha mão soa, meu corpo arrepia, eu fico sem graça, eu fico sem ação, eu fico bobo. Se você chora eu entro em pânico, se você não está bem meu coração doe, se você demora meu coração dispara do mesmo jeito só que de expectativa para você chegar logo. Se estar ao seu lado agora, como esse tom apressado e exasperado de voz, com as mãos suando e com medo do você sair correndo nesse exato momento e te perder não for amar Changkyun, então eu não sei o que é amar de verdade - O peito dele subia e devido a respiração acelerada.

- Oh meu Deus...

- Por favor, não vá embora - Ele segurou em minhas mãos e uma onda de eletricidade percorreu meu corpo me fazendo arrepiar.

- Como eu poderia? - Perguntei ainda sem reação - Eu pensei que nada disso que sinto seria recíproco.

- Então quer dizer...

- Quer dizer que... - O cortei e ri fraco balançando a cabeça enquanto olhava para o chão. Ergui a cabeça e o olhei nos olhos - Dizem que quando você diz isso a uma pessoa você perde toda a sua força com ela, você se entrega, você diz a ela que você está completamente nas mãos dela e que ela pode fazer o que quiser com você. E... Eu não me importo nem um pouco de ficar em suas mãos - Respirei fundo - Já ouviu falar sobre isso? - Perguntei me aproximando mais dele quebrando o espaço que havia entre nós.

- Não - Ele negou com a cabeça.

- Com toda certeza sua professora não te explicou, mas a minha psicóloga disse que eu estou com todos os sintomas. Quer saber o que é?

- Changkyun... - Ele parecia implorar. Fiquei na ponta dos pés e sussurrei em seu ouvido.

- Eu te amo - Coloquei os pés totalmente no chão novamente e ele parecia processar ainda o que disse com os olhos fechados. Como alguém que sente a brisa suave e refrescante em um dia de verão caloroso.

- Quando... Quando você me disse que era gay, milhões de coisas passaram pela minha cabeça - Ele abriu os olhos e me olhou - Eu até cogitei que teria chance com você, porém não seria nada muito alcançável. Mas agora... - Os olhos dele estavam marejados - Ouvir de você o que eu sonho todas as noites em escutar é como estar em mais um sonho. Se não fosse pelas suas mãos segurando as minhas eu não acreditaria que era real, ou provavelmente já teria desmaiado - Sorri com as bochechas coradas.

Um raio cortou o céu e um trovão veio em seguida. Uma pancada de chuva cortou nosso momento. Será que nem os céus colaboram com o pobre Changkyun aqui? HyunWoo segurou no meu pulso e começamos a correr na tentativa de achar um lugar coberto para nos abrigar. As poças de água molharam nossas calças e tênis enquanto a chuva funcionava como uma ducha molhando nossos cabelos e corpos, mesmo eu já tendo tomado banho hoje. Não tive tempo de racionar na hora, mas agora, correndo pelas ruas desertas no meio da chuva eu pude compreender o que aconteceu. Eu finalmente me declarei para ele, e a bomba do dia é: Ele se declarou para mim. Meu coração estava quase na garganta, não só pelo que eu conclui, não só por ele estar me segurando, não só por estar ao lado dele, mas porque sou sedentário e ele está correndo como um maratonista.

A chuva não está colaborando e só está aumentando mais, assim como não há nenhum abrigo por perto. HyunWoo para de correr assim que chegamos a uma praça. Ele anda até o centro e segura no poste de iluminação girando seu corpo ao redor dele como uma criança.

- Querendo reviver dançando na chuva? - Pergunto com o tom mais alto por conta do barulho da água. Meu corpo já tremia de frio, isso com toda certeza me renderá uma gripe.

- Não - Ele riu achando graça parando de rodar ao redor do poste - Mas poderíamos dar uma de casal de cinema. Os casais dançam nas histórias de amor - Ele estendeu a mão para mim e se curvou como os cavalheiros de antigamente - Me concede a honra dessa dança? - Ele ergueu o olhar com um sorriso contagiante no rosto.

- Minha avó sempre dizia: "Se está na chuva e para se molhar".

Aproximei-me e coloquei minha mão sobre a dele. Ele se levantou e acabou com o espaço entre nós me envolvendo pela cintura. Arrumamos nossos braços como se fossemos dançar uma valsa e ele começou a rir.

- O que foi? - Perguntei segurando o riso tentando entender a graça.

- Espero que o bailarino me perdoe se eu errar algum passo - Ele começou a se movimentar com os pés me conduzindo.

- É mais fácil eu pisar no seu pé - Encostei minha cabeça em seu peito, senti seu corpo ficar rígido com o contanto. Às vezes me pergunto o que ele comeu para crescer tanto, me sinto tão minúsculos perto dele.

Dançávamos uma valsa lenta em meio a chuva, iluminados por um poste de praça e encharcados. Minha ficha ainda não caiu que isso é real. Ele me fazia girar e cantarolava uma música qualquer. Não sei quanto tempo durou, sei que para mim foi tão pouco que até bateu uma tristeza quando ele parou. Seu corpo me fez inclinar para trás, como nas valsas de contos de fadas e a tensão de minutos atrás voltou.

Minhas bochechas arderam com a proximidade de nossos rostos enquanto ele me levantava novamente. Sua mão permaneceu na minha cintura me trazendo para perto de si enquanto a outra soltou meus dedos e tocou meu rosto suavemente com a ponta dos dedos. Agora era minha vez de ficar tenso. Minhas mãos inquietas foram em direção ao rosto dele e removeram a sua máscara. Seu tórax subia e descia por conta da respiração acelerada. Joguei a mesma no chão, e enquanto uma mão segurava um lado do rosto a outra tracejava a cicatriz.

Meus dedos desceram suavemente pela sua bochecha, nossas respirações aceleravam cada vez mais. Meu polegar contornou seus lábios fartos e bem desenhados, tão belos quanto uma pintura. Engoli em seco tentando controlar o impulso de quebrar o espaço entre nossos lábios e beijá-lo. Olhei para ele com meus dedos ainda nos seus lábios, seus olhos castanhos estavam quase negros pelas pupilas dilatadas. Me senti uma criança que fez algo errado e o lobo mau estava muito zangado e pronto para atacar. Seus dedos deslizaram da minha bochecha para minha nuca.

Senti um arrepio na coluna e a tensão me tomou com a possibilidade do que viria. Ele me puxou para mais perto, acho que nos fundiríamos em um só se ele me puxasse mais. Desceu seu rosto na altura do meu lentamente. Eu sentia sua respiração quente próxima a mim. Seus lábios se chocaram com os meus em um selar caloroso e úmido, apesar da chuva. Meu coração estava palpitando tanto que parecia que ele poderia dar uma pane e parar a qualquer momento. Fechei meus olhos sentindo a sensação boa de ter seus lábios tímidos nos meus, não como eu um beijo comum, mas como em um beijo delicado, cuidadoso e cheio de amor envolvido. Fiquei na ponta dos pés afundando mais o beijo, tentando demonstrar o turbilhão de emoções que sentia por ele naquele contato íntimo.

Em meio a guerra HyunWoo é minha bandeira branca de paz, ele é como um porto em meio ao oceano agitado, é terra a vista para um naufrago, é o enxergar para um cego, é o ouvir para um surdo, é o nascimento de um filho para uma mãe. HyunWoo se tornou meu tudo em meio ao caos, e sem ele eu me tornei nada. Estar em seus braços em meio a chuva, em uma praça deserta, sujeitos a todos os tipos de preconceito, com uma máscara jogada no chão e um poste de luz sobre nós é como em um filme em preto e branco, alguém assisti-lo é muito raro, só os admiradores realmente apreciam. Por mais fodido que eu seja eu sou egoísta e não vou mandá-lo embora. Amá-lo foi com um fim de tarde na primavera, com pássaros cantando e um pôr do sol em tons cor de rosa. 



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