S/N ouviu as sirenes ganhando vida por todos os cantos da cidade quando foi disparado o aviso de que um incidente ocorrera no bosque.
Carros de polícia estavam a caminho, e também um paramédico, mas ele não teria nada a fazer, além de tratar os amigos histéricos de Min hee. Garotas se abraçavam em grupos, soluçando. Outros gravavam em vídeo o sangue numa atitude mórbida, até os amigos de Min hee se aproximarem, arrancarem seus celulares e os atirarem nos arbustos. A cena do crime estava sendo pisoteada. Alguns dos amigos mais práticos tentavam esconder a pilha de latas vazias, enfiando-as em mochilas, entregando-as aos recém-chegados, mandando-os descartá-las na lata de lixo mais próxima.
Jaebum finalmente voltou, ele dissera que tinha se perdido enquanto ia procurar Min hee, S/N se encolheu em seus braços como de costume e desejou que tudo aquilo acabasse. Queria fugir o mais rápido que pudesse.
Alguém acreditaria quando ela contasse o que vira? Será que até mesmo a mãe acreditaria nela? " Havia um lobo e a sombra de um homem, juro. E eles levaram Min hee para dentro da névoa." Por que isso não podia ter sido apenas mais um exemplo de sua patética obsessão em se preocupar com coisas que não acontecem? Por que sua preocupação com a festa se tornou realidade? Por que isso não podia ser apenas Min hee dando seu showzinho habitual para chamar atenção, escondendo-se para poder fazer uma grande cena mais tarde?
Por que a polícia não chega? Por que a mãe não chega e lhe diz que tudo vai ficar bem? Então alguém deu um grito de alívio e lanternas começaram a aparecer entre as árvores, enquanto alguns garotos indicavam o caminho para a polícia e o paramédico.
Daí em diante, tudo era barulho e movimento: rádios da polícia apitando, vozes gritando, ordens sendo dadas.
— Veja, o celular dela! E aqui está o sangue!
— Afastem-se todos vocês! Parem de pisotear aqui em volta.
— Que diabos estava acontecendo aqui? Alguém estava dando uma festa?
— Vocês, mais velhos, fiquem todos ali.
— Quem desapareceu?
Por um instante, o burburinho cessou.
— Jung Min hee— disse S/N.
O silêncio continuou.
— Maldição! — falou uma voz na escuridão. Então mais silêncio. — Alguém já avisou a Sun hee?
Os policiais começaram a sussurrar uns para os outros. Um deles avisou.
— Ela está a caminho agora. Vou buscá-la — disse e saiu.
Uma policial passou a mão no cabelo de S/N dizendo:
— Você vai ver, tudo vai ficar bem. Sua mãe chegará logo.
— Eu vi alguém — S/N falou, mas a policial já tinha ido embora.
Perto dela, o policial que chegara primeiro estava falando com os participantes da festa e anotando seus nomes e endereços, o que não era uma tarefa fácil, já que muitos deles estavam histéricos, as garotas soluçavam, os meninos tentando explicar que não tinham bebido tanto. Metade deles dava nomes falsos ou se escondia entre as árvores. Kris estava sentado no tronco perto do fogo com os cotovelos sobre os joelhos e a cabeça abaixada, e uma policial estava sentada ao seu lado com o braço em seu ombro, falando gentilmente.
Uma mão gigante parecia espremer todo o ar para fora dos pulmões de S/N, e ela mal podia respirar. Uma sombra surgiu à frente dela com uma tocha crepitando. Era Sun hee, de uniforme, cheirando a ozônio e batatas ao vinagre, que comera no jantar.
— Jaebum sua mãe veio lhe buscar, ela está com o carro na entrada do bosque. — Sun hee falou para o garoto.
— Certo, Obrigada! — Falou Jaebum com gentileza. — Tchau pequena, tchau senhora Huang. — Disse dando um beijo na testa de S/N e fazendo uma leve reverência como forma de respeito a Sun hee.
—Você está bem! — exclamou Sun hee. — Mas onde está Min hee? Disseram que alguém desapareceu. Não foi Min hee. Não! Não foi Min hee!
— Desculpe, mãe! — ela disse. — Desculpe. Desculpe — foi tudo o que conseguiu dizer.
Sun hee a segurou pelos ombros. Ela podia sentir as unhas da mãe penetrando em seu casaco de pele.
— O quanto ela bebeu?
— Eu não sei — respondeu S/N.
— Você conhece sua irmã... ela fugiu com algum garoto? Para fazer ciúmes a Kris ou algo assim?
— Não! Eu vi uma coisa, mãe. Havia um homem por perto. E vi a sombra dele.
Sun hee a sacudiu.
— O quê? Você devia ter me ligado. Me contado sobre a festa.
— Desculpe! — Ela respirou fundo. — A sombra que eu vi... acho que algumas pessoas vivem na névoa. Sabe, como o garoto de quem falei na escola.
— Que garoto?
— Eu falei para você hoje de manhã!
— Ah, não me venha com isso agora, S/N.
— Ele vive na névoa.
Sun hee a encarou.
— O quê?
S/N agarrou a manga de sua mãe.
— Tem que haver outro caminho que leve a algum outro lugar...
Sun hee franziu a testa e soltou a mão dela.
— S/N, você bebeu?
— Não!
— Então vá embora e se acalme. Por favor. Você sabe o que tem que fazer. Eu preciso ajudar na busca.
Sun hee olhou em volta. Pais estavam aparecendo de todas as direções, chamando por seus filhos e filhas, abraçando-os, levando-os embora, ou falando humildemente com a polícia. A maior parte dos garotos da festa tinha casas que davam de fundos para o bosque, como a dela.
S/N viu o alívio nos olhos dos adultos quando percebiam que não tinha sido o seu filho a entrar nas sombras e não sair. Sun hee a puxou e entregou para um policial.
— Ele vai levá-la para a delegacia logo. Não vai, Baek?
Baek se virou e colocou sua mão no ombro dela.
— Oh, céus, Sun hee, é claro! Depois volto para a busca. Não se preocupe, vamos achá-la.
Sun hee balançou a cabeça, impotente.
— S/N— ela disse. — Preciso ir.
A menina acenou e a empurrou.
— Desculpe. Desculpe. Vai!
E ficou vendo sua mãe se afastar.
— Jung — ela dizia no rádio. — Para o bosque. Agora!
O bosque se encheu de gritos, assovios e burburinho de rádios enquanto a polícia se espalhava e fazia a busca. As pontas brancas de suas tochas piscavam e passeavam por entre as árvores.
Na clareira havia equipes de peritos e dois adestradores com pastores-alemães presos em suas coleiras. Outros colocavam uma fita de isolamento e, até onde S/N conseguia ver, grupos de garotos soluçavam e se abraçavam.
S/N esperou até sua mãe desaparecer, aguardou quieta até Baek voltar e começar a anotar mais alguns nomes e endereços. Então correu. Não para casa, mas em direção à névoa.
Longe da clareira, o bosque se fechou ao redor dela, como se tivesse ficado cega. O vento mais forte fazia as nuvens baterem na face da lua e o ar se tornou frio e úmido. Raios de luz prateada ainda brilhavam através das árvores aqui e ali. Eles não pareciam mais de contos de fada, eram ameaçadores.
Ela tropeçou e se atrapalhou ao longo do caminho em direção ao buraco, desejando ter apanhado uma tocha.
Preciso fazer isso, por Min hee
Ela pensou, afundando as unhas nas palmas das mãos para afastar o medo que ameaçava invadi-la.
Ela seguiu o caminho em direção ao buraco, pulando a cada estalar e farfalhar, com o lobo branco caçando-a em sua mente. Finalmente chegou. A névoa brilhava como néon. Começou a deslizar em sua direção, o cheiro de pinha rodopiando ao seu redor.
— Espere até Jung saber — disse bem alto uma voz atrás dela.
Olhou para trás e viu dois policiais que conhecia vagamente, um homem e uma mulher. Certamente Sun hee os mandara checar o buraco e a névoa. Ela se escondeu atrás de um arbusto e ficou bem quieta.
— Ele vai ficar furioso — continuou a mulher. — Sua própria filha passando a noite no bosque, se embebedando.
— Ela é uma dondoca, a tal da Min hee.
S/N cerrou os punhos. Parem de falar dela desse jeito, ordenou silenciosamente. Abaixou-se mais ainda quando chegaram perto, suas tochas balançando na escuridão.
— Eu não deixaria minha filha passar a tarde no quarto com o namorado, de porta fechada.
— A outra, S/N, é uma coisinha metida. Sempre rodeada de amigos, mas com ceteza nenhum é verdadeiro.
— Está sempre agarrada com aquele tal de Im Jaebum, até parecem namorados.
— Ela diz que viu um estranho por perto.
— Quatorze anos de idade e no bosque à meia-noite... o que Sun hee está pensando da vida!
— Há algo suspeito acontecendo, eu acho. Quero dizer, talvez Min hee tenha conhecido alguém na internet e fugiu com ele? Ela não parece ser do tipo que escolhe seus namorados com cuidado.
— Que Deus tenha piedade de quem a pegou quando Jung colocar as mãos nele. Ele até me assusta quando sai sozinho — falou a policial.
S/N sentou-se nos calcanhares. Então seu pai botava medo em todo mundo, não apenas nela.
Os dois policiais passaram, vasculhando os arbustos dos dois lados com suas tochas. Desceram o declive sem perceber que ela estava lá, e no fundo começaram a xingar, pulando de pedra em pedra: o policial reclamava que seu pé havia afundado até o tornozelo na lama quando escorregou. Por alguns passos, suas tochas iluminaram a névoa, e ela os ouviu começarem a subir do outro lado.
Esperou até as vozes sumirem e desceu para as pedras. Era um tipo de pedra branca com manchas de quartzo que brilhavam ao luar. Eles seguiram à frente dela até que a névoa espessa os envolvesse. Envolveu também os sons. O chiado dos rádios, as vozes dos pais e o soluço das meninas silenciaram. Entretanto, a música celestial estava lá. Dessa vez, havia também um fraco murmúrio de vozes. Ela juntou as mãos para fazê- las parar de tremer, os punhos de seu casaco de pele estavam melados com o sangue de Min hee. Era como se houvesse pessoas perto dela, mas não conseguia vê-las. Ela hesitou com o pé na primeira pedra, de alguma forma sentia como se estivesse no limite do mundo.
Estava prestes a romper com qualquer precaução sensata de segurança. O pior acontecera com Min hee. Agora precisava fazer algo, assumir o controle dessa coisa terrível.
A história de sua avó dizia que o caminho para o outro lugar era dançar sobre as pedras. Ela olhou para elas, repassando em sua mente a imagem de Taehyung se movimentando e saltando à sua frente na primeira vez que o seguiu.
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