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História Igual Que Ayer - Epílogo


Escrita por: jaimencanto

Capítulo 12 - Epílogo


- Batimentos estáveis. A pressão está normalizada. Preciso testar os reflexos. Fernando, olhe para a luz e a siga, por favor.

               A luz se movia de um lado para o outro, e era a única coisa que eu conseguia enxergar em minha frente. Queria saber o que estava acontecendo, mas não conseguia enxergar ou ouvir mais nada além disso.

- Reflexos cem por cento normais. Fernando, você consegue me ouvir?

               Um gosto ruim na boca. A cabeça pesada e levemente dolorida. O corpo parecia não ter vontade própria, e o meu medo foi de que não tivesse forças suficientes para produzir palavras.

- Sim. – Me esforcei, mas consegui. Eu estava ouvindo minha própria voz.

- Está sentindo alguma coisa? Dores de cabeça? Dores no corpo?

- Minha... Cabeça está dolorida.

- Muito, médio ou pouco?

- Pouco.

               Houve um silencio. Aos poucos consegui me acostumar com a luz clara e forte que me incomodava. Pisquei várias vezes na tentativa de conseguir enxergar sem que as vistas estivessem embaçadas, e enfim consegui enxergar um homem de meia idade à minha frente, vestido com um jaleco.

- Onde... Eu estou. – Perguntei olhando em volta.

- Você está na sala de um hospital, Fernando. Você sabe que esse é o seu nome?

- É claro que eu sei.

- Pode repeti-lo para mim, por favor? O nome completo.

               Suspirei já impaciente, querendo saber o que estava fazendo em uma sala de hospital.

- Fernando Mendiola.

- Muito bem. Fernando, você sabe por que está aqui?

- Não. – Respondi de imediato, já impaciente por não conseguir mexer o meu próprio corpo. – O que foi que aconteceu comigo, e por que não consigo levantar?

- Fernando... Você sofreu um grave acidente de carro.

               Arregalei meus olhos, incrédulo. Como é possível que eu tenha sofrido um acidente sem ao menos me lembrar disso?

- Acidente de carro? – Perguntei um pouco tonto. – Impossível...

- Infelizmente, não. Foi um acidente grave, e foi um milagre você sobreviver.

- Mas, como isso?

- Nós entraremos em detalhes depois. Mas, antes de mais nada, você precisa saber da conseqüência desse acidente.

- Que conseqüência?

               Ótimo! Estou paraplégico? Não consigo mover minhas pernas, só posso estar paraplégico.

- Você ficou em coma. Ficou em coma por seis semanas.

- SEIS? – Praticamente gritei.

- Sim. – O médico me olhou com pesar, mas sorriu pelo canto da boca logo depois. – Você acordou há algumas horas, e sinceramente, também foi um milagre.

- Mas, como isso é possível?

- Você estava respirando apenas com a ajuda de aparelhos. No início dessa semana, você teve um grande avanço, e não precisou mais da ajuda deles para isso. E hoje, nos alegrou acordando do coma.

- Seis semanas... – Murmurei incrédulo. – E o que mais aconteceu?

- Como?

- Eu... Perdi alguma parte do corpo? Perdi a memória? Algo assim.

- Não. – Ele achou graça da minha pergunta. – Está perfeitamente bem. Pode estar confuso, mas isso irá durar apenas um tempo. Tenho certeza que sua família irá ajudá-lo com isso.

- Minha... Família?

- Sim! Seus pais, seu irmão, seus amigos... Sua esposa.

               Esposa. Minha esposa. Olhei para o lado, onde havia vários balões, cartões e alguns desenhos feitos por uma criança em cima de uma cômoda.

- Imagino que esteja querendo vê-los.

               Eu não sabia exatamente se queria. Ainda estava muito confuso, e precisaria de um tempo para me acostumar. Minha cabeça girava, os pensamentos estavam a mil. Mas, de certa forma, eu queria ver minha família. Queria rever meus pais, queria rever meus amigos, e principalmente, minha esposa. A confusão em minha cabeça, provavelmente causada pelo tempo que fiquei desacordado, não me ajudava a lembrar do rosto de nenhum deles. Mas, eu sentia que precisava vê-los. Sentia que estava com saudades, e sentia que os queria ao meu lado.

- Posso pedir para entrarem? Estão todos ansiosos para te ver.

- Acho que... Sim. – Respondi ainda confuso.

- Sua esposa veio aqui todos os dias, e sempre ficou aqui por mais ou menos duas horas contadas no relógio. Infelizmente, não era permitido que ficasse mais, do contrário eu tenho certeza que ela ficaria. Ela está ansiosa para vê-lo, imagino que você também.

- Sim... – Respondi de imediato, inevitavelmente.

- Vou pedir para que ela entre primeiro. É melhor que não entre todo mundo de uma vez.

               Não respondi. Ele seguiu até a porta, acompanhado de um enfermeiro que só então percebi que também estava no quarto. Me senti nervoso e ansioso, tudo ao mesmo tempo. Ainda estava tudo muito confuso, e eu pelo visto sabia apenas o meu nome por enquanto. Embora soubesse que tinha uma família, era difícil me lembrar dos rostos, e de como fomos parar ali. Como aconteceu o acidente, o que aconteceu durante essas seis semanas... Tudo ainda estava confuso, e eu queria que alguém me esclarecesse.

               Alguém bateu à porta do quarto, e eu não precisei falar “entre” para que ela abrisse. Quando a pessoa que estava do outro lado abriu a porta, as lembranças passaram como um flashback em minha cabeça. Era ela. E eu me lembrei de tudo. Desde quando a conheci, desde o nosso primeiro beijo em frente sua casa, desde o pedido de casamento na sua festa de formatura, até o dia que nos casamos. Era ela, e eu a reconheceria em qualquer lugar, de qualquer maneira. E a medida que ela caminhava em direção à cama, sorrindo e com os olhos marejados, eu me lembrei de um dos dias mais importantes da minha vida.

 

 

 

•••

 

 

 

               Fernando andava de um lado para o outro em cima do altar. Os convidados já estavam tontos, mas ele não podia evitar. Já haviam se passado quinze minutos, e enquanto ele não a visse na entrada da igreja, pronta para o casamento, ele não conseguiria relaxar.

- Quer ficar quieto? – Henrique perguntou segurando os ombros do irmão. – Está deixando os convidados nervosos.

- Eu não posso fazer nada. Eu estou nervoso!

- Não sei para que. Olha só, nem colocou a gravata direito.

               Henrique ajeitou a gravata borboleta no pescoço de Fernando, e suspirou impaciente quando notou que as pernas dele não paravam de balançar.

- Ela vai chegar! – Comentou Omar, se aproximando.

- Eu já disse isso várias vezes. – Henrique comentou. – Mas ele não me escuta.

- Vocês dois não entendem que eu só vou me tranqüilizar quando ela estiver aqui do meu lado dizendo aceito.

- Está mesmo achando que ela vai fugir? Depois de planejarem todo o casamento? – Omar perguntou e Fernando o olhou furioso.

- Eu não vou nem te responder, Omar.

- Ela chegou! – Terezinha entrou correndo na igreja. – Ela chegou!

               Todos voltaram sua atenção para ela, e Fernando finalmente respirou aliviado.

- Vão para os seus lugares. Agora! – Terezinha empurrou Henrique e Omar e parou de frente para Fernando, sorrindo. – Está pronto?

- Mais do que pronto. – Ele suspirou, sorrindo.

- Que bom! – Ela tocou no rosto do filho e o puxou para lhe dar um beijo carinhoso no rosto.

- Obrigado, mamãe.

- Pelo que, meu amor?

- Por ter percebido que Letícia é a mulher da minha vida, e por dar a sua benção no nosso casamento.

               Ela sorriu emocionada.

- Você não precisa me agradecer por isso. Era o que eu deveria ter feito desde o início. Agora percebo que sua felicidade é o que mais importa para mim.

               Fernando sorriu satisfeito.

- Bom, agora vou para o meu lugar. Ela já vai entrar! Boa sorte!

- Obrigado!

               Fernando suspirou e ficou sozinho no altar. Omar e Henrique acompanhados de seus pais estavam sentados no banco em sua frente, mas ainda assim ele sentia-se sozinho e nervoso. Enquanto todos estavam em sua volta, pedindo para que ele se acalmasse, parecia mais reconfortante. De repente, o piano começou a tocar e se coração inevitavelmente disparou. Na porta da igreja, subindo as escadas de entrada, Letícia apareceu, acompanhada de seu pai. Fernando não conseguiu tirar os olhos dela, e abriu um largo sorriso.

               Assim que a música começou a tocar, ele cruzou os braços de frente para o seu corpo, tentando não demonstrar toda a sua tensão e nervosismo. A medida que a música começou a tocar, Letícia caminhava ao seu encontro, de braços dados com Erasmo. Foi impossível que qualquer um dos dois não se emocionasse com aquele momento. Fernando estava ao máximo tentando se controlar, mas seus olhos já estavam completamente embaçados com as lágrimas. Letícia não estava diferente, mas ao contrário dele, não conseguiu segurar por muito tempo. Quando se aproximou do altar e Fernando desceu indo ao seu encontro, as lágrimas já rolavam em seu rosto.

- Cuide bem dela, rapaz. Sabe que depositei toda a minha confiança em você.

               Os dois riram. Erasmo esticou sua mão sorrindo, e Fernando a apertou, com gosto.

- Obrigado, Seu Erasmo.

               Finalmente Fernando pôde segurar a mão de sua amada, depositando um beijo carinhoso no mesmo instante. Letícia sorriu e entrelaçou seu braço no de Fernando, e juntos subiram as escadas para o altar.

- Você está linda. – Ele sussurrou quando o padre começou a falar.

- E você também. – Ela sorriu para ele.

- Está pronta para o resto de nossas vidas?

- Eu sempre estive pronta para isso.

               Fernando sorriu aliviado, e os dois mal conseguiram prestar atenção na cerimônia. O alívio e felicidade de conseguirem chegar àquele momento era grande. Depois de um ano de planejamento, finalmente estavam se casando, assim como sonharam e planejaram.

 

 

•••

 

 

- Lety... – Sussurrei quando ela se aproximou.

- Meu amor... – Ela sorriu emocionada, e as lágrimas correram em seu rosto.

Abri meus braços para recebê-la em um abraço, e foi o que ela fez. Imediatamente ela tomou um impulso e me abraçou. Um abraço apertado e reconfortante, que só Letícia conseguia me dar. Senti um alívio inexplicável ao abraçá-la, e só então as coisas começaram a fazer sentido. Ela era minha esposa. Nós estávamos casados, e eu me lembrava de tudo. Ela era a mulher da minha vida, e depois de ter esse sentimento preso em mim por seis semanas, senti que meu peito estava prestes ao explodir.

- Eu te amo tanto! Eu te amo demais! – Ela disse enquanto me abraçava.

- Eu também te amo!

- Eu tive tanto medo, Fernando. Eu tive tanto medo de te perder!

- Mas não me perdeu... Eu estou aqui.

               Soluçando, ela separou do abraço e me olhou, tocando em meu rosto.

- E eu ainda não consigo acreditar. Parece um sonho.

- Um sonho... – Sorri divertido.

- Você está bem? Como está se sentindo? Está sentindo dores?

- Não. Eu estou realmente bem. Só... Um pouco... Confuso.

- A Doutora Isabela disse que isso é normal e que poderia acontecer.

- Doutora Isabela? – Perguntei confuso.

- Sim! A médica que cuidou de você durante o coma. Ela é um amor de pessoa, vai gostar de conhecê-la. – Ela sorriu. – Ai, eu estou tão feliz que esteja bem!

               Ela voltou a me abraçar e eu retribuí animado.

- Ah! – Novamente ela separou do abraço. – Você disse que estava confuso. Posso responder tudo o que quiser. Você quer saber do acidente? Eu posso contar tudo e...

- Depois. – Falei rapidamente, segurando sua mão. – Primeiro, quero saber se... Você não foi mesmo embora.

- Embora? – Ela me olhou confusa. – Embora de onde?

- Para o litoral.

               Ela me olhava como se eu fosse louco.

- Você está mesmo bem?

               Percebi que aquela pergunta saiu mais estranha do que imaginei. Obviamente ela não tinha fugido para o litoral, e sua feição de espanto respondia isso.

- Estou. – Sorri, apertando sua mão. – Deixa isso pra lá.

- Os seus pais estão aqui. Querem te ver. E tem uma pessoinha que não vai conseguir parar quieta enquanto não te ver. Eu achei melhor que ela esperasse em casa pela sua volta, mas minha mãe disse que era melhor que ela viesse. Ela está ansiosa para te ver.

- Quem?

- A Julia, é claro!

               Novamente meu coração disparou.

- A Julia... – Sussurrei, sorrindo.

- Posso pedir para chamá-la?

- Sim! É claro!

               Ela sorriu.

- Eu já volto. – Letícia se levantou e saiu do quarto.

               Julia. Eu não havia me dado conta de muita coisa até ouvir seu nome. Minha garotinha. Minha menininha. O quanto eu sentia sua falta, o quanto eu sentia falta de abraçá-la e segurá-la em meu colo.

               Quando a porta do quarto se abriu, e eu a vi com um lindo sorriso no rosto, de mãos dadas com sua mãe, sorri emocionado, abrindo os meus braços para que ela viesse de encontro a mim. Imediatamente ela soltou a mão de Letícia e correu em direção à cama, pulando em cima de mim, me abraçando logo depois. Fechei os olhos enquanto apertava o abraço, e me lembrei da primeira vez que a segurei no colo. Minha filha...

 

 

•••

 

 

- É uma menina! – O médico exclamou, segurando o bebê em suas mãos.

               Letícia caiu cansada no travesseiro e chorou enquanto olhava emocionada para sua filha. Fernando ainda segurava sua mão, e não estava diferente. Não foi capaz de controlar a emoção quando viu sua filha pela primeira vez.

- É uma garotinha forte e saudável! – O médico disse depois de prepará-la, levando-a diretamente para os dois.

               Ao colocá-la no colo de Letícia, ela imediatamente a envolveu na manta que havia em cima de si, e chorou ainda mais enquanto a segurava.

- Ela é linda! – Disse meio ao choro.

- Ela é mais do que linda. – Fernando disse emocionado, olhando-a.

- Ela se parece tanto com você, meu amor. – Letícia riu. – Olhe só... Esses olhinhos, essa boca...

               Fernando suspirou orgulhoso, e sentia que não caberia tanto amor em seu peito. O sonho de Fernando era se tornar pai, e Letícia o presenteou com isso. Enquanto olhava para sua filha, nos braços de sua esposa e mulher da sua vida, a única coisa que ele fez foi agradecer.

- Bem vinda ao mundo, Julia. – Fernando sussurrou sorrindo.

- Julia Helena. – Lety disse olhando-o.

- Helena? Então... Você vai mesmo colocar o nome da minha avó?

- É claro que sim. Nós combinamos, não foi? – Ela sorriu.

               Fernando sorriu emocionado, depositando um beijo no topo de cabeça de Lety.

- Eu te amo... – Ele disse.

- Eu também te amo. – Letícia o olhou, e Fernando lhe deu um rapido beijo.

A bebê se mexeu nos braços de Lety, resmungando.

- Acho que ela está com ciúmes. – Letícia riu.

- Puxou isso do pai.

- Você quer segurá-la agora?

               Fernando a olhou tenso, e Letícia riu.

- Deixe-me ajudar com isso. – O médico se aproximou, pegando Julia dos braços de Lety e colocando-a nos braços de Fernando logo depois.

               A tensão que ele sentia segundos antes desapareceu totalmente. Ao segurar sua filha nos braços pela primeira vez, tudo o que ele sentiu foi felicidade. Felicidade por ter esperado-a por tanto tempo, e finalmente tê-la em seus braços. Sua filha, que ele prometeu cuidar e proteger pelo resto de sua vida. A base de sua vida e sua felicidade. Com o coração à mil, e um sorriso que não saía do rosto, Fernando a admirou.

- Eu prometo, filha, que serei o melhor pai do mundo. – Ele sussurrou enquanto a olhava. – Eu prometo.

               Letícia sorriu emocionada, enquanto olhava para os dois amores da sua vida.

 

 

•••

 

 

- Você está bem, papai? Você ainda está em coma?

               Letícia e eu rimos.

- Não, meu amor. Eu estou bem agora. – Falei com ela em meu colo. – Você está tão grande... Parece que passei anos sem te ver.

- Eu cresci um pouquinho assim. – Ela gesticulou com a mão. – Mas ainda tenho seis anos!

- Que bom, então. – Sorri.

- Ela não parava de perguntar de você. – Lety disse. – Eu já não sabia mais o que dizer.

- Vocês ficaram sozinhas durante esse tempo?

- Não. Ficamos na casa dos meus pais.

- Que bom.

- Agora você vai voltar pra casa, papai?

- É claro que vou. – Respondi animado.

- Você gostou dos meus desenhos? Eu mesma fiz! – Ela apontou para a cômoda.

- Eu adorei! São lindos!

- Muito bem, mocinha. Agora precisa deixar o seu pai descansar um pouco. – Letícia a pegou no colo e eu sorri ao olhá-las.

               Senti tanta falta das duas ao meu lado, que não via a hora de chegar em casa e aproveitar a minha família. Mas, ainda tinha mais gente para rever, e não demorou muito para a porta se abrir e meus pais entrarem, acompanhados de Márcia, Omar e Henrique. Ao contrário do que o médico disse, a sala estava cheia de gente, e eu me senti finalmente bem. Me lembrei de cada um, e tive ainda mais certeza de que tudo não passou de um sonho louco. Um sonho completamente louco.

- Com licença. – Uma mulher loira entrou à sala. – Mas que grande festa! – Ela exclamou animada. – Agora sim tenho certeza do quanto você é querido, Fernando.

               Eu não a reconheci de primeira, mas seu rosto não me parecia estranho.

- Ah, desculpe. Você ainda não me conhece. – Ela sorriu sem jeito. – Doutora Isabela. Fui responsável por você durante essas semanas.

               Ela esticou sua mão e eu a apertei rapidamente.

- Muito prazer.

- Estou muito feliz que esteja bem, de verdade.

- E é graças à ela que você está aqui hoje. – Minha mãe comentou.

- Obrigado. – Sorri, sem saber exatamente o que dizer.

- Não há de que. – Ela sorriu.

- Tia Isabela, o meu pai disse que vai voltar logo para casa! – Julia comentou, ainda no colo de Lety.

- É claro que sim! Só precisamos ter certeza de que ele está bem, e logo ele pode voltar para casa.

- Eba!

- Precisamos fazer uma festa. – Márcia comentou e Henrique suspirou ao seu lado.

- Você só pensa em festa? Não vê que ele só quer descansar? – Henrique a alfinetou.

- E quem é que te perguntou?

               Minha mãe entrou na discussão dos dois e todos suspiraram impacientes. Mas eu não. Eu sorria enquanto os via discutindo, feliz por estar finalmente de volta. E nada mudou.

- Peçam desculpas! – Minha mãe disse.

               Márcia revirou os olhos e então virou-se para Henrique.

- Desculpe.

               Henrique sorriu satisfeito e a puxou pela cintura, beijando-a logo depois.

- Desculpas aceitas.

- MAS O QUE...? – Não consegui evitar a surpresa. Todos olharam para mim, até que começaram a rir.

               Meu Deus! Será que eu bati a cabeça tão forte para não me lembrar que Márcia e meu irmão... Estão... Juntos?

- Eu me esqueci que você ficou desacordado por seis semanas. – Henrique comentou, ainda abraçado à Márcia. – Nós... Estamos namorando.

- O que? E desde quando? Vocês não se suportavam!

- Ainda não nos suportamos. – Márcia respondeu rapidamente. – Mas... Aconteceu. Faz duas semanas e meia. – Ela sorriu satisfeita.

- Meu Deus... Será que se eu entrar em coma de novo o Omar vai estar namorando um homem?

- Ei! – Ele exclamou do canto do quarto.

- Nem diga isso, Fernando! – Minha mãe ralhou. – Isso não é brincadeira que se faça.

- Sua mãe tem razão! – Letícia também chamou minha atenção.

               Todos começaram a falar ao mesmo tempo, e eu só conseguia sorrir satisfeito. Nada melhor do que o barulho. O silencio já me incomodou por seis semanas, e a conseqüência disso foi um sonho completamente maluco.

- Com licença. – O mesmo médico que estava no quarto quando acordei, apareceu. – Fernando, você tem mais uma visita.

- Mas já está cheio aqui! – Ralhou Omar.

- Mas essa visita é importante, e ele faz questão de vê-lo.

- E quem é? – Minha mãe perguntou.

               Sem precisar responder, o médico se afastou, e um homem de cabelos longos até os ombros entrou no quarto. Todos pareciam reconhecê-lo, menos eu. Mas, assim como Doutora Isabela, seu rosto não me era estranho, e de certa forma eu parecia conhecê-lo de algum lugar.

- Fernando, você sabe quem é esse? – Doutora Isabela perguntou.

- Não exatamente.

               O homem olhou para todos que estavam no quarto e se aproximou, parecendo tenso.

- Meu nome é Guilhermo. – Ele disse me olhando. – Eu estava no outro carro durante o acidente.

               Só então me lembrei das imagens daquele dia. Tudo o que aconteceu me veio à cabeça, encaixando-se como um quebra cabeça em toda aquela confusão.

 

 

•••

 

 

- Eu ainda não sei por que você está discutindo sobre isso, Fernando! – Letícia disse irritada.

- Você sabe muito bem porque estou discutindo sobre isso! – Ele respondeu irritado, caminhando em direção ao seu quarto.

- Pelo amor de Deus, foi apenas um elogio!

- Um elogio? – Ele a olhou indignado. – Ele praticamente deu em cima de você, e você simplesmente não fez nada!

- Ele não deu em cima de mim! – Ela respondeu impaciente. – Ele apenas elogiou o meu trabalho, e mais nada!

- Elogiou o seu trabalho e deixou claro que você seria uma ótima esposa!

- E o que foi que eu respondi? Que sou uma ótima esposa, PARA VOCÊ!

- Não foi isso que eu ouvi.

- É PORQUE VOCE NÃO OUVE NADA QUANDO ESTÁ IRRITADO!

               Fernando suspirou impaciente, sentando-se à cama.

- Eu sei porque está tão nervoso... – Letícia comentou olhando-o. – E não tem nada a ver com esse ciúmes repentino de um cliente.

- Não é a primeira vez que um cliente dá em cima de você.

- Mas é a primeira vez que você se irrita tanto com isso. – Ela suspirou. – Nós trabalhamos juntos há sete anos e meio, e você nunca se irritou dessa maneira por causa de ciúmes.

- Hoje foi diferente...

- Eu sei porque foi diferente. Ainda está chateado com o resultado do teste, não é?

               Fernando não respondeu.

- Fernando... Eu sei o quanto você queria outro filho... Mas não foi dessa vez.

- Não tem nada a ver com isso, Letícia.

- Eu sei que tem! Você só não quer falar sobre isso. Fernando, nós teremos outra chance! Não é o fim do mundo! Nós sabíamos que seria assim. Eu não engravidei da Julia em nossa primeira tentativa.

- Eu já disse que não é sobre isso! – Fernando se levantou irritado.

- Então o que é, hein? – Ela aumentou a voz. – Você está de mau humor o dia todo, simplesmente por nada?

- Quer saber? Eu cansei de discutir com você!

- Ah, ótimo! Então continue de mau humor até ninguém suportar você mais!

- Não me suportar mais? – Ele a olhou. – Está dizendo que você não me suporta mais?

- Eu não disse isso! Eu disse que ninguém suporta seu mau humor!

- Ótimo! Está achando ruim? Você não é obrigada a me suportar!

- Fernando, as vezes você é tão... ARGH!

               Os dois suspiraram irritados, sem mais discussões. Não costumavam discutir daquela maneira. Não costumavam discutir de maneira alguma. Mas, como Letícia havia dito, o mau humor de Fernando não era apenas por ciúmes de um homem que a elogiou, mas também por ele ter depositado todas as esperanças em um simples teste de gravidez. Há alguns meses os dois planejavam ter outro filho, e quando finalmente tentaram, Fernando teve certeza de que conseguiriam. Mas, não foi dessa vez, e aquilo o desanimou totalmente, deixando-o de mau humor e descontando sua raiva em tudo e todos.

- Mamãe... – Julia apareceu na porta do quarto.

- Oh, meu amor. Nós te acordamos? – Ela perguntou, abaixando-se de frente para a filha.

- Vocês estão brigando?

- Não, é claro que não.

- Mas eu ouvi...

- Isso não foi nada. – Letícia forçou um sorriso. – Agora volta pra sua cama... Já está tarde. Você precisa descansar.

- Quero que o papai me coloque na cama.

               Fernando a olhou culpado e se aproximou, pegando-a no colo. Julia deitou em seu ombro e os dois seguiram para o quarto dela.

- Prontinho. – Fernando disse ao colocá-la na cama.

- Vocês não vão brigar mais, não é? – Ela perguntou manhosa, deixando que Fernando a cobrisse.

- Não, filha. – Ele sorriu. – Desculpe por isso.

- Tudo bem.

- Boa noite.

- Boa noite, papai.

- Eu te amo.

- Eu também te amo.

               Fernando lhe deu um beijo no rosto e se levantou, parando à porta antes de apagar as luzes, deixando apenas o abajur aceso. Quando saiu do quarto, viu Letícia parada ao corredor, escorada à parede e encarando o chão.

- Eu não queria ter gritado com você. – Ela disse sem olhá-lo.

               Fernando deu um longo suspiro.

- Preciso esfriar a cabeça. – Ele disse. – Vou dar uma volta.

- Uma volta? Aonde?

- Por aí. – Respondeu apenas. – Eu não demoro.

               Sem esperar por uma resposta, ou uma pergunta, ele seguiu para a sala, pegando as chaves do carro sobre a mesa, e saindo logo depois. Os dois não tinham o costume de discutir daquela maneira, mas das poucas vezes que tiveram uma pequena discussão, Fernando sentiu-se péssimo e logo depois se desculpou. Mas, daquela vez, ele não estava mal apenas pela briga. Estava mal por saber que Letícia tinha razão, e que ele estava descontando sua frustração toda nela, sendo que ninguém tinha culpa pelo que não aconteceu. Ele sabia que teriam outras várias oportunidades de conseguirem ter outro filho, mas a sensação de ter todas as suas esperanças perdidas era horrível.

               Sua cabeça estava cheia, e a única coisa que prendia sua atenção era a discussão com Lety. Ele não tinha a intenção de dirigir até muito longe, e talvez esse tenha sido o seu erro. Ao virar a esquina para voltar para dar a volta no quarteirão, um outro carro estava vindo pelo seu lado esquerdo, e nenhum dos dois conseguiu frear. O impacto da batida fez o carro de Fernando capotar duas vezes, até cair virado para baixo, com Fernando desacordado.

 

 

•••

 

 

 

- Foi o Guilhermo que pagou tudo aqui no hospital. – Lety comentou. – Ele fez questão.

- Não precisava fazer isso. – Falei olhando-o. – A culpa não foi sua.

- De certa forma foi. Eu não estava prestando atenção.

- Eu também não estava.

- Mas, de qualquer maneira, eu não sofri nada. E você ficou desacordado. Me senti na necessidade de pagar por tudo.

               Sorri agradecido.

- Bom... Então, obrigado.

- Fico feliz por estar bem. – Ele sorriu esticando sua mão em minha direção.

- Eu também. – Apertei sua mão.

               Olhei para Letícia, e ela sorria com ternura. “Eu também...”

 

 

 

•••

 

 

               Para a minha sorte, conseguiram tirar da cabeça de Márcia que precisavam fazer uma festa para a minha volta. Como Henrique havia dito, tudo o que eu queria era voltar para minha casa, e curtir a minha família. Afinal, seis semanas não é seis anos, mas ainda assim é muita coisa. E, quase dois dias depois que acordei do coma, pude finalmente voltar para casa.

- Ah... Como senti saudades daqui! – Exclamei ao entrar no nosso apartamento. – Senti falta de tudo isso!

- Eu posso imaginar. – Lety riu.

- Olha, papai! Eu desenhei para você aqui também! – Ela apontou para um desenho colado à parede, que dizia “Seja bem ‘vimdo’ papai”.

- Meu amor... “Vindo” é com N. – Lety sorriu.

- Ah... Desculpe.

- Tudo bem. – Sorri sentando-me ao sofá, puxando ela para sentar em uma de minhas pernas. – Eu adorei!

- E como você está se sentindo? – Letícia perguntou. – Precisa de alguma coisa?

- Só preciso de vocês aqui. – Sorri, apontando para o meu lado no sofá.

               Letícia sentou-se ao meu lado, e eu senti que não precisava de mais nada.

- Eu senti falta de vocês. – Falei sincero.

- Nós sentimos muito mais. – Julia disse e nós dois rimos.

- Também sentimos sua falta, meu amor. Esse apartamento fica tão vazio sem você.

               De repente senti uma certa culpa pelo que aconteceu. Se eu não tivesse discutido com Lety por uma coisa boba, não teria saído com o carro para espairecer, e nada disso teria acontecido. Pude imaginar como foi horrível para elas ficarem apreensivas, sem saber se eu acordaria do coma ou não. Imaginei como foi para Lety ter que entreter Julia, e ao mesmo tempo, tranqüilizá-la, mesmo quando ela precisava que alguém fizesse isso.

- Mas, precisamos comemorar! – Lety se levantou. – Que tal macarronada para o jantar?

               Julia e eu comemoramos ao mesmo tempo e ela sorriu. Fomos os três para a cozinha, e fizemos uma receita em família. O resultado de tantas gargalhadas e brincadeiras na cozinha, foi a melhor macarronada que já comi em toda a minha vida. Enquanto nos deliciávamos com ela, Julia me contava sobre o que fez naquelas semanas em que estive ausente. Um jantar com conversas e gargalhadas, da maneira que eu gostava. Após o jantar, para sobremesa, assistimos à um bom filme enquanto tomávamos sorvete, e foi a melhor maneira de encerrar a noite em família. Julia adormeceu em meu colo antes mesmo do filme terminar, e aproveitei para matar a saudade de colocá-la na cama, desejando-lhe boa noite. Eu a cobri, mas demorei um tempo para sair do seu quarto. Eu queria olhá-la por quanto tempo fosse necessário, para saber que eu era um homem de sorte por ter uma família tão linda. Julia de fato estava um pouco mudada, mas continuava sendo a minha menininha. Que carreguei no colo, que vi e participei dos primeiros passos e das primeiras palavras, e que jamais se afastou de mim.

- Meu amor?

               Olhei para a porta e Letícia estava parada, me olhando. Beijei o rosto de Julia e me levantei, seguindo para a porta do quarto. A olhei pela ultima vez e sorri, apagando a luz logo depois.

- O que foi? – Lety perguntou quando me virei.

- Nada. Só estou feliz por ter voltado. – Falei sorrindo, abraçando-a pela cintura.

               Seguimos para nosso quarto, e só quando deitei à cama que percebi que senti falta de dormir ali, e principalmente, de dormir ao lado de Lety.

- Eu também estou feliz que está de volta. – Lety sorriu, deitando-se ao meu lado.

               A olhei por um instante e acariciei seu rosto, sorrindo triste.

- O que foi?

- Acho que te devo desculpas.

- Desculpas? Pelo que?

- Pelo que aconteceu.

- Fernando!

- Eu não deveria ter sido injusto com você e descontado minha frustração com uma briga.

- Não diga isso, meu amor... Isso não importa mais.

- Importa, por que... De certa forma eu senti na pele como seria não ter você ao meu lado.

               Ela me olhou confusa.

- Como?

- Pode parecer estranho, mas... Acho que enquanto estava em coma, tive um sonho estranho.

- Um sonho?

- É. Mas não parecia apenas um sonho. Parecia real. Algumas vezes eu era eu, mas algumas vezes eu também era você. Mas, foi estranho. Não me lembro muito bem como foi, mas... Eu só sei que foi como se tivesse passado anos sem te ver.

- Ah, meu amor...

- Acho que nossa briga afetou minha cabeça durante o coma. – Falei rindo. – Devo ter ficado com peso na consciência.

- Mas foi só um sonho.

- É, ainda bem por isso.

- Conte-me mais sobre ele. O que mais você lembra? – Ela perguntou, aninhando-se em meu braço.

- Hum... Acho que... Minha mãe e Henrique foram culpados de nos afastar.

               Letícia riu.

- Sua mãe eu entendo, mas Henrique? Ele sempre deu total apoio desde quando começamos a namorar.

- Eu sei. E foi estranho, porque eu tive muita raiva dele.

- Mas sua mãe também não foi uma pessoa ruim. Tudo bem que ela não aprovou nosso relacionamento no inicio, mas ela mudou de idéia quando você me pediu em casamento.

- É, eu sei. Mas acho que fiquei tão mal por ela não ter aprovado desde o inicio que fiquei um pouco neurótico.

- O que mais?

               Contei para Letícia algumas coisas que ainda lembrava do sonho, mas sem muitos detalhes. Eu realmente não conseguia me lembrar. Mas, a única coisa que eu sabia era que a sensação de ter perdido Letícia foi horrível, mesmo sendo apenas um sonho. Mas, seja por seis anos ou seis semanas, eu não queria nunca mais me afastar dela. O alívio de tê-la em meus braços naquela noite foi inexplicável, e saber que eu a teria para sempre, foi uma sensação ainda melhor.

- Ainda bem que foi só um sonho. – Lety comentou, apagando o abajur e aninhando-se novamente em meu abraço.

- Sim! Ainda bem. – Apertei o abraço, beijando-a logo depois. – Mas sabe o que foi interessante? Apesar de toda essa confusão, no fim nós nos entendemos.

- Isso quer dizer que até em um sonho durante um coma nós não conseguiríamos ficar separados. – Ela riu.

- Parece loucura, mas pode ser verdade. Deve ser algo relacionado com o meu subconsciente. A necessidade de não ficar afastado de você nem mesmo em um sonho maluco.

- Mas só para você saber, eu nunca te deixaria por uma coisa que ouvi. Eu não faria isso.

- Que bom! – Sorri divertido. – Sabe... Pensei um pouco sobre o que você me falou na noite do acidente.

- O que?

- Eu estava nervoso pelo teste ter dado negativo, e você disse que poderíamos tentar mais vezes.

- É claro que podemos.

- Podemos começar hoje, se quiser.

               Ela me olhou divertida e gargalhou.

- Ah... Como eu senti falta da sua risada. – Falei sorrindo.

- Eu confesso que estou com muita saudade de você, mas podemos esperar até amanhã. Você acabou de voltar para casa.

- Tem razão. Quero aproveitar apenas para ficar abraçadinho com você. Bem assim! – Apertei o abraço.

- Além do mais, teremos muitas vezes para tentarmos.

- Sim. Muitas vezes!

               Suspirei satisfeito, fechando os olhos logo depois.

- Eu te amo, Lety. – Falei de olhos fechados.

- Eu também te amo, meu amor.

               Dessa vez eu sabia que acordaria e Letícia estaria ao meu lado, assim como esteve todos os dias desde que nos casamos. Aquele sonho maluco me serviu para aprender que uma vida longe de Lety e de Julia seria a vida mais insuportável que eu poderia ter, e se dependesse de mim, elas jamais se afastariam. E não se afastaram. Nossa felicidade ficou completa quando Joaquim veio ao mundo, e os anos se passaram. Letícia sempre esteve ao meu lado, assim como sempre estive ao dela. E o amor que sentíamos um pelo outro jamais precisou ficar adormecido ou escondido. Fazíamos questão de demonstrar-lo, assim como ainda fazemos. E como sempre iremos fazer. Fomos feitos um para o outro, e seja em um sonho ou na vida real, sempre encontraremos nosso caminho de volta. Sempre.


Notas Finais


Meninas, primeiramente, não me odeiem por esse final! KKKKKKKKKKKK Como a fic foi bem curtinha, eu queria terminá-la com algo inesperado e surpreendente, e achei que seria legal terminá-la dessa maneira. Já posso imaginar que algumas podem não ter gostado, outras sim, mas enfim... Espero de coração que todas tenham aproveitado essa fic, que mesmo curtinha foi um delícia de escrever! Ah, e não se esqueçam que agora atualizarei diariamente a fic "Love Inside Out", espero que acompanhem! Beijos, e obrigada pelos comentários ♥


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